terça-feira, 29 de março de 2016

Eis mais um inédito da escritora, contista Maria Margarida Mascarenhas (1938-2011) enviado ao «Coral Vermelho» pelas mãos amigas de Adriano Miranda Lima. Uma crónica sobre o final da vida.

 

Cemitério de elefantes

 
Já não ofertarei mais chocolates a Maria Inácia. Despedimo-nos dela e de sua vida quase vegetativa no último domingo. Mas adorava chocolates.


A caçula da Clotilde já os enterrou a todo, um a um, desde que retornaram de Angola. Conheci-a acompanhando a penúltima às sessões de quimioterapia. Saberá ainda recuperar a vida que não viveu?
 

Em Cabinda contaram-me histórias dos cemitérios dos elefantes devastados por caçadores de marfim. Os elefantes quando pressentem a morte dirigem-se para um local escolhido para isso.
 

Há quem tome as suas decisões. Há quem delegue noutros essa decisão e há aqueles a quem ninguém pergunta nada e se decide tudo por eles. EUTANÁSIA.
 

A Maria Inácia foi levada no dia um de Setembro para uma antecâmara de um desse lugares de nomes celestiais e paradisíacos e pela primeira vez recusou comer os meus chocolates.
 

Como sempre fui conversar com o meu banco azul. A Bela acácia mesmo em frente ao banco definhava a olhos vistos, cheia de buracos e infestada de cogumelos gigantes. A última poda deve ter ditado, para meu desgosto, a sentença. A serra eléctrica cortou-a cerce ao passeio e ali estava aquele vazio alargando-me o panorama do rio.
 

Todos os dias contemplo o que sobejou, uma face em forma de coração expondo como num calendário dos Maias a história daquela vida e o tempo que a habitou. Círculos concêntricos e irregulares onde conto os anos e as fases daquela vida. Anos mais fartos, anos mais sóbrios, rugas, dores e cicatrizes. Entre a lisura do tronco e a sua crosta nasceu um misericordioso rio resinoso formando colóides.
 

Surpreendeu-me hoje aquele relógio vegetal de raízes pujantes. As chuvas de Setembro choraram sobre ela e no bico da oração cresce já com alguns ramos uma futura árvore se a lei humana se sobrepuser à Natural. As duas leis que regem aquele jardim....
 
A quem posso ainda oferecer chocolates?

 
Paço de Arcos, 28 de Setembro de 2006
 
Maria Margarida Mascarenhas

 

 
segunda-feira, 28 de março de 2016

O texto que se segue é da autoria de Maria Margarida Mascarenhas (1938-2011)
Trata-se de um inédito, gentilmente enviado por Adriano Miranda Lima, colaborador deste Blogue.
 
“A DIMENSÃO OCULTA”


É o título de um livro de tese do T. Hall que vivamente recomendo a quem não o leu.

 A dimensão a que se refere diz respeito à “proxémia” ou a distância a que cada povo no Universo tolera a proximidade física do outro em sociedade.

Vou atrever-me a extrapolar um pouco a sua teoria para outras áreas e até ao Tempo.

O meu cunhado que é de origem céltica, de olhos azuis e pele de lagosta cozida, desembarcou no Aeroporto do Sal com a minha irmã que é cabo-verdiana. No controle dos passaportes passou de imediato a minha irmã ficando ele do outro lado da fronteira para preencher papeladas e solicitar o visto. O Funcionário ficou girando o passaporte nas mãos e olhando para cada um deles em amena conversa de cada qual do lado das suas fronteiras. Foi então que num gesto lento dos salenses ele aboliu as fronteiras devolvendo-lhe o passaporte português: é casado com ela, pode passar, nhô ê cabo-verdiano!

Foi um gesto de simbologia e efeitos invejáveis pelas diplomacias de corredores e de turismo de folhetos: como um sincero voto de boa estadia! Sem gorjetas nem corrupção. A dimensão oculta da nossa Morabeza.

Em Cabo Verde tudo se resolve naturalmente noutra dimensão temporal e espiritual. Foi também assim com o meu problema identitário e com a maturidade do País.

As fronteiras traçadas pelos políticos e as outras onde nós nos encarceramos.

Em 1978 fui pela primeira vez a Cabo Verde após a independência. Levei passaporte cabo-verdiano e corria tudo bem quando me surgiu um problema que parecia grave. Para sair exigiam-me comprovativo de trabalho em Portugal e autorização de residência que está claro não possuía.

Tinha de ir trabalhar no dia seguinte em Portugal e lá me vi ensanduichada numa fila sem espaço para corpos, ensopada no suor dos meus patrícios de construção civil num dia de Verão sufocante, num estreito corredor que se estendia para a rua, na Polícia de fronteiras.

Nisto passa alguém conhecido que ao me ver naquele sufoco e me tira da fila convidando-me discretamente a sair para um refresco. Naquela proxémia de “fila africana” já não sabia qual a minha identidade.

Precavida, levara também na mala o meu passaporte português, com que por fim acabei por sair de Cabo Verde através de outra dimensão oculta.

De 1978 a 2006 a evolução natural da nossa dimensão oculta.

Paço de Arcos, 2 de Agosto de 2006

 
Maria Margarida Mascarenhas

 

Viva a Primavera!...

quinta-feira, 24 de março de 2016

No passado dia 20 uma onda perpassou sobre o arquipélago e coloriu todas as ilhas de verde anunciando a Primavera. Chegou com a pontualidade de um relógio suíço e rigorosamente como indicado no calendário do tempo - 20 de Março, equinócio de Primavera 2016.
O MpD – o partido da liberdade e da democracia – voltou ao poder depois de uma longa travessia no deserto de quinze penosos anos. O povo saiu à rua e a festa foi rija e grossa até de madrugada muito alta onde nem sequer faltou fogo de artifício celebrando o equinócio político.  

Ulisses Correia e Silva, o timoneiro desta viagem vitoriosa é aclamado, com todo o mérito, por todo o lado. É a personagem do momento para a qual todas as esperanças convergem. No discurso da vitória lembrou que não há vencedores nem vencidos mas apenas Cabo Verde. Ficou-lhe muito bem para um discurso de vitória. É um lugar-comum para as pessoas de bom senso.
Mas a sua vitória sendo saborosíssima por vivificar o nosso sistema democrático ao corporizar a alternância democrática não é inédita e, felizmente, ficou aquém das de Carlos Veiga – duas maiorias qualificadas – o que faz de Jorge Nogueira o verdadeiro homem-surpresa destas eleições pelo ineditismo do seu êxito – cobrir a ilha do Fogo de verde.

As promessas do PM “eleito” eufemisticamente transformadas em “compromissos” sendo necessárias e certas, só serão válidas e úteis se forem bem executadas. O caminho é escabroso não pelas opções de políticas mas porque está minado com as nomeações de última hora do PM cessante, as inúmeras agências reguladoras – cerca de duas dezenas – dominadas completamente pelo aparelho partidário do PAICV, as empresas públicas dirigidas pelos boys  quase todos da Comissão Política do PAICV, a Função Pública infestada com os rapazes e as meninas do PAICV, as instituições do ensino público na sua quasi-totalidade orientadas e contaminadas pela ideologia sustentada numa narrativa histórica do PAICV (Não esquecer que em 41 anos da História como país independente 31 são do PAIGC/CV)…   A tudo isto deve-se ajuntar a enorme dívida pública, o estado calamitoso de algumas empresas públicas da qual sobressaem os TACV, a IFH e a Electra, o anémico crescimento económico (à volta de 1%), as depauperadas finanças públicas com a dívida acima dos 120% do PIB, entre outras.
É assim que quando vi escrito em outdoors com fotografia de Ulisses “Nha partido é Cabo Verde” a minha primeira reacção foi de apreensão e preocupação… Apreensivo por chegar a pensar que o slogan era uma demarcação dos partidos políticos e do seu MpD relegado para um cantinho; preocupado porque me sugeria uma perigosa presunção, precisamente porque não há democracia sem partidos políticos; e, algum temor à mistura porque apesar de ter dito que rezava todos os dias para que o poder não lhe subisse à cabeça, a frase representava um certo messianismo que o desmentia; e também, porque é sabido que a popularidade é quase sempre um produto da propaganda e, consequentemente efémera, e ninguém ganha eleições, sobretudo as legislativas, sem uma poderosa máquina partidária a sustentá-lo. Por fim, pensando melhor, considerei-a uma metáfora eleitoralista que o coloca já como Primeiro-Ministro e deste modo acima dos partidos políticos.
 
Não tenhamos dúvidas: Procurem e especulem os analistas políticos sobre as causas da vitória do MpD ou da derrota do PAICV. Encontrarão, seguramente, várias.
 
Mas a verdade, verdadinha, é que o governo e as suas estruturas de apoio estavam a cair de podre e o povo cabo-verdiano com a sua sabedoria e sentido de oportunidade resolveu dar-lhes o golpe de misericórdia.

Mau grado as enormes qualidades (que circunstancialmente conheci durante o tempo que junto partilhamos no Governo) de Ulisses Correia e Silva – seriedade, humildade e muito empenhamento – hoje potenciadas pela sua significativa e consistente experiência política  – partidária, autárquica e parlamentar, para além da já referida governativa – o seu principal trunfo foi a excelente gestão da Câmara da Praia que não sendo pouco, não era, contudo, suficiente para o extrapolar às outras ilhas, o projectar à escala nacional e provocar o tsunami que arrasou o PAICV para o qual a UCID também muito contribuiu. Quem ganhou as eleições foi o MpD no seu todo. E foi toda a equipa do MpD, sem qualquer excepção, de Santo Antão à Brava que soube tão bem explorar as fragilidades de um governo/partido corroído por escândalos vários – má-gestão (incompetência) e gestão danosa (incompetência e/ou corrupção se for intencional) gritantes, forte clientelismo, laxismo, nepotismo, amiguismo – e que há muito dava mostras de cansaço, de ausência de alternativas; em suma, de coma profundo.
A vitória é colectiva. É do MpD. O que não desmerece, bem pelo contrário, valoriza Ulisses como seu líder.

Da minha parte, temo profundamente os homens providenciais. O culto da personalidade, do qual temos todos uma péssima recordação, é grave e perigoso. Muito perigoso mesmo! E Ulisses não merece, de todo, este tratamento.
Assim como uma andorinha não faz a Primavera, um homem só, não resolve os problemas de um país em regimes democráticos. Repito: Não basta apenas ter boas escolhas, fazer opções certas. Muito mais importante é que estas escolhas sendo certas sejam também bem executadas. É aqui que entra a equipa, o partido e a sua envolvência.  

Por isso, quem “vai governar” é o MpD e deve fazê-lo com uma equipa coesa, empenhada, pragmática, ciente e respeitadora dos “compromissos” assumidos. Os compromissos não são só do Ulisses Correia e Silva que é, obviamente, o mais credenciado “porta-voz” do seu partido. São sobretudo do partido que ele lidera. Mas já as várias equipas dos mais diferentes níveis que os irão concretizar serão, em última instância, da sua inteira responsabilidade.
O caminho é estreito e totalmente minado; a margem de manobra extremamente limitada.
Impõe-se tirar proveito da alternância que as eleições proporcionaram, o que exige muita coragem e engenho para desminar e desarmadilhar o terreno e lançar alternativas, novos paradigmas de governação, uma vez que os actuais estão absolutamente esgotados.
Todos serão necessários porque o caminho é difícil… Muito difícil mesmo! Ninguém pode ser dispensável…

    A. Ferreira

A nossa Mestiçagem e as levas de Deportados vindos de Portugal...

quinta-feira, 17 de março de 2016

 
 Não há como deixar de fora – e não ajuntar a esta nossa formidável e bela mestiçagem - a contribuição dada pelos muitos Deportados para a então colónia penal de Cabo Verde. Se o destaque vai para as ilhas de São Nicolau, de Santiago e do Fogo, ( tendo esta última, registado e acolhido casos muito mais antigos dos “banidos do reino” ainda do tempo da monarquia); não é menos certo que outras ilhas também, foram terra de acolhimento para esses homens.  Muitos deles arrancados do seu país, por “crime” de opinião e de pensamento e às vezes de “tendência comunista” como  li  num documento  justificativo para a deportação de um professor liceal para S. Vicente, nos anos 40 do século XX.
Não falo da prisão fechada do Tarrafal. Trágico e horrendo “depósito” de homens valorosos também. Refiro-me sim, aos enviados, com residência fixa, para determinada ilha. Que circulavam, conviviam e trabalhavam em diversos sectores de actividade existentes nas ilhas para onde eram enviados.
E eles foram muitos. “ (...) de mais de três centenas de deportados, constituídos principalmente por civis e militares (...)” fixados em Cabo Verde, como assevera Victor Barros no seu livro, «Campos de concentração em Cabo Verde» E continua: “ entre 1927 e os primeiros anos de 1930, Timor e as  ilhas de Cabo Verde constituíram os destinos preferenciais para o isolamento e a fixação de centenas de deportados (...) num total de 800”.  Transcrições do Livro.
Eram homens ainda jovens muitos deles, na força da idade e da vida, que sem dia de regresso, aqui viveram no meio de nós e aqui constituíram família. Uns, segunda família, pois já eram casados em Portugal e assim não puderam dar os apelidos aos descendentes. Há muitos casos assim. Outros, deixaram os filhos com os apelidos, pois que ainda solteiros o puderam fazer e outros ainda, casaram com mulheres da ilha onde tinham residência forçada. Muitos foram aqui enterrados
O caso da ilha de S. Nicolau é paradigmático disto que narro.
Caro leitor, tudo isto é mestiçagem, direi mais recente, em termos históricos, pois que advém do  século XX. Como alguém já o disse e bem: a nossa mestiçagem, não tem finidade à vista, está sempre a acontecer...
No caso do Fogo, lamento não possuir dados. Mas sirvo-me daquilo que o vulgo conhece. É interessante notar, que alguns dos deportados, tinham apelidos aristocratizantes e que os perdiam como castigo do rei, ou de alguém por ele, por serem “banidos do reino”. Também eles se fundiram em comunhão marital, com mulheres da ilha do vulcão e deixaram muita descendência. Só sei que da contribuição dada, não só a demográfica, ressalta igualmente, o desenvolvimento da ilha e da cidade de São Filipe, continuado pela direcção dos descendentes.
Para além do livro aqui citado, não conheço outro, com a extensão e a profundidade de «Campos de concentração em Cabo Verde» de Victor Barros. O livro em apreço, abarca também Timor e São Tomé e Príncipe, como espaços de deportação do Estado Novo, e o seu autor explica-nos que à ideia de deportação vinham juntos as de: “o isolamento e de depósito.” A leitura da obra,  conduz o leitor a perceber as condições abjectas como eram transportados de Portugal e atirados para as ilhas de Cabo Verde,  para Timor e para São Tomé, esses homens com o estigma de deportados. Triste condição humana!
Talvez  fosse já tempo, de surgir também, algum ensaio sério, sobre a história específica, dos deportados em Cabo Verde. Quem eram? De onde vieram? Como viveram aqui? As famílias que constituíram? E os descendentes aqui deixados? Estes são numerosos e ainda sabem e podem contar sobre as suas origens. Estas memórias não são assim tão antigas.
E porque não um marco histórico, lá nas ilhas onde viveram, sofreram? Mas também onde conheceram  gente e família que lhes mitigou e lhes suavizou o castigo, por largos anos?

Fica aqui o alvitre para alguma tese séria, descrevendo o caso particular da deportação para Cabo Verde.
P.S. – Se o estudo aqui alvitrado já existe, para além de felicitar o (a) autor(a), peço desculpas pela ignorância.
É que estava a pensar no meu amigo e historiador, Joaquim Saial, de pena séria e ilustre que possivelmente terá algum trabalho sobre este assunto.

 

 

 

 

SOBRE O TEMA DA EUTANÁSIA

segunda-feira, 14 de março de 2016

 

 

Este tema tem sido badalado nos últimos dias, interpelando o sentido da nossa humanidade e a nossa espiritualidade.

No ano passado, no mês de Maio, desloquei-me a S. Vicente/Cabo Verde, minha ilha natal, para estar presente numa altura em que, a minha mãe, aos 92 anos, sofrendo de doença grave pouco tempo antes detectada (cancro no pâncreas), estava acamada e a aguardar o desfecho final. Depois de ter estado internada no hospital, os médicos decidiram que ela devia regressar a casa porque o único tratamento ali ministrado podia ser prosseguido em casa: medicamentação para aliviar as dores, cuidados paliativos, como hoje se diz.

Num estado de semi-inconsciência, ela ainda me reconheceu quando cheguei, mas não tardaria a perder a noção do que a rodeava. Pelas informações que fui recebendo enquanto estive ausente, o súbito agravamento do seu estado convencera-me de que tinha de viajar sem demora, sob pena de não chegar a tempo do funeral, dado que, com a sua avançada idade, a morte podia ocorrer a todo o momento. No entanto, assim não aconteceu. Ela ainda resistiu 21 dias desde a minha chegada, o que me proporcionou o conforto espiritual de lhe fazer uma companhia que, embora em circunstância dolorosa, tinha para mim um significado muito especial: no momento derradeiro, estar presente e desejar que a minha mãe permanecesse viva o mais que pudesse.

Mas aí é que podem emergir sentimentos contraditórios. Sentir o enlevo da presença de um ente querido e ao mesmo tempo assistir angustiosamente ao seu sofrimento, sabendo-o uma tortura de que só a morte é capaz de libertar. Interrogar-se também sobre qual será o desejo que o doente acalenta lá no fundo da sua semi-inconsciência quando, como era o caso da minha progenitora, não era possível qualquer comunicação verbal ou minimamente sinalizada.

O que eu senti, eu, Adriano, e toda a família, é que seríamos de todo incapazes de autorizar qualquer forma de eutanásia, mesmo que a mãe, estando consciente, o desejasse. No entanto, no que a mim toca, se um dia vier a estar em semelhante situação, desejarei, pelo contrário, que os meus familiares autorizem o termo do sofrimento. Mas o que desejarei para mim não o projecto para outros.

Eis uma questão verdadeiramente controversa e difícil de ser avaliada sob uma perspectiva jurídica sem que a nossa consciência ético-moral e os fundamentos da nossa espiritualidade não reclamem primazia.

No entanto, em Portugal, no dealbar do século passado, a eutanásia era praticada nas remotas aldeias serranas. Escreve o Aquilino Ribeiro na sua obra “Geografia Sentimental” que essa prática era usual naquele tempo. Quando um idoso, em fim de vida, se apresentava doente, em grande sofrimento, sem esperança, a família chamava o “abafador”, um homem que se prestava ao acto de abreviar o sofrimento de outrem. E Aquilino descreve a cena: na sala, o mulherio aguarda em silêncio; entra o “abafador” e, sem palavra, dirige-se ao quarto do paciente que, à vista, começa a gemer; o outro, às cavalitas, tapa-lhe o rosto com a almofada e pressiona até que a imobilidade sucede ao estertor. Consumada a tarefa e pago, o “abafador” sai e o mulherio rompe em choro lastimoso: “ai coitadinho, ai coitadinho…”.

Mais de um século depois, interrogamo-nos sobre o que verdadeiramente evoluiu positivamente em termos civilizacionais. Os recursos da ciência médica para aliviar o sofrimento do doente terminal? Certamente que sim. Os fundamentos da nossa consciência ético-moral em relação aos tempos transactos? Provavelmente não.

 

Tomar, 13 de Março de 2012

Adriano Miranda Lima

 

 

 

 
sexta-feira, 11 de março de 2016

Porque estamos em tempo de campanha eleitoral e a maldita praga da “compra de votos” dos pobres e dos emigrantes igualmente pobres, instalou-se entre nós  de uma forma afrontosa e descarada, com casos julgados em tribunal; porque temos de dar um basta! a esta violentação de consciências,  vai aqui transcrito da LUSA, o veemente apelo da Igreja Católica. Bem haja!

 
O apelo oportuno da Igreja Católica de Cabo Verde

 A Igreja Católica de Cabo Verde através dos seus Bispos, encabeçada pelo seu Cardeal, exorta os cabo-verdianos a "não venderem, nem trocarem o seu voto", apelando para a denúncia de qualquer tentativa de "compra de consciência" nas eleições deste ano.

Numa nota pastoral sobre as eleições de 2016, divulgada hoje, os bispos cabo-verdianos, "encorajam cada católico ou cada cidadão" a "não deixar que nada nem ninguém o obrigue a votar contra a sua consciência, a nunca vender nem trocar por nada o seu voto".

"Apelamos a que denuncie vigorosamente às autoridades competentes toda a tentativa de manipular ou desvirtuar o seu voto, a troco de favores e outros meios ilícitos e antidemocráticos", adiantam os bispos de Santiago, cardeal Arlindo Furtado, e do Mindelo, Ildo Fortes.

A nota pastoral apresenta "alguns princípios a ter em conta" no período eleitoral, sublinhando a necessidade de "exortar os cidadãos para o seu dever político e cristão de exercer de forma livre, consciente e autónoma o seu direito-dever de votar".

Os líderes da Igreja Católica em Cabo Verde esclarecem que não querem dar qualquer indicação de voto, mas manifestam o desejo de que "os cristãos votem segundo as exigências da doutrina social da Igreja, os direitos fundamentais da pessoa humana e em resposta às necessidades sociais, culturais, educacionais e económicas da sociedade".

"Escolher os deputados da nação é um compromisso social e cristão muito sério, porque se trata de eleger aqueles que em nome do povo vão fazer leis e governar o país num contexto social, cultural e económico conturbado", referem.

Sublinham, por isso, que os candidatos "devem ser escolhidos com base em princípios éticos fundamentais. O voto deve ser dado a quem pode realmente dar respostas razoáveis e reais às questões da atual sociedade cabo-verdiana".

Os bispos apelam ainda para a participação eleitoral nas três eleições que o país realiza este ano - legislativas, autárquicas e presidenciais. "São três grandes oportunidades para os cidadãos darem a sua colaboração na edificação de uma sociedade mais justa, democrática e fraterna, através do voto", sublinham.
O documento da Igreja Católica indica ainda que todos são "livres de apoiar um ou outro partido" e que "ninguém deve considerar quem pensa diferente como um inimigo a abater".

"O espírito democrático e a maturidade humana e política devem levar-nos a aceitar o pluralismo de ideias e programas como algo natural entre pessoas que amam igualmente a sua pátria e procuram o bem comum. A unidade deve prevalecer sobre o conflito", refere o texto.

 Os bispos manifestam também o desejo que a campanha eleitoral em curso e as outras que virão "sejam marcadas pela ética e pela elevação do discurso".
"A campanha eleitoral serve para elucidar o cidadão quanto aos problemas sociais e dar a conhecer os candidatos e as propostas de cada partido [...] é uma oportunidade de reflexão sobre o que precisa ser escolhido e implementado em Cabo Verde e sobre o que deve ser mudado e rejeitado", adiantam.

Texto transcrito da LUSA – Agência de Noticias, 09 Março de 2016.



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A Compra da Dignidade do pobre ou, o "mercadejar" de votos na ilha do Fogo...

quarta-feira, 9 de março de 2016

 

Por estamos em tempo de campanha para as legislativas em Cabo Verde; porque infelizmente, esta nódoa, esta vergonha que se traduz em forçar aquele que é votante pobre, a alterar de forma violenta, a sua vontade de votar em quem gostaria, mediante a compra do voto; porque ainda grassa entre nós, com particular acuidade na ilha do Fogo, essas práticas abomináveis;

decidi desabafar, neste escrito a  ira que não pude conter.  

É igualmente  nesse ambiente  (ilha do Fogo) de algumas práticas eleitorais inomináveis, porque abjectas, que  um adolescente, aluno do 9º Ano da escola secundária dos Mosteiros, indignado, e após ter assistido à tentativa de compra de voto feita ao avô de 72 anos, pescador nos Mosteiros,  com saco de cimento; recitou esta quadra que a seguir transcrevo:

 Bá scóla, bu studâ, / Pâ bu mudâ bu mente! / Pamóde saco di cimento ca ta colâ mente / Nem ca ta mudábu mente!” (variante do crioulo do Fogo) Tradução aproximada:” Vai à escola, estuda, para mudares a tua mente, porque saco de cimento não cola e nem mudará a tua mente.”  

Sabem qual é a técnica usada por determinado Partido político, conhecidíssimo por ser useiro e vezeiro em tal fazer? Os seus pórceres, visitam os votantes sem recursos e sabidos simpatizantes de Partido adversário concorrente,  prometem-lhes melhorar a casa, com oferta de sacos de cimento (o exemplo acima dado) e outros materiais, ou oferecem-lhes determinada quantia em dinheiro, desde que o beneficiário, faça o seguinte: ou vote neles e para isso pedem-lhe provas, através de fotografia de telemóvel (felizmente foi proibido ultimamente, levar-se telemóvel no acto de votar) ou, não ir votar. Faltar ao acto, mediante entrega dos documentos de identificação de eleitor ao ofertante.

Sem comentários! Simplesmente abjecto! E pensar que há gente com altos cargos e altíssimas responsbilidades nestas ilhas que vem praticando (há anos) desenvoltamente e sem pingo de vergonha tais ofertas!?

Enfim, actos  inqualificáveis, monstruosos, que provocam indignação a qualquer cidadão minimanente honesto, praticados nesta nossa democracia, por aqueles que se acham no direito de comprar a consciência de pessoas pobres, carenciadas.

Foi por ter assistido à tentativa de compra do voto do avô que o Ronaldo, revoltado, escreveu o poemeto que encima este «post».

Ronaldo, os meus votos que o teu alerta seja ouvido e compreendido pelos adultos que andam a praticar tal crime!

Vamos mudar Cabo Verde? Ou não? Urge irradicar tais práticas!

SINAIS INEQUÍVOCOS DE BOA GOVERNAÇÃO EXIGEM-SE

sábado, 5 de março de 2016
AFINAL QUEM NÃO É COMBATENTE PARA A INDEPENDÊNCIA?

 Lei n.º 6/74 de 19 de Julho do Conselho de Estado decreta e eu promulgo, para valer como lei constitucional, o seguinte:
ARTIGO 2.º
O reconhecimento do princípio da autodeterminação, com todas as suas consequências, inclui a aceitação da independência dos territórios ultramarinos e a correspondente derrogação do artigo 1.º da Constituição Política de 1933. (O “bold” é meu)
(Publicada no Suplemento do Diário do Governo (Português) nº 167 – I Série)

Não me parece haver qualquer dúvida de que o 25 d’Abril criou uma plêiade de “corajosos e generosos” nacionalistas. Com a PIDE totalmente desmantelada e a tropa portuguesa completamente desmobilizada não era difícil ser-se patriota e na sequência “combatente da liberdade da Pátria”. Mesmo assim não faltaram manifestações (felizmente poucas) de portuguesismo nem tão pouco vivas ao General Spínola e à Junta de Salvação Nacional que ele presidia. Neste quadro era muito mais difícil descobrir quem não era “combatente da liberdade da Pátria” do que quem o era.

Os cabo-verdianos do PAIGC, que se supunha estarem nas matas da Guiné-Bissau mas que se encontravam dispersos (desmobilizados?) pelos Estados Unidos, França, Bélgica, Holanda, Senegal, Suécia, Côte d’Ivoire entre outros países, foram chamados a “toque de caixa” a reunir para a definição de uma estratégia para tomar de assalto o poder em Cabo Verde, mas não sem antes prestar o “juramento” de um pacto de silêncio – uma espécie do mafioso “omertà”, no dizer de um consagrado analista político – quanto ao que se passou e se passava entre eles no âmbito da participação na luta armada na Guiné. Quantos cabo-verdianos estariam no teatro de guerra em Abril de 1974? E não venham com a treta de “missão de serviço”!.. Nestes casos as coincidências são, obviamente, muito suspeitas… Hoje são quase todos “comandantes” sem se saber ao certo o que é que estariam a comandar ou o que teriam realmente comandado e por quanto tempo.

O entusiasmo que o 25 d’Abril despertou para uma participação política era global no “espaço português”. Ninguém, absolutamente ninguém, ficou indiferente. E criou-se deste modo uma impressionante “fauna” de políticos, daqueles que J.M. Coetzee, prémio Nobel da Literatura 2003, se refere no seu livro “Verão” quando diz “que a política faz ressaltar o pior das pessoas” e acrescenta: “porque a política é demasiado conveniente e demasiado atraente como teatro no qual podemos representar as nossas emoções mais básicas. Emoções básicas, quer dizer ódio, rancor, despeito, inveja, desejo de sangue, etc.” (Fim de citação, o itálico é meu).

E foi assim que Cabo Verde foi varrido de lés a lés por uma onda sem precedentes de indivíduos sequiosos de manifestar as suas emoções básicas. O escassíssimo número de militantes do PAIGC residentes em Cabo Verde empertigou-se, ávido de mostrar o serviço que não tinha feito ou não tinha podido fazer. O efeito é o mesmo. De Portugal veio o reforço e com ele a capacidade mobilizadora dos jovens estudantes – manipuláveis e facilmente manipulados e muitos, subitamente transformados em “militantes na clandestinidade” – empolgados pela brilhante luta armada que o PAIGC tinha conduzido na Guiné e ébrios da propaganda do prestígio desse Partido do qual também queriam ser parte. A acrescer o indecoroso e vergonhoso apoio selectivo do MFA (Movimento das Forças Armadas), o panorama político das Ilhas modificou-se e a balança pendeu fortemente para o PAIGC que deu um salto quantitativo. O que ganhou particular relevo depois do MFA ter permitido o vergonhoso assalto à Radio Barlavento.

Face a lei atrás referida e publicada a menos de dois meses a seguir ao 25 d’Abril, – nem sequer tinham chegado a Cabo Verde os de Conacri – a luta já não era para a independência, tanto mais que a lei era apenas uma clarificação de uma outra (Lei 3/74 de 19 de Maio) – que na verdade nunca foi verdadeiramente “necessária” em Cabo Verde – mas para saber qual o partido que devia tomar o poder. Todos lutavam para a independência – o PAIGC, a UPICV e mesmo a UDC que não a punha de parte mas apenas, prudentemente, solicitava um compasso de espera. É neste envolvimento, constitucionalmente aberto (Lei 3/74) pelo Governo Português desde 19 de Maio de 1974 (menos de um mês depois do 25 de Abril) que se pergunta: Afinal quem não lutou para a Independência?

Ou lutar para a independência significa ter estado do lado do “Projecto de Unidade”, hoje gorado, do PAIGC? É esta a narrativa que se tem tentado passar, isto é, a legitimação daqueles que estiveram (alguns) no mato e que ao longo de quinze anos se sentiram os únicos que haviam lutado para a independência de Cabo Verde. Imagine-se!... Lutado militarmente nas matas da Guiné para a Independência de Cabo Verde. Não soa a absurdo? Não parece bizarro? Convenhamos!...

Nos primeiros quinze anos da independência cantaram loas à Guiné-Bissau e seus combatentes; condecoraram-se exclusivamente uns aos outros; distribuíram entre eles patentes militares como se neste País tivesse havido guerra e houvessem lutado; repartiram benesses entre si; autossatisfizeram-se plenamente numa autêntica orgia de onanismo político, exaltando as excelências do Partido Único. Era a consagração dos “melhores filhos desta terra” como ufanamente se vangloriavam.

Primeiro, o golpe de estado de 1980 na Guiné-Bissau provou que o seu (do PAIGC) Projecto de independência – adstrito à Unidade Guiné Cabo Verde – era um grande embuste para os cabo-verdianos, não obstante ter desempenhado o fulcral papel de os colocar, suster e consolidar no poder.

Depois, as eleições de 13 de Janeiro de 1991 mostraram à exaustão de que nem eram os “melhores filhos desta terra” nem era benquisto o seu governo. E com uma boa ajuda do MpD aprenderam a lição. E agiram em conformidade: Há que alargar o nosso núcleo com vista a legitimar a nossa narrativa, pensaram eles. E chamaram para o seu “núcleo de combatentes” todos aqueles que eles haviam desprezado que se deslumbraram e se sentiram incompreensivelmente “honrados” – são pouquíssimas as excepções – e se dispuseram vaidosa e oportunisticamente a subalternizar-se.

Lançando mão a uma iniciativa que também não lhes pertencera nos seus quinze folgados anos de Partido Único – distinguir cabo-verdianos fora do seu «núcleo de combatentes» – proliferaram e vulgarizaram as condecorações e estenderam-nas até a muitos daqueles a quem tinham chamado traidores, consolidando a estratégia. Também neste particular foram muito poucos os que não dobraram a cerviz para a passagem do colar ou para se deixarem encandear com o brilho da medalha.

Hoje, aparece por aí gente com arreganhos de combatente a reivindicar não se sabe bem o quê nem com que autoridade, numa tentativa de se “autenticar” aos olhos da população e se demarcar dos outros a quem querem expurgar.

Onde estariam alguns desses “moluscos” há 40, 30 ou mesmo menos anos atrás?

Pouco ou nada me interessaria se são ou não “combatentes para a independência” ou, como sói dizer-se: “estaria completamente nas tintas” não fosse o Estado chamado a contribuir.

Mas porquê só agora se descobriram ou foram alcandorados a “combatentes da liberdade da Pátria”? A miragem de arrecadar umas moedas não lhes deixou parar um segundo, um só sequer, para meditar sobre esta viragem brusca daqueles que durante tanto tempo – pelo menos 15 anos – os desprezaram, os diminuíram, os humilharam, os vilipendiaram assumindo-se e agindo como únicos (com poucas e incontornáveis excepções) combatentes para a independência deste País e agora os chamam para o seu seio.

Sim, combatentes para a independência porque a liberdade só veio a 13 de Janeiro de 1991.

Não tiveram um átimo de reflexão para ajuizar que os militantes da UPICV e da UDC também lutaram da mesma forma para a independência deste País. Não vêm que isto é sobretudo uma manobra de legitimação de uma narrativa que procura a credibilização perdida?

A ganância, a vaidade e o oportunismo não podem justificar tudo. O Homem tem a sua dignidade. É suposto ter coluna vertebral.

E... Meu Deus, alguns vendem-se por tão pouco!...

Toda esta corrida ao “ouro”, à Associação dos Combatentes que se transformou no “El Dorado” cabo-verdiano, se deve a mais uma extravagância – usando um eufemismo – do nosso (des)governo. E configura mais uma manifestação autista do nosso Primeiro-Ministro. A sua habitual ligeireza com que encara os assuntos de Estado e a inquestionável estratégia de bajulação aos chamados “históricos” do seu Partido para lhes ganhar confiança e apoio, vêm custando muito caro ao erário.

Surpreende como é que a ministra das Finanças, sempre tão racional, calculista (no sentido contabilístico) e cuidadosa com o erário, a braços com a enorme dívida pública e problemas de tesouraria, embarcou numa leviandade destas. E como é que os grandes “patriotas” ou “nacionalistas” bem conhecedores da fragilidade económica do País se acomodam e se rejubilam com um estatuto de configuração, para muitos, parasitária ou mesmo, “mercenária”?

Causa estranheza conceder vitaliciamente, aos de Conacri pensões escandalosas e obscenas – ao nível do vencimento do nosso Presidente da República – e com benesses várias, e a todos os outros (mais várias centenas) um subsídio de 75 contos mensais, quando o salário mínimo é de 11 contos mensais e o vencimento de um professor do ensino secundário (nível 07/A) é de 54 contos, apenas por ter participado no e ao lado do PAIGC para o assalto ao poder e (já agora!...) esquecendo-se de, pelo menos, os da UPICV que também lutavam para a independência do País e daqueles que foram “expatriados” (fortemente lesados pelo processo) impedidos de participar na independência do seu País apenas porque lhes fazia frente não embarcando no processo da Unidade, hoje, de tão triste e má-memória.

A eleição para a Constituinte – o culminar, o verdadeiro desfecho do “processo oficial da independência” – a 30 de Junho de 1975 foi totalmente dominada de forma fraudulenta (está no seu ADN) pelo PAIGC.

Admitamos que, por hipótese, – bastaria não ter havido batota – tivessem entrado (não necessariamente mas eventualmente maioritariamente) nessa Assembleia Constituinte grupos de cidadãos afectos a UPICV ou a UDC. Quem seriam os combatentes da Liberdade da Pátria?

O Estado não é, nem pode ser partidário. Não pode premiar – conceder subsídios ou pensões – os “militantes” de um partido em detrimento de todos os outros cidadãos nacionais. É o que a actual lei dos subsídios para combatentes sugere. E esta situação tem de ser corrigida.

 A haver subsídios (ou pensões) com o dinheiro dos contribuintes para os “combatentes”, estes devem ser avaliados e escrutinados por uma entidade independente do Estado eleita pela Assembleia Nacional por uma maioria qualificada (mais de dois terços), com critérios objectivos publicamente conhecidos e não por uma associação privada de génese marcadamente partidária e conduta manifestamente clientelista, com inscrições obtidas apenas através de uma simples declaração avalizadora. Isto não invalidaria o registo na Associação que continuaria a utilizar os seus critérios próprios para aceitação e inscrição dos seus membros. Numa palavra: a inscrição ou aceitação na “Associação dos Combatentes” não será motivo suficiente para que o Estado desembolse subsídios.

E tendo em conta que a participação numa luta com a natureza da que se vem tratando ao longo deste texto não é feita com motivações materialmente compensatórias mas apenas (supostamente) por entrega abnegada, por nobreza de espírito, por convicções pessoais, a lei devia visar apenas aqueles que, pela sua participação, tenham sido “prejudicados” encontrando-se, por este facto, em situação difícil, o que implica a ponderação de cada caso e nunca a generalização que se configura abusiva, virtualmente injusta e potencial fonte de oportunismo.

A generosidade gratuita e leviana do Primeiro-ministro com o dinheiro dos contribuintes deve ser motivo de profunda análise do próximo Governo, considerando que somos um país que, também ele, ainda vive de subsídios e de dádivas. É uma questão moral!

Nada é irreversível!... Mas para isto é preciso vontade e perspectiva política de boa governance que implica (além de ignorar clientelas partidárias e familiares) uma gestão séria, rigorosa, adequada, justa e útil do dinheiro dos contribuintes. Um próximo Governo deve dar sinais inequívocos desta postura.

A.   Ferreira

 

«ESCUTAI AS VOZES DO BOM SENSO» - Uma Leitura -

terça-feira, 1 de março de 2016

 
 
Arsénio Fermino de Pina, seu autor, traz  ao leitor nesta obra, um conjunto estruturado de artigos, de crónicas, sobre os mais diversos assuntos, com interesse geral e com especial interesse sobre a «res publica» cabo-verdiana.

Com efeito, trata-se de um acervo de temas actuais, cada um deles desenvolvido de forma judicativa e bastante assertiva (ponto de vista de uma leitora) - em que o autor lançou um olhar crítico construtivo, sempre construtivo, mesmo nas vezes em que ele parece estar já «agastado» e muito irónico, de tanto repetir e não ser ouvido por quem de direito. “es ca tá ouvi’!” Entre outras exclamações, a revelar já cansaço e alguma impaciência do remetente, escritor, de tanto bater na mesma tecla e sem resultado algum.
 Interessante é que todos eles - os temas - têm como fundo comum: a ética, o saber, e sobretudo, o saber fazer. Aliás, não é por acaso que o autor sentiu a necessidade de intitular alguns artigos de: “ Da responsabilidade, da ética e do saber fazer” página 55. “ Do Diálogo e da Ética” página 69. E retoma em: “Ainda do Diálogo e da ética”, página 105 e página 111.
Ora bem, há assuntos que lhe são caros, o da regionalização, por exemplo. Esta matéria ocupa um largo espaço de reflexão no livro. Muito dos textos aqui publicados são sobre a regionalização, sob vários ângulos de abordagem, conducentes sempre a uma visão ou, a um resultado altamente positivo no desenvolvimento do país. “A mal-amada regionalização” como afirma a determinada altura.  Todos sabemos que o Dr. Arsénio de Pina está na linha da frente, ao lado dos que são defensores da regionalização. O seu ponto de vista é claro e sem titubeios.
Claro, que os temas desenvolvidos não ficaram por aqui, «Escutai as Vozes do Bom Senso» previne também o leitor de forma séria sobre a saúde. Vide: “Da degradação do exame clínico e do custo da saúde” página 77... ou não fosse o autor médico, experiente e sabedor do que está a falar.

Avisos sérios são feitos também ao  leitor sobre o charlatanismo que infelizmente grassa em meios de seitas ditas religiosas. Leia-se o texto: “Efeitos colaterais da crise actual” página 81, para nos apercebermos  daqueles homens que “andam a catar dízimo e a angariar crentes” tudo isso envolto em fundamentalismos religiosos, em ameaças apocalípticas, se não acatarmos “o primitivismo das suas argumentações. O autor dissecou-os bem, sabendo que infelizmente estas ilhas estão infestadas disso. Igualmente, Dr. Arsénio de Pina, estende os alertas a outros campos, ao do consumidor,  (vide: “Do Dia Mundial do Consumidor” página 279, a que se junta sequencialmente temático, o texto: “Papo Desopilante, ma Non Troppo”, página 327, nelas critica assertivamente aquilo que não tem sido observado em prol do consumidor, incluídos nessa crítica estão nomeadamente, deputados e governantes que não fazem cumprir leis já inscritas no nosso ordenamento jurídico e que defendem o consumidor. Acrescento da minha lavra que o consumidor nestas ilhas está entregue “à bicharada.” Relevem-me a expressão tão desabrida...
Mas ao «Escutai as Vozes do Bom Senso» não faltou igualmente a bonomia bem humorada  e solidária , patenteada na crónica intitulada: ”Um dos meus tipos inesquecíveis” em que o autor nos recorda uma das figuras bem castiças mindelenses, “João da Mata Costa vulgo Damatinha” página 87.

A nossa Língua Portuguesa, (páginas 211 e 215) mereceu da parte deste autor tratamento excelente e de que muito se necessita entre nós.

Por último, e longe de ser “the least,” deixei para o fim os assisados recados e os autênticos “puxões de orelha” que ele envia e dá à classe política, mais concretamente, a quem governa.  Sobre isso, vale a pena ler, recomendo os seguintes artigos: “ Visita Guiada a S. Vicente”, (pág.25) “ Das Declarações do Primeiro Ministro a S. Vicente,” (pág. 45) “Água Mole em Pedra Dura” (pág. 45), “Salpicos de Direito e Bom Senso” (pág. 229).
Enfim, o leitor encontrará nas páginas do livro, assuntos, todos eles de grande interesse, de agradável leitura e que dizem particular respeito aos viventes deste país insular. Podemos concordar, ou não, mas certamente não deixaremos de tirar o chapéu ao autor pela profundidade, pela oportunidade com que radiografou os grandes problemas que nos  devem fazer reflectir e preocupar.

 Para terminar: Caro leitor, o livro: «Escutai as Vozes do Bom Senso» merece ser lido, através de uma leitura, sem pressas. Cada Artigo é uma achega valiosa para quem se interesse de facto, sobre o modo e o estado dos  chamados altos desígnios desta nação. Actualíssimo e sensato, poderão ser adjectivos acertados - para além da profundidade filosófica que subjaz em muitos excertos nele publicados -   para definir a obra que acabei de ler.

Bem haja o seu autor!  obrigada!