Ah! O Bacalhau!...

terça-feira, 30 de abril de 2013




A expressão que intitula este escrito inspirou-se na recente leitura do livro homónimo, «O Bacalhau, na vida e na cultura dos Portugueses» de Marília Abel e Carlos Consiglieri.

Resumidamente, o livro apresenta ao leitor através de uma viagem no tempo e no grande espaço então português, as diversas formas que os escritores, jornalistas, caricaturistas, gente da escrita e do pensamento incluíram e descreveram nos seus textos (em que a sinestesia não faltou) o chamado “fiel amigo.” De entre os famosos conhecidos, lugar destacado para Eça de Queirós (1845-1900) que o celebrizou sem reservas.

O livro também nos mostra como este peixe, pertencente à ordem dos “gadus” entrou na cozinha e nas receitas domésticas africana e oriental, levado pelos portugueses que o não dispensavam nessas paragens e a constância com que o solicitavam à então Metrópole.

O bacalhau está de tal maneira enraizado na cultura portuguesa que compõe provérbios, ditos e expressões populares. Interessante é que começou por ser comida de pobre e só mais tarde, no séc. XVIII é que passou às mesas abastadas.

De tudo isso nos dá conta o livro em apreço. Valeu a leitura.



Ora bem, a pretexto disto, veio-me à lembrança, um episódio que se passou no ano 2000, quando me desloquei ao Brasil, mais precisamente ao Rio Grande do Sul, para aí assistir à formatura do meu filho, “colação de grau” no dizer brasileiro.

Abro aqui um pequeno parêntesis: Espero que ele (o meu filho) não se zangue se ler isto. É demasiado discreto, para este tipo de narrativa. Não sai à mãe… Fecho o parêntesis.

A semana da minha chegada coincidiu com a última das actividades da turma dos finalistas do curso de medicina desse ano. Chamam-na ou, chamaram-na se a memória não me falha, “a semana da saudade.” Poética a designação. Os formandos andaram quase sempre todos juntos, diariamente em celebrações, convívios, entre outras formas de selar e zelar a camaradagem, a amizade firmadas ao longo do percurso universitário; o fim de uma etapa da vida e a separação prevista, pois que cada um havia de seguir o seu caminho.

Pois bem, coube ao meu rapaz oferecer um almoço na casa que ele ocupava com outros dois colegas. Sabedora dessa parte do programa, eu havia levado de Lisboa uma razoável quantidade de bacalhau, mais o azeite, pois que me fora recomendado assim fazer.

De permeio e em jeito de “intermezzo” recordo as recomendações do meu irmão mais velho, e então quadro da TAP, que me disse na altura: “Atenção, se te abrem a bagagem em S. Paulo e te retiram o bacalhau, assegura-te que o inutilizam na tua presença… (e a brincar) ou, então vai ser um bom pitéu na mesa deles…”

Lá fui eu receosa se tinha de alterar ou não, a ementa do almoço do meu finalista. Não vá sem confessar que não possuo grandes dotes culinários, (Felizmente, casei-me com um cozinheiro de “mãos cheias,” como sói dizer-se) mas um bacalhau cozido, sempre lá o vou fazendo e, penso que a preceito.

Passei a luz verde alfandegária paulista e cheguei ao destino com o “fiel amigo” são e…sobretudo, salvo!

Fez-se a refeição convivial. Alegre e ruidosa como normal naquelas circunstâncias. E o interessante foi a unanimidade havida em torno do prato principal: “Ah! Nada como um bom bacalhau!” E isto vindo de papilas gustativas brasileiras, angolanas e cabo-verdianas que participaram do almoço. Um dos finalistas, angolano, por sinal o mais velho da turma, virou-se para mim e com ar sorridente, saiu-lhe esta: “minha senhora, isto (referindo-se ao bacalhau) é o verdadeiro cimento que nos une…não há dissonâncias. Ah!Ah!Ah!”(gargalhou ele ruidosamente)

Nos dias subsequentes, e como havia sobrado muito bacalhau. Afinal levara mais do que eu própria julgava, variei a forma de o confeccionar e assim comemos bacalhau por mais dois dias. Coincidência ou não, abeirando-se a hora da refeição, soava a campainha da porta. Os rapazes da casa, não sem antes resmungar, exclamavam: “mas que pontaria! Bem na hora do almoço!” E, ao abrir a porta, diziam ao recém-chegado a brincar: “…bacalhau acabou!”

Eu, presenciava tudo isto, deliciada e bem contente, pelo sucesso do meu bacalhau que, afinal, não me deixara ficar mal!





O saber ser do professor… Salvé 23 de Abril!

terça-feira, 23 de abril de 2013

Hoje é o Dia do Professor cabo-verdiano que tem como patrono a figura incontornável da cultura nacional, Baltazar Lopes da Silva, que completaria hoje 106 anos sobre o seu nascimento.

Nunca me canso de bem-dizer a escolha da data para se celebrar o dia do professor nestas ilhas! Ainda bem que assim foi. É que Baltazar Lopes da Silva para além de poeta, romancista, contista e também renomado filólogo, foi professor e Reitor por muitas décadas do distinto Liceu de Gil Eanes em S. Vicente. Professor que marcou muitas gerações de alunos.

A juntar a isto tudo ele foi igualmente, Advogado de defesa de algumas causas dos deserdados da sorte. Lembremo-nos que ele era licenciado em Letras e em Direito pelas faculdades respectivas da Universidade de Lisboa.

Sobre esta notável e ímpar figura da História cabo-verdiana do século XX, muito sobre ela vêm escrevendo, pesquisando e descobrindo a profunda riqueza literária e humanística que nos legou, não só pela forma como caracteriza aquilo que comummente se designa por “caboverdianidade”, como também pela beleza estética e temática da sua escrita ficcionista e poética.



Comemora-se o dia do Professor cabo-verdiano! E na sua esteira impõe também uma reflexão, ainda que breve, sobre o nosso ensino, sobre o perfil do docente e sobre o papel da escola na vida da criança e dos adolescentes, estes sobre quem, a instituição escolar exerce uma enorme e muitas vezes marcante influência transformadora em fases fundamentais das suas vidas.

Faço votos que nas escolas e com os professores do ensino público e do ensino privado este dia seja condignamente comemorado.


Gostaria de poder preencher esta pequena e brevíssima reflexão com palavras e juízos que demonstrassem confiança e alegria sobre este pilar (o ensino) tão precioso e, diria, vital para qualquer sociedade! Infelizmente não vai ser assim.

Sobre o nosso ensino e o que sobre ele se percebe hodiernamente, merece-nos uma grande apreensão e preocupação naquilo que consideramos serem alguns desvios, desleixos, facilitismos e, sobretudo, alguma ignorância pedagógica e científica que o vem contaminando e minando os seus alicerces que deveriam ser os de uma verdadeira fortaleza.

Verifica-se entre os alunos (falo no geral, as excepções não são matéria principal deste escrito) e para mal dos nossos pecados, uma incultura e uma falta dos saberes, que são de arrepiar! Pois bem, estas ferramentas deviam ter sido adquiridas ao longo das etapas escolares e dos patamares académicos. A questão que se põe: por que razão tal não está a suceder?

Antes de prosseguir, abro aqui um curto parêntesis para dizer o seguinte: numa abordagem que se pretende com alguma ética, não é correcto comparar gerações, por todas as razões que lhes estão inerentes, atribuindo valorizações e desvalorizações a uma e/ou a outra. Fecho o parêntesis.

É que por vezes apanho-me a pensar que a geração muito anterior, relativamente e em igualdade de escolaridade, é mais culta e sabedora do que a que se vem formando actualmente nas instituições de ensino, quer secundárias, quer superiores nestas ilhas. E isto revolta-me, pois não deveria estar a acontecer!

Se por um lado, em Cabo Verde a tecnologia de informação e mesmo de alguma formação – próprios da época actual – ainda não estão tão disponíveis e nem são tão abrangentes à nossa camada estudantil, como em outras paragens mais desenvolvidas o que vale dizer que ainda a maior parte dos nossos alunos, espera e conta muito com o que a escola lhe dá em termos do saber e do saber fazer.
Por outro lado, trata-se de uma geração em que uma parte dela tem acesso a meios de tecnologia de informação e de formação que a geração anterior, nem sonhava que existissem.

Nesta conformidade e contexto, ainda por equilibrar, o papel do professor bem preparado – pois é isso mesmo que qualquer encarregado de educação, deseja que os filhos tenham na sala de aula – ganha uma importância que não me inibo de classificar de transcendente.

Trata-se de um perfil que deve poder aliar a pedagogia escolar e social com a ciência específica da disciplina que ensina. É este perfil, no geral, que nos está a falhar e a escassear para uma correcta postura docente e uma praxis adequada na transmissão de conhecimentos, para que se atinja o essencial no sistema de ensino que é a sua qualidade.

A ausência deste perfil (de professor) é também responsável por esta espécie de desastre, perdoem-me a dureza da expressão, que vem acontecendo no interior da escola, de que tanto se fala, com graves reflexos na edificação do ser social e laboral que ela tem a seu cargo.

Estaria a ser injusta se deixasse todos os males da escola por cima dos ombros do professor. Não, não seria de todo justo! Há outros co-agentes ou suportes que concorrem com similar paridade para que os objectivos educativos e formativos cheguem a bom porto. Desde logo, a organização e a gestão do sector educativo no seu todo, a parceria escola/sociedade, entre outros.

Caberia aqui destacar o papel da família enquanto responsável primeira pelo ser que ao mundo trouxe e que em Cabo Verde com particular acuidade, devia ser alertada com frequência e com constância maiores pela sua, diria, negligência e facilidade com que descura a transmissão de algum saber estar, de alguma boa educação caseira aos filhos em idade escolar.

A chamada disfuncionalidade familiar, o abandono parental e a já significativa inexistência de família nuclear estruturada, são infelizmente, os grandes causadores entre nós, dos males que se projectam na escola e se reflectem na sociedade actual e vindoura.

Para finalizar, e por ser o Dia do Professor, um dia de todo especial para este servidor específico, alguns deles, e já estamos a entrar no campo das excepções, muitas vezes também dedicados e abnegados à sua profissão, gente capaz e que não obstante as imensas carências de material bibliográfico, laboratorial e outros, com que se deparam no seu dia-a-dia de trabalho, se empenham em ser bons profissionais. Para eles uma palavra de apreço.