BOMBAS, ARMADILHAS E DEMISSÕES

sábado, 15 de julho de 2017


      Inesperadamente, sem que nada o pudesse prever, eis que o roubo de explosivos, munições e outros artefactos militares detectado nos paióis de Tancos, veio trazer mais combustível para o festim da comunicação social. O tema das Forças Armadas, ou da Defesa Nacional, nunca ou raramente é objecto de tratamento mediático sério e responsável, como se se tratasse de uma simples excrescência no organismo nacional. Mas basta algo que saia da normalidade para saltarem à ribalta opinantes de todo o tipo e perfil, com explicações e juízos os mais variados, mesmo que não saibam a diferença entre uma granada de mão ofensiva e uma granada de mão defensiva, invertendo as características da sua letalidade, como aconteceu com um jornalista ou comentador. Ou que chamem “armamento pesado” ao material roubado, como também se ouviu a vários noticiadores.
      Normalmente ficam pela espuma dos acontecimentos, porque é onde podem meter o canudo para fazer bolinhas de sabão, já que a química das matérias subjacentes não lhes interessa ou aí não funciona aquele instrumentozinho de diversão. É intrigante como ninguém traz à baila a extinção do Serviço Militar Obrigatório (SMO), aprovada num dos governos de Cavaco Silva, que não conseguiu contrariar a pertinaz militância do então presidente da JSD, Pedro Passos Coelho, em prol daquela medida. É que uma das causas, ainda que indirectamente, da ocorrência em Tancos pode ter também uma relação com a tremenda restrição de efectivos com que os comandantes das unidades militares hoje se debatem para cumprir as tarefas mais básicas da sua actividade orgânica. De igual modo, ninguém questiona os cortes orçamentais que ao longo dos anos têm reduzido sucessivamente a capacidade operativa das unidades militares. Só assim se explica que a reparação do sistema electrónico de vigilância aos paióis em causa não tenha merecido uma resposta imediata.
      Contudo, não é aceitável invocar aquelas duas condições limitadoras como justificação, já que um paiol é área crítica numa instalação militar, normalmente considerado “ponto sensível”, requerendo por isso atenção prioritária no elenco das actividades internas. Se há avaria no sistema de vigilância electrónico, cuja função é apenas adjuvante no conjunto de medidas de protecção, os meios humanos têm de ser reconvertidos ou reajustados à nova realidade, quer em número quer no modus faciendi operativo.
      Certamente por assim pensar é que o General Chefe de Estado-Maior do Exército (CEME) entendeu que o problema era da estrita responsabilidade das unidades militares envolvidas no processo de segurança a esses paióis. “Exonerados temporariamente” das suas funções, esta medida é, reconheça-se, inusitada nos cânones de procedimento, mas é sobretudo indiciadora de uma violação do “Princípio da Unidade de Comando”, um dos mais determinantes na arte da guerra. O coronel reformado David Martelo explica-o bem no seu artigo O “Pentavirato” de Tancos e as Virtudes Perigosas, de 08/072017 (1). Com efeito, ao atribuir-se, em regime rotativo, a função de guarda e vigilância àqueles paióis a cinco unidades militares diferentes, uma delas fora do perímetro de Tancos (o Regimento de Infantaria 15, de Tomar), criou-se uma condição propiciadora das seguintes consequências: tendência para a diminuição da eficácia e rigor no cumprimento da missão, por não haver uma única entidade supervisora e (re)avaliadora em permanência dos actos e procedimentos da sua conduta; dificuldade de apuramento de responsabilidades objectivas no espaço e no tempo certos.   
      Pois bem, a seguir aos fogos de Pedrógão Grande rebenta esta bomba no seio da instituição militar e a oposição política, esfregando as mãos de contente, vê desferir-se por mão invisível mais uma machadada no estado de graça que muito justamente o actual governo vinha gozando. A oposição aponta mais uma “falha do Estado” e insinua, se não sentencia mesmo, uma óbvia responsabilidade do ministro da tutela, mas sem explicar à puridade os pontos de conexão, no caso em apreço, entre a responsabilidade operacional e a responsabilidade política. Sim, porque na verdade tudo o que de mal ou bem acontece no país envolve teoricamente a figura do Estado.  Temos tendência para ver o Estado como uma abstracção, incapazes de perceber e inscrever sequer as nossas responsabilidades individuais onde nos comprometam as nossas acções, as nossas omissões ou as nossas demissões. A isto ninguém está imune, nem comunicação social, nem governos, nem oposição, nem órgãos de execução, nem cidadão comum. Há um colectivo comum de responsabilidades que nos obriga a rever de alto a baixo a nossa prática cidadã, se quisermos valorizar o nosso estado de direito democrático.
      E é neste estado de confusão que o CEME decidiu desarmadilhar a bomba política, assumindo a responsabilidade institucional pelo assalto aos paióis, escudando assim o ministro mas expondo-se a estilhaços. 



Tomar, 10 de Julho de 2017

Adriano Miranda Lima (coronel do exército na reforma)



INCÊNDIOS, LABAREDAS E DEMISSÕES

terça-feira, 4 de julho de 2017
Os jornalistas e os habituais fazedores de opinião agarram o episódio do incêndio de Pedrógão Grande como gato que vai a bofe. Enquanto permitir sound bytes, o tema dá muito jeito, mesmo que não se saia da análise superficial, da conjectura ou da conclusão precipitada. 
Os dois partidos da oposição surfam a mesma onda de ocasião, regalados com a oportunidade de queimar o governo numa labareda inesperadamente oferecida de bandeja pela mãe natureza. Afinal, o tal “diabo” não veio quando invocado, ou desejado, mas numa tarde escaldante de sábado, vomitando fogo em todas as direcções, em voo picado sobre as nossas florestas de pinheiro e eucalipto. Chame-se-lhe downburst ou o que se quiser.
A jornalista Judite de Sousa apresentou-se no palco dos acontecimentos e, com pompa e circunstância, escolheu os cenários de reportagem que lhe interessavam, um deles de muito mau gosto. Encontrou no local a ministra do interior em fato de combate, envergando calças de ganga e colete do Serviço Nacional de Protecção Civil, despenteada e desmaquilhada. Talvez escandalizada com o ar descomposto da governante, ou desconfiando que ela tivesse tido um encontro secreto com Hefesto, o deus do fogo helénico, a jornalista não se conteve e disparou-lhe a pergunta ígnea: “a senhora ministra vai apresentar a sua demissão?”
Incêndios fora dos cânones normais, ira divina ou acção de Belzebu, alguns jornalistas da nossa praça e os dois partidos da oposição não vêem outra saída para aplacar a sanha maligna senão queimar a ministra no rescaldo do brasido. A deputada presidente do CDS, na última sessão parlamentar, foi das mais empolgadas a sugerir a demissão de alguém, pois claro… da ministra. Pronunciava as palavras com acentuada ênfase, esticando os lábios em canudo para deixar sair sibilina a sentença prematura: responsabilidade políiiitica! Responsabilidade políiiitica!
Sim, responsabilidade política, pressupondo incompetência, inaptidão, dolo ou incúria da titular da pasta da administração interna. Claro que a deputada do CDS tem todo o direito de o exigir alto e bom som.
Vai daí, cheio de dúvidas, fui ao Google pesquisar sobre esta ministra, saber se debaixo do seu ar angelical, da sua sensibilidade feminina e da sua frágil aparência física, se esconde alguém com o sortilégio da malignidade. Sim, ela poderia em vésperas da época de incêndios ter suprimido meios ao Serviço Nacional de Protecção Civil, cortado irresponsavelmente nos efectivos das corporações de Bombeiros e da GNR, ou mandado desaparelhar o agora posto em causa SIRESP (Sistema Integrado das Redes de Emergência e Segurança de Portugal). Ou mesmo baralhado as meninges dos “comandantes” da Protecção Civil. O Wikipédia disse-me então que ela é licenciada pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, doutorada em Direito Europeu pela Faculdade de Direito da Universidade do Sarre, Alemanha, e que foi professora de Direito da Universidade Autónoma de Lisboa e do Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna. De 2006 a 2012, foi conselheira e coordenadora da Unidade Justiça e Assuntos Internos (JAI) da Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia (REPER). Durante seis anos chefiou a delegação portuguesa ao Comité Estratégico de migração, Fronteiras e Asilo (CEIFA) da União Europeia, e foi membro da delegação portuguesa no COSI (Comité Permanente de Segurança Interna) e Grupo de Trabalho de Alto Nível sobre Asilo e Migração, entre outras estruturas do Conselho da UE. No segundo semestre de 2007, durante a presidência portuguesa do Conselho da UE, presidiu ao CEIFA e a reuniões de Conselheiros JAI, dirigindo negociações sobre vários dossiers no seio do Conselho e com a Comissão e o Parlamento Europeu, como a Directiva de Retorno, o Regulamento do Código de Vistos, as Parcerias para a Mobilidade, os acordos de facilitação de vistos com os países dos Balcãs Ocidentais e a Ucrânia, entre outros.
De facto, vê-se que Constança Urbano de Sousa possui um invejável currículo académico e um registo de desempenhos de alto nível em funções de Estado, como poucos têm, sejam os jornalistas de pacotilha ou os políticos de verbo jactante e ridículas poses teatrais ensaiadas nos proscénios partidários. Sim, ela não é desses “boys”, ou “girls”, alçapremados a cargos políticos sem se saber como e porquê.
Ela tem um trajecto profissional que a recomenda especialmente, sem favor nenhum, para o cargo que exerce. Mas tem um handicap. Falta-lhe voz grossa e ar másculo para mandar em polícias e bombeiros. E nós, latinos, talvez tenhamos dificuldade em aceitar isso.
Quanto a responsabilidades políticas pela saga destruidora e assassina dos fogos florestais, o que existe efectivamente é um conglomerado de acções e inacções em que as nossas limitações e indecisões se dão as mãos com a imprevidência, o erro e o desleixo, com uma transversalidade e reciprocidade de efeitos em que ninguém está isento de culpas. Recuemos no tempo, décadas atrás, e cada um, político, bombeiro, polícia
ou cidadão comum, que escolha a responsabilidade que lhe cabe. Tudo o resto é show off político.
Tomar, 2 de Julho de 2017

Adriano Miranda Lima

Apresentação das colectâneas de Jorge Barbosa – «Arquipélago», «Ambiente» e «Caderno de um Ilhéu».


Ilha do Sal, Maio, 22/24/2017 – Semana do Poeta

Mais uma vez aqui convosco, neste ambiente de cultura que a Câmara Municipal organizou, a partilhar a apresentação de três importantes colectâneas de poemas de Jorge Barbosa, sob forma fac-símile, a saber:   «Arquipélago» 1935,   «Ambiente», 1941 e «Caderno de um Ilhéu», 1956,  em boa e sempre oportuna ocasião reeditadas pela Livraria editora «Pedro Cardoso», que desta forma, não só, coloca à disposição de leitores interessados, de estudiosos, obras de há muito desaparecidas no mercado livreiro nacional mas também, e sobretudo, estará a contribuir de forma enriquecidora, para que parte importante e essencial  de um dos maiores, dos mais completos e dos mais autênticos monumentos poéticos, inspirados e criados nestas ilhas atlânticas do Arquipélago de Cabo Verde, não seja votado ao esquecimento, mas bem pelo contrário, seja lido e fruído pela geração actual, sobretudo por aqueles que apreciam a boa poesia. As minhas felicitações à livraria editora, Pedro Cardoso, por mais este excelente empreendimento, nas pessoas do Dr. Mário Silva e do Dr. João Pedro Spencer.
Outrossim, torna-se extremamente interessante verificar que quando a parceria entre a administração local e a produção editorial funciona e creio que estamos perante este facto, a comunidade visada, – nesta circunstância a da ilha do Sal – ganha, e ganhará com isso. Os leitores interessados, os estudantes, os professores, dispõem de meios mais adequados e acessíveis para lerem e usufruírem estudando, a grande poesia de um dos mais importantes poetas islenhos;  de estarem mais informados; de se tornarem mais conhecedores da poética nacional e também mais sabedores, o que no fundo, complementa a vida intelectual e apoia o exercício de cidadania das pessoas, porque alicerçada numa “praxis” cultural, como expressão de um ponto alto de bem-estar e, consequentemente, de uma espiritualidade mais rica.
Hoje falamos da poesia de Jorge Barbosa e perguntamos porquê que isso está a acontecer? A resposta mais óbvia é, certamente, porque se trata de uma poesia intemporal, de uma poesia que continua viva, que continua entre nós. “Dentro de nós” diria, se calhar, algum poeta.
 A sua leitura, – da obra de Jorge Barbosa – provoca-nos ainda ondas de emoção de um certo gozo estético/lírico reflexos da sua inquietação (do poeta) pois que nela nos reconhecemos ainda, e com ela nos identificámos. Reconhecemo-nos e identificamo-nos afinal, porque o poeta soube captar e reelaborar em versos de forma, diria, acabada e sublime, a cultura partilhada, bela e mestiça, de que resultou afinal a cabo-verdianidade. E essa cabo-verdianidade como força motriz, fundadora e construtora da poética barbosiana, permite-lhe, ainda hoje, estabelecer com o leitor uma certa intimidade, uma proximidade identificativa que lhe garante alguma perenidade e actualidade.
Mas atenção, devemos sempre salvaguardar, ressalvar e perceber as marcas da temporalidade que conferiram circunstancialidade histórica, contexto social e humano, muito específicos da época vivida e vivenciada pelo poeta e que o terá inspirado, naturalmente.
Assim explicitado, o leitor entenderá – na linha do pensamento de Ortega y Gasset (1883 -1955) que o “homem, é o homem e a sua circunstância”
Acrescenta-se a este conceito, aquilo que disse o Prof. Vitorino Nemésio, “o Homem é também ele e a sua geografia”.
Ora bem, ambos os conceitos, aplicam-se ao caso de Jorge Barbosa para pudermos bem entender a temática dos seus poemas.
Não me canso de repetir para que a geração de hoje saiba, esteja informada de que Jorge Barbosa, tal como Osvaldo Alcântara, (Baltazar Lopes da Silva), Manuel Lopes, António Aurélio Gonçalves, entre outros, todos eles, cedo conheceram o respeito, a admiração das gentes das ilhas, como homens do saber – os sábios das ilhas. Constituíam a nossa aristocracia; distinguiam-se do comum dos seus conterrâneos. Eram reconhecidos nas ruas e nos sítios por onde passavam, muito estimados e quase venerados por aquilo que representavam para estas ilhas.
Nós – a minha geração – então crianças, adolescentes, ouvíamos falar, em casa e na escola, desses nomes ilustres que os adultos, pais e professores admiravam.
Mas já antes deles, nomes como Eugénio Tavares, José Lopes, Pedro Cardoso, poetas, escritores e compositores eram afamados e reconhecidos nas ilhas, pelo seu alto valor intelectual. E isto fazia parte de um passado de Cabo Verde, em que era considerado cidadão com valor, aquele que, para além da sua conduta moral irrepreensível, era portador de boa literacia, capaz de transcender a pequenez do meio pelo seu saber, e constituir o orgulho e a referência do seu concidadão.
Posto isto, passemos ao que aqui nos traz. Costuma-se dizer, e já o disse mais do que uma vez, que a Literatura é um lugar sagrado e a poesia um dos seus altares.
É sobre este altar sagrado de Jorge Barbosa, inserto e configurado com mestria, em «Arquipélago», em «Ambiente» e em «Caderno de Um Ilhéu» que me proponho dizer-vos, ainda que de forma pouco profunda e breve dado que o tempo me condiciona, algumas palavras.
Vamos por partes: a publicação de «Arquipélago» em 1935, está já registada na historiografia poética de Cabo Verde, como sendo o verdadeiro marco, a baliza, que separa a antiga e a moderna poesia cabo-verdiana, esta última iniciada exactamente com a publicação desta primeira colectânea de Jorge Barbosa. O que fazia a diferença afinal com a poesia anterior? É que em «Arquipélago» se inscreveu pela primeira vez, e de forma indelével, a geografia humana de Cabo Verde. Era então jovem, o poeta Jorge Barbosa, mas já com um trabalho poético assinalável e publicado, anos antes, de forma dispersa, em revistas e jornais portugueses de cariz literário e cultural. Como, para exemplo, as prestigiadas revistas: «Seara Nova». «Presença», «Jornal de Europa», «Suplemento Literário» do Jornal Diário de Notícias. Curiosamente, Jorge Barbosa teve como companheiro das ilhas, naquelas publicações, o então também jovem poeta, Osvaldo Alcântara. Tudo isto aconteceu uns anos antes de 1935. Um período que pudemos delimitar ou situar, entre 1929 e 1934.
Convém igualmente destacar que nesta colectânea de 14 poemas, encontramos três dos mais emblemáticos poemas deste autor, e são eles: “Panorama” pág. 9, “Rumores” pág. 25 e “O Mar”, pág. 34, os quais, ainda hoje são considerados como poemas “ex-libris”, de Jorge Barbosa.
Seis anos passados, em 1941 foi publicada a colectânea «Ambiente», numa configuração de 20 poemas. Se em Arquipélago» o poeta descrevera a envolvência física das ilhas em que sobressaía a perspectiva espacial – a ilha – aqui tomada como centro onde, ora em dicotomia com o mar, ora como metonímia do Arquipélago, e ora ainda como “habitat” gerador da condição de ilhéu que a poesia de Jorge Barbosa tão bem soube prefigurar.
A sua escrita, – de Jorge Barbosa – como ele próprio a definiu numa das muitas cartas trocadas com o escritor e também poeta, Manuel Lopes – é límpida e sem malabarismos retóricos. Escreveu então Jorge Barbosa, para Manuel Lopes, numa espécie de “aviso à navegação”, o seguinte: “Eu nunca fui eloquente e ia dizer-te felizmente. A eloquência, é certo, é uma importante defesa para os que tiram sonâncias e músicas das palavras, porque lhes preenche o vazio do pensamento e porque deixa no público, embora quando esse público circunscreve-se à nossa convivência, arrepios sensacionais de seguro efeito. Quando escrevo ou quando falo, sou naturalmente um reflexo da minha interioridade, procuro transcrever-me, descrever as ideias que possa ter; nunca me malabariso em verbosidades ocas e lantejouladas, tão fáceis de resto”. Fim de citação.
É através dessa escrita, assim esculpida, assim fixada pelo poeta como “reflexo da sua interioridade” que vamos continuar a ler em «Ambiente», colectânea, como já referi, composta por 20 poemas. Se em «Arquipélago» o protagonista ou o sujeito poético era a ilha/arquipélago, a origem, a representação da sua geografia quase física, embora com os elementos humanos que a povoaram e que lhe trouxeram movimentação humana; em «Ambiente», os sujeitos poéticos são em primeiro lugar, o “irmão-caboverdiano-anónimo”, na sua busca incessante de sobrevivência, devido às secas e às estiagens que o fustigam. Também o mar é elemento primordial e transversal em toda a poesia de Jorge Barbosa. O mar/grade/prisão; o mar que convida à libertação; á evasão da ilha /cerco/espaço fechado. Veja-se “Poema do Mar” pág. 29.
Como mais ilustrativo desta colectânea, convido-vos a folhearem o vosso exemplar de «Ambiente» e regressarem  à  pág. 17. Trata-se do poema-proposição de Jorge Barbosa, «Irmão». Nele exarou o que doravante seria a sua mais relevante marca poética. Uma leitura. (ler o poema)
A vez, em 1956 de «Caderno de um Ilhéu». Aqui o poeta atinge uma certa plenitude na sua escrita, uma grandeza madura na sua estética, no seu estilo. Há nitidamente uma linha evolutiva na construção e na fixação da sua poesia.  O poeta como que já se sente mais senhor do “seu destino poético” mais profundo, mais sabedor. De facto, com «Caderno de um Ilhéu, Jorge Barbosa atingiu um cume na poesia cabo-verdiana.  Trata-se de um conjunto magnificamente estruturado de 39 poemas, que enfatiza agora, os temas que lhe são mais caros com uma mestria ímpar, que definitivamente projecta o ideário da “poesis” inscrita por Jorge Barbosa, nas Letras cabo-verdianas.  
E, como sempre, com a humilde e a natural simplicidade que o caracterizam, Jorge Barbosa faz a sua apresentação no poema homónimo “Apresentação” com que inicia a Colectânea. (ler o poema)
Interessante, é que «Caderno de um Ilhéu teve desde o seu aparecimento, uma aceitação e uma crítica muito auspiciosas, tanto aqui nas ilhas, como em Portugal e com ecos no Brasil. Assim vamos ler da pena de poetas e críticos conhecidos em Portugal, como Jorge de Sena, Artur Portela Filho, Amândio César, João Gaspar Simões, David Mourão-Ferreira e o nosso conhecido Manuel Ferreira, entre outros, os quais, quer em Jornais quer em revistas da época, quase todos, não pouparam elogios à nova obra de Jorge Barbosa. Também no Brasil, chegam novas de como alguns poetas leram a nova colectânea do poeta-irmão, como o designou Ribeiro Couto. Lembrar que é em «Caderno de um Ilhéu» que encontrámos os poemas que simbolizam o afecto, a identificação que Jorge Barbosa estabelece entre Cabo Verde e Brasil. Leiam os poemas, «Cartas para o Brasil» e «Você Brasil».

Para finalizar, gostaria de reiterar que o poeta Jorge Barbosa inaugurou para a literatura cabo-verdiana, um autêntico tratado poético, com novos temas, nova métrica e uma tremenda e imensa poesia em versos soltos, ora curtos ora longos, numa métrica muito própria e então original, em que o silêncio, a magia encantatória dos seus versos respigaram intimismo e interioridade.