segunda-feira, 29 de novembro de 2021

 

Mais um “post” do Professor universitário José Fortes Lopes, manifestando a preocupação (que é de todos nós) sobre o futuro da Língua portuguesa em Cabo Verde, uma vez que nem o próprio governo acerta com o rumo linguístico destas ilhas, no que diz respeito à Língua comum, o português, veículo linguístico de cultura e de aceso dos nossos alunos aos estudos superiores.

Ora bem, tratando-se de um país completamente  dependente do exterior para o seu desenvolvimento; um país que mais do que nunca precisa da sua Língua portuguesa, para a educação dita formal, para as ciências, para tecnologia e para a cultura global; “abrir mão” diletantemente e sem sentido algum, de uma riqueza ímpar que é ser falante do Português, não lembra o mais desprevenido Mefistófeles.

Por estas e outras razões convido o leitor a ler o “post” que se segue.

Por José Fortes Lopes

Aqui está um exemplo de políticas com seriedade:

Governo francês quer reforçar ensino de português em França e de francês em Portugal, e governo cabo-verdiano está em contra-ciclo.

 Esta iniciativa do governo francês vai ao encontro do meu post sobre a dualidade língua portuguesa, crioulo cabo-verdiano em Cabo Verde, já que o governo de Cabo Verde anunciou o começo da substituição, a partir do ano que vem, da língua portuguesa pela variante do crioulo da Ilha de Santiago, como língua de ensino, enquanto que o governo francês reforça o ensino da língua portuguesa em França.

A gravidade da decisão do governo cabo-verdiano é tanto grande, quando não se sabe o resultado de nenhum estudo de impacto económico desta iniciativa, para um país depauperado de recursos financeiros (a menos que seja a comunidade internacional a suportar os custos), e o impacto psicológico nas populações insulares, a quem lhes vai ser retirado o único contacto, na escola, com a língua portuguesa, para além do mérito científico e pedagógico dos que estão a frente desta iniciativa, ao passo que os poderes cavalgam há mais de 40 anos esta iniciativa demagógica-populista do "25 de Abril de 74 " , mas que ainda continua a dar uvas", com o único objectivo de colher dividendos eleitoralistas.

Para além disso a iniciativa tem um forte cariz étnico-cultural e envia uma mensagem errada em direcção a Portugal, o principal parceiro de desenvolvimento  de Cabo Verde, um país com o qual muitos contam como uma Solução Alternativa para contribuir para o Bem do Arquipélago.

Não perceber a importância da língua portuguesa, uma língua "pronta-a-usar"  para os países de expressão oficial portuguesa, como elo de ligação de povos e comunidades, precisamente separados por diversas barreiras, entre outras a da língua, e o ridículo da oficialização do crioulo de Santiago e do AlupeK, para um país que sequer consegue ser independente, num mundo global, cada vez mais integrado e interdependente, em que cada vez mais a língua portuguesa vai ser importante, não somente pelo crescimento da influência de Portugal no Mundo, mas também pela importância dos países falantes e outros diversos falantes, é de uma miopia total.

Cabo Verde afunda-se cada dia mais no provincianismo bucólico.....

O ministro francês da Educação, Jean-Michel Blanquer, visitou hoje o espaço dedicado a Portugal no salão "Partir Etudier a l'Étranger", qualificando a língua portuguesa como "magnífica" e prometendo apoiar o seu desenvolvimento em França

 

(Para o ministro francês, Portugal é "um grande país amigo".

"Temos também um interesse pela lusofonia, pelo Brasil, pelos países africanos lusófonos e pelo conjunto dos países lusófonos do mundo")

"A língua portuguesa é uma língua muito importante em todo o mundo […] É importante também em França, não só porque há muito franceses de origem portuguesa, mas também porque temos muitas relações com Portugal e é uma língua magnífica, com uma literatura muito bonita, portanto apoiamos muito o desenvolvimento da língua portuguesa, disse ministro francês da Educação, Jean-Michel Blanquer

 

 

sexta-feira, 19 de novembro de 2021

 Caro Leitor: eis um tema que nunca perde actualidade e oportunidade. Leia o texto. Vale a pena. Foi transcrito do Jornal, «Expresso das Ilhas».


Não adiar o futuro com divisões[i]

Por Humberto Cardoso

Pela primeira vez num acto solene de primeira grandeza como é o de investidura do presidente da república o discurso do presidente eleito foi proferido num modo bilingue, parte em português, parte em crioulo. Ninguém ficou grandemente surpreendido considerando que há muito que o uso da língua materna cabo-verdiana pelos titulares dos órgãos de soberania é corriqueiro no país. O PR, o PM, os ministros e os deputados em várias circunstâncias fazem declarações, debatem no parlamento e dirigem-se às pessoas e ao país em crioulo, usando as diferentes variantes conforme a audiência ou a origem do orador. Os cidadãos também podem tratar os seus assuntos com administração pública e depor nos tribunais em crioulo. A língua é falada de forma generalizada no país por todos os estratos sociais e é um instrumento fundamental de expressão da alma cabo-verdiana particularmente na sua música, em todos os géneros cultivados nas ilhas e nas comunidades no estrangeiro. Se para alguns ainda houvesse algum sentimento que o crioulo era oficialmente discriminado seria de esperar que com esse acto do novo PR, num momento alto da vida da república, tal dúvida fosse completamente dissipada.

Estranhamente não é o que aconteceu. Em vez da acalmia dos ânimos num momento único que devia ser de união, o que se seguiu foi o recrudescer da militância em prol de uma oficialização que supostamente estaria a ser preterida. De facto, o artigo 9º da Constituição da República sob a epígrafe línguas oficiais estabeleceu desde 1999 que todos os cidadãos têm o dever de conhecer as línguas oficiais e o direito de usá-las. Também determina que o Estado promova as condições para a oficialização da língua materna a par com a língua portuguesa, o que evidentemente implica que tenha escrita aceite por todos. Ou seja, está-se a perseguir um fantasma, visto que a oficialização é real, como o seu uso normal nos mais diferentes actos deixa transparecer, em vez de concentrar na criação de condições para se ter a língua escrita. Até parece que convém excitar paixões apontando exemplos de discriminação, identificando vítimas e alimentando ressentimentos em vez de se estimular os impulsos e sentimentos positivos de perseverança, criatividade e espírito de união necessários para a realização prática das condições exigidas pela constituição.

Não mais existindo razões reais para continuar a pressionar o sistema político no sentido da oficialização, para além da vontade de uns de se mostrarem “mais puros e autênticos” à custa de adversários fictícios, o foco desvia-se para o sistema de ensino. Não se tem a língua escrita padronizada, mas quer-se que seja ensinada nas escolas e liceus do país. Não há professores formados nem se produziram manuais, mas tudo aponta que as aulas para os alunos do secundário a partir do 10º ano vão começar no próximo ano lectivo. O que, segundo declarações feitas na TCV, no domingo dia 14, por membros do governo e outras personalidades, parece ser uma decisão assente, curiosamente ainda não foi levada para discussão e aprovação no órgão próprio, no Conselho de Ministros. Também não se sabe se mais tempos lectivos vão ser adicionados aos alunos ou se se vai subtrair de disciplinas fulcrais o tempo para leccionar a língua materna e nem se conhecem os outros custos tangíveis e intangíveis a incorrer com a iniciativa. Entretanto, para muitos pais apreensivos, observando de fora esta ofensiva militante que já vem de longe, só lhes resta, se tiverem sorte e meios, procurar outras escolas com outro currículo e outra gestão como, aliás, vem acontecendo há vários anos.

Todo este conflito fictício em que o crioulo é apresentado como uma língua discriminada tem tido custos pesadíssimos que estão à vista de todos, mas que são ignorados como, aliás, muitas outras coisas no país. Posto em confronto de natureza identitária com o português, torna-se num sério obstáculo à aprendizagem afectando transversalmente a qualidade do ensino em Cabo Verde. Ninguém, porém, parece preocupado com o facto dos enormes investimentos no sistema educativo não trazer os retornos desejados. O facto de se exigir aos estudantes cabo-verdianos que vão para universidade em certos países lusófonos prova de proficiência no português não parece ser motivo de preocupação, nem tão pouco o facto de entre os países de expressão portuguesa serem os cabo-verdianos a ficar para trás no domínio da língua com prejuízo para a sua empregabilidade entre os emigrantes em Portugal. Para quem alimenta este conflito o que interessa são os reflexos da polarização em outras disputas políticas e culturais pois, fazendo muitos deles parte de uma elite que envia os filhos para as melhores escolas, não são prejudicados com as consequências. Antes pelo contrário, consolidam a sua posição.

Cabo Verde tem ganho uma grande reputação pela sua estabilidade política na democracia ao longo dos últimos 30 anos. Para essa estabilidade contribui extraordinariamente o facto de Cabo Verde ser um povo e uma nação unido pela cultura, pela língua e por um destino comum no decurso de séculos e em condições adversas dentro de um império colonial. É fundamental não permitir que esse ganho extraordinário seja diminuído com divisões que opõem ilhas e regiões do país numa luta por recursos, com importações de preconceitos de raça e de cor de há muito sem sentido no país em termos sociais, económicos ou políticos e com questões identitárias desconhecidas para uma gente de há muito imbuída de uma consciência de nação. Aprecia-se a riqueza que se tem quando se observa o desastre terrível que se abateu sobre a Etiópia, um país que estava em pleno progresso e um exemplo de sucesso em África, por causa de conflitos étnicos. Por outro lado, há que ter em atenção que a democracia, porque tem na sua base a liberdade e o pluralismo, pode na sua dinâmica levar a polarizações, impasses e mesmo ao extremar de posições com base em conflitos políticos, sindicais e outros. Manter a unidade de propósitos em questões fundamentais evitando fractura divisivas e artificiais é essencial para se beneficiar da dinâmica democrática e para fazer avançar o país sem que se incorra no perigo de paralisia e regressão que podem advir de instabilidade política com impacto duradoiro nos domínios económico e social.

No mundo de hoje com as grandes crises, a pandémica e a económica e social, e os grandes desafios, a transição energética e as alterações climáticas, é de maior importância que se construa nas sociedades democráticas um capital de confiança traduzido na confiança nas instituições, no alto grau de civismo e no foco no interesse comum. Países com esse capital conseguem com mais facilidade e mais solidariedade enfrentar as dificuldades presentes como os surtos de covid-19, as resistências à vacinação, os altos preços de energia, a inflação que vai fazer subir o custo de vida e diminuir o poder de compra e as dificuldades em conseguir emprego de qualidade. Central para se conseguir esse capital de confiança vai ser o comportamento dos governantes e da classe política em geral. Mais do que nunca, o país precisa de uma liderança de qualidade, competente e comprometida com o interesse comum e que não se deixa levar pelo caminho fácil, mas custoso do ilusionismo. Do presidente da república, órgão singular e suprapartidário, espera-se que aja para reforçar a unidade da nação para que a dinâmica da governação democrática mostre os seus frutos sem perigo de divisões que criam ineficiências, distracções e bloqueios e deixam o futuro permanentemente adiado.



[i] In “Expresso das Ilhas” do dia 17.11.21

 

A Oficialização do Crioulo[i] –Populismo e eleitoralismo?

sábado, 13 de novembro de 2021

 Por José Fortes Lopes

Quais são os benefícios e ganhos do abandono da língua portuguesa como língua de trabalho e de ensino em Cabo Verde, e da oficialização do crioulo nas variantes mais significativas, como se anuncia? Nenhuns, para além dos ganhos em termos de populismo e do eleitoralismo.

Custos haverá muitos e aparecerão no longo prazo.

Na prática o que se pretende é pura e simplesmente o uso generalizado do crioulo na variante de Santiago, uma das 8 ou 9 variantes do crioulo cabo-verdiano falado no arquipélago, e a substituição da língua portuguesa, prevendo que esta deixe de ser falada ou entendida pela maior parte dos cidadãos cabo-verdianos.

É óbvio que é mais vantajoso permanecer o statu-quo actual, que perdurou até agora, que consiste na reconsideração do crioulo como língua do povo, sem todavia ultrapassar o estatuto oficial .

Para além disso, num Mundo global em que a língua portuguesa é uma ferramenta global, falada por um número crescente de pessoas e países, há todas as vantagens dos países de expressão lusófona adoptarem plenamente esta língua como sua.

Neste momento o Ministério da Educação de Cabo Verde deveria estar a ter uma iniciativa para aumentar a versatilidade oral e escrita da língua portuguesa pelas populações de Cabo Verde.

Ora, está a acontecer o contrário o que é manifestamente uma atitude no mínimo provinciana ou leviana ou um erro de consequências graves. Para além disso, esta reivindicação linguística tem pouca adesão nas restantes ilhas do arquipélago, estando localizada na ilha de Santiago, em círculos e circuitos bem identificados.

Parece que o lobby fundamentalista desta vez, no meio de petições de professores e de reivindicações da elite africanista-irredentista levou a melhor na longa cruzada contra a língua portuguesa que dura há 46 anos, por vezes declarada, por vezes encapotada. Ela está com vento de feição, revigorada pela ascensão no poder de correntes fundamentalistas que vêm na língua portuguesa um instrumento de opressão, ou mesmo de colonialismo linguístico, como alguns ‘especialistas’ apresentaram a questão, no início do lançamento oficial da ‘campanha’, do ALUPEK, há cerca de 10 anos .

A coisa está mesmo séria pois o Ministério da Educação de Cabo Verde pretende levar o uso do crioulo nas escolas a partir do 10 anos. Convenceram os políticos da urgência da medida!!!

Para além disso o novo presidente eleito de Cabo Verde, no seu discurso de empossamento, na presença de presidentes de alguns países amigos nomeadamente Portugal e Angola, discursou em crioulo na sua variante natal, de Santiago, e enviou um forte sinal para o’ mundo’. O apoio do actual PR era de prever pois foi no mandato dele como Primeiro-Minsitro, a partir de 2000 e durante 15 anos, levado pelas correntes fundamentalistas de Santiago, que este deu o pontapé de saída da problemática/ questão.

Ora, no caso de Cabo Verde o populismo fala mais alto, e a bandeira da língua é uma das muitas que vêm sendo brandida desde o 25 de Abril de 1974. Se naquele período ainda se podia perceber, pois estava-se em tempos revolucionários, o crioulo era reprimido e então fazia parte da tendência promover e incentivar tudo o que era proibido, hoje continuar a bater na tecla num Mundo em que tudo mudou, é que não se percebe. Também se recorda que o falecido Presidente Pereira, que foi presidente do Paigc , não se exprimia em crioulo, e nunca este Partido levou a sério a questão, pois o próprio Amílcar Cabral, pai da utopia paigcista, parece ter defendido a preservação da língua portuguesa, caso este partido conquistasse o poder.

A oficialização do crioulo (de Santiago) terá custos para além dos financeiros, e poderá marginalizar parte importante da população em relação à língua portuguesa , o que é já uma realidade grave, criando uma espécie de ghetos linguísticos. A elite poderá pagar através do Ensino Privado aos seus filhos o acesso à língua portuguesa, enquanto que ao povo lhe caberá o crioulo unicamente.

Se alguns lobbies  terão ganhos pecuniários, nomeadamente, os que explorarão a área da edição em crioulo, e os ditos projectos científicos, não se vêm benefícios econômicos para o país, quando a literatura nos países de expressão portuguesa é toda na língua portuguesa. Pior, a sua duplicação em crioulo poderá acarretar custos exorbitantes para a economia do arquipélago, que recebe ajuda do Mundo inteiro, inclusivamente de Portugal, o país anfitrião da língua que agora se quer prescindir.

Por outro lado, a oficialização do crioulo, subentende-se a variante da ilha de Santiago, pois não se conhece iniciativa em relação às restantes variantes, como acontece hoje na comunicação, o que implica uma subalternização e a condenação à morte. A acontecer será uma violação do direito das outras variantes à existência, logo está-se a semear um problema grave!!!

 



[i] Texto extraído de “Facebook”. O título é nosso..

Impressões de uma visita à Chã das Caldeiras -ilha do Fogo

sexta-feira, 12 de novembro de 2021

 

Autoria:JOÃO Filipe DUARTE FONSECA 

Geofísico, Vulcanólogo e Professor Universitário

A 13 de Outubro comemorou-se o Dia Internacional da Redução do Risco de Desastres. Por coincidência, tive oportunidade de iniciar nesse dia uma breve visita à Chã das Caldeiras, na Ilha do Fogo. Por altura da minha última estadia na Chã, em Janeiro de 2015, decorria ainda a erupção que tivera início dois meses antes, e imperava o choque e a consternação perante a devastação causada pelas escoadas de lava nas povoações de Portela e Bangaeira.

Passados sete anos, a nova visita inspirou estas reflexões sobre as medidas adoptadas desde a última erupção, feitas à luz da investigação em que venho colaborando no campo da adaptação do património edificado ao risco vulcânico[1] .

Uma das vantagens da idade é permitir o confronto entre ocorrências bastante separadas no tempo. Também em 1995 eu tive a oportunidade de acompanhar a resposta de emergência à penúltima erupção e as medidas que se seguiram com vista à normalização das condições de vida da população da Chã (e, em 1951, pode-se dizer literalmente como na fábula do Lobo e do Cordeiro: “se não foste tu, foi o teu pai”). Em comum, as duas experiências revelaram-me a grande força anímica e resiliência do povo da Chã. Em contraste, é grato registar que na ocorrência mais recente a resposta foi mais organizada e eficaz, dando prioridade à recuperação do capital humano extraordinário que pulsa diariamente na Chã das Caldeiras. Evitando os erros do passado, que visavam impôr o abandono definitivo da Chã recorrendo à supressão de infraestruturas básicas como a escola ou o posto sanitário, as medidas de apoio agora tomadas pelas autoridades permitiram que em tempo recorde a Chã tenha tirado partido da oportunidade criada pelo desastre, não só recuperando, mas ultrapassando o grau de desenvolvimento em que a comunidade se encontrava em 2014.

Entre os exemplos notáveis da eficácia da recuperação conta-se a melhoria da rede viária, estando quase a tornar-se realidade aquela que é a mais importante medida de mitigação da vulnerabilidade vulcânica da Chã das Caldeiras, a par com a monitorização geofísica (que o INMG tem levado a cabo de modo exemplar e com reconhecimento internacional). Refiro-me à ligação ao exterior através de uma segunda estrada, para Norte, terminando com a indesejável “ratoeira” que é ter um único acesso viário exposto às escoadas de lava. Mas os exemplos continuam: a construção de um edifício escolar condigno; a realização de um furo para abastecimento de água; a introdução de iluminação pública com recurso a energia solar, etc. Se bem que as restrições impostas pela pandemia não tenham permitido ainda a plena retoma da actividade turística, a vitalidade da população correspondeu à aposta na Chã, aumentando significativamente a oferta de alojamento para visitantes, bem como o número de restaurantes e bares. Vislumbra-se um futuro em que os visitantes dos vários cantos do mundo se continuarão a maravilhar com a experiência única que é a hospitalidade da população da Chã das Caldeiras.

Mas, inevitavelmente, existem riscos latentes (humanos, que os naturais são evidentes) de que o progresso coloque em causa a galinha dos ovos de ouro da oferta turística do Fogo. Estas notas de quem frequenta regularmente a Chã das Caldeiras desde há 30 anos pretendem ser um aviso construtivo à navegação, na esperança de que alguns aspectos menos consensuais possam ser reanalizados, quiçá rectificados.

Um primeiro aspecto que salta à vista no reordenamento do território da Chã é a preferência dada à Bangaeira para a reinstalação da população, aparentemente com base no pressuposto de que a perigosidade vulcânica dessa zona seria inferior à da Portela. Contudo, não se conhecem estudos científicos que apontem nesse sentido, e tive pessoalmente oportunidade de coordenar um mapeamento da perigosidade vulcânica realizado para as autoridades Caboverdianas em 2014 (meses antes da última erupção) que contraria essa noção. A própria erupção de 2014 se encarregou de mostrar que a Bangaeira está exposta a escoadas provenientes do sector sul da Chã das Caldeiras, para lá da exposição óbvia a escoadas provenientes do sector norte. Salvo melhor explicação, aparenta ser desconcertante a preferência dada à região da Bangaeira, se o fito dessa escolha foi a redução do risco vulcânico.

Outro risco de origem antrópica prende-se com o planeamento urbano, que ao ter por base uma abordagem convencional da qualidade de vida da população pode comprometer a atractividade da Chã das Caldeiras para o turismo, acabando assim por lesar a qualidade de vida que se pretendeu promover. Nesse aspecto, pode dizer-se que a Chã se está a tornar um laboratório para o estudo da reabilitação pós-desastre. Do balanço entre o esforço de ordenamento do território e o conservadorismo atávico da população, estão frente a frente no terreno dois modelos de recuperação: na Bangaeira, metódico, planeado e com tipologias contrutivas normalizadas, ditado por influências externas; na Portela, expontâneo, orgânico, logo mais genuíno. Sem perder de vista o imperativo de promover a qualidade de vida e as condições condignas para a população, há que ponderar qual dos modelos melhor preserva a magia que tem feito com que milhares de visitantes se encantem com a Chã das Caldeiras.

Regressando ao risco vulcânico: dada a a natureza predominantemente efusiva das erupções históricas do Fogo, parece consensual que o principal fenómeno adverso a ter em conta são as escoadas de lava. Contra estas, a medida de protecção eficaz é a cota a que se edifica. Por outro lado, as características da topografia da Chã impõem um delicado equilíbrio que tenha em conta o perigo de queda de blocos rochosos da bordeira. Na procura desse equilíbrio, as encostas do Monte Amarelo poderão proporcionar a melhor solução para as infraestruturas mais vulneráveis. Constata-se aliás que no período em que a estrada de emergência esteve em uso se verificou um primeiro impulso de construção na encosta por onde essa estrada passava, mas que viria a ser preterido a favor dos terrenos mais planos – logo, mais expostos - quando se abriu a nova estrada através da recente escoada de lava. Talvez uma oportunidade perdida de condicionar a localização do edificado através da implantação criteriosa das infraestruturas?

Também a localização do furo de abastecimento de água a norte do Monte Amarelo é potencialmente um factor determinante da fixação futura da população, e por esse motivo a sua localização deveria ter tido em conta não só a vulnerabilidade da própria infraestrutura, mas principalmente o efeito na evolução da exposição da população. Desse ponto de vista, os manifestos problemas associados à fraca qualidade da água podem ser uma oportunidade para corrigir essa escolha. Com efeito, é sabido há várias décadas que o aquífero existente a algumas centenas de metros de profundidade na Chã das Caldeiras é altamente mineralizado devido à permanente emanação de gases vulcânicos através da caldeira. Surpreendentemente, não tem sido explorada na Chã das Caldeiras a abertura de túneis horizontais para captação de água no interior do maciço rochoso da bordeira. A tímida experiência da galeria de Boca Fonte (próximo da Portela), com cerca de 15m escavados no início do séc. 20, parece mostrar que esse é o caminho para o abastecimento de água de qualidade na Chã das Caldeiras. Haja em vista o sucesso que teve nos anos 80 do século passado a abertura da galeria da Fajã em São Nicolau, com 200 metros de comprimento. E não se receie que a exploração de água em altitude afecte os poços e nascentes que existem perto do nível do mar: segundo um estudo levado a cabo pelos Serviços Ggeológicos dos Estados Unidos[2], cerca de 99% da água que se infiltra nas terras altas acaba por perder-se para o oceano através de nascentes submarinas. A exploração de água através de túneis horizontais na bordeira permitiria colocar essas importantes infraestruturas fora do alcance das escoadas de lava, uma regra que deveria ser verificada em todas as instalações de natureza industrial na Chã das Caldeiras.

Na fronteira entre a Portela e a Bangaeira, o bar Ramiro foi reabilitado, sob coordenação da M_EIA. No seu interior, entre as paredes calcinadas pela visita da lava, vê-se agora uma pequena biblioteca, mas continua a reinar o Manecom. O pátio exterior permite um convívio mais desafogado, mas os filhos e netos do inolvidável Sr. Djonzinho asseguram a continuidade das fabulosas jam sessions musicais. No lado poente do pátio, um arco de pedra sustém o amplexo da escoada de lava, autêntico monumento à resiliência dos homens e mulheres da Chã, que dia a dia proclamam ao vulcão: “queremos o chão que é teu!”. Possa este exemplo, imbuído de caboverdianidade e pleno de sensibilidade, inspirar a reabilitação de toda a Chã das Caldeiras.


[1] Jenkins, S., Spence, R., Fonseca, J., Solidum, R. and Wilson, T. (2014). Volcanic risk assessment: Quantifying physical vulnerability in the built environment. Journal of Volcanology and Geothermal Research, 276, p. 105.

Jenkins, S., Day, S., Faria, B.V.E. and Fonseca, J.F.B.D. (2017). Damage from lava flows: insights from the 2014–2015 eruption of Fogo, Cape Verde, Journal of Applied Volcanology (Society and Volcanoes) 6(6)

  • 1)[2]Heilweil, V.M., Earle, J.D., Cederberg, J.R., Messer, M.M., Jorgensen, B.E., Verstraeten, E.M., Moura, M.A., Querido, A., Spencer, F. e Osório, T., (2006). Evaluation of Baseline Ground-Water Conditions in the Mosteiros, Ribeira Paul, and Ribeira Fajã Basins, Republic of Cape Verde, West Africa, 2005-06, Scientific Investigations Report 2006-5207, United States Geological Survey, Menlo Park, USA

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1039 de 27 de Outubro de 2021.



 

 



 

 

Eleições Presidenciais ̶ uma abordagem inquietante

segunda-feira, 8 de novembro de 2021

Fiquei triste. Muito triste mesmo. Não só porque não esperava, mas sobretudo pelos resultados em si próprios desequilibrados tendo em conta o suposto apoio do partido que ele, Carlos Veiga, ajudou a fundar e que acabara de sair vitorioso, ainda há bem poucos meses, de uma disputa eleitoral, bem como o histórico das anteriores eleições presidenciais, designadamente, o “score” das suas duas anteriores participações.

Procurei as razões da minha inquietação e indagação, e detive-me, para começar, em alguns argumentos que subliminarmente alguns notáveis do MpD tentavam fazer passar – o desniveladíssimo ponto de partida nas sondagens em desfavor de Carlos Veiga e o desconhecimento do currículo do candidato (CV) pelo eleitorado, devido à juventude deste.

O primeiro ponto – facilmente desmontável – não tinha suporte objectivo real estando muito longe da verdade, representando uma grosseira manipulação, sobretudo se comparado com o ponto de partida de alguns candidatos vencedores em eleições anteriores; o segundo, associado a um oculto, mas perverso efeito boomerang, apoiava-se no absoluto desconhecimento da juventude da História recente do seu País e do papel de Carlos Veiga e do MpD na edificação da Liberdade e da Democracia.

O MpD não surgiu do nada. Tem a sua génese na imperiosidade de uma luta para derrubar uma ditadura liderada por um “Movimento armado” que se instalara no País e que se legitimava baseando-se numa narrativa heróica de uma luta que se fizera num outro país. Uma narrativa, primeiro, aceita acriticamente pela actual “administração”[1] do MpD e depois, adoptada de forma leviana como sendo também sua, ao considerá-la pertença do Estado, distinguindo e homenageando as suas figuras proeminentes em vez de lhes dar combate político respondendo ao objectivo para o qual fora criado; e não contente com isto, ignorou, secundarizou e chegou mesmo a reduzir e menosprezar o seu papel na conquista da liberdade e da democracia do povo cabo-verdiano e o impacto dessa conquista no desenvolvimento e na imagem política do País no mundo.

Durante a Ditadura a preocupação máxima da governação residiu na consolidação do regime autoritário com ênfase, em dois pontos basilares, a saber:

1.    Reforço do refinamento dos meios de repressão, a chamada “segurança”, funcionando como ameaça permanente para a dissuasão, e operando sem qualquer hesitação, sempre que lhe pareceu necessário para garantir a subordinação, a obediência e o silêncio da população;

2.    Formação ideológica das novas gerações através da Educação moldando-lhes a mente para, à boa maneira marxista-leninista, criar uma ideologia do Estado.

Foi com esta lógica de dominação totalitária e com uma preocupação meramente ideológica que o então poder, porque projectado para longo prazo, incumbiu à JAAC-CV a sua organização para a juventude – do controlo ideológico da Juventude e criou a Escola de Formação de Professores com o propósito mais de moldar mentalidades do que de transmitir conhecimentos, como se poderá ver dos seguintes extractos de documentos então produzidos:

Ø  “Sendo os estabelecimentos de ensino uma das principais plataformas de concepção, orientação e difusão da ideologia, com uma responsabilidade enorme na modelação da consciência política e social dos alunos e estudantes, cremos, por um lado, ser um objectivo prioritário o recrutamento selectivo e o enquadramento político dos corpos docentes e das direcções das nossas escolas;”

Ø  “Um dos principais veículos de formação ideológica é o sistema de ensino por onde passa praticamente toda a nova geração. Há, pois, que dar atenção especial ao conteúdo dos programas escolares, bem assim, à formação ideológica dos professores[2]

Ø  “…há que desenvolver, de modo independente, uma intensa acção ideológica junto dos alunos e estudantes, através de uma estrutura estudantil solidamente organizada e ideológica e politicamente sob controlo da JAAC-CV[3]

Esta breve abordagem à nossa História mais recente é apenas para lembrar que Carlos Veiga foi dela um dos rostos mais visíveis se não o mais visível. Foi aquele que protagonizou a mudança de regime do tipo estalinista para uma democracia liberal em que hoje vivemos. E esquecê-lo é desconhecer, é lesar a História e ignorar o que recentemente fomos e o que agora somos.

É preciso dizer ao jovem eleitorado cabo-verdiano, ou fazê-lo saber, que a Independência, sem liberdade e sem democracia, pouco mais foi do que a substituição da Ditadura do Estado Novo (português) por uma outra do mesmo quilate, desta feita, protagonizada por actores cabo-verdianos. Ela não significou para os cabo-verdianos, nem formalmente nem na realidade quotidiana, o fim da opressão, da repressão, da polícia política, da tortura, das prisões arbitrárias, da perseguição política, da censura, do exílio na base de uma ideologia, nem tão pouco a conquista da liberdade  ̶  de expressão, da cidadania plena, de circulação, da inclusão da emigração na Nação, de assumpção da múltipla nacionalidade, entre outras  ̶  ou da democracia  ̶  eleições livres e transparentes, participações de partidos políticos, da livre escolha do nosso destino.

Não pode o MpD subordinar os seus “protagonistas” da “Liberdade e da Democracia” aos da “Independência”. A liberdade é a mais preciosa condição do ser humano. É ela que lhe faculta o direito à autodeterminação e a opção pela independência real e não o contrário.

Nesta caminhada para a implantação da Democracia, Carlos Veiga obteve duas maiorias qualificadas, representando a primeira, inquestionavelmente, uma rejeição absoluta do regime ditatorial então em vigor cujos protagonistas os novos dirigentes do MpD e o próprio MpD hoje veneram e prestam vassalagem. Até parece que estão todos contaminados com a síndrome de Estocolmo.

Chegado a este ponto julgo que alegar que o fraco resultado da votação em Carlos Veiga seria o facto de ele “já não ser conhecido” pela maior parte do eleitorado cabo-verdiano devido à juventude deste, não abona muito para o partido do Governo. Além de ser uma afronta para o próprio MpD que não se acautelou em promover (historicamente) os seus dirigentes que lutaram e correram riscos pela “Liberdade e Democracia”, é também uma vergonha, sabendo que dava grandes visibilidades, protagonismos e muita cumplicidade a outras figuras pertencentes a outras áreas políticas e também afastadas de funções de relevo no Estado. Tudo isto enquanto permitia que figurassem heroicamente nos manuais escolares.

A História, sempre ouvi dizer, não julga, como pretendem certos paladinos da “negritude”; analisa, avalia e interpreta os factos correlacionando-os. Estes devem ser os mais correctos e objectivos possíveis, para permitir que ela, a História, cumpra a sua função, o que não acontece nas orientações formais e nos conteúdos programáticos do nosso actual sistema de ensino.

Carlos Veiga, nisto, não está totalmente isento de culpas. Aceita-se, no entanto, que os seus dois Governos, preocupados e concentrados na gigantesca tarefa de implantação e formalização de um regime livre e democrático se tenham descuidado e negligenciado o desmantelamento e a neutralização da terrível e fatídica máquina de propaganda e de lavagem cerebral que constituía a Educação na maquiavélica missão de criar uma ideologia de Estado.

O que não se pode compreender nem aceitar é que, durante os tranquilíssimos quinze anos do exercício da oposição mais os quase seis que já tem de governação, o MpD tenha mantido esse alheamento e essa inércia ou apatia sobre assunto tão importante para a formação de uma sociedade livre, pensante e verdadeiramente democrática.

É óbvio que os fracos resultados de CV nas recentes presidenciais não podem residir nem na juventude do eleitorado nem da popularidade no momento de partida da disputa eleitoral. São, na maior parte, da responsabilidade da actual direcção do MpD a qual tem faltado hombridade e dignidade para os assumir endossando-os totalmente através de mesquinhas e obscuras manobras manipuladoras ao próprio candidato, embora este não esteja isento de alguns erros e culpas.

Não sejamos inocentes e não nos respaldemos em quaisquer eufemismos: Toda a manobra do MpD, configura uma “traição” em toda a sua extensão por total negligência ou incompetência, ou puro maquiavelismo. Não é de afastar ainda a cobrança mesquinha de frustrações, pequenas birras e pueris invejas pessoais, como forma de reacção à determinação de Veiga em se candidatar à “revelia” do partido.

Uma análise mais cuidada até mostra que nem sequer os meios de comunicação – no mais lato sentido – tidos como afectos ao MpD lhe deram – ao candidato Carlos Veiga – qualquer relevo simulando, quase todos, uma pretensa equidistância. Equidistância que em política, ou é ingenuidade ou é má-fé, ou um táctico distanciamento.

O comportamento do MpD não esconde que o candidato Carlos Veiga (CV) não fazia parte dos seus planos nem da sua agenda. Esperaram sempre que CV não se atrevesse a ir sem o prévio apoio/acordo do MpD. Foram surpreendidos com: “Com ou sem apoio partidário, eu serei candidato!”. Quando, o que devia ter acontecido, como obrigação, dado o estatuto de Carlos Veiga no partido, seria proclamar, com a devida antecedência: “se Carlos Veiga for candidato, é óbvio que ele terá todo o apoio do MpD!”

É claro que isto não aconteceu porque era uma agenda indesejada que bulia com interesses pessoais e esconsos arranjos internos. Em vez disso o partido calou-se. E quando falou, fê-lo com alguma ambiguidade e timidez, primeiro pelo seu presidente em nome pessoal e muito mais tarde, do apoio do partido.

Mas o apoio partidário nas eleições presidenciais não é apenas comparecer nos comícios e proclamar apoio. Ou fingir ir ao terreno e não diligenciar qualquer movimento, directiva ou orientação, como se diz ter acontecido com alguns espectáveis dirigentes do MpD. Não se trata de apoios de personalidades individualmente, mas de uma colectividade, de um partido ao qual está umbilicalmente ligado.

Os militantes não são carneiros. E muito menos o serão os simpatizantes. Não votam porque o presidente do Partido ou qualquer outro dirigente o determinou. Era preciso pôr as estruturas do Partido no terreno, ir aos sítios mais recônditos como o faz nas legislativas, a esclarecer da bondade do candidato e do porque é que o Partido o apoiava, como aliás, o MpD dirigido por Carlos Veiga sempre fez no apoio às candidaturas presidenciais declarado pelo partido. Era o mínimo que o partido deveria fazer por Carlos Veiga.

E o MpD não o fez! E ainda por cima cometeu o erro crasso, que o candidato consentiu, de o colar ao Governo enquanto este alegre e hipocritamente convidava a população a um exercício de puro masoquismo, cometendo “com muita oportunidade” a proeza de aumentar o preço dos bens essenciais a partir da abrupta subida, do preço da água e da electricidade, bem como do IVA. Esta é daquelas que se diz que “não lembra ao diabo”. Foi uma tirada de génio. Brilhante! A cereja no topo do bolo. Quem tem amigos destes, seguramente que não tem inimigos, porque não são necessários.

Depois da tragédia vem a farsa – repartir ardilosamente o odioso com o ARME como se as instituições do Estado fossem dirigidas de forma acéfala e mecânica; quando é sabido que as decisões dessas instituições – nomeadas pelo Governo – são fruto de ponderação de múltiplos parâmetros com a consulta prévia a várias organizações, designadamente, o Governo.

E não podem ignorar negligentemente as circunstâncias políticas, mormente quando se trata de situações transitórias e datadas – de muito curta duração – que são as campanhas eleitorais. Independência ou autonomia não significa irresponsabilidade ou inimputabilidade.

É só perguntar se seriam capazes, em plenas eleições legislativas, de fazer a subida dos preços dos bens essenciais como a que fizeram?

Por favor, tenham algum respeito pela nossa ignorância!...

Costuma-se dizer “quem com ferros mata, com ferros há-de morrer! Não é um desejo nem uma premonição. Apenas um aviso…

Resta-me aqui felicitar o novo Presidente da República e desejar-lhe sucessos plenos no desempenho das suas funções. O sucesso dele será o de Cabo Verde, o de todos nós.

A.   Ferreira



[1] Terminologia usada com muita propriedade numa lúcida análise de Alte Pinho sobre as recentes eleições.

[2] In “O trabalho ideológico do Partido”, documento aprovado no 2º Congresso do PAICV, a 27 de Junho de 1983, páginas 19 2 20 (Extraído de “A «Democracia» Nacional Revolucionária”  ̶  José Tomaz W. Veiga- Edição Livraria Pedro Cardoso – 2020)

 [3] In “Informação”, Boletim interno editado pelo departamento de acção ideológica do secretariado do CN do PAICV, Outubro de 1988, página 44. (Extraído de “A «Democracia» Nacional Revolucionária”  ̶  José Tomaz W. Veiga- Edição Livraria Pedro Cardoso – 2020)

 

 

Viver com Medo...no Palmarejo

domingo, 7 de novembro de 2021

 

A sensação que se tem é que o nível de insegurança na cidade e nos arredores da Cidade da Praia, subiu em flecha. Ou melhor dito, não tem abrandado. Antes pelo contrário, vem aumentando dada a impunidade dos bandidos que percepcionam o domínio que possuem sobre os que por dever de ofício, deviam dar-lhes sério combate.

 Mas vamos por partes, os assaltos às casas e às pessoas são o “pão-nosso de cada dia.” Assaltos com recurso à violência continuam também em alta, infelizmente.

Apenas um exemplo daquilo que se passa no bairro onde moro. De passagem, sempre vou dizendo que a minha moradia foi assaltada há uns dias e que aparelhos e objectos com valor para nós, desapareceram para sempre. Nunca há uma recuperação de qualquer objecto roubado??...

Apresentámos queixa na Polícia, quando mais não seja para  contar para a estatística e para que esta não seja  falseada e fazer crer que a criminalidade diminuiu. Não. Ela continua imparável. Só que, cidadãos como eu, não acreditam que se vá atrás do ladrão em tempo útil.

Daí o à-vontade com que se pavoneia e opera na cidade...

O interessante, seria interessante se não fosse trágico, há no Palmarejo, de entre muitos, um assaltante que já invadiu quase todas as casas da zona onde resido e fá-lo com requintes, se não vejamos: o “modus operandi” do dito bandido é invariavelmente o mesmo. Ataca entre as 11h e as 12h da manhã. Em pleno dia e com gente em casa. Entra munido de faca ou de outra arma mortífera, para ameaçar ou espetar caso seja apanhado em flagrante. Tem acontecido ao longo de semanas. Até se lhe já conhece o nome.  Ele rouba telemóveis, computadores e outros itens com valor.

Vários residentes, tal como eu, apresentaram queixa sobre estes constantes assaltos, com filmagens e descrição detalhada da figura do sujeito.

Julgam que lhe aconteceu alguma coisa?...desenganem-se. O dito ladrão, continua impunemente, a passear no Palmarejo  e a farejar a próxima vítima.

E assim vamos nós. Vivemos com medo, dentro e fora de casa nesta cidade e, sobretudo no meu bairro, o Palmarejo.

Será que queremos turistas a visitar a terra? Como? da minha estatística, porque não há estudos sobre o fenómeno, já são inumeráveis os assaltos em plena via pública  que têm acontecido com turistas e forasteiros. Sobretudo estrangeiros europeus. Aliás, os bandidos da Praia, não podem vislumbrar  estrangeiros,  máquinas fotográficas ou telemóveis com os turistas... sem que os ataquem logo. E, por vezes, com recurso a uma violência desmedida.

É esta a terra que temos para o desenvolvimento do turismo? Sim. Infelizmente é verdade. Só que por cada  estrangeiro assaltado, serão muitos  outros avisados para não viajarem para esta ilha. Será assim a tal “morabeza” propalada exageradamente?...

Mas de uma coisa vos asseguro, enquanto não houver segurança nas ruas da Capital, o melhor mesmo é comunicar aos putativos visitantes que não venham, que não nos visitem. Eu da minha parte, tenho tentado dissuadir, com toda a franqueza, os meus amigos estrangeiros, para não virem à Praia, pois correm sérios riscos...até de vida.

 E digo isso com tristeza. Pois gostaria de viver este último terço de vida com tranquilidade e não em constante sobressalto ao mínimo barulho dentro de casa, à mínima aproximação suspeita na rua. Quando saio ainda à porta de casa, olho para todos os lados a certificar-me se não haverá maus encontros... e assim me mantenho intranquilamente alerta.

Apenas uma nota comparativa: Regressámos recentemente de Portugal. O assalto à nossa casa, aconteceu dois dias depois de cá estarmos. Sei que não vale comparar, que chega a ser incorrecto, pois, são realidades totalmente diferentes. Graus de desenvolvimento e de civilidade bem desiguais. Mas não me contenho em dizer que enquanto em Oeiras saía à rua, ou para afazeres, ou para passear em completa segurança; de tal modo que já me aconteceu ir a sessões de cinema à noite com as minhas jovens netas e regressarmos a casa à meia-noite, a pé, no Verão, em quase total descontração.

Em flagrante contraste, aqui no Palmarejo  se saio é  com medo. Seja de dia, seja de noite.  De dia então, parece que o perigo é maior. É a hora dos assaltos. E tal é o pavor que tenho de ser eventualmente maltratada, que sequer vou à porta da minha vizinha para saber dela, sem que alguém da minha casa fique de vigia...

É caso para se dizer: Credo! Que terra malfadada!