O Valor da Língua Oficial

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013


Vem isto a propósito daquilo que pude perceber das notícias que circularam sobre os condicionalismos impostos à selecção de futebol de Cabo Verde relativamente à nossa Língua oficial, na sua comunicação com a imprensa internacional presente nos jogos da CAN 2013, realizada na África do Sul.

Não vá sem acrescentar que achei interessante e prestigiante para os «Tubarões Azuis», o facto de se terem recusado a comunicar-se com os Jornalistas que não fosse em português, à semelhança de todas as outras selecções, cujos integrantes são falantes do francês e do inglês

Dito deste modo, surpreende que os «Tubarões Azuis» tivessem sido impedidos de se expressar – com os jornalistas que aí ocorreram por ocasião dos jogos de futebol – na sua língua oficial.

Embora não esteja na posse de todos os dados que conformaram este episódio, uma vez que desconheço, as razões que lhe estiveram na origem, nomeadamente, se a interdição partiu da organização da CAN, (o que estranha dado que a LP é uma das línguas da UA (Unidade Africana) ou se do país organizador e acolhedor dos jogos. No entanto não deixa de ser perturbador, no mínimo, que tal impedimento tenha existido.

No meio de tudo isto, vale destacar e registar o comportamento linguístico dos nossos jogadores que queriam comunicar sim, mas na sua língua, em igualdade de circunstância dos outros jogadores, que o puderam fazer nas respectivas línguas oficiais. Apreciei.

A isto se chama também de dignidade linguística!

Mais apreciei o facto de os Jornalistas, alguns, terem declarado que da próxima iriam estar preparados, aprendendo o português, pois a presença de Moçambique, a de Angola, já habitual e a de Cabo Verde que se lhes juntou em 2013, demonstrava e confirmava o peso da Língua portuguesa na CAN, fenómeno a que se deveria prestar atenção. O que nos remete para o valor da Língua oficial, para os seus falantes.

Vejam que até nisso, os «Tubarões Azuis» marcaram presença.

Ponte da Ribeira d’Agua ou Ponta do Iceberg?

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013
Estava para nada dizer sobre a queda da ponte na Boa Vista. Todavia, ao ler as declarações da Ministra das Infra-estruturas e Economia Marítima sobre essa ocorrência achei que devia desabafar.
 
Nenhuma obra de engenharia é eterna. Nem as faraónicas pirâmides do Egipto que foram edificadas com essa finalidade. Haverá sempre um horizonte temporal condicionado à natureza da obra, à taxa de utilização, ao desgaste do material, ao período de recorrência da amplitude de determinados fenómenos naturais e ao custo intimamente associado a este parâmetro pelas medidas de segurança a tomar.
 
Mas justificar o que se passou na Boa Vista com um simples “não é a primeira vez que uma ponte cai em Cabo Verde” parece-me de uma ligeireza que roça o ridículo.
 
A Ministra das Infra-estruturas não é engenheira nem tem qualquer conhecimento técnico da gestão do sector e não era necessário que a fosse nem que o tivesse para o desempenho das suas funções políticas. Mas a sensatez e o respeito pelos outros e por si própria, indispensáveis para o exercício dessas funções aconselham uma contenção ou uma elevação de linguagem sob pena de menorizar a inteligência dos cabo-verdianos aos quais deve a circunstância de se encontrar nesse lugar.
 
Na sua suprema superficialidade e fluida demagogia, a ministra vai mais longe, e com alguma infelicidade, ao trazer à colação o que classificou de queda da Ponte de S. Jorge partidarizando, ao falar do Governo do MpD, pretendendo desta forma transpor para a luta partidária uma outra ocorrência – a da Ponte da Ribeira d’Água – cujo carácter político ultrapassa de longe o âmbito estritamente partidário para se situar na esfera nacional, de cidadania, de civilidade, com forte apelo à intervenção imediata da Procuradoria-Geral se estivermos num País sério.
 
Digo infelicidade por que certamente foi pessimamente informada quanto ao que aconteceu na ponte, então ainda em construção, de São Jorge, no tempo do governo do MpD. E no ministério terá certamente gente bem informada para lhe contar a história. Nenhuma relação poderá existir entre as duas situações.
 
Uma coisa é um inquérito – técnico – interno aberto a uma ocorrência na construção de uma obra ainda sob total responsabilidade da empreiteira e outra, bem diferente, é o inquérito global ao colapso de um equipamento público cuja garantia expirara o prazo e sob total responsabilidade do Estado. O dever da publicitação não é, nem poderá ser, igual como pretende e insinua a ministra dizendo que é a primeira vez que tal acontece.
 
Abro um parêntese para dizer que é preciso acabar de vez com a síndrome da virgindade de que padece este governo quando sem se debruçar sobre o historial de qualquer assunto vangloria-se com “é a primeira vez que” com um deslumbramento pacóvio ignorando o efeito boomerang das suas palavras, pois dos quase 38 anos de governação só, e apenas, 10 não pertencem ao actual partido do Governo. Fecho o parêntese.
 
A Srª Ministra parece sentir-se confortada e feliz com a ilusão de que a ponte de S. Jorge também caiu. Tire daí o seu cavalinho da chuva. Em S. Jorge não caiu ponte nenhuma. Houve sim danos e não queda. Danos na ponte nem sempre são quedas embora quedas sejam sempre danos levados ao extremo. Não se trata de um jogo semântico de palavras. É apenas objectividade. Informe-se bem e depois fale. Não houve, na circunstância, reconstrução mas sim arranjos.
 
Mas voltando à Ribeira d’ Água, à Boavista, parece que a Srª Ministra ainda não leu o relatório do inquérito. E se o leu não percebeu em absoluto o essencial e o fundamental do seu conteúdo. Porque se tivesse entendido não faria afirmações tão patéticas como Cabo Verde ainda não está preparado nem estará tão cedo para fazer tudo, com total perfeição e livre de erros”. Uma grande tirada, não há dúvidas! Uma conclusão que faz jus à do senhor La Palice. Só que nada tem a ver com a queda da ponte.
 
É que estamos a falar, ao nível de construção civil de uma “ponteca”. De uma “obreca” cuja dimensão, há milhares de anos já era uma brincadeira para os romanos. Se calhar, nessa altura, se caísse alguma em condições idênticas, o senador responsável pela pasta pediria de imediato a sua demissão, mas não sem antes mandar prender o mestre de obras.
 
Acontece é que a Srª Ministra ainda não percebeu que já não é a queda da ponte que está em causa não obstante a sua gravidade, e que só por um feliz acaso não provocou directamente vítimas mortais. É, efectivamente, o conjunto de irregularidades e de ilegalidades de toda a ordem – administrativas, técnicas, económicas, financeiras, procedimentais, entre outras que envolveram a concepção, a construção e a queda dessa ponte e que vieram à tona por via desta última.
 
O Governo de Cabo Verde ainda não percebeu que estamos num Estado de Direito e que tem o dever e a obrigação de respeitar escrupulosamente as leis da República e prestar contas ao País.
 
As insuficiências estritamente técnicas são contas de um outro rosário. E estas, e apenas elas, estiveram envolvidas no incidente – execução e não concepção, projecto ou procedimentos – que ocorreu em S. Jorge dos Órgãos.
 
Mas não chocou o Governo o facto de uma curiosa rubrica, que ninguém sabe ao certo o que é, denominada “montagem financeira” esteja orçada em mais de 19 mil contos?
 
Não estranhou o Governo que ao pedido do orçamento da ponte a empreiteira tenha apresentado um quadro bizarro e, de certa forma, insultuoso intitulado PREÇO DE VENDA DA ESTRADA DE SAL-REI com 7 itens e em que nenhum deles é “betão hidráulico” material de que em princípio seria construída a ponte?
 
Não se surpreendeu o Governo que uma obra pública tenha sido feita sem contrato e sem qualquer tipo de orçamento?
 
Não vou listar o chorrilho de irregularidades e de ilegalidades que transformam o Processo (virtual) da Empreitada da Construção da Ponte de Ribeira d’Água num autêntico TRATADO DE IRRESPONSABILIDADE PÚBLICA de autoria exclusiva deste Governo.
 
O Governo de Cabo Verde através do seu membro responsável pela área das infra-estruturas ao dizer que “não é a primeira vez que uma ponte cai em Cabo Verde” e que “Cabo Verde ainda não está preparado nem estará tão cedo para fazer tudo, com total perfeição e livre de erros” referindo-se à queda da ponte, pôs em causa a capacidade técnica dos engenheiros cabo-verdianos e de toda equipa técnica do ministério dando largas a uma perigosa e humilhante abrangência.
 
Conheci de perto quase todos os profissionais do ministério que se ocupa das infra-estruturas, pelo menos os mais antigos, na dupla situação de colegas e de coordenador das suas actividades. Tenho para mim, que são na sua quase totalidade profissionais sérios, empenhados, que conhecem a sua profissão e dominam as leis e os procedimentos que envolvem as empreitadas públicas.
 
O anátema que ora foi lançado de forma generalizada sobre o ministério das infra-estruturas e a consciência nacional de que a Ponte da Ribeira d’Água é apenas a Ponta do Iceberg de um sistema corrupto e incompetente que grassa no ministério das infra-estruturas, impõem um esclarecimento público para que não se misture o trigo com o joio.
 
E isto só se consegue submetendo todas as grandes obras realizadas nos últimos 20 anos sobre as quais haja a mais pequena suspeita de graves irregularidades a um rigoroso escrutínio e a uma análise clarificadora dos procedimentos. Só assim se pode atribuir o carácter de excepcionalidade ao processo da ponte da Ribeira d’Água e resgatar o prestígio do Ministério das Infra-estruturas bem como o  estatuto de boa governança do País tão necessário neste ano de crise generalizada.
 
Aqui fica o repto.
A.   Ferreira