CRÓNICAS PARA FAZER RIR; OU TALVEZ NÃO - 2

sábado, 30 de janeiro de 2016

 

Leia só se tiver um fino sentido de humor

A NOSSA MATRIZ

Viemos de longe, mas viemos para ficar. E não ficámos estáticos mas, à semelhança das pedras que rolam nas ondas, deixámo-nos burilar pelo tempo e pelas vicissitudes por que fomos passando. Hoje somos o que somos, e não queremos ser outros que não nós mesmos!

- M. Odette Pinheiro

 

Parece que estas ilhas eram desertas. De gente, quero eu dizer, porque havia bichos. E foram descobertas por um povo lá do Norte (um povo já misturado, descendente de Vândalos, Suevos, Alanos, Visigodos, Mouros e sabe-se lá que mais), do qual fazia parte um tal Infante D. Henrique que não tinha muito que fazer e ficava horas esquecidas a olhar para o mar e a imaginar o que havia do outro lado. Então ele resolveu embarcar alguns homens e mandá-los descobrir. Naquele tempo era assim! Os reis e os filhos dos reis mandavam e todo o mundo obedecia. Mas, claro, o Infante ficou em terra, pelo seguro (não devia saber nadar e creio que ainda não havia coletes salva-vidas)!

Os barcos vieram por aí abaixo e quando chegaram a estas ilhas e os homens viram que não havia cá ninguém, fincaram uma bandeira no chão e disseram: “São nossas! Habemos ilhas!” Tal e qual quando achamos uma coisa no chão e ficamos com ela, alegando que “é de gato e cachorro”, sem nos preocuparmos em procurar o verdadeiro dono! (Sabideza do caboverdiano!) Mas esses homens tinham desculpa, pois não havia vivalma à vista!

Tais eram os hábitos da época! Quando os exploradores (não do homem pelo homem, ainda não se tinha descoberto essa ideia) achavam uma terra deserta, fincavam-lhe logo o pau da bandeira e declaravam-na pertença da Coroa. Quem chegasse primeiro, pumba! Fincava a bandeira. Não era preciso ir ao notário fazer escritura, nem mais nada, embora por vezes o Papa tivesse de ratificar a posse. Como quando dividiu o mundo entre portugueses e espanhóis! Foi pelo tratado de Tordesilhas, lembram-se? O Papa decretou: Portugal descobre para um lado da linha imaginária, Espanha descobre para o outro lado. Brejeiro mesmo! Deste modo não andariam às turras. Foi assim que Portugal ficou com o Brasil; e a Espanha, com a América do Norte! O problema foi quando outros países resolveram entrar na brincadeira. Inventaram os piratas, como o das Caraíbas!

Feio mesmo era quando chegavam onde já havia gente. Mais do que feio, uma coisa medonha. Porque o hábito dessa gente lá do Norte, os brancos europeus (bem, branco só se for encardido, a precisar de lixívia. Mas, como gostam de ser chamados brancos, não me vou dar ao trabalho de procurar a cor certa), dizia eu, esses chamados brancos, ao chegarem a um lugar já habitado, queriam sempre fincar o pau da bandeira para chamar a terra sua; e como os donos da terra não gostavam disso, havia sempre zaragata da grossa. Infelizmente, os chineses já tinham inventado a pólvora, e os europeus traziam espingardas. Assim, quase sempre eram estes que venciam, embora tenha havido algumas boas excepções, em que levaram uma trepa. Uma vez, lá para o norte de África, os portugueses até perderam um rei, um tal de D. Sebastião, que ainda estão à espera que volte para os libertar completamente da troika.

Agora, como as pessoas que iam encontrando nas terras habitadas eram muito diferentes, e geralmente o ser humano tem a ideia de que “o que o mundo precisa é de mais gente como nós e menos como eles”, suspeitando a priori de tudo que é diferente, acharam que os “indígenas” eram inferiores. Já viram como fazem os meninos quando há um colega diferente? Troçam da sua maneira de falar, do seu cabelo, das suas roupas; e se tem um defeito físico, pior ainda! É a natureza humana no seu pior.

Foi assim nas terras habitadas no continente, aqui para o sul. Encontraram pessoas duma cor muito escura. E como eles não eram experts em cores (desculpem o inglês, mas para mostrar erudição agora é sempre necessário colocar umas palavrinhas em inglês), chamaram-lhes negros, ou seja, de cor preta. Poderiam ter-lhes chamado castanho-escuro, mas preferiram negro ou preto, talvez para ser mais curto. Ou, então, foi bullying. Sabiam a confusão que isso ia dar!

Os hábitos dos habitantes também pareciam esquisitos a essa gente que se achava branca. Por causa do calor, usavam muito pouca roupa. Até as mulheres andavam sempre de monokini, que ainda não tinha sido inventado na Europa. Só lá para a última parte do séc. XX, quando as europeias passaram a andar nas praias de maminhas ao léu. Mas como nesse tempo andavam vestidas do pescoço aos pés, incluindo os braços, acharam que eram muito feio, mesmo imoral, andar com tão pouca roupa. Imaginem, se até os fatos de banho da época cobriam todo o corpo!

Também estranharam que não falassem português; nem inglês ou francês, embora os portugueses também não entendessem estas línguas muito bem (então a pronúncia!). Mas sempre poderiam arranjar um tradutor. Pior ainda é que os africanos não sabiam escrever a sua própria língua. Na Europa já se estava a inventar a imprensa, e nessa parte da África ainda não sabiam escrever à mão, nem sequer hieróglifos como os antigos egípcios!

E a música! Em vez da harpa e outros instrumentos muito soft (erudição!) que usavam na Europa, nesse que era o tempo do canto gregoriano (parecido com os cantares alentejanos), os africanos só tinham o tambor e pouco mais! E como ainda não havia telefone nem internet, comunicavam entre si pelo rufar do tambor (uma espécie de morse mais grosseiro). E usavam também o tambor para umas danças esquisitas para os europeus, com saltos e passos estranhos que nada tinham a ver com as danças de salão europeias, uma coisa lentíssima que até dava sono enquanto se dançava.

Portanto, tudo era diferente. E os europeus, julgando-se superiores, resolveram apropriar-se dos africanos à força, para fazerem os trabalhos pesados que eles não gostavam de fazer. Era a escravatura, o pior rebaixamento do ser humano. Embora já existisse desde tempos imemoriais, adquiriu proporções ainda mais vergonhosas nesse tempo.

Tudo isto era fruto da época e do coração humano, que é o que é e ainda não mudou. Pois ao longo do século XX e neste princípio do XXI, quando há a ONU, a declaração dos direitos do homem, vários tratados internacionais, etc., ainda há escravos em muitos lugares. E sabemos como tem sido o mundo: o Holocausto, Ruanda, Síria, Kosovo, República Centro Africana, Mali, Crimeia, Iraque (incluindo a sua invasão pela América), Guiné Bissau, Somália, Burundi, etc. etc. etc., é sempre uns a maltratar os que são diferentes ou que não pensam da mesma maneira, e a querer aproveitar-se do próximo.

Mas, voltando às nossas ilhas, encontradas desertas, os descobridores resolveram torná-las habitadas, trazendo umas dezenas de portugueses e outros europeus e muitos escravos africanos para as colonizar. E como a maior parte das esposas brancas ficaram na Europa, e os homens brancos consideravam as escravas sua propriedade, não tinham qualquer problema em as violar, começando a nascer-lhes filhos mulatos.

Contudo, diz-se que nem tudo foi sexo forçado, porque as mulheres sabiam que o futuro dos filhos poderia ser diferente se fossem filhos de brancos, e elas mesmas poderiam obter favores especiais dos senhores. Não é assim ainda hoje? Não há quem arranja titio (ou faz coisa pior) para poder estudar, e quando acaba o curso dá-lhe um pontapé, para assumir namorados da sua idade? (É a instrumentalização da mulher pelo homem e do homem pela mulher!) Por isso nem todos os mulatinhos que nasceram teriam sido feitos à força, mas sim daquele modo que a Simone cantou na Eurovisão em 1969.

E assim se originou o meu povo: branco e negro misturando os seus genes, uma coisa linda se um não estivesse submetido ao outro! É que hoje sabe-se que é melhor ter genes diversificados do que ser raça pura. Há menos perigo de taras! Não é bazofaria de crioulo, não senhor! É uma provada vantagem genética.

Sucederam-se as gerações (foram 500 anos!) e foram-se misturando as características dos dois povos. Quando a escravatura foi proibida, os escravos deixaram de vir, mas os europeus continuaram, especialmente ao serviço de Portugal: militares e profissionais vários. Muitos casaram ou juntaram-se com pessoas da terra e eles ou filhos ou netos ficaram por cá. Vieram também castelhanos, italianos, ingleses, judeus. E o pool genético foi-se diversificando, ou mais ou menos, conforme as ilhas, podendo dizer-se, contudo, que todo o caboverdiano é misturado, quer o que parece branco, quer o que parece negro. É como o café com leite: mais claro ou mais escuro, mas não mais café puro ou leite como tirado da vaca.

E com a cultura aconteceu o mesmo. Os escravos não tinham uma cultura e língua uniformes, pois eram de várias etnias, embora algumas possivelmente aparentadas. É verdade que algumas coisas da cultura dos escravos foram reprimidas e por isso foram caindo em desuso: coisas que pareciam inferiores ou imorais, no conceito europeu. Mas algumas permaneceram, e o povo foi-se acomodando como pôde, ganhando características novas. É a microevolução, uma propriedade de os seres vivos se conformarem ao ambiente (não só físico, mas social e cultural), adaptando-se às circunstâncias, para que a vida seja mais fácil e maiores as probabilidades de sobrevivência.

Assim o caboverdiano criou uma cultura nova, com aspectos muito ricos e distintos das matrizes originais, a que se pode com toda a justiça chamar a cabo-verdianidade, sem se ter de pedir desculpas ou pensar que se traiu alguém: os nossos hábitos, a nossa música, incluindo os nossos instrumentos musicais, a maneira de estar, as tradições familiares, a língua, a nossa maneira tradicional de vestir, etc. etc., tudo características que definem o caboverdiano como povo e como nação.

Não precisamos de voltar para trás, para duvidarmos de ou negarmos o que somos hoje. Não precisamos de copiar quem quer que seja, porque estiveram lá longe na nossa origem. Seria de novo uma violência. Precisamos é olhar para a frente e reforçar o que somos, comparando-nos com os que já provaram que podem vencer os desafios do mundo actual, trabalhando as nossas ainda insuficiências neste mundo globalizado e sem retorno, onde temos de competir com os melhores e onde há novos perigos que nos espreitam.

É tempo de ajudar os nossos jovens a compreenderem as dinâmicas da evolução social (sem qualquer conotação negativa da palavra evolução), significando simplesmente aquilo em que nos fomos tornando. Dizer-lhes que não podemos virar a roda da vida para trás.

Os anos em que estivemos dominados trouxe-nos muitos males, mas também deu-nos algumas vantagens que não devemos nem podemos deitar fora. Precisamos ter apreço pelo que nos ficou das duas culturas, pelo que de positivo há em nós vindo dos dois lados, em vez de artificial e insensatamente tentar arrancar o que de europeu perdurou em nós, procurando forçosamente voltar às origens “africanas”, o que nunca é possível. Esta é a alienação suprema. Mas dela falaremos noutra altura.

(continua)

Ainda Existem bons exemplos vindos de África...

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Mãos amigas enviaram-me o texto que se segue. Eu que sou uma afro-céptica assumida, nos tempos que correm. Com exemplos destes e a ser verdade - pesem embora os exageros – faz renascer alguma esperança neste Continente, com países tão mal tratados pelos seus próprios dirigentes.

 

 

Os cortes inacreditáveis desde que é Presidente da Tanzânia já fazem eco.

É o recém-eleito Presidente da Tanzânia e já ficou na memória das pessoas. Também conhecido por Bulldozer pelas mudanças radicais que implementou, John Magufuli tem 56 anos e assumiu a liderança do país a 5 de Novembro de 2015.

Os cortes inacreditáveis desde que é Presidente da Tanzânia já fazem eco:
Pela primeira vez em 54 anos, a Tanzânia não vai celebrar oficialmente o dia da Independência, 9 de Dezembro, porque Magufuli defende ser “vergonhoso” gastar rios de dinheiro nas celebrações quando “o nosso povo está a morrer de cólera” – nos últimos três meses morreram pelo menos 60 pessoas vítimas de cólera
Não há mais viagens para fora, as embaixadas deverão tratar dos assuntos no exterior. Se for necessário viajar, uma permissão especial deverá ser dada pelo Presidente ou pelo seu Chefe de Gabinete

​Acabaram-se as viagens em 1ª classe e executiva– com excepção do Presidente, o Vice-Presidente e o Primeiro ministro.
Acabaram-se os workshops e seminários em hotéis caros, quando há tantas salas de ministérios vazias.

​O Presidente Magufuli perguntou por que motivo os engenheiros recebem V8s (modelo de carro topo de gama) se as carrinhas são mais práticas para o seu trabalho
Acabaram-se os subsídios. Por que motivo são pagos subsídios se vocês recebem salários; aplicável também aos parlamentares
Todos os indivíduos ou empresas que tenham comprado empresas do Estado, que foram privatizadas, mas não fizeram nada com elas (passados 20 anos) ou as fazem recuperar imediatamente ou devem devolver ao governo
John Magufuli cortou o orçamento da inauguração do novo Parlamento de 100 mil dólares para 7 mil dólares.
Já que teimamos em não ouvir os sinais dos tempos, não resisto e pergunto:

​​

Amigo John, que tal um saltinho a  alguns outros países do seu Continente e

 

sugerir o mesmo aos seus ilustres homólogos?

 

 

 

 

 

 
sábado, 23 de janeiro de 2016

 

CRÓNICAS PARA FAZER RIR, OU TALVEZ NÃO - I

(Leia só se tiver um fino sentido de humor)

IDENTIDADE

- M. Odette Pinheiro

 

Quando os disparates são demasiado grandes, há duas maneiras de lidar com eles. Ou se lança mão de todos os argumentos da lógica e do conhecimento, ou então… Eu optei por esta segunda alternativa.

 Parece que os inteligentes piraram. Piraram quase todos. É que segundo o jornal “O Público” (e é verdade porque eu vi o respectivo vídeo, para que as culpas não escorreguem para a jornalista) essa gente inteligente gostaria que eu dissesse uma coisa que eu não posso dizer. E não posso, por várias razões.

Começo pela primeira. Sou bisneta de judeu, daqueles que andaram pelo mundo de terra em terra à procura de um lugar onde fossem bem recebidos e onde o seu dinheirinho fosse apreciado em vez de fazer a inveja dos menos industriosos. Os pais do meu bisavô chegaram cá vindos de Marrocos, não sei se por se terem cansado de comer tâmaras, e descobriram o seu oásis em Santo Antão, tendo até direito a campa no cemitério judeu da Ponta do Sol (se quiserem verificar).

Nhô Abron (de Abraão, em Português), meu bisavô, também lá enterrado, quando chegou à idade casadoira, escolheu para sua mulher uma mulatinha bastante escura (como sabem em Cabo Verde há-as de todas as tonalidades, é só escolher) e muito pobre (ai o amor!), e gostou tanto dela que lhe fez nove filhos (e parece que nunca saltou a cerca!): oito meninas e um rapaz que já vieram um pouco menos escurinhos que a minha bisavó, mas não da cor do pai (beije, como a maior parte dos semitas).

Não que isso me interesse, pois cresci sem noção de que a cor da pele tinha a ver com o que estava dentro. Agora parece que se quer voltar ao muito antigamente já longínquo, e destrinçar entre aqueles que são escurinhos, escurinhos, e clarinhos, clarinhos. Que retrocesso! Eu nunca o fiz enquanto crescia. Nunca me olhei ao espelho para ver se estava a ficar demasiado escura. E andava todos os dias no mar e ao sol, ali na Escasinha, Prainha, ou Lajedo, na Ponta de Sol, dali esta paixão que tenho pelo mar. Aprendi a nadar às costas do meu avô, ainda bem pequenina, e nunca mais parei. E adorava o sol.

Gostava da minha bisavó cor de chocolate bem escuro, do meu avô beije, dos irmãos do meu pai, uns escuros e outros claros, e respeitei-os a todos como sendo iguais. Será que precisamos que um Martim Luther King venha desafiar-nos: “Tenho um sonho, que um dia os meus quatro filhos viverão numa nação em que não serão julgados pela cor da sua pele mas pelo conteúdo do seu carácter?” Que Deus nos livre, mas precisamos atalhar esta corrente daninha enquanto é tempo, se há gente a tentar fazer a cabeça dos nossos jovens e a incentivá-los a outras coisas que não sejam o aperfeiçoamento do seu carácter (desculpem esta nota de seriedade, mas o problema é sério mesmo. São capazes de os convencer que ainda são escravos, e teremos mais uma revolta dos escravos, só que já não será à moda antiga! Agora, com boca bedjo e tudo).

Para voltar à genealogia e para fazer bem as contas, como o sangue da minha bisavó já era misturado, minha avó deve ter ficado com bastante menos de 50% de sangue vindo de África, 2 donde remotamente haviam vindo uns antepassados. O meu avô era também de sangue misturado, pois o pai era descendente (muito perto) dum português, o primeiro Vera-Cruz destas ilhas. Mistura com mistura dá misturada! Lá saiu a minha mãe quase branca (branca não, que é a cor da neve, novamente beije como o meu bisavô). É que a hereditariedade tem destas coisas. O potencial beije estava lá escondido na avó e no avô, e pumba, veio ao de cima na minha mãe: linda e de um cabelo que lhe dava pelas costas (não me tomem isto como ofensa, mas gostos são gostos! Também gosto do encaracoladinho, curto e com muito gel para ficar cheio de brilho e a emoldurar a cabeça. É uma belezura, como diz o brasileiro! Do que já não gosto tanto é desses prolongamentos artificiais, para fazer parecer o que não é. Como os soutiens muito enchumaçados! Mas é só uma questão de gosto, e não tenho nada contra o gosto de ninguém, e não penso que os gostos em si sejam sinais de insegurança identitária.

Do que a minha mãe teve sorte é de não ter sido menina e moça ao tempo da independência, pois teria de andar a fugir das tesouras dos progressistas que estiveram a correr atrás das meninas que tinham cabelos longos e lisos para lhos cortarem, pois as “africanas” não têm cabelos assim. (Será que ali é que começaram os disparates que lemos em “O Público”?)

De volta ao meu pedigree (com o devido respeito pelos meus antepassados), do lado do meu pai a coisa não é menos complicada pois há uma bisavó filha de inglês (sim, súbdito de Sua Majestade). Aliás, sempre nos consideramos primos dela (ai a alienação!) e até ficámos muito… desculpem que não se diz, “chateadinhos”, quando não recebemos convite para o casamento do primo Charles e da Diana (realmente a família já não é o que costumava ser!). E o Pinheiro é de um Português que umas quatro ou cinco gerações atrás veio cá parar, gostou e ficou. Ou foi obrigado a ficar. Que isto de se precisar de autorização de saída não começou com a independência. Estes copiaram de outros a ideia luminosa.

Mas o que acontece comigo não é excepcional. É o que acontece com grande parte dos caboverdianos, mesmo os lá de Rincão, Ribeirão Manuel e lugares do Santiago profundo, considerados de raça mais pura. Investiguem e vão ver a misturada que encontram, a despeito de opiniões mais doutas de que não há muita mestiçagem física em Cabo Verde! Donde vieram os Lubranos, Veigas, Monteiros, Pintos, Reis Borges, Queridos, Mascarenhas, etc. etc. etc., todos com antepassados bem identificados vindos da estranja, que lhes misturaram o puro-sangue africano? Não me venham dizer que foram só escravos a quem mudaram o nome. E que por terem a cor do chocolate muito escuro só têm genes vindos da mãe África, e não do papá Europa.

É que os genes que determinam a cor da pele são complicados. São poligenes, e por isso aditivos e não funcionam segundo a lei de Mendel (lembram-se, o frade que gostava de brincar com ervilhas, e entretinha-se a cruzá-las?). Quanto à cor da pele, há dois pares de genes, Aa e Bb, em que os chamados alelos designados pelas letras maiúsculas produzem grande quantidade de melanina, enquanto os de letra minúscula produzem pouca quantidade. Adicionam-se, conforme os genes que cada um tem. Assim, duas pessoas (até agora macho e fêmea) com dois pares médios (AaBb) cruzando-se entre si podem dar todas as cambiantes: desde o AABB, pele negra, isto é, chocolatão; até aabb, pele clara (chamada de branca). É por isso que encontramos toda a diversidade em Cabo Verde. Filhos dum pai e duma mãe mulatos médios, podem ser desde o branco ao negro, e é o que acontece em muitas famílias. Se duvidarem, verifiquem na Internet. Nem tudo que aparece lá é verdade, mas isto é de fonte segura.

(http://www.sobiologia.com.br/conteudos/Genetica/genesnaoalelos4.php).  

Do lado “africano”, se tivéssemos nós tido os nossos Kunta Kintés (do livro de Alex Halley e filme Roots), que, apesar de escravos, teimosamente tivessem contado às suas filhas Kizzys donde eram e as glórias da família, e tivessem insistido em que elas contassem aos seus filhos, e esses aos filhos dos filhos, e assim por diante, talvez pudéssemos dizer exactamente de onde vieram as nossas raízes africanas que se foram diluindo na caboverdianidade. Mas não aconteceu, e só sabemos que remotamente alguns dos nossos antepassados vieram da costa ocidental da mamã África. Com o tempo deixaram de ser o que eram e nós passámos a ser quem e o que somos hoje. HOJE! Como ouvi num filme quando eu era ainda criança, “o passado é uma porta fechada, e a chave está perdida”. O passado já não me pertence, o futuro não sei se o terei. Só tenho o hoje. Carpe diem, como escreveu Horácio. Agarra o presente!

Quanto à segunda razão, e voltando aos nossos inteligentes, o que querem que eu responda quando me perguntam o que eu sou? O que escolher nessa misturada, de avós, bisavós, tetravós? A única resposta lógica e segura é que eu sou caboverdiana. Agora, quando me perguntam onde é que isso fica, digo-lhes que fica a cerca de 400 milhas marítimas da Costa Ocidental da África, um pouco abaixo das Canárias (se se considerar o Norte para cima, isto também pode ser contestado), mais ou menos na linha horizontal (para quem sabe geografia, paralelo) do Senegal. Maior precisão, só no laboratório! Assim toda a gente fica a saber onde ficam estas ilhas onde tive a felicidade de nascer (até pareço o Lúcio na CAN!).

Agora, definir-me a mim ou a minha identidade pelo nome de um continente é absolutamente absurdo, pois ninguém mais no mundo o faz. O brasileiro diz que é brasileiro e não sul-americano, o holandês diz que é holandês e não europeu, o russo, a mesma coisa (doutro modo eles teriam um problema, com essa mania de estarem em dois continentes ao mesmo tempo: teriam de dizer se eram russos europeus ou russos asiáticos!).

Além disso, definir a minha identidade por um continente é uma coisa muito arriscada, pois um continente é uma coisa grandinha demais. Ficariam a pensar se eu sou do Magrebe (e teria a obrigação de ser beije claro, e até de rezar de rabo para o ar), se sou lá das terras de Haile Selassie, com as suas conotações étnicas e religiosas específicas, se sou lá mais para o Sul e sofri o apartheid, se … tantas possibilidades que é impossível mencioná-las todas!

Assim, minha gente, por favor, contentem-se com o facto de nós, que nos consideramos caboverdianos, dizermos que somos caboverdianos. Mas não vão falar mal de nós para os jornais portugueses, que isso é muito feio! É pior que ter os embaixadores estrangeiros a meter-se nos nossos assuntos! Se nos quiserem chamar de complexados ou alienados, o problema é vosso, mas façam-no aqui dentro. Entretanto, leiam Freud e vejam (melhor no sofá, com ajuda) se isso não é o que ele chamou de projecção: atribuir a outrem aquilo com que não estamos confortáveis dentro de nós mesmos. Traumas de infância? Ou então, é show! Politicamente correcto!
sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

  Com a devida vénia ao autor, um dos maiores pensadores portugueses deste tempo, Professor Eduardo Lourenço, transcrevo aqui um texto de sua autoria sobre a nossa Língua comum e que me foi enviado pelo amigo e colaborador do «Coral Vermelho», Adriano Miranda Lima. Convido o leitor a lê-lo como uma meditação sábia, sobre os transcendentes e históricos processos de formação plural e diversa da Língua portuguesa. 

 

A CHAMA PLURAL

Por Eduardo Lourenço

Não se pode dizer de língua alguma que ela é uma invenção do povo que a fala. O contrário seria mais exacto. É ela que nos inventa. A língua portuguesa é menos a língua que os portugueses falam, que a voz que fala os portugueses. Enquanto realidade presente ela é ao mesmo tempo histórica, contingente, herdada, em permanente transformação e trans-histórica, praticamente intemporal. Se a escutássemos bem ouviríamos nela os rumores originais da longínqua fonte sânscrita, os mais próximos da Grécia e os familiares de Roma. Juntemos-lhe algumas vozes bárbaras das muitas que assolaram a antiga Lusitânia romanizada, uns pós de arábica língua, que espanta não tenham sido mais densos, e teremos o que chamámos, com apaixonada expressão, o “tesouro do Luso”.

Na nossa Idade Média o estatuto da língua era, como o das outras falas cristãs, um “falar” sem transcendência particular. Com o Renascimento, abertura sobre o universal segundo o modelo greco-latino, paradoxalmente, os “falares” europeus tornam-se “língua”, e a língua, signo privilegiado de identidade. Nascem os discursos hagiográficos da língua nacional, da bela língua italiana para Bembo, da altiva fala castelhana para Nebrija, da polida língua francesa para Du Bellay, da nossa nobre e suave língua portuguesa para Fernão de Oliveira, Barros, António Ferreira que a converte em objecto de culto e de orgulho. Diz-me que língua falas, dir-te-ei o estatuto que tens. Nenhum destes endeusamentos ou apologias da dignidade das línguas nacionais é inocente. Fazem parte do processo histórico em que culmina o sentimento nacional.

Descobre-se que a língua não é um instrumento neutro, um contingente meio de comunicação entre os homens, mas a expressão da sua diferença. Mais do que um património, a língua é uma realidade onde o sentimento e a consciência nacional se fazem “pátria”.

Ainda vem longe o tempo em que para cada uma das línguas dominantes da cultura europeia se torne também claro que uma língua não é um dom do céu, destinado à vida eterna, mas um tesouro que deve ser defendido da usura do tempo e das pretensões das outras a ocupar os espaços sem defesa.

A língua é uma manifestação da vida e como ela em perpétua metamorfose. Não há expressão mais melancólica que a tão comum e tão pouco meditada de “língua morta”, nem maravilha maior que a da sua ocasional ressurreição. Como o universo, uma língua viva deve estar em perpétua expansão, ao menos no seu espaço interior, sob pena de se tornar ainda em vida “língua morta”. Essa vitalidade não releva apenas da mera ordem voluntarista ou do ritualismo conservador de academias ou profissionais das nobres ciências da gramática, ou da filologia. É, sobretudo, obra dos que a trabalham ou a sonham como exploradores de um continente desconhecido: romancistas, dramaturgos, poetas, sobretudo, que não apenas os que assim se chamam mas todos os que na quotidiana vida inventam sem cessar as expressões de que precisam para não se perder tempo que passa, do mundo que se renova e transfigura.

É de supor que os homens se tenham inventado como seres falantes por um acto mágico, por um “fiat” ainda hoje misterioso que cada palavra recomeça como se o fogo de hoje se ligasse ao fogo original por uma cadeia de chamas que se ateassem umas às outras. Essa magia original é ao mesmo tempo um desafio e um exorcismo. O destino de cada cultura está intimamente ligado a esses dois papéis que toda a língua encarna. As culturas que o esquecem são as que têm já, dentro de si, as primícias do seu esgotamento. Por graças da História, a língua portuguesa encontrou-se, em dado momento, em condições de elevar esse desafio, esse exorcismo conaturais a toda a fala, a exercício, quase se podia dizer, a missão vital, amalgamando como poucas o destino da sua cultura ao destino da sua língua. Essa aventura podia ter sido, como outras europeias, apenas um exemplo mais da violência colonizadora clássica. Foi também isso, mas foi algo mais e mais importante.

A celebrada alma portuguesa pelo mundo repartida, de camoniana evocação, foi, sobretudo, língua deixada pelo Mundo. Por benfazejo acaso, os portugueses, mesmo na sua hora imperial, eram demasiado fracos para “impor”, em sentido próprio, a sua língua. Que ela seja hoje a fala de um país-continente como o Brasil ou língua oficial de futuras grandes nações como Angola e Moçambique, que em insólitas paragens onde comerciantes e missionários da grande época puseram os pés, de Goa a Malaca ou a Timor, que a língua portuguesa tenha deixado ecos da sua existência, foi mais benevolência dos deuses e obra do tempo que resultado de concertada política cultural. Sob esta forma, um tal projecto seria mesmo anacrónico. Nenhum autor português, nem estrangeiro, escreveu acerca da nossa acção uma obra como “a conquista espiritual do México”, pois não tivemos nenhum México para conquistar e lusitanizar.

O derramamento, a expansão, a crioulização da nossa língua foram como a das nossas “conquistas”, obra intermitente de obreiros de acaso e ganância (da terra e do céu) mais do que premeditada “lusitanização” como nós imaginamos – porventura enganados – que terá sido a romanização do mundo antigo ou a francisação e anglicisação dos impérios francês e britânico.

Quiseram também as circunstâncias – na sua origem pouco recomendáveis – que a nossa língua europeia, em contacto com a africana escrava, se adoçasse, mais do que já é na sua versão caseira, para tomar esse ritmo aberto, sensual, indolente, do português do Brasil ou o tom nostálgico da de Cabo Verde.

A miragem imperial dissolveu-se há muito. Da nossa presença no mundo só a língua do velho recanto galaico-português ficou como elo essencial entre nós, como povo e como cultura, e as novas nações que do Brasil a Moçambique se falam e mutuamente se compreendem entre as demais… Uma língua não tem outro sujeito que aqueles que a falam, nela se falando. Ninguém é seu “proprietário”, pois ela não é objecto, mas cada falante é seu guardião, podia dizer-se a sua vestal, tão frágil coisa é, na perspectiva do tempo, a misteriosa chama de uma língua.

Mas como duvidar que a longa cadeia dos mais exemplares e ardentes dos seus guardiães, aqueles que tornaram sensível o que nela há de imponderável, de Fernão Lopes a Gil Vicente, de Camões a Vieira, de Castro Alves a Pessoa, de Machado de Assis a Guimarães Rosa, ou de Baltazar Lopes a José Craveirinha, se apague ou se estiole? Houve épocas de depressiva configuração em que não era possível pensar no futuro da nossa plural e una fala portuguesa, sem alguma melancolia.

Hoje, não temos motivos para imaginar que, em prazo humanamente concebível, o seu destino seja o dos famosos versos da Tabacaria de que o tempo apagará o traço e a memória. A pluralizada língua portuguesa tem o seu lugar entre as mais faladas no Mundo. Isso não basta para que retiremos dessa constatação empírica um contentamento, no fundo, sem substância. Se contentamento é permitido, só pode ser o que resulta de imaginar que esse amplo manto de uma língua comum, referente de culturas afins ou diversas, é, apesar ou por causa da sua variedade, aquele espaço ideal onde todos quantos os acasos da História aproximou, se comunicam e se reconhecem na sua particularidade partilhada. Não seria pequeno milagre num Mundo que sonha com a unidade sem alcançar outra coisa que o seu doloroso simulacro.

 

 

Eduardo Lourenço, ensaísta, professor universitário e filósofo, usa da palavra durante a cerimónia de entrega do Prémio Pessoa 2011, 14 de maio de 2012 em Lisboa.

 

Eduardo Lourenço (São Pedro de Rio Seco, 1923) é um professor e filósofo português. Entre 1953 e 1965, foi leitor de Cultura Portuguesa na Alemanha e em França. Começou como maître assistant na Universidade de Nice, até que se tornou jubilado pela mesma, em 1988. Em 1989, assumiu funções como conselheiro cultural junto da Embaixada Portuguesa em Roma e, desde 1999, ocupa o cargo de administrador da Fundação Calouste Gulbenkian. Ganhou o Prémio Pessoa em 2011.
sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

 
 
 
Caro Leitor, perca uns minutos do seu tempo e leia este belíssimo texto de apresentação do livro de A. Ferreira, "Mulheres de Pano Preto" por Maria Odette Pinheiro no Salão Nobre da Câmara Municipal de S. Vicente.
 Fazendo jus ao livro, o texto é também um convite a uma reflexão sobre o processo da nossa independência e sobre a nossa História recente.
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APRESENTAÇÃO DO LIVRO “MULHERES DE PANO PRETO”

(ARMINDO FERREIRA, Edição do Autor, 2015)

São Vicente, 14 de Janeiro de 2016

                                                                -- por Maria Odette Pinheiro

Mulheres de Pano Preto, o livro que está a ser aqui apresentado, é uma obra que essencialmente descreve acontecimentos que na Guiné e em Cabo Verde tiveram lugar grosso modo entre pouco antes do 25 de Abril de 1974 e pouco depois do golpe de estado do chamado Movimento Reajustador que, a 14 de Novembro de 1980, pôs fim ao projecto da unidade Guiné-Cabo Verde.

É com muita habilidade que o Engenheiro Armindo Ferreira descreve esses acontecimentos, usando o género historiográfico da novela histórica, através do qual, usando a ficção, pela boca das suas personagens, com descrições e diálogos muito bem conseguidos e de agradável leitura, vai contando e interpretando os eventos, os quais tiveram consequências determinantes na vida das populações tanto da Guiné como de Cabo Verde.

Nascido na Guiné, filho de pai caboverdiano e mãe guineense, o autor fez os estudos liceais parcialmente na Guiné e parcialmente em Cabo Verde, e os superiores em Portugal. Conhecedor destes três países, viveu e trabalhou na Guiné durante grande parte dos acontecimentos descritos, mantendo com Cabo Verde um contacto mais ou menos estreito através de laços familiares.

É assim que as suas personagens ficcionais se encontram bem posicionadas para nos informar acerca do que aconteceu nesse período, descrevendo com maior ou menor vivacidade a atmosfera da época, os sonhos e as esperanças, as quase certezas; mas, também, desfazendo mitos e apontando as incoerências, lembrando os atropelos aos direitos humanos, o sofrimento de tantos nas duas nações em que o Estado esteve dominado pelo mesmo partido único; desmistificando, assim, muito do que se tem dito ou silenciado acerca desse período

O título, Mulheres de Pano Preto, tem a ver com as viúvas guineenses e as mães enlutadas que perderam os seus filhos na esperança da liberdade, durante a luta da independência; mulheres imortalizadas no poema de Armando Salvaterra, cantado pelo artista guineense José Carlos Schwarz, Mindjeres di Pano Preto.

São mulheres que, segundo as personagens do livro, sofreram duplamente: primeiro, pelos horrores da guerra que lhes levou os seus entes queridos; depois, por terem sido traídas nas promessas de dias melhores, pelas quais a independência da Guiné acabaria com a opressão; e que a liberdade longamente sonhada seria finalmente alcançada; e que da luta surgiria o tão propalado homem novo: um homem abnegado e desinteressado, que poria o interesse do seu povo acima de todos os outros interesses, para trazer à Guiné a almejada paz e o progresso na igualdade e no respeito pelos direitos de todos os seus filhos.

Na página 120 é-nos dito que quando os altos dirigentes do PAIGC chegaram a Bissau, e fizeram o primeiro comício, “a população estivera radiante e transbordante de júbilo… Houve pessoas que choraram de contentamento, outras abraçavam-se e formulavam certezas num amanhã de progresso e de desenvolvimento; e risonho para as gerações vindouras. Uma nova era e uma nova esperança acabavam de ser anunciadas e, para muitos, de nascer para todos os guineenses”.

Mas, bem ao contrário, as mulheres de pano preto, à semelhança de muitos outros homens e mulheres, despertaram abruptamente do seu sonho e viram-se privadas daquilo por que tanto haviam ansiado. Encontraram-se desencantadas, ameaçadas, sem as liberdades mais elementares, desrespeitadas, violentadas, numa atmosfera de medo, quase pavor, esperando a hora em que lhes poderiam bater à porta para levar novos entes queridos, muitas vezes ao encontro duma morte clandestina, sem direito a julgamento, funeral ou campa.

A cena desenvolve-se principalmente na Guiné, começando à volta de um grupo de alunos do liceu Honório Barreto, que viviam ainda uma adolescência descuidada e ensaiavam timidamente os primeiros namoricos.

Cabo Verde é o cenário alternativo, pois acontecimentos que cá tiveram lugar são também contados, embora de modo indirecto, através de cartas ou das visitas de familiares que viviam nestas ilhas, mantendo, a família e os amigos na Guiné a par do que por cá ia acontecendo.

Parte do enredo passa-se, também, em Portugal, já que, como era vulgar acontecer, alguns dos protagonistas foram para lá prosseguir os estudos, e lá ficaram a viver. Alice e Tomás, personagens principais, mais outros ligados a eles pela amizade dos bancos do liceu, então já formados e a trabalhar, são apanhados pelo 25 de Abril na então metrópole. E como tantos caboverdianos e guineenses fizeram no após 25 de Abril, acorreram pressurosos, com a esperança de que seriam uma mais-valia para a reconstrução da sua terra, agora em liberdade e com igualdade de todos os cidadãos.

Dizem-nos na pág. 117 que, todos os que assim faziam, “faziam-no absolutamente convencidos de que o mérito e o conhecimento prevaleceriam sobre o diploma ou estatuto de combatente. Estavam dispostos a largar tudo e voltar à terra, em atitude generosa que consideravam prioritária face aos seus projectos pessoais, para dar o seu melhor perante aquilo que achavam serem as necessidades do país em recursos humanos ante a almejada gigantesca tarefa de reconstrução nacional”. Tomás e Alice nunca imaginaram quanto se arrependeriam mais tarde, com a prisão arbitrária de Tomás e acontecimentos bem graves que puseram em risco o seu casamento!

Infelizmente, em todos os tempos a História (com H maiúsculo) é escrita e contada da perspectiva dos vencedores. Há uma verdade oficial que impera e tende a perdurar, raramente contestada. Frequentemente os vencidos são silenciados ou a sua voz perde-se no esquecimento até da geração presente, quanto mais das gerações futuras; ficam, aqui e ali, só vozes tenuemente ouvidas através de registos esparsos dos que teimaram em não se calar e em continuar a contar a verdade que viveram, ou viram viver, e que difere bastante da perspectiva linda e triunfante dos que venceram.

Este é o mérito de Mulheres de Pano Preto. Conta a outra metade da verdade, da história de todos nós, da independência, para que ela não seja monocórdica ou fique unilateral; para que apresente os diversos aspectos, muitas vezes contraditórios: uma história feita, é verdade, de sacrifício e abnegação da parte de milhares de guineenses e poucas dezenas de caboverdianos que na Guiné lutaram pela independência dessa colónia, esperando conseguir a reboque a de Cabo Verde; uma guerra em que houve glória, mas também contradições e horrores, em que muitas vezes a praxis se desviou profundamente, quase que posso dizer, opostamente, ao que era anunciado; o que talvez se possa justificar por serem assim as guerras.

Mas a guerra acabou. E os portugueses partiram. E o que se seguiu foi decididamente não glorioso, pois os combatentes escolheram cobrar dos respectivos povos um juro e um capital excessivos pelo que haviam investido na luta, coartando-lhes a liberdade, proclamando-se únicos interlocutores legítimos na decisão do seu destino e, mais pronunciadamente na Guiné, arvorando-se em senhores da vida e da morte dos seus “súbditos”, como nas monarquias absolutas da Europa dos tempos de antanho!

Somos lembrados das prisões sem culpa formada e por tempo indeterminado, dum e doutro lado do mar, em celas insalubres e conspurcadas com esterco, sem direito a advogado, a alimentação e a visitas, esperando o dia em que os algozes resolvessem soltar os presos e devolvê-los à liberdade. Aliás, liberdade, não – pois liberdade não rima com mordaça. Aprisionem o ser humano no seu corpo, mas não lhe aprisionem a alma: não lhe roubem a liberdade de pensar e de se exprimir, de ser ele próprio, de escolher o seu destino, o que talvez seja o pior dos sofrimentos!

Mas nessa época, ambos os tipos de liberdade eram bastante condicionados, e o livro reflecte isto bem: falar não se podia, pois havia delatores por todos os lados; e para alguém se deslocar para fora de Bissau, ou para sair da Guiné e de Cabo Verde, precisava de uma autorização de saída, que era negada ou dificultada a muitos, conforme estivessem ou não nas boas graças dos dominadores. Personas non gratas eram impedidas de sair, e alguns foram-no, mesmo de Cabo Verde, até para continuar os estudos; outros foram metidos num avião, sem aviso prévio, e obrigados a aportar a outras paragens: desterrados da sua própria terra.

Pelo livro, se ainda não sabíamos, somos informados dos fuzilamentos dos comandos africanos: milhares e milhares de soldados guineenses que lutaram do lado das tropas portuguesas, e que mesmo depois de desarmados voluntariamente ao abrigo de falsas garantias, foram raptados na noite para nunca mais serem vistos, caindo em valas comuns mercê das balas de pelotões de fuzilamento: eles e muitos civis. Desapareceram sem deixar rasto. Houve também fuzilamentos públicos, aos quais a população foi conclamada a assistir – até crianças! Foi então que, página 299, assistindo ao que se passava na sua Guiné, as mulheres de pano preto, as mulheres grandes da Guiné, “puseram as mãos na cabeça e gritaram bem alto a sua profunda dor e a sua angústia”.

Assim, muitos foram como que cilindrados por não cooperarem com o partido, ou por diferirem dos seus dogmas, talvez o principal tendo sido o da unidade Guiné-Cabo Verde, acerca da qual os povos dos dois Estados nada puderam dizer, e que tanto dum lado como doutro era motivo de forte contestação.

É possível que em Cabo Verde na altura não se tivesse a noção exacta do quanto os próprios guineenses eram opostos a esse projecto, o da unidade, mas os diálogos do livro são esclarecedores. Viam-no como um modo de os cabo-verdianos eternizarem a dominação dos guineenses, o que era a sua interpretação do papel que os nossos patrícios, devido à sua maior escolaridade, desempenhavam na administração colonial, sempre em posições de mando ao lado dos portugueses; além de que, outrora, a Guiné fora um distrito administrativo do Governo de Cabo Verde; e ainda outros antecedentes mais negativos, como a Guerra da Pacificação, em que soldados caboverdianos haviam sido utilizados para submeterem os guineenses; para cúmulo, na guerra da independência os caboverdianos eram a cúpula, tendo morrido pouquíssimos em combate – enquanto os guineenses seguiam para as frentes da batalha e morriam às centenas, morrendo também aos milhares a população civil, que era dizimada pelos bombardeamentos – não tendo morrido ninguém em solo caboverdiano.

Mas a questão da unidade era tabu, não podia ser discutida nem contrariada, nem sequer em Cabo Verde, onde havia argumentos contra muito válidos. Quem se opusesse à unidade era inimigo do partido. E muitos dos que sofreram prisões e perseguições várias, tanto na Guiné como em Cabo Verde, sofreram-nas porque foram veementemente contrários a esse projecto. Mas o futuro veio a dar-lhes mais que razão: era uma unidade tão artificial, que sensatos eram os que se lhe opuseram.

Quanto a Cabo Verde, onde não houvera luta armada, com a independência de todas as colónias garantida por Portugal na nova Lei Constitucional de Julho de 1974 e a nossa especificamente estipulada no acordo de Argel de 29 de Agosto do mesmo ano, a transição para a independência poderia ter-se dado com serenidade, reflexão e sem clivagens sociais. O acordo de Argel afirmava que “a delegação portuguesa, em nome do seu governo, reafirma o direito do povo de Cabo Verde à autodeterminação e independência, e garante a efectivação desse direito”.

Mas a agenda do partido, como o livro torna bem claro, não era simplesmente levar Cabo Verde à independência (como também não o era para a Guiné). Para ambos os territórios o objectivo era instalar o regime totalitário que se seguiu, sobre a égide do partido único de orientação marxista-leninista, regido pelos que combateram na Guiné e mais uns poucos que concordavam com a sua orientação ideológica.

Essa agenda requeria que se instalasse um clima revolucionário que legitimasse a imediata entrega do poder, que não desse lugar a quaisquer reflexões e em que se pudesse subjugar todas as correntes contrárias. Esse clima, quase estado de sítio, é evidente nos diálogos e nas cartas trocadas pelos personagens do livro: milícias populares armadas a patrulhar as ruas, barreiras nas estradas para procurar armas imaginadas (numa terra em que sob Portugal a população nunca teve armas!), tomada das rádios para passar só a mensagem revolucionária, insultos gritados e escritos nas paredes das casas, prisões arbitrárias sob acusações nebulosas ou desprovidas de fundamento, pessoas exiladas. Todos os que poderiam ter uma voz discordante foram silenciados e amedrontados, de modo que a Assembleia Nacional Popular que declarou a independência e passou a reger o país sob a batuta do partido, tinha 100% de deputados que o apoiavam.

Implantou-se, assim, um regime opressivo e autoritário, que atrasou de muitos anos a chegada da democracia e o desenvolvimento mais acelerado dos dois Estados. E ao causar fracturas profundas, das quais ainda não conseguimos recuperar, e ao destruir a camada mais lúcida e preparada da sociedade civil, criou um estado de apatia e desmotivação e uma dependência do Estado, que Cabo Verde ainda não conseguiu sacudir.

Mulheres de Pano Preto contribui também para desmistificar duas falsidades que continuam a imperar entre nós: a primeira, que quem não estava de acordo com o partido era contra a independência, especialmente, como já vimos, quem estivesse contra a unidade Guiné-Cabo Verde, caso da UPICV, partido com maior implantação em Santiago, e que foi desmantelado pela força, pela prisão e desterro dos seus líderes.

A segunda falsidade: que aqueles que pediam alguma reflexão, e um tempo mais alargado de transição, para se poder equacionar o problema da autossuficiência de Cabo Verde e da sobrevivência do povo, até então vitimado pelas secas e pelas fomes, eram, igualmente, contra a independência. Foi o caso da UDC, tentando a sua implantação em São Vicente, que queria uma transição mais alargada e reflectida, equacionando todas as alternativas. Nunca desejaram que tudo continuasse na mesma, como tanto se faz crer. Estas duas falsidades ainda hoje são esgrimidas por alguns, para justificarem os desmandos de então.

Além dos que eu tenho mencionado, Mulheres de Pano Preto é decididamente um livro que ajuda a esclarecer muitos outros factos desse tempo determinante na nossa história, sendo portanto de leitura obrigatória para os que quiserem ser bem informados.

Se me permitem, terminarei com uma palavra pessoal, já que o lançamento do livro foi integrado nas comemorações desta semana, entre o 13 e o 20 de Janeiro, duas datas tão importantes para nós. Os meus comentários não têm o fito de reabrir feridas mal cicatrizadas ou de acirrar ódios e malquerenças meio adormecidos. Mas precisamos, sim, de encontrar um equilíbrio, em que, dando o verdadeiro valor à independência, se reconhece que ela poderia ter sido alcançada noutro clima e por outras vias que não a da clivagem social, a destruição das elites caboverdianas e do sofrimento desnecessário de tantos homens e mulheres que não se reviam na ideologia e nos dogmas do PAICV. Poderíamos ter sido livres em 1975! Poderíamos ter tido eleições multipartidárias e um regime aberto. Até porque os 15 anos de partido único nada fizeram para amadurecer o povo politicamente. Pelo contrário! O amadurecimento só pode acontecer em liberdade!

Assim, recordar o outro lado tem o mérito de ajudar a suster um certo triunfalismo dos vencedores e a excessiva cultura dos heróis, trazendo-os a um nível mais terra-a-terra, de homens corajosos, sim, mas que cometeram os seus erros, e alguns bem crassos: fizeram bem, mas à mistura houve muito mal e sofrimento desnecessário.

Bom seria que os que causaram tal sofrimento o reconhecessem, tivessem um pouco de humildade e até pedissem perdão aos que foram feridos pelo caminho, o que os elevaria moralmente e ajudaria a sarar as chagas que abriram. Na ausência disso, peçamos a Deus que, embora não esquecendo o passado, saibamos todos construir um futuro melhor: futuro que só pode ser bem construído quando nos livramos das mágoas e dos ressentimentos, quando estes já não nos afectarem a ponto de determinarem o nosso comportamento e nos fazerem desviar da construção de um País de paz e concórdia.

Mulheres de Pano Preto contribuirá, decerto, para que um dia, quando com o devido distanciamento se escrever a verdadeira história, ela não seja silenciosa quanto ao sofrimento dos vencidos, mas seja uma história equilibrada, que considera todas as perspectivas. Então, talvez, algum sábio conte aos seus netos que a bandeira custou em mais do que uma maneira.

Bem-haja a independência, mesmo com os custos que teve, e bem-haja o 13 de Janeiro, que foi a verdadeira libertação desta terra. Quanto à abertura, eu teria também algo a dizer. Mas isto seria outra história!

Por favor, leiam o livro!

                                                         

 

"Ler é poder mais..."

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Um texto sempre oportuno e bem-vindo à causa da Leitura!
Com a devida vénia ao seu autor, permito-me  aqui transcrevê-lo. Merece ser amplamente divulgado.
É minha convicção que entre nós se ressente de forma alarmante e, por vezes, muito constrangedora da falta de leituras, de uma informação cuidada e verificada. Já não falo só da questão dos nossos alunos. Refiro-me igualmente  e sobretudo, a gente responsável, professores, jornalistas, historiadores, entre outros altos quadros que nos representam e governam e que falam em público, sem leituras feitas, sem que tenham dados históricos devidos e minímamente  cruzados e verificados. Enfim, e numa palavra: sem cultura. Torna-se doloroso e penoso, escutá-los.
Daí este magnífico texto do Pediatra português, Mário Cordeiro, publicado na revista Visão, nº 1189, de 17 de Dezembro de 2015, que nos apela a ler, pois que “Ler é poder mais”.
Eu acredito que sim!
 

 

 Ler é poder mais

Mário Cordeiro*

Os livros são memória colectiva, espaço de liberdade e uma fronteira civilizacional. É o aparecimento da escrita que define a passagem da pré-História para a História. Tirando excepções, a literatura esteve ao lado da democracia, do livre pensamento e da dignificação do ser humano, mesmo que para contar uma simples história, relatar vivências ou expressar ideias e sentimentos como na poesia.

Antes da escrita havia a tradição oral, de geração para geração, mas adulterando-se e perdendo pormenores, em função do tempo, das recordações e também dos interesses e juízos de valor do narrador. Os livros vieram estruturar a palavra e sedimenta-la, perpetuando-a.

Ler é, também, um espaço. Um espaço de tranquilidade, que se pode rever, controlar, que exige dedicação e que permite retomar o tempo do Homem, o tempo do Tempo, a parte endorfínica da nossa vida. Ler é ver, mexer, sentir, cheirar, parar o Tempo e saborear.

Quem lê, escreve melhor, fala melhor e será, seguramente, uma pessoa  mais estruturada, sabedora e livre.

É ideia geral que as crianças cada vez leem menos. Provavelmente será verdade, sobretudo se restringirmos o verbo “ler” à leitura de livros que não os da escola, os de informação “pura e dura”, ou os epifenómenos (e isto não é um juízo de valor) como O Diário de… ou qualquer outro bestseller de vida tão esporádica quanto efémera.

Os livros e a leitura são espaços de recreação, de calma, tranquilidade, exploração táctil e olfativa, que dão o prazer de folhear, pousar e reflectir, parar e pensar, imaginar, criar cenários, usar a experiência pessoal para entender o conteúdo e esse privilégio a ser cilindrado pelos ecrãs e pela falsa comunicação dos “cem mil amigos” das redes sociais, como se essa interacção não passasse de pobre, limitada e mentirosa.

Os actuais pais já não pertencem a uma geração com hábitos de leitura, seja por falta de tempo e cansaço, seja porque preferem diversões que exigem menos das “células cinzentas”, como televisão, internet ou revistas “cor-de-rosa”.

A própria sociedade volta as costas aos livros. Compram-se menos, oferecem-se menos, usam-se menos. Numa sociedade que exige tudo à la minute, que usa e deita fora, que desperdiça, claro que os livros, como símbolo da calma, do tempo, do voltar atrás e (re)saborear certas passagens, não poderiam estar na moda. É impossível uma página escrita competir com um ecrã. É utopia querer que o ritmo de um romance combata de igual para igual a acção de um filme ou de uma série televisiva.

As crianças habituaram-se a hábitos de leitura praticamente nulos. Na própria Escola, os manuais de ensino são user friendly, interactivos, recheados de figuras, desenhos e fotografias, reduzindo texto quase a zero. Compreende-se do ponto de vista didáctico e pedagógico. É mau no sentido de estimular a leitura. Quando algum professor tem a ideia “bizarra” de dar um livro a ler para depois comentar, a maioria dos alunos (e encarregados de educação) pensará: “Que seca! Que pincel!”.

É pena que a memória escrita, o mistério, o esforço de imaginação e de abstracção que a leitura de um livro representa sejam considerados “incómodos” que só se farão por obrigação. A realidade virtual substitui algumas funções do cérebro humano. Encaro isso com grande mágoa.

Dentro de alguns anos os clássicos terão caído em desuso, amarelecerão nas prateleiras das livrarias, substituídos por histórias de mais fácil “digestão”. Os livros de aventuras e os romances que alegraram a infância de tantas gerações serão considerados obsoletos, antiquados, ridículos, na apreciação de crianças e adolescentes hipercríticos e menos tolerantes.

Todavia, podemos inverter esta tendência se, além de estimular a leitura e controlar os hábitos televisivos, dermos o exemplo e desenvolvermos nas crianças a capacidade e o talento de escrever. Escrever e ler andam a par. O vocabulário aumenta, a gramática melhora, a construção de frases torna-se mais fluida e mais coerente e uma coisa leva imediatamente à outra. Escrever. Apenas escrever, sejam diários, poemas, contos, apontamentos de viagens, o que seja.

Torna-se urgente inverter a tendência. Não há soluções mágicas. Os hábitos culturais, para se sedimentarem, sobretudo quando vão contra a “lógica” e o facilitismo do sistema, exigem esforço e tempo. Não se compram no hipermercado nem na farmácia. Depois da pré-História veio a História. Não podemos admitir que, depois desta, venha o vazio, o caos e a iliteracia. Porque virá com eles a diminuição da liberdade.

*Pediatra

 

 

E assim vai a cidade da Praia...

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

 

Começámos mal o ano de 2016, com um assalto à casa da nossa filha e genro. Poupo-vos os pormenores dos objectos valiosos, para os seus donos, roubados em plena luz do dia e dos constrangimentos de quem estava em dia de embarque...

Peregrinação à Polícia de Segurança Pública, que a determinada altura, queixando nós de que eles nem se deslocam ao local do roubo para as perícias e só registam a queixa sem agir, pois já não era a primeira vez que lá íamos, respondeu-nos o Agente que atendia: “Nós não temos meios...” ou algo similar.

E assim funciona na cidade capital mais infestada de bandidos e de criminosos do país,  uma Polícia mal equipada, com respostas e argumentário altamente confrangedores, e a ter isso displicentemente como justificação para o  cidadão lesado, revoltado, que paga os seus impostos, e que espera no mínimo ter os seus bens protegidos.

A conselho amigo, rumámos depois  à Polícia judiciária onde o atendimento já foi de longe melhor. Os seus Agentes deslocaram-se à residência assaltada.

E assim vivemos nós na capital do país com medo. Dentro e fora de casa. Onde guardar os nossos pertences? Se nem em casa nossa estamos seguros? Na rua é apertar a carteira e a vida e pedir o resguardo dos altos designíos! Em casa, é estar sempre alerta e cheios de medo de eventuais assaltantes que não são tão eventuais assim. Tornaram-se numa constante certeza, infelizmente.

Esta cidade é já pertença dos bandidos. Estamos nas mãos deles. Completamente indefesos.

Se não é na nossa casa, é na casa vizinha ou, um pouco mais distante. A frequência de roubos e de assaltos deve ser já imensurável ! E se as estatísticas policiais funcionassem, teríamos alguma percepção tangível.

Enfim. É o nosso dia-a-dia!

Não há sossego! E por favor não me venham falar em qualidade de vida! Onde? Nesta cidade é que ela não existe.

Uma sugestão e um alvitre ao turista ou visitante: passem ao largo da cidade da Praia! O perigo espreita-vos em cada rua ou esquina desta cidade, com uma altíssima probabilidade de se converter em realidade.

 E outra coisa: no momento do assalto não se vê polícia por perto... e nem contem com socorro algum!

É assim a desencantada “morabeza” da Capital das ilhas...

P. S. Relevem-me caros leitores se desabafei de forma desabrida. Costumo ser contida. Mas a minha indignação está ao rubro.