A língua portuguesa resiste bem, mas urge acabar com o estado a que ela chegou

quinta-feira, 30 de abril de 2020


Mais um bom contributo e tributo à nossa Língua comum com muito interesse para a compreensão da questão do malfadado Acordo Ortográfico. Aliás, este texto está na linha daquilo a que já nos habituou o seu autor Nuno Pacheco a quem, com a devida vénia, peço autorização para aqui o transcrever. 





Nuno Pacheco*
Mesmo confinados, não nos faltam datas para comemorar. Primeiro foi a Páscoa, depois o 25 de Abril, amanhã será o 1.º de Maio, domingo o Dia da Mãe e na próxima terça-feira, dia 5, o Dia Mundial da Língua Portuguesa, essa outra mãe que nos calhou. Como de costume, vão tecer-se louvores ao Camões (não a Luís Vaz, mas àquele que despudoradamente usa o seu nome), brandir-se mapas e números, organizar-se saraus e discursos, agora forçosamente virtuais.
Mas nada disso pode ocultar algo que não é propriamente penúria, até porque a língua vai resistindo a tudo (fome, privações, maus tratos) e há por aí muita gente de todas as idades a falá-la e a escrevê-la com conhecimento, criatividade e brio; mas é um estado de ignorância e desleixo, muito pouco saudável, que a vai apoucando e corroendo até roçar o analfabetismo.
Nos mais diferentes meios (jornais, revistas, televisão, livros, Internet), a aplicação acéfala do chamado Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (AO90) continua a dar coisas como (e todas elas estão documentadas, com origens e datas) “artefatos” por artefactos, “estupefato” por estupefacto, “impato” por impacto, “impatante” por impactante, “pato” por pacto, “ojetivo” por objectivo, “corruto” por corrupto, “convição” por convicção, “execto”, “excepo” e “exeto” por excepto, “exeção” ou “excessão” por excepção, “inteletual” por intelectual (a mais recente prova desta imbecilidade foi estampada no oficialíssimo Diário da República n.º 72/2020, Série II de 13/4/2020, no Aviso n.º 6075/2020), para já não falar na aplicação a Portugal, contra as indicações do próprio AO90, da norma escrita brasileira, escrevendo-se e até dizendo-se “fato” por facto, “contato” por contacto, “seção” por secção ou “conosco” por connosco, isto, apesar de a rubrica Bom Português da RTP garantir que é “connosco” que se escreve em Portugal.
Se bem se lembram, o AO90 gabava-se de conseguir “unificar ortograficamente cerca de 98% do vocabulário geral da língua”, segundo a nota explicativa que o acompanhava. Só que tal frase ignorava um pequeno pormenor: mesmo que fosse possível unificá-lo graficamente, o vocabulário difere no uso e no sentido não só em Portugal e no Brasil (onde as diferenças são enormes), mas também nos países que começaram a moldar a língua ao seu jeito. Se a unificação ortográfica é, já de si, uma quimera retrógrada — porque línguas como o inglês, o francês ou o espanhol admitem tantas variantes ortográficas nacionais quantos os países que as usam —, a unificação vocabular é uma tolice sem nexo. Nisto, o brasileiro Evanildo Bechara, um dos bonzos do AO90, foi claro, numa entrevista que deu ao Expresso em 2012. Disse ele: “Não tem sentido uniformizarmos o vocabulário comum e os portugueses chamarem à capital da Rússia Moscovo e o Brasil chamar Moscou.” Mas chamam e escrevem, ainda hoje. Ao mesmo tempo, Bechara disse este disparate: “Em qualquer área em que seja usada, tanto no Brasil, como em Portugal ou na África, a língua portuguesa será grafada de uma só maneira. Isso significa que um livro editado em português pode correr todos esses países, porque a ortografia é a mesma.”
“Podíamos estar a celebrar oito variantes ortográficas, mas em vez disso somamos erros”
Não, não é a mesma, há o facto-fato, bebé-bebê, contacto-contato, amnistia-anistia, secção-seção, libertar-liberar, casino-cassino, registo-registro, planear-planejar, além das mil e uma palavras que no Brasil e em Portugal querem dizer coisas diferentes. Isso chama-se evolução. A língua foi crescendo e modificando-se consoante a cultura dos seus utilizadores. Ora isto, em lugar de ser usado como trunfo e sinal de riqueza, é aplainado por um capricho retrógrado e infame. Sim, podíamos estar a celebrar o facto, historicamente merecido, de termos neste Dia Mundial da Língua Portuguesa oito variantes vocabulares e ortográficas, que juntas fariam ainda mais forte o idioma no seu todo. Porém, na miséria que nos coube, vamos passar esse dia a ouvir discursos inflamados e a ler novos erros fomentados por um acordo que se transformou numa descabelada caça às consoantes. Seguindo a sugestão de “escrever como se fala”, ainda iremos ler “runiões”, “tamos”, “competividade”, “óvio”, “curdenação”, “mnistro” ou “custume”. É só esperar.
Na madrugada do 25 de Abril de 1974 houve um discurso decisivo para conquistar as tropas em Santarém. Foi feito por Salgueiro Maia e ele resumiu-o assim no seu livro Capitão de Abril (Editorial Notícias, 1997, pág. 87): “Declarei que havia várias modalidades de Estados: os liberais, os sociais-democratas, os socialistas, etc., mas nenhum pior do que o Estado a que chegáramos, pelo que urgia acabar com ele.” Pois também na língua portuguesa, espalhada por vários Estados e neles enraizada, há o estado indecoroso a que chegámos. Acabemos com ele.
Aliás, há um precedente vindo de dentro. Quando se acede ao Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP) e se tenta entrar no dito Vocabulário Ortográfico Comum (VOC), recebe-se esta mensagem de alarme: “Este site não é seguro. Isto poderá significar que alguém está a tentar enganá-lo ou a roubar qualquer informação que envie para o servidor. Deve fechar este site imediatamente.”
É isso, fechem-no. E festejemos a rica diversidade desta língua que nos é comum.

*Jornalista. Escreve à quinta-feira nuno.pacheco@publico.pt (30.04.2020)

Em Tempo de crise...

segunda-feira, 20 de abril de 2020


Em tempo de crise, o isolamento social, o silêncio à volta de nós, em suma o confinamento, convida-nos à reflexão, à introspecção, a pensar nos nossos familiares e amigos - porque físicamente afastados uns dos outros  -  com mais pormenores, com mais atenção às particularidades pessoais de cada um deles e, sobretudo, a relevar aquilo que em tempos ditos normais, consideraríamos faltas e falhas da  humanidade de cada um.
Em tempo de crise, apanho-me a pensar também neste Continente tão desgraçado em matéria de saúde pública e que se dá pelo nome de África!
Em tempo de pandemia, quando ouço em documentários feitos por organismos internacionais, de que alguns países não possuem suportes mínimos de vida nos seus hospitais, o caso exemplificado foi o da Serra Leoa que apenas possui três ventiladores no seu maior Hospital!... Questiono e pergunto-me se os Presidentes da República ou, os Chefes de Estados africanos, visitaram alguma vez, as estruturas de Saúde dos seus  países?...duvido que o façam. Também não necessitam. Pudera! as antigas Metrópoles irão tratá-los de certeza em caso de qualquer mal-estar. Os hospitais nacionais são para o “nosso povo,” como ufanamente proclamam! E para quem é, meia...
Tantos anos de independência dos seus países! E os investimentos na Saúde, continuam como se vê! Secundarizados e relegados para planos minoritários em termos de aplicação, e sem dar mostra de qualquer prioridade, no desenvolvimento nacional de cada um dos Estados africanos. As estatísticas mundiais falam e não calam a desgraça do que por aí vai...
Em tempo de crise, é flagrante e bem visível  que a Saúde é a  maior fragilidade, a par da Educação – embora este último sector venha  já conhecendo em alguns países, melhor evolução - dos Estados africanos soberanos, muito deles, há mais de cinco décadas. Outros, muito perto disso.
Países sem Educação e sem Saúde estão condenados ao subdesenvolvimento. Sei que é de “la Palice”. Mas nunca é de mais reiterar a pesada sentença.
Em tempo de pandemia convém recordar e fazer sobressair que África é uma doente crónica - algumas epidemias são constantes e outras sazonais, nos seus países. Veja-se a malária, a cólera, a ebóla, para só citar os que mais ceifam a vida aos seus naturais - E o que vem ao de cima, e que é mais gritante e notória é a incapacidade da Saúde africana, no geral, para conter, para tratar qualquer doença chamada comunitária, epidémica, pandémica, ou outra, em estabelecimentos hospitalares apetrechados ou, em estruturas de saúde, condignas.
Em tempo de crise, percebe-se infelizmente de que os governos africanos, no geral, haverá algumas excepções, não se preocuparam muito com a saúde dos seus compatriotas, pois, pudera!  Reitero, os chefes, os presidentes, ao mínimo mal-estar zarpam  para a Europa, para os Estados Unidos e mesmo para a China, onde são tratados. Alguns, até principescamente, sem que nenhum cuidado médico lhes falte!. Como se  hão-de  preocupar com a saúde dos outros que os elegeram? Claro! Que não! O resto não conta muito...
Para quando estudos, investigadores, comunidade científica de facto, a trabalhar em laboratórios e em centros de investigação em África?... em que países os encontraremos? A investigar e a tentar descobrir a cura para as doenças tropicais? Onde estão? Não se apresentam?
Gostaria de estar enganada. Infelizmente continuo afropessimista...
Em tempo de crise, desejo aos cidadãos anónimos ainda vivos e saudáveis nos países africanos e que vivem precariamente e sempre com o “credo na boca” diariamente, que tenham a sorte de não serem apanhados nesta voragem do maldito corona vírus.
 Distingui os cidadãos dos países africanos, porque são os que têm menos protecção na saúde, em termos comparativos com o resto do mundo. Claro! que os meus desejos neste tempo de crise, abarcam e abraçam - planetariamente  - todos. 

quinta-feira, 16 de abril de 2020

Com a devida vénia ao seu autor, Nuno Pacheco, transcrevo e recomendo vivamente a leitura deste excelente artigo sobre os malefícios que vem fazendo à nossa bela Língua, o estranho e esquisito “Acordo Ortográfico”.


Enquanto combatemos o novo coronavírus, o velho “ortogravírus” não pára
Nuno Pacheco*

Sabem o que é o “impato” da pandemia? Ou a propriedade “inteletual”? Ou os “artefatos” que a PJ encontrou? Ou a “seção” do talho? Ou o “fato de não irem” sabe-se lá onde? Ou alguém ter ficado “estupefato” com alguma coisa? Se não sabem, deviam saber. São alguns dos recentes efeitos de um vírus que se instalou na escrita portuguesa (mas também na fala: esta semana, na televisão, alguém falou em “adetos” de um clube) e não há maneira de ser erradicado. Está um pouco por todo o lado, desde o oficialíssimo Diário da República aos jornais e à televisão.
E continua assim por sucessivas razões. Quando se fala nos malefícios do acordo ortográfico, há sempre qualquer urgência que adia a discussão: eleições, remodelações, temas candentes no Parlamento (aborto, eutanásia, Orçamento), crises, um imenso rol. Mas como a língua, falada ou escrita, é coisa de todos os dias e transversal a todas as actividades, da mais pequena etiqueta de vestuário ou bula farmacêutica até aos decretos governamentais, o caos ortográfico é desde há muito um dado adquirido nessa imensa torrente de palavras. Bem pior em Portugal do que no universo mais vasto da língua portuguesa, onde tal vírus só fracamente se propagou.
Um exemplo, actualíssimo. Quando o ministro Tiago Brandão Rodrigues anunciou, nesta quarta-feira, as maravilhas da nova telescola pela “caixinha mágica” (palavras dele) da RTP, no rodapé era anunciado um aumento do “número de infetados” (sic) com o novo coronavírus. Por cá, tudo o que se relaciona com infecções foi amputado de uma letra pelo velho vírus ortográfico (ou “ortogravírus”, como queiram) e passou a infetado, infetada, infecioso, infeção, infeções, infetou, infetar, desinfeção. Pois bem, já que o acordo ortográfico de 1990 é para o universo da língua portuguesa, supunha-se que tal grafia seria comum a todos os países. Mas não. No Brasil, como já aqui se referiu, a norma desta família de palavras não se alterou (está, aliás, igual à que Portugal praticava antes do acordo): infectado, infectada, infectados, infecção, infecções, infecciosas, infectologista, desinfecção. E numa ronda mais recente pela imprensa brasileira (no dia 12 de Abril) confirma-se tal conclusão. Folha de S. Paulo: “Ele [Jair Bolsonaro] negou ter sido infectado, mas não mostrou o resultado dos exames até agora.” Correio Braziliense: “Após 16 dias de infecção, um novo exame e o resultado negativo.” Estadão: “A missão dos governos será retomar a atividade econômica sem desencadear uma segunda onda de infecções.” Jornal do Brasil: “No Ceará, são 1582 infectados e 67 óbitos.” Veja: “Acompanhe as últimas notícias sobre a infecção no Brasil e no mundo.” Chega?
Não, não chega. Vejamos Cabo Verde. A Semana (12/4): “infectados” e “infecção”; Expresso das Ilhas (11/4): “infectada”, “infectou”. Agora São Tomé e Príncipe. Jornal Transparência (26/3): “infecção” e “infectou”; Téla Nón (8/4): “infecção” e “infectados”; Jornal Tropical (25/3): “infecção”. Convém sublinhar que nestes jornais (dos únicos países que até agora aderiram ao AO90) continua a aplicar-se a grafia de 1945, excepto nos artigos importados de Portugal, via agência Lusa. Mas prossigamos a viagem, com Angola. O Novo Jornal (9/4) fala em “casos de infecção” e o Jornal de Angola (11/4) em “casos infectados”. Em Moçambique, idem: “Infectadas” n’O País (5/4) e “infectados” na Verdade (11/4). Tal como em Timor-Leste: “A cidadã infectada esteve em Portugal para uma acção de formação” (Tornado, 23/3). Só na Guiné-Bissau se verifica uma miscelânea. O comunicado do Ministério da Administração Territorial e Poder Local (11/4) fala em “pessoas infectadas”, mas grafa “atividade” sem C. Nos jornais O Democrata ou Rispito também podem encontrar-se “infeção” e “infetados”.
Portanto, “infetados” só mesmo em Portugal e algures em Bissau. No resto do mundo, só há “infectados”. Mas pode dizer-se que Portugal seguiu exemplos de simplificação ortográfica existentes noutros países? Veja-se como se escreve infecção noutras línguas que usam o nosso alfabeto. Mantendo o dígrafo CT da língua matriz, o latim (infectione), temos infection (inglês, francês) e infectie (holandês e romeno, este com uma cedilha no t); com o dígrafo CC, temos infección (espanhol, galego) e infecció (catalão); com o dígrafo KT, há infektion (alemão, dinamarquês, sueco), infektioun (luxemburguês), infektio (finlandês), infekto (esperanto) e infektsiya (uzbeque); com o dígrafo KC, registam-se infekcija (bósnio, croata, lituano, letão), infekcja (polaco), infekcie (eslovaco) e infekce (checo); com KS, há infeksi (indonésio), infèksi (javanês), inféksi (sudanês), infeksie (africâner), ynfeksje (frísio), infeksiya (azerbaijano), infeksion (albanês), infeksjon (norueguês), enfeksiyon (turco) e enfeksyon (crioulo haitiano); com KZ há infekzio (basco); e com ZZ infezzjoni (maltês, corso). Com uma só letra, o Z, há o infezione italiano. Que se lê com “e” aberto, ao contrário da infeção acordista, em que o “e” se apaga como em infecundo, infeliz ou inferior. O ministro da Educação devia acordar para isto, quando sugere um interesse por “línguas estrangeiras” nestes tempos de difusão telescolar.
Jornalista in Público de 16.04.2020

quarta-feira, 15 de abril de 2020

Ensino à Distância
Pela comunicação social soube que passará a haver aulas, através da Rádio e da Televisão para os alunos, substitutas das aulas presenciais, que devido à pandemia do Covid19, estão suspensas em todas as ilhas deste Arquipélago.
Como antiga professora e actualmente avó atenta às actividades lectivas, gostaria de tecer algumas considerações sobre esta nova forma de leccionação, devida ao momento crítico que se atravessa e que impede o encontro presencial, professor /aluno. Nada substitui a plenitude da aula/turma presencial. O que vai acontecer seria em circunstâncias normais – um excelente complemento às aulas presenciais. Mas dada a conjuntura que vivemos isso será um importante suplemento.
Passemos agora aos pontos que gostaria de destacar:
  1. Saber com abrangência, se chega a todos os alunos que frequentam as escolas do País. Condição essencial. Se não, procurar colmatar a ausência da actividade lectiva para aqueles alunos, que não tenham acesso à televisão ou, à rádio - serão uma minoria - por meio de fichas enviadas aos respectivos professores que as farão chegar aos seus alunos através das autoridades locais, dos responsáveis locais da Igreja. Normalmente, são excelentes portadores, para estas situações de emergência
  2. Colocar os melhores professores a leccionar à distância, isto é, bons comunicadores, que se expressam bem, que não titubeiam as lições, que não demonstrem hesitações a falar a Língua oficial do ensino e que demonstrem que estão à-vontade, com a matéria que leccionem (pois que a estudaram e a prepararam antes de cada aula)
  3. Focar os conteúdos para esta fase - e tendo em conta, que este tipo de aula aconteceu pelo facto de o país atravessar uma crise devido à pandemia - os conteúdos devem ser seleccionados com rigor e  com capacidade de se colocar ênfase no fundamental da cada ponto programático da respectiva disciplina.
  4. Prestar atenção acrescida ao ritmo de cada aula. O professor deve fazê-la de forma viva e expressiva. Devem ser evitadas ao máximo, pausas desnecessárias, de tal modo  que não se  crie tédio e desinteresse no aluno que não está na sala de aula, mas sim, em casa. Isto é deveras importante e o professor deve tê-lo em muito boa conta!
  5. Posto isto, e para que sejam bem sucedidas as aulas à distância,  o perfil do docente que as ministra, deve ser desde logo, bem enquadrado e explicitado:
  6. Bom comunicador, sem titubeios didácticos, sabedor da matéria que lecciona, expressivo, convincente e sobretudo que saiba falar a Língua portuguesa, que é a Língua veicular do nosso ensino.
Boa sorte a todos, pois sei que não é fácil este empreendimento. Que seja levado com sucesso a cada aluno que longe e em casa, escuta o professor.


O Silêncio em tempo de pandemia

terça-feira, 14 de abril de 2020


Isto da covid-19 ou, do vírus da corona, ou ainda,  do “Gongon”  como o chamou um amigo meu, tem muita que se lhe diga em termos de mudanças rápidas e por vezes bem estranhas a acontecer na forma como cada cristão percepciona a realidade envolvente. Para além da doença e do cortejo de mortos que vem deixando à sua passagem. Uma destruição de vidas inaudita! Esta pandemia mudou drasticamente as rotinas, os hábitos, a vida familiar e social. Enfim, o que era normal no nosso dia-a-dia deixou de o ser e de um momento para o outro.
Mas voltando ao silêncio  -  que encima o título deste escrito - que também  veio com o vírus, e que no meu bairro é apenas cortado pela passagem de algum carro solitário ou, do carro do anúncio do “ficar em casa.” Aconteceu que numa destas  manhãs de silêncio nas ruas, andava eu às voltas dentro do meu quintal e pátio -  tentando com isso compensar (no faz de conta..) a falta que me faz a caminhada a que estava habituada diariamente a fazer ao fim do dia -  quando ouço um carro desses de anúncio, em alta berraria com uma batucada a todos os decibéis...adivinhem que carro era?  Exactamente, o dos anúncios sobre o vírus - logo,  ao serviço da Saúde ou, da Câmara Municipal - e da necessidade de se permanecer em casa, para se salvarem vidas.
Até aqui estaria tudo bem se não fosse o tipo de música dissonante com o conteúdo da notícia. Até parecia que estávamos a ser convidados para uma paródia ou para algum festival... Não. A música não devia ser nessa toada de batucada. É minha opinião. Porque não uma morna? Ao menos teríamos mais respeito, mais atenção em escutar e em perceber o que o alvissareiro nos quer transmitir. Uma morna ou, uma canção em tom normal.
O nosso ouvido já se habituou infelizmente a viver, (os meus, não há meio de se habituarem...) aos berros dos decibéis de música, por vezes sem melodia, que nos dão quando passam de carros na minha rua ou em qualquer  rua desta cidade.. De tal maneira que não admira que hoje em dia a surdez seja uma situação bem precoce, que atinja os mais jovens, pois que os tímpanos têm também o seu limite. Mas o limite para o barulho aqui é chegar ao céu, furar as nuvens e alcançar... sabe Deus o quê!?...
Para onde virámos é a danada da batucada em alto som. Entra-se num táxi nesta cidade da Praia e a primeira coisa que qualquer pessoa decente faz é solicitar ao condutor (não a todos, felizmente) a fineza de não agredir a nossa audição. Música aos berros é o tom!
Ora bem, devia-se aproveitar este tempo de recolhimento obrigado, para se fazer alguma educação cívica junto dos residentes, eu falo da ilha onde vivo, (há mais de quatro décadas) Santiago, onde infelizmente, só se  age e só se fala aos gritos. A mesma coisa diria no que toca à minha ilha de origem, o Fogo.
Pois bem, são gritos em convívio de colegas, gritos ao telemóvel ( e eu sou obrigada a ouvir a vida de cada um, coisa que detesto solenemente!) gritos e ou berros em conversa normal de rua. Enfim, terras de timbre muito alto. Sem  regulação do som e, sobretudo sem o mínimo cuidado em fazer baixar os decibéis, para não incomodar o próximo por perto...
Fica-se com a impressão que esses gritos como forma de falar, expressam alguma agressividade latente...será?
Eu fujo dos mercados por causa do barulho ensurdecedor, mas afinal esse barulho não é mais, e nem é menos, do que os gritos da fala da gente nas escolas, antes da missa, dentro da igreja. Tudo igual. Sem diferença alguma.
Experimente assistir nos dias de hoje, a uma sessão solene de finalistas, não importa o nível de ensino, para se aperceber  onde coexiste o berreiro, a gritaria. Está na Escola. Tente assistir a uma missa ao fim de tarde de Sábado (crianças e adultos) para se aquilitar da falta de respeito até em lugar de silêncio, de recolhimento por excelência, que deve ser a igreja. As crianças não foram ensinadas (porque também os seus adultos próximos falam aos gritos) para observarem o silêncio, ou um tom de fala mais baixo que se deve ter no templo, local sagrado.
Veio-me à memória e a propósito, que ainda na vida activa como professora aqui na Praia, eu costumava fazer uma espécie de jogo com os meus alunos que começava com a frase: “gente fina não... gente fina não diz palavrões, gente fina não faz ...e acrescentava uma norma do saber estar educado, com respeito pelo próximo. Aliás, os alunos já sabiam que quando eu proferia o intróito: “gente fina...” (entenda-se também pessoa bem educada) que a seguir vinha de certeza uma norma do saber viver em sociedade. E uma delas (das frases) era “gente fina não fala aos gritos”. Foi a fórmula por mim achada para fazer passar algumas mensagens cívicas na turma, a par das lições didácticas do dia.
Eles e elas estão aí - antigos e queridos alunos - para o confirmar.
Mas voltando aos “gritos” usuais na comunicação normal da nossa gente, isto é, na nossa fala comunitária; gostaria de relatar que assisti há dia na tv, num dos canais portugueses, um programa feito no Japão, entre investigadores que trabalham no estudo, no conhecimento e nas formas de tratamento do covid-19. De entre as projecções, e as hipóteses avançadas, mostraram que uma das vias mais velozes e ferozes de transmissão do vírus é exactamente na fala oral entre pessoas, muito próximas uma das outras. Numa câmara escura, vimos as gotículas expelidas pela boca dos interlocutores e que caem em cascata uns nos outros. Aí vai o vírus a alta velocidade... e quanto mais alto for a fala, mais longe caem as gotículas, infectando assim, maior número de pessoas em interacção.
Na sequência, recomendaram que em espaços fechados e com pessoas a falarem umas com as outras deve-se ter sempre uma janela ou similar aberta, para a saída rápida das gotículas.
Um documentário extremamente interessante e oportuno.
Finalmente, o que fica também recomendado nesta experiência japonesa é que neste tempo de pandemia, deve-se baixar o tom de voz na conversação diária. Assim feito, ajuda a evitar a propagação do “corona vírus”.
E neste tempo de algum silêncio que convinha ser igualmente um tempo de reflexão sobre a nossa vida em comunidade, agora temporariamente abrandada ou adiada, devido ao vírus horrendo, não ficaria mal se tentássemos ensinar algumas regras, aos nossos compatriotas (sem gritar, sem violência) para melhorarem a sua civilidade. O seu saber estar social para melhor conviver com o próximo.

Caro leitor, leia este escrito apenas como um desabafo. Nada mais.

SANTA PÁSCOA!

domingo, 12 de abril de 2020

...Apesar do confinamento, e sem o almoço de família, desejo aos leitores e visitantes do «Coral-vermelho» uma santa Páscoa!

Há que manter o espírito e pensar que no próximo ano estaremos a comemorar na normalidade.


O testemunho de um escritor italiano a viver em Milão — António Scurati*

sexta-feira, 10 de abril de 2020

Como posso convencer a minha mulher de que, enquanto olho pela janela, estou a trabalhar? — perguntava-se Joseph Conrad no início do século passado. Eu, em vez disso, pergunto-me: como posso explicar à minha filha que, quando olho pela janela, vejo o fim de uma era? A era em que ela nasceu, mas que não conhecerá, a era do mais longo e distraído período de paz e prosperidade desfrutado na história da Humanidade. Vivo em Milão, até ontem a mais evoluída, rica e brilhante cidade de Itália, uma das mais desejadas do mundo. A cidade da moda, do design, da Expo. A cidade do aperitivo, que deu ao mundo o Negroni Sbagliato e a happy hour e que hoje é a capital mundial do Covid-19, a capital da região que, sozinha, soma trinta mil contágios confirmados e três mil mortos. Uma taxa de mortalidade de 10 por cento, os caixões empilhados à frente dos pavilhões dos hospitais, uma pestilência vaporosa que paira sobre as torres da sua catedral como sobre as cidades amaldiçoadas das antigas tragédias gregas. As sirenes das ambulâncias tornaram-se na banda sonora dos nossos dias; as nossas noites são atormentadas por homens adultos que choramingam no sono: “O que é, sentes-te bem?”; “Nada, não é nada, volta a dormir”. Milhares de amigos, parentes e conhecidos seus tossem até cuspir sangue, sozinhos, fora de todas as estatísticas e sem qualquer assistência, nas camas dos seus estúdios decorados por arquitetos de renome. Se, neste momento, olhar pela janela, vejo uma pobre loja de conveniência gerida com admirável diligência por imigrantes cingaleses. Até ontem, era uma singular anomalia neste bairro semi-central e, ao seu modo elegante, uma nota dissonante. Hoje é um lugar de peregrinação. Na fila para o pão em frente às suas vitrinas despidas, vejo homens e mulheres que até ontem o desdenhavam por não ter a sua marca preferida de farelo. Ficam, apoiados pela disciplina do desânimo, a um metro de distância uns dos outros, ao mesmo tempo ameaçadores e ameaçados, com máscaras improvisadas, feitas de pedaços de tecido com os quais, até ontem, protegiam as plantas exóticas do seu roof garden, gazes desfiadas penduradas nos seus rostos com a melancolia mole dos restos de uma era acabada. Vejo estes homens e estas mulheres tristes, incongruentes consigo mesmos. Olho-os. Não tenho nenhuma intenção de os diminuir ou de troçar deles. São homens e mulheres adultos, contudo por cima das máscaras mostram o olhar assustado das crianças carenciadas. Chegaram totalmente impreparados ao seu encontro com a história e, no entanto, precisamente por este motivo, são homens e mulheres corajosos. Fizeram parte do pedaço mais abastado, protegido, longevo, bem vestido, nutrido e cuidado da Humanidade a pisar a face da Terra e, agora, na casa dos cinquenta, estão na fila do pão.
A sua aprendizagem na vida foi uma longa aprendizagem da irrealidade televisiva. Tinham vinte anos quando assistiram, a partir das suas salas de estar, à primeira guerra da história humana em direto na televisão, trinta quando foram alvejados através dos televisores pelo terror mediático, quarenta quando a odisseia dos condenados da terra aterrou nas praias das suas férias. Todos encontros fatídicos que não poderiam perder. As grandes cenas da sua existência foram consumidas em eventos mediáticos, foram guerreiros de sala, banhistas nas praias dos migrantes, veteranos traumatizados pelas noites passadas em frente à televisão. E agora estão na fila do pão. A sua infância foi uma manga japonesa, a sua juventude uma festa de piscina — lembram-se? Era sábado à noite e íamos a uma festa; era sempre sábado à noite e íamos sempre a uma festa —, a sua idade adulta é um tributo a uma trindade insossa e feroz: o frenesim do trabalho, os verões no outlet, o sublime do spa. Viveram bem, melhor do que qualquer outra pessoa, mas quanto mais viviam mais inexperientes eram na vida: nunca conheceram o terror da guerra, nunca foram tocados pelo sentimento trágico da existência, nunca uma questão sobre o seu lugar no universo. E agora, aos cinquenta anos, com os cabelos já brancos, o abdómen prolapso e a ânsia que lhes incomoda os pulmões, estão na fila do pão. Turistas compulsivos, correram o mundo sem nunca sair de casa e agora a sua casa marca para eles os limites do mundo; sofreram quase só dramas interiores e agora o drama da história catapulta-os para a linha de fogo de uma pandemia global; têm uma casa na praia e um telemóvel de última geração, mas agora estão na fila do pão; tiveram mais cães do que filhos e agora arriscam as suas vidas para levar o seu caniche a mijar. Olho-os da janela do meu estúdio enquanto escrevo. Observo-os enquanto o número de mortes sobe para quatro mil, enquanto a abcissa do contágio cresce exponencialmente, enquanto sustenho a respiração para não inalar o ar do tempo. Olho-os e compadeço-me deles porque foram a geração mais sortuda da história humana, mas, depois, tocou-lhes viver o fim do seu mundo justamente quando começaram a ficar demasiado velhos para esperar um mundo vindouro. Porém, terão de o fazer, fá-lo-ão, estou seguro. Vão ter de imaginar o mundo que têm sido obrigados a experienciar nestes dias: um mundo que se questiona sobre como educar os próprios filhos, sobre como preservar um ar respirável, sobre como cuidar de si e dos outros. Uma era acabou, outra começará. Amanhã. Hoje estamos na fila para o pão. Hoje os jornais titulam: resiste, Milão! E Milão resiste.
Lanço um último olhar pela janela sobre os meus contemporâneos dos cinquenta anos, os meus concidadãos milaneses, os meus rapazes repentinamente envelhecidos: como são grandes e patéticos com os seus ténis de corrida e as suas máscaras cirúrgicas. Tenho piedade, compreendo-os, compadeço-me deles. Dentro de alguns segundos estarei na fila junto deles.
*Antonio Scurati é um escritor e académico italiano, autor de livros como a biografia de Mussolini “M, o Filho do Século” e “A Criança que Sonhava com o Fim do Mundo”, traduzido para português. Vive em Milão.  

"Mea Culpa" e leia a opinião de John Matos.

domingo, 5 de abril de 2020


"MEA CULPA!"

Venho aqui fazer "mea culpa" aos caros e sempre bem-vindos Leitores, Adriano Miranda Lima, John Matos, José Fortes, Pablo da Argentina e Valdemar Pereira, por não ter tempestivamente publicado os seus comentários a alguns artigos editados neste "blog." 
A culpa é inteiramente minha (Ondina) e deveu-se à minha inabilidade em aceder, em tempo útil, à caixa dos comentários. Mil pedidos de desculpas a todos e ainda ficam outros mil por pedir. 
Embora tardiamente, comunico-vos que os referidos comentários já estão nos Artigos correspondentes.
Aproveito a oportunidade para publicar sob forma de texto, a opinião de John Matos relativamente ao artigo A Ofensiva dos “Melhores Filhos” e a Cumplicidade dos “Filhos Pródigos” e “Adoptivos” editado neste blog em 28 de Fevereiro de 2019 por me parecer ser a tese que ele há muito vem defendendo, como nos diz no comentário:

"Excelente artigo! Tentei comentar o artigo no jornal online Expresso, mas por uma razão qualquer não consegui, pelo que vim à fonte original do artigo deixar um comentário. Tanto mais, que não li comentários em lado nenhum sobre este artigo o que é estranho. Dito isto, parabéns ao eng Armindo e bem-vindo à "familia" porque estou há vários anos a defender a tese do seu artigo e ainda por ocasião do que se chama Semana da República, voltei à carga escrevendo uma série de posts nas redes sociais, desde o dia 30 de janeiro noContraditorium, por exemplo. Passo a citar-me 'Mas há factos que ninguém pode escamotear! Cabral, nasceu na Guiné Bissau, e foi ele mesmo, que rejeitou a sua condição de crioulo. Cabral, disse ou não disse que não havia "caboverdianos em Cabo Verde, mas sim, africanos, levados para as Ilhas?". A. Pereira afirma na sua entrevista/memória que Amilcar via-se mais como guineense que caboverdiano. O resto é História propagandística e Manipulação mental.
Sim, isto ficou patológico. Leiam!


Falava-vos num anterior post de Inteligência Artificial, de Ciência Cognitiva, do cérebro, da Neurobiologia...

Aqui têm pois o mais recente livro do francês, L Alexandre, quentinho, já devorado, porque conheço toda a obra deste neurobiólogo (faz-me lembrar João Varela, poeta maior, e cientista de Neurobiologia e as nossas falas).

Agora eis a Guerra de Inteligências, um tema que já tratei várias vezes; o que outros e eu chamamos Guerra Cognitiva.

Quem não conhece mais ou menos o funcionamento do cérebro, bases de neurofisiologia celular, ou Inteligência artificial e robôs, não vale a pena aventurar-se nestas leituras.

Ah! não gosto nada destes marxistas que adoraram a URSS e seus génios do Mal, Lenine, Staline e Trotsky. Ainda continuam a mandar no Mundo escondidos atrás do manto do dinheiro dos poderosos de Wall Street, Globalistas da ONU e toda essa rede de comilões, que sugam o sangue dos ricos, dos burgueses, como dizia o copiador da expressão "revolucionarios profissionais" ! 

Eles ainda pensam que aquilo é coutada do guineense Amilcar Cabral, adepto da violência revolucionária leninista e duma Unidade que só existia na cabeça dele e dos fanáticos seguidores porque não conheciam e não conhecem a psicologia profunda do caboverdiano!!! 
Os portugueses negros nascidos em Portugal, filhos de caboverdianos, angolanos e guineenses, nunca serão PAIS da Nação Portuguesa ou da Nacionalidade lusa, por razões óbvias.

Porque é que então o guineense Cabral, nascido em Bafatá, tem de ser Pai da Nação ou da Nacionalidade de Cabo Verde? Para uns sim! Para outros, como eu, Não, porque eu sei pensar com a minha cabeça, frase que não é de Cabral, como continuam a repetir por ignorância e incultura!"--- Já agora sobre fake news gtem um artigo que escrevi no meu blog, onde pode encontrar igualmente, um desenvolvimento psiquiátrico sobre a temática deste seu artigo. Obrigado---

PS Como pode ver vou muito mais longe do que o Sr Eng---
https://montecarainfo.wordpress.com/2019/02/08/traumas-psiquiatricas-da-guerra/"