Uma língua também ao serviço da paz[i]

quinta-feira, 5 de maio de 2022

 Por João Ribeiro de Almeida[ii]

Festejar uma Língua, na passagem de mais um 5 de maio, Dia Mundial da Língua Portuguesa (DMLP), é também refletir sobre a melhor forma de a potenciar, divulgar e ensinar e de a pôr, cada vez mais, ao serviço das comunidades, seja daquele grupo já de si com ligações ao universo da lusofonia, os portugueses e lusodescendentes espalhados pelo mundo ou os cidadãos da CPLP, seja disponibilizando ferramentas adequadas e suficientes para todos aqueles que dela se acercam pela primeira vez ou que a queiram estudar de forma mais estruturada e profunda, nos diversos níveis e modalidades de ensino. E hoje, o português é já ensinado em 76 países, em cinco continentes.

Tendo o Camões – Instituto da Cooperação e da Língua (Camões I.P.) como um dos vetores da sua missão a promoção em sentido amplo da Língua Portuguesa (LP) no plano externo, em articulação com as nossas redes diplomáticas e consulares e com o concurso ativo das diferentes estruturas do Camões I.P. no mundo, nomeadamente, das coordenações de ensino (11 em 18 países), dos centros culturais (19), dos leitorados (51), das cátedras (perfizemos no final de 2021 as 60 em todo o mundo), dos centros de LP (83) e da rede de docentes por nós apoiados em 303 universidades espalhadas pelo mundo, é com júbilo, mas também com especial responsabilidade, que vemos chegar esta data de 5 de maio, dedicada pela UNESCO (em finais de 2019) ao nosso idioma, consagrando-lhe um Dia Mundial.

Tratou-se da primeira vez, nunca será demais referi-lo, que o sistema das Nações Unidas aceitou “atribuir” um dia mundial a uma língua que não é (ainda) idioma oficial do organismo, se bem que o português já seja língua de trabalho em diversas instituições onusianas.

Por outro lado, é absolutamente necessário que multipliquemos esforços conjuntos com todos os parceiros da CPLP para melhor otimizar a nossa língua em cada canto do mundo e para melhor cooperarmos em países terceiros em prol do nosso idioma. Foi precisamente a circunstância de falarmos um idioma comum que esteve na génese da criação desta comunidade e esse deve constituir motivo para nos organizarmos para melhor a promover, fomentar e salvaguardar. Como língua pluricêntrica que é, o português está em especiais condições, até geoestratégicas, para contribuir para os consensos, para a construção de pontes e assim estar ao serviço do diálogo e da paz, sobretudo nos conturbados e preocupantes momentos por que passamos.

Se observarmos bem, não existe qualquer continuidade territorial entre cada um dos estados-membros da CPLP, ou seja, não há fronteiras terrestres entre países desta comunidade, pelo que foi o mar que levou a língua a todos e a cada um desses territórios (todos eles, por sua vez, também costeiros) e foi esse ativo comum que depois nos uniu. Esse mar que faz parte do nosso código genético e que foi absolutamente determinante na difusão e multiplicação da LP. Refiro isto a dois meses da realização em Portugal de uma importante Conferência dos Oceanos das Nações Unidas, sabendo quanto os oceanos foram instrumentais para a difusão da nossa língua, como foram aliás determinantes para moldar a nossa vida coletiva em muitas outras vertentes.

E aqui chegamos a um ponto que julgo de suma importância: tornar a LP cada vez mais uma língua de ciência e de conhecimento, de investigação e de saber. Numa altura em que, por exemplo, a produção e a publicação científica estão, de sobremaneira, dominadas pela língua inglesa (e, lamentavelmente, tenho de o dizer, alguns estabelecimentos de ensino superior do universo CPLP contribuem para isso, impondo muitas vezes essa língua aos seus estudantes, graduados ou doutorandos para os seus trabalhos), cabe-nos a todos refletir sobre a melhor forma de potenciar a LP neste importante e muito competitivo universo do conhecimento. São aí importantes todos os contributos destinados a reforçar a presença da LP em publicações internacionais de referência e em revistas científicas de alcance global e acesso aberto, do mesmo modo que o são aqueles que se destinem a reforçar a presença da LP na internet (onde já é a mais falada no hemisfério sul, pelo que temos pergaminhos nessa matéria). Uma e outra constituem áreas indispensáveis, até para construirmos (ou pelo menos contribuirmos) para um mundo melhor. Formar melhores e mais bem informados cidadãos também é uma prioridade dos agentes de divulgação de qualquer língua e o português tem de estar ao serviço da cidadania e, portanto, num combate permanente contra o obscurantismo, lutando contra todos os tipos de populismos e intolerância. Infelizmente, uma língua também poderá ser instrumento de disseminação destas realidades.

A Língua Portuguesa é um ativo global. Os indicadores são conhecidos: é uma língua hoje falada por mais de 260 milhões de pessoas nos cinco continentes (em 2100 serão mais de 500 milhões, segundo estimativas das próprias Nações Unidas, com um crescimento impressionante em África), o que equivale a 3,7% da população mundial.

Uma língua ao serviço dos cidadãos. Uma língua dinâmica, para aproximar povos e comunidades (hoje já é língua oficial e/ou de trabalho em 32 organizações internacionais e está num crescendo também nesta vertente, reflexo igualmente do primado do multilateralismo nas nossas relações internacionais), sem esquecer nunca a interação fundamental com as comunidades portuguesas e lusodescendentes, sobretudo na Europa, América e África.

A Língua Portuguesa é um ativo global. Os indicadores são conhecidos: é uma língua hoje falada por mais de 260 milhões de pessoas nos cinco continentes (em 2100 serão mais de 500 milhões, segundo estimativas das próprias Nações Unidas, com um crescimento impressionante em África), o que equivale a 3,7% da população mundial. As nove economias da CPLP, em conjunto, valem cerca de 2,7 biliões de euros, o que faria deste grupo a sexta maior economia mundial, se se tratasse de um só país (FMI). Os países com idioma oficial português representam 3,6% da riqueza total do mundo, 5,48% do global das plataformas marítimas, 16,3% de disponibilidade global de reservas de água doce (10.8 milhões de km2) e isto são apenas alguns dados que espelham bem como a LP pode também ser um instrumento de paz em sentido amplo que inclua vertentes incontornáveis como a proteção ambiental, a árdua luta contra as alterações climáticas (somos todos, os de língua portuguesa, países costeiros e alguns insulares, portanto bem mais vulneráveis ao aumento do nível do mar, por exemplo), a favor da economia circular e cada vez mais verde, etc.

Temos, pois, como desígnio comum cuidar cada vez mais da nossa língua e da sua internacionalização. Todos somos chamados a cumpri-lo e não apenas o Camões IP e/ou a CPLP. Cada um de nós, no nosso dia a dia, pode estar ao serviço desse objetivo pelo simples facto de falar, de comunicar, de escrever, de criar e reforçar sociabilidades que nela assentem, seja nas relações interpessoais, seja no plano digital.

E é isso que importa continuar a fazer. A tornar a língua portuguesa uma grande língua de comunicação internacional, com a qual o mundo conta para se construir e se reinventar de uma forma positiva e inclusiva.

 



[i] In “Diário de Notícias” de 05.Maio.2022

[ii] Embaixador

Presidente do Conselho Diretivo do Camões IP – Instituto da Cooperação e da Língua

5 de Maio Dia Mundial Da Língua Portuguesa

 

Eu te saúdo! Minha bela e rica Língua! Por tudo o que me tens dado.

 Através de ti fui alfabetizada, cultivada e comecei a entender-me a mim, o mundo e a respeitar o outro diferente.

Contigo viajei - através de leituras – por continentes, por países e por sítios longínquos. Por culturas e por civilizações antigas e remotas.

Nunca será de mais agradecer-te minha rica e famosa Língua, pelo gosto de conhecer e de saber que me transmitiste e que me vens transmitindo.

Graças a ti disfrutei e continuo a disfrutar de livros fabulosos e de leituras maravilhosas, ao longo do tempo!

Eu te saúdo minha amada Língua portuguesa pela poesia que em ti encerras e que a dás a conhecer tão generosamente a todos que apreciam a língua e a linguagem metaforicamente transfiguradas e sonhadoras!

Contigo me trenei e aprendi a gostar da linguística, da meta-semântica, da sociolinguística, dos dialectos e dos idiolectos; dos provérbios e dos ditados.

Através de ti mergulhei no mundo maravilhoso da literatura, da para-literatura, das ciências; eu sei lá!...tantos e tão diversos e infindáveis conhecimentos, saberes e experiências, que através de ti se alcançam!

Contigo também me tornei profissional. Sobre ti, minha bela Língua, tenho tentado - aqui nas ilhas, ao longo dos anos, e com as ferramentas de que disponho - que te amem como mereces, que te considerem como pertença natural de Cabo Verde, dos cabo-verdianos, e que te façam expandir no universo da comunicação escrita e oral dos falantes destas nossas ilhas.

Por tudo isto te estou imensamente grata!

Reiteradas felicitações pela Língua global e mundial em que te tornaste!

Eu te saúdo! Minha amada Língua!

 

Uma boa Escola Pública - Uma Causa Inadiável em Cabo Verde –

sábado, 30 de abril de 2022

 


Reclamar e reiterar para Cabo Verde, uma boa escola pública, é fundamental nos tempos que correm. Até poderá soar a lugar-comum, mas nunca será de mais falar sobre isso.

Temos todos a convicção de que uma boa Escola Pública - ao lado da Saúde - deve constituir um alto desígnio da nação cabo-verdiana

Assim sendo, este escrito tentará elencar alguns pontos que pretendem justificar o pedido urgente e inadiável de um debate, de uma reforma, para que se consiga uma pertinente transformação e um consequente seguimento das instituições escolares e académicas públicas, do básico ao superior, deste país.

;1-    A escola pública em Cabo Verde funcionou desde a sua implantação nos idos do século XIX - com o extraordinário e o relevante contributo do Seminário-Liceu de São Nicolau – como um excelente e insuperável equalizador e equilibrador social, tendo em conta a significativa camada pobre e socialmente menos favorecida da nossa população;

2 - A escola pública em Cabo Verde foi e continua a ser o maior elevador social das crianças e dos jovens que pouco ou, quase nada transportam para a vida social e cidadã que seja de origem familiar. Esperam - eles e as famílias - que a escola lhes forneça dados científicos e valores para que se verifique no futuro, o salto qualitativo para um melhor enquadramento profissional e social a que aspiram;

3     - É na escola que o aluno conhece, aprende, convive, interage e se cultiva através das ciências, das humanidades, da filosofia, das línguas estrangeiras, entre outras aprendizagens e saberes que os programas curriculares e as metodologias didácticas, veiculadas pelo professor, paulatinamente lhe vão transmitindo;

4 - Para além do mais, a escola pública teve e tem a vantagem de ser interclassista. Foi assim num passado não muito longínquo. Tendo funcionado como lugar de encontro homogeneizador de todas as classes sociais das ilhas.

5- Hoje, mais do que nunca, o cidadão consciente clama por uma melhoria substancial na saída do aluno das escolas do país. A fraca preparação, a redutora sabedoria das disciplinas curriculares, a deficiente aprendizagem das matérias nelas incluídas têm feito do nosso aluno um mal sucedido cidadão, quer na sua formação superior, quer depois na sua prática técnico/profissional.

6 – Infelizmente, a continuar assim nesta mediocridade académica, Cabo Verde não progredirá, ao invés, retrocederá.

Cuidemos pois, com prioridade, de uma correcta e proficiente formação do professor para alcançarmos uma boa escola nacional e fazer disso a nossa verdadeira gala! Isto é, o nosso regozijo público!

segunda-feira, 25 de abril de 2022

 


 
Salvé 25 de Abril! Dia da Liberdade e da Fraternidade!..

.Lembrando 1974 e de como erámos jovens, generosos, amigos, cheios de sonhos e de promessas. Uns realizados e outros não…

A todos os amigos presentes e ausentes e aqueles que desta vida partiram, dedico o poema abaixo transcrito de Fernando Pessoa.

Fernando Pessoa

 "Um dia a maioria de nós irá separar-se.
Sentiremos saudades de todas as conversas atiradas fora,
das descobertas que fizemos, dos sonhos que tivemos,
dos tantos risos e momentos que partilhámos.


Saudades até dos momentos de lágrimas, da angústia, das
vésperas dos fins-de-semana, dos finais de ano, enfim...
do companheirismo vivido.


Sempre pensei que as amizades continuassem para sempre.

Hoje já não tenho tanta certeza disso.
Em breve cada um vai para seu lado, seja
pelo destino ou por algum
desentendimento, segue a sua vida.


Talvez continuemos a encontrar-nos, quem sabe... nas cartas
que trocaremos.

Podemos falar ao telefone e dizer algumas tolices...
Aí, os dias vão passar, meses... anos... até este contacto
se tornar cada vez mais raro.


Vamo-nos perder no tempo...
 
Um dia os nossos filhos verão as nossas fotografias e
perguntarão:
Quem são aquelas pessoas?

Diremos... que eram nossos amigos e... isso vai doer tanto!

- Foram meus amigos, foi com eles que vivi tantos bons
anos da minha vida!

A saudade vai apertar bem dentro do peito.
Vai dar vontade de ligar, ouvir aquelas vozes novamente...

 
Quando o nosso grupo estiver incompleto...
reunir-nos-emos para um último adeus a um amigo.

E, entre lágrimas, abraçar-nos-emos.
Então, faremos promessas de nos encontrarmos mais vezes
daquele dia em diante.


Por fim, cada um vai para o seu lado para continuar a viver a
sua vida isolada do passado.

E perder-nos-emos no tempo...

Por isso, fica aqui um pedido deste humilde amigo: não
deixes que a vida
passe em branco, e que pequenas adversidades sejam a causa de
grandes tempestades...

 
Eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem
morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem
todos os meus amigos
!"

                                                         Fernando Pessoa 



Salvé 23 de Abril! Dia do Professor cabo-verdiano.

sábado, 23 de abril de 2022

 

Comemoramos hoje uma data a todos os títulos importante, o Dia do Professor nacional. Digo importante a todos os títulos, porque coincidente e propositadamente, com a data de nascimento de um Professor e de um dos mais acabados intelectuais que estas ilhas conheceram, Baltazar Lopes da Silva (1907-1989).

Para além disso, esta comemoração simboliza o respeito e o preito de gratidão que nos deve merecer o perfil de professor.

De facto, queremos, desejamos que as nossas escolas, quer estejam implantadas no meio urbano, quer no meio rural, tenham nas salas de aulas um bom professor.

Um professor bem apetrechado em termos didácticos e pedagógicos; um professor que saiba com ciência e com proficiência a disciplina que lecciona; um professor que estude e que leia muito; um professor que comunique com clareza a matéria aos alunos; um professor que respeite a individualidade de cada aluno; um professor provido de ética e de bom senso; um professor capaz de discernir, e de perceber o grau de recepção do seu ensino no aluno.

 Este país, as suas crianças, os seus jovens, estão necessitados, mais do que nunca, de uma escolarização abrangente, esclarecida, científica, filosófica, capaz de os fazer dar o tal salto qualitativo que os tornará cidadãos de pleno e de consciente direito, para que o desenvolvimento da sociedade cabo-verdiana seja conseguido.

Parte significativa de tudo isto cabe e caberá ao professor que no seu mister transmitirá ao aluno as bases, não só para uma socialização respeitadora do próximo, mas também para que este mesmo aluno adquira as bases técnicas, científicas e filosóficas, no fundo, as ferramentas de que necessita para a sua vida futura, tanto no plano profissional, como no plano da cidadania.   

Daí que, Cabo Verde esteja necessitado de um perfil culto e sabedor de professor.

Por tudo isto, e tal como iniciei este escrito, reitero:

Salvé o Dia do Professor cabo-verdiano!

 

 

 

Ah! Como nos Fazem Falta Activistas de Causas Sociais!...

domingo, 10 de abril de 2022

 

É verdade! Fazem-nos muita falta, Activistas de causas sociais aqui nas ilhas.

Para exemplificar diria que necessitamos de Activistas que pleiteassem por uma melhor qualidade de ensino, por uma boa escola pública, em todos os níveis, do básico ao universitário;

De Activistas que defendessem uma melhor Saúde no nosso país, com melhores hospitais, com melhores instrumentos e aparelhos hospitalares, e com melhor atendimento dos pacientes;

Precisamos imensamente de Activistas que tomassem a defesa da diminuição da pobreza; da estruturação da família que sem isso, a sociedade não se equilibra e a desestruturação familiar deixa lacunas irreparáveis na criança;

De Activistas que debatessem a criminalidade, nomeadamente a jovem, entre outras causas sociais desestruturantes que ainda emperram e sufocam o desenvolvimento deste país!

Enfim, na realidade, faz-nos imensa falta o verdadeiro activismo social!

Isto tudo também para dizer que ultimamente temos vindo a assistir a um fenómeno que se tornou bizarro, para não dizer hilariante, que é alguns artistas ou, aqueles que como tal se julgam, se definirem à partida, e sem quaisquer provas dadas, como Activista, e até o  registam nos cartões pessoais, e  em documentos públicos, como se de uma profissão se tratasse! O activista é aquele que inserido num grupo informal luta por uma determinada causa pública. É um voluntariado na efectivação de uma convicção. É acima de tudo, um abnegado voluntário que se entrega e se dedica à defesa de causas nobres. Não uma profissão. E, eticamente, devia ser um reconhecimento público e não uma auto proclamação.

Não é invulgar ver-se e ouvir-se nos diversos meios da comunicação social, redes sociais inclusive, indivíduos que se arvoram em activistas sociais sem que se lhes conheça qualquer acção efectiva e, muito menos a dimensão do seu activismo. Que curriculum vitae apresentam sobre isso, para se arrogarem ao direito de serem considerados activistas?

Quando os vejo em programas televisivos nacionais, questiono: “mas este ou aquela, é activista de quê? O que tem feito para o bem e para a transformação da sociedade para assim se auto-intitular?”

Pensemos - para ilustrar o activismo - na conhecida e justamente célebre, Malala Yousafzai, a jovem paquistanesa, que defendeu apenas por convicção e dever cívico, o direito das mulheres islâmicas do seu país frequentarem a escola e, com isso, correu sério risco de vida com os talibans da terra dela! Extraordinária! Uma luta pelos seus nobres ideais sem qualquer outra compensação do que a satisfação de os verem realizados.

Mas minha gente! O ser Activista não se resume, não se limita apenas a partilhar ou, simplesmente a aderir a determinadas ideias. Não, o activismo é muito mais do que isso; é uma práxis, é um estado permanente, sustentado numa crença que é conduzida em actividade continuada, para se alcançar determinados objectivos e pressupostos que visam transformar uma determinada situação, uma determinada comunidade, ou uma determinada sociedade.

Por outro lado, e diferentemente desta linha de activismo, vem sucedendo também e com frequência crescente, um fenómeno exótico com determinados artistas que aqui na terra de origem fizeram zero de activismo, de quem não há notícia, nenhum registo, sobre prática activista de qualquer espécie; mal se apanham em país alheio, sobretudo em Portugal, arvoram-se, transformam-se e transfiguram-se imediatamente, em exaltados e em extremados Activistas, e sob essa capa, pretendem até dar lições catedráticas de História, de estatuária pública e de monumentos, de comportamento social, em terra de outrem… Eu sei lá! De tudo e mais alguma coisa! E esta?

Enfim, dão lições aos naturais do país, como se não tivessem os mesmos problemas no seu país de origem e mais soubessem e melhor conhecessem a História, os usos e os costumes do país de acolhimento.

O interessante é que até se esquecem de que vivem e beneficiam de acolhimento amigo, para que a sua carreira se afirme e se internacionalize e para que o seu aperfeiçoamento artístico suba patamares e ganhe melhor “performance? Não será isso que procuram? Não será isso que almejam? Não foi por causa disso que deixaram Cabo Verde?

Afinal, foram à procura na antiga “Metrópole” daquilo que o país de origem não lhes possibilitou para a projecção da carreira artística, na óptica deles, e que o país de acolhimento lhes poderá proporcionar. Daí se compreender, a mudança feita. Ou não será assim?

Mas atenção, meus senhores: como “Activistas,” ponderem bem no estrangeiro, tenham sempre ligado e activado, o vosso auto “desconfiómetro” e pensem sempre assim: “será que  este mesmo problema não existia no meu  país? Será que eu fazia isso no meu país antes de partir em demanda de vida melhor?” Igualmente, por momentos, imaginem também, falando com os vossos botões, o seguinte: “Deixe-me cá ver uma coisa… e se um português ou, outro forasteiro, fosse exigir na minha terra tudo o que eu exijo cá, na terra dele? Como é que eu reagiria?”

Na minha modesta opinião, seria um bom exercício de cidadania e de independência da mente.

Mas antes de terminar gostaria de afirmar que tenho enorme admiração pelo voluntariado activista, em prol de causas sociais e em defesa de objectivos nobres.

Por último, e tal como comecei o escrito, reitero: Ah! Que falta nos faz o Activista  a sério, nestas ilhas!

 

A Balada do Padre Simões recordada nos 100 anos da Cidade de São Filipe, ilha do Fogo.

quarta-feira, 30 de março de 2022


1922-2022. A cidade de São Filipe encontra-se em plena comemoração do seu primeiro centenário como cidade.

 Salvé! São Filipe!

Mas antes de entrar propriamente nas considerações sobre a cidade centenária, gostaria de destacar uma figura religiosa que a cantou e a elogiou com verdadeiro afecto e singularidade. Trata-se de padre Simões com a sua inesquecível, “Balada de São Filipe” extensiva à ilha toda.

 Com efeito, Padre Cláudio Simões terá chegado a Cabo Verde, em 1946. Natural do Alentejo e pertencendo, creio eu, à Ordem do Espírito Santo.

 Aproveito a ocasião para anotar aqui uma pequena curiosidade, na ilha do Fogo à semelhança da ilha Brava, os padres eram e são ainda creio eu, em maioria, da Ordem Franciscana, os Capuchinhos, e regra geral, provenientes da Itália, quer nacionais daquele país, quer cabo-verdianos aí formados. 

Ora bem, retomando, padre Simões exerceu o seu ministério na ilha do Fogo, a partir do ano de chegada de Portugal. Ele distinguia-se na sua forma de estar e de actuar, com a comunidade foguense. Apresentava filmes, cantava «Santa Luzia» Avé Maria», «Solo Mio» e outras canções famosas com a sua portentosa voz de tenor. Tanto nas missas, como fora delas. Organizava espectáculos musicais com jovens. Aliás, ele foi mais tarde, quando transferido para a ilha de São Vicente, professor de Canto Coral na antiga escola Técnica e Comercial de Mindelo.

Eis um testemunho muito elucidativo e um comentário eloquente do Professor José Fortes Lopes - no “Blog” «Praia de Bote» 2013 - recordando a passagem do Pe. Simões por Mindelo:

“O saudoso Padre Simões (talvez 50-74) foi para mim uma referência e para milhares de jovens mindelenses da geração dos anos 70. Desde pequenito conheci-o nos Salesianos do padre Filipe (onde frequentei a escola primária, uma escola que me formou humanamente, espiritualmente etc.), (…) nas missas, nos cânticos corais e actividades culturais que esta escola organizava. Padre Simões tinha uma voz que podia quebrar um copo de cristal. Meu professor de música no Liceu, homem bom, jovial, dado ao convívio com os jovens, convivia basicamente com toda a mocidade mindelense. Muito participativo na vida cultural mindelense animava festas (tocava piano num conjunto), grupos musicais e culturais diversos naquele clima são, despreocupado e ‘bon enfant’ que se vivia no Mindelo do início dos anos setenta.

Padre Simões desapareceu de S. Vicente em 1974 e parece
que nunca mais voltou nem ouvi falar dele, nem se falou mais dele. Terá sido escorraçado pela arruaça e a canalhice?

É das pessoas que merecem ser homenageadas pela cidade do Mindelo (…).”Fim de transcrição.

 O padre cantor esteve durante os primeiros anos 50 ao serviço da comunidade cabo-verdiana nos Estados Unidos, onde fez um trabalho notável de animação religiosa e cultural com documentários ilustrando as tradições cabo-verdianas e alentejanas, e as demonstrações de fé a Nª Senhora de Fátima. (vidé Artigo de Joaquim Saial «Crónica de Dezembro de 2013”. “ O Padre Cláudio Simões Um Missionário Alentejano Entre os Cabo-verdianos da América”. Publicado no «Praia de Bote».

 Em meados de 50, ei-lo de regresso ao Fogo que só deixaria nos finais da década de 60, rumando para Mindelo. Aí se fixou até à independência das ilhas.

Na mesma linha das memórias que Pe. Simões deixou em nós meninos, adolescentes, registo aqui a lembrança que guardo do Pe. Simões do Fogo, mais concretamente, dos Mosteiros da minha infância - dos meados, finais, dos anos 50 do século passado - onde ele ia muitas vezes oficiar e apresentar filmes e que foi objecto de uma passagem no livro «Contos Com Lavas» 2010. Transcrevo: “ (…) Ah! Os filmes que o Padre Simões por alturas especiais exibia!... Como eram por nós esperados com ansiedade! Ora pelo Natal, ora pela Páscoa, ou então por ocasião de algum santo padroeiro, lá aparecia o Padre Simões pela estrada do Espigão. Vinha a cavalo ou de moto, da cidade de S. Filipe, trazendo na mochila pesada aquilo que supúnhamos ser a suprema magia – a máquina de projecção. O ronco já familiar da mota atravessando a povoação em direcção à Fajãzinha, local de hospedagem do padre, provocava um alvoroço geral. Uma intensa excitação tomava conta de nós. Saíamos de casa a correr para anunciar a boa nova aos que porventura não se tivessem apercebido da chegada. Para nós, o padre Simões era um padre especial que a nossa imaginação situava a meio caminho entre o artista que compunha e que cantava com voz de tenor (…) e o homem da sétima arte. (…).” In «A Incendiária» pág. 118.

Eis agora aqui transcrita a célebre “Balada de São Filipe,” um hino de afecto à cidade que ele amou e de exaltação da ilha do vulcão.

I

Ilha do Fogo, terra ditosa

Recorda agora o teu passado

Ao som da morna, quero cantar

Tua beleza ao sol doirado

II

Teu nome santo de São Filipe

No céu reluz a rebrilhar…

Casas velhinhas que eu amo tanto

Ondas de espuma a murmurar…

III

Águias serenas rasgando os céus

Ponta bem alto lá bem cimeiro,

O campanário da tua igreja

Azul e branco anjo fagueiro…

IV

Nas tuas ruas cheias de paz

Deixa passar quem a ti vem,

Neste silêncio tão recolhido

Vive-se alegre, mora-se bem.

V

Nas noites calmas, luarizadas…

Ergue-se ao longe o teu vulcão

Raiando luz, fogo sagrado

Que purifica o coração…

 

 Posto isto, retorno à acidade centenária.

Salvé! São Filipe ou, San Filipe!  -Como diziam os seus naturais mais antigos - pela bonita idade de 100 anos!

Nunca é de mais recordar que a actual cidade, teve origem remota no antigo aglomerado populacional que foi fundada nos primórdios do povoamento das ilhas, São Filipe, é povoado logo a seguir à Ribeira Grande, primeira capital na ilha de Santiago.

“São Filipe, capital da ilha constituía o aglomerado populacional mais antigo de Cabo Verde depois da Ribeira Grande, Cidade Velha na ilha de Santiago. A sua fundação e povoamento ocorreram um quarto de século após o descobrimento de Cabo Verde pelos Portugueses em 1460, e ter-se-ia verificado ainda antes de 1493, pois a relação de entrega de alguns objectos de culto divino a essa ilha deixa pressupor. Os historiadores costumam situá-lo entre 1470 e 1491

Na data da sua elevação à categoria de Cidade, a vila contava com 4 mil habitantes e uma área de apenas 25 quilómetros quadrados, sendo que a Vila na altura era apenas um vestígio de um passado que se cria prospero. A dinâmica do crescimento urbano de São Filipe extravasou, há muito os limites do seu centro histórico.”

Os dados ora transcritos e acrescentados, são originários de diversos apontamentos históricos consultados, de autores vários, alguns não identificados, e pertencentes a instituições governamentais ligadas à ilha do Fogo.

Com efeito, a 15 de Julho de 1922, sendo governador de Cabo Verde, Filipe Carlos Dias de Carvalho, foi publicado no Boletim Oficial nº 28 de 15/07/1922, o diploma legal, (Decreto nº7:008 de Outubro de 1920) que elevava a então Vila de São Filipe - Bila, como local e popularmente era denominada – à categoria de cidade.

Assim rezava o articulado decisivo da mudança de estatuto urbano de São Filipe:

Artigo 1º É elevada à categoria de cidade a Vila de São Filipe que conservará o mesmo nome.

Artigo 2º Fica revogada a legislação em contrário.

Cumpra-se.

Residência do Governo, na cidade da Praia, 12 de Julho de 1922. – Filipe Carlos Dias de Carvalho, Governador.

 Na realidade, a Vila de São Filipe, já possuía na altura, algumas infra-estruturas que lhe permitiram alcandorar a cidade, tais como, água canalizada da Praia Ladrão, arruamentos calcetados, a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, casas bem construídas, jardins, ou praças, entre outras infra-estruturas citadinas. A electrificação chegaria mais tarde, em 1939.

Nascia assim, e por muitos anos, a terceira cidade de Cabo Verde, depois da cidade da Praia e do Mindelo.

O interessante é que a cidade de São Filipe mantém ainda – nos dias de hoje - a traça de uma pequena urbe antiga, embelezada pelas suas casas assobradadas ou sobrados como são designadas as moradias de aspecto senhorial que a distinguiam e ainda a distinguem das outras urbes nacionais, e que ainda constituem o seu principal património construído. Uma cidade em jeito de um anfiteatro, de um declive acentuado, e sobranceira ao mar, do alto de um promontório.

Uma característica curiosa que a cidade manteve até à independência de Cabo Verde,1975 e pouco mais, se não me engano, foi sem dúvida, a limpeza das suas ruas que a fizeram ser considerada como a cidade mais limpa do Arquipélago.

De facto, a cidade São Filipe era de uma limpeza irrepreensível! Era uma cidade higienicamente tratada que dava gosto calcorrear as ruas bem varridas do seu centro histórico. Até se contavam histórias e algumas anedotas sobre a preocupação de limpeza - levado a extremos - quer pelas autoridades, Administradores do Concelho, quer também, pelos moradores para com a sua cidade.

Na mesma linha, aproveitando a passagem dos 100 anos da cidade de São Filipe, gostaria de prestar, ainda que singela, uma homenagem aos seus famosos e celebrados homens de Letras, da música e do pensamento; de gente de teatro, como Aníbal Henriques com as peças satíricas; de compositores como B´Leza (oriundo de São Vicente) mas que se encantou com São Filipe e a ilha, e na hora de a deixar registou-a saudosamente na morna “Hora de Bai”; (Não confundir com a “Hora de Bai” de Eugénio Tavares) de Pedro Rodrigues, outro famoso compositor da geração mais nova do que a dos citados, e que canta a ilha com renovado afecto em mornas e em coladeiras.

Relembrar igualmente os seus poetas, prosadores e ficcionistas de mérito, de entre os quais, se destacam: Henrique Vieira de Vasconcelos, Carolino Monteiro, Pedro Cardoso, Mário Macedo Barbosa, António Carreira e Henrique Teixeira de Sousa.

Falar da cidade hoje centenária, é também nomear os descritores/historiadores mais directos da sua geografia, da sua história humana e social; das festas das suas bandeiras dos santos populares, e dos seus sobrados, como Teixeira de Sousa, Félix Monteiro, Miguel Alves, Gilda Barbosa, Armindo José Barbosa, entre outros.

Saudar igualmente, o seu mais vivo porta-voz, Fausto do Rosário que continua a testemunhar  oralmente, com saber e com gosto, a História da sua cidade para quem a deseje conhecer.

Celebrar São Filipe, é também musicar a ilha do Fogo de toadas e de ritmos característicos, em que sobressaem o “rabolo,” a “mazurca,”  a “talaia-baxo,” a "manidja" e o "trabessado."

É igualmente recordar as suas cantadeiras e os seus cantadores populares, tais como, Ana Procópio e Príncipe de Ximento e os demais que ficaram por citar. 

Enfim, a força da palavra escrita, dita e cantada, fixou e celebrizou a cidade de nome santo, que festeja este ano a bonita idade de 100 anos.

 E assim termino este escrito, não sem deixar de exclamar: Viva! Viva! São Filipe!

O Meu “quid pro quo” com Bana

sábado, 19 de março de 2022

 


Estávamos nos meados da década de 90, do século XX, era eu a responsável pelo Sector da Cultura do Governo de Cabo Verde, quando o grande e famoso cantor Bana me solicitou uma audiência.

Não houve demora em recebê-lo. Pelo contrário, acordámos logo a data e a hora e recebi-o com toda a simpatia, gentileza e muito prazer. Tratava-se de uma voz prestigiada de que eu gostava. Aliás, tal como toda a minha geração, desde adolescência que ouço Bana com prazer acrescido; apreciava sobretudo, a forma como ele interpretava as coladeiras mindelenses.

Pois bem, feita esta declaração de princípio, volto ao principal: dizia eu, recebi o cantor que tinha como propósito da audiência solicitar ao Ministério da Cultura o financiamento de um seu disco para memória futura. Isto é, pretendia o intérprete, editar uma selecção musical que teria como título “As Doze ou, as Vinte Melhores Canções do Bana” ou algo similar. Já não o tenho tão de memória. Só sei que ele queria algo semelhante ao que havia já sido feito em Portugal com o título: “As 12 Melhores Canções da Amália,” pela discográfica da portentosa fadista portuguesa.

Achei a ideia interessante, disse-lhe que tínhamos de facto uma verba destinada a este tipo de eventos, mas o financiamento respeitava normas e regulamentos a cumprir e pedi-lhe que nos submetesse esse seu projecto para avaliação uma vez que teria, por força dos regulamentos, de ser aprovado através de um concurso onde entrariam outros projectos enquadrados nos mesmos termos de referência.

Devo esclarecer o leitor, que naquele ano, coube ao orçamento de investimento do Ministério da Cultura, um montante destinado a incentivar e a financiar projectos no domínio da arte e do artesanato, a fundo perdido, como se designam esses financiamentos sem retorno. Tudo em nome da criatividade e do engrandecimento da produção artística.

Para que tudo funcionasse no quadro estabelecido pelos termos de referência e fosse bem conduzido, o Ministério tinha nomeado um Júri, independente, constituído por personalidades do meio das artes, da música e também de outras proveniências. As decisões do júri eram soberanas. Aliás, um princípio que subjaz normalmente nesse tipo de concursos.

Ora bem, feita a escolha final, o Júri decidiu por dois projectos que melhor respondiam a dois parâmetros tidos como fundamentais para a selecção, ou seja, projectos que garantissem formação no domínio das artes e do artesanato e emprego, a jovens em equilíbrio paritário de género.

Nesta conformidade, foram financiados, (oxalá a memória não me traia!) o projecto de Artesanato, da Olaria das Mulheres de Fonte Lima, em Santiago e outro do Atelier-Mar, em São Vicente.

À titular da pasta da Cultura coube e cabia nessas situações, homologar (ou não, obviamente com fundamentos) a decisão do Júri.

Assim sendo, não houve nada a fazer com o projecto do nosso conhecido cantor. Os critérios para a classificação final dos projectos submetidos a concurso eram bem claros, e o júri mais não fez do que os seguir correctamente.

Posteriormente – muito mais tarde, já eu não estava nas lides políticas – tive conhecimento da entrevista dada por Bana à Rádio em Mindelo, em que ele me criticou asperamente pela não premiação do seu projecto, e de que me teria escrito uma carta a “descompor-me.”

Infelizmente, tal carta nunca me chegou às mãos, pois que, seria uma oportunidade para eu lhe ter respondido e explicado como se passaram as coisas no concurso, pois que era disso que se tratava.

Lamentei na altura o facto. Penso ter sido da parte dele, um amuo, uma zanga que não fazia qualquer sentido, uma vez que as normas eram claras e, como em qualquer concurso, sentindo-se ele lesado, podia sempre “recorrer.”

Assim foi o meu “quid pro quo” com o famoso cantor Bana, tal como vem no título deste escrito.

 Não obstante tudo isto, continuo a ouvi-lo com particular deleite e a voz dele sempre a encantar-me.

 

Mendigos e nada Altivos!

domingo, 13 de março de 2022

 


Eis um título que parafraseei do romance «Mendigos e Altivos» de Albert Cossery[i], o escritor franco-egípcio que usou com imensa mestria a ironia, esta figura de estilo e do pensamento que por vezes se torna indispensável para a escrita de assuntos sérios e que só ironizados, atingem o objectivo pretendido.

E a que propósito vem isto tudo? Passo a explicar.

Aqui há dias, ouvindo a rádio, (RDP-África) escutei um comentador, comentador aliás, ̶ devo dizê-lo em abono da verdade  ̶  que me merece créditos pela forma assertiva com que costuma abordar os assuntos relativos ao país de origem e à política internacional. Mas desta vez, para o meu espanto e para a minha estupefacção, ̶  quando o painel comentava a recente visita do Primeiro-Ministro português à Guiné e a Cabo Verde, com finalidades de cooperação, acertos da dívida e de outros projectos – saiu-se com esta: (que procurarei transmitir em discurso directo, pois se o faço em discurso indirecto, o leitor é capaz de pensar que se trata de uma interpretação minha das suas palavras. Ouvi-o com atenção, em directo, na sexta-feira e sem filtro, como se costuma dizer. Aqui vai: “(…) expresso a minha indignação, o governo do meu país não teve coragem de o fazer, mas eu faço-o agora, a minha indignação por Costa não ter visitado o meu país” e continuava nesta toada, “um país que está a precisar de ajuda,” “(…) que está ajoelhado (...)”

Que precisava com premência dessa visita do Primeiro Ministro português, se calhar, “como do pão para a boca,” não? …

Mas que é isto? Meus senhores! Um filho a chorar, a rogar pela visita do Pai? Será?..

Então meu caro analista, a Independência serviu para quê? Para que os rogos continuassem? A sua indignação foi muito infeliz.

Haja dignidade!

O normal neste caso e seria mais sensato, pedir contas à (in)competência na gestão do seu país conduzido por nacionais que levantam essa bandeira há perto de meio século, e não, a um governo alheio.

Mas não, culpa a não visita do Governante de país amigo, Portugal, pelos males actuais (2022) do seu país, independente desde 1975?? E indigna-se pelo facto do PM português não ter visitado o seu País, num rebate que configura alguma obrigação da parte dele, ou então, algum ciúme?

 Nunca mais deixamos de pedir?

Não há aqui qualquer coisa que roça à ironia?

Ora com franqueza!... Mais valia, já agora, ter pedido à antiga Metrópole que o recebesse de volta!? Não? Se tivesse sido com essa finalidade eu havia de perceber a lógica e a coerência nessa indignação confessada.

Mas assim! Convenhamos!...

Só me resta acrescentar: “Mendigos e nada Altivos”. Bem ao contrário dos mendigos do livro de Cossery.



[i] Albert Cossery,” escritor franco-egípcio, nasceu no Cairo em 1913 e faleceu em Paris em 2008. Foi um escritor de Língua francesa. Considerado um mestre em escárnio, A. Cossery foi também um profeta do prazer e da preguiça.” Transcrito da biografia que o acompanha.

Uma curiosidade: Cossery escreveu 8 romances. Com a periodicidade de um romance por cada 8 anos.

Outra curiosidade: viveu a maior parte da sua vida num quarto do mesmo hotel em Paris, onde publicou todos os seus livros.

 

A Nossa Língua Cabo-verdiana e a linguagem belicista dos seus autoproclamados “combatentes”

terça-feira, 1 de março de 2022

 


Vem isto a propósito da excelente Entrevista concedida pela linguista e professora Dulce Irene Lush Ferreira Lima, sobre a (co-) oficialização da Língua Cabo-verdiana (LCV) ao semanário «Expresso das Ilhas» de 23/02/2022, transcrita neste “Blog” e cuja leitura recomendo.

A entrevistada menciona, a determinada altura, o tipo de linguagem que vem sendo utilizada quando o assunto é a LCV. Uma linguagem acentuadamente (ou acintosamente) belicista sobre a mesma, propalada e divulgada, (ouvidas e lidas) em várias declarações públicas e publicitadas aqui nas ilhas.

É sobre isto que adiante falarei.

Antes de entrar propriamente no tema sugerido no título deste escrito, queria muito brevemente recordar que aquando da institucionalização do Crioulo, como Língua Cabo-verdiana em 1999, era eu Deputada e Primeira Vice-Presidente da Mesa da Assembleia Nacional. Recordo-me de que o postulado no Artigo 9º da Constituição então revista, foi votado por unanimidade, repito, por unanimidade, na generalidade, na especialidade e, mais tarde, na votação final, global.

Já vivíamos em democracia desde 1991; a pluralidade instalada no Parlamento com três bancadas distintas de Deputados.

Logo, não houve voto algum contra, dos então representantes da Nação eleitos para a legislatura de 1996-2000. Tudo pacífico.

Recordo-me do então Primeiro-Ministro Dr. Carlos Veiga, na condição de Líder do saudoso MPD, acompanhado do líder parlamentar da respectiva bancada, terem pedido a minha colaboração na revisão da redacção do texto para o Artigo que consagrava a visibilidade constitucional da Língua Cabo-verdiana, o que aceitei com toda a disponibilidade e agrado. Lembro-me, quase 23 anos passados sobre o acontecimento, que a minha proposta de redacção começava assim: “ (…) A Língua Cabo-verdiana e a Língua Portuguesa são ambas nacionais e oficiais” (…) e a minha redacção, agora cito de cor, já se me foi da memória, mas sei que continuava nesta linha: o Estado criaria as condições para que fosse cumprido o desiderato pretendido em todos os documentos e pronunciamentos públicos, fossem eles de natureza oficial ou privada e, finalmente, para que o falante cabo-verdiano se afirmasse realmente bilingue.

A afirmação de princípio de que as duas Línguas eram “nacionais e oficiais” seria na minha opinião e dada a relativa perenidade constitucional, uma base de real paridade das nossas duas Línguas, e daria horizonte temporal para a elaboração de uma metodologia adequada às instituições académicas, administrativas, públicas e privadas, entre outras, que assim se preparariam para atingirem a finalidade pretendida.

 Não a aceitaram assim. Compreendi o motivo disso. Tratava-se na altura, por um lado, de apenas se colocar como foco central na nova redacção do Artigo 9º da Lei magna a Língua Cabo-verdiana em destaque constitucional; mas por outro lado, havia o escolho real, que tinha a ver com a dificuldade material, pelo investimento que se adivinhava vultuoso para esse projecto, e que, pelos vistos, continuou a ser porque todos os governos subsequentes, até aos dias de hoje, nada acrescentaram de significativo e de substantivo nesta matéria. Possivelmente, porque quem está na gestão do país sabe muito bem, que outras prioridades se apresentam com maior premência. País pobre e dependente em tudo - tanto na sua sustentabilidade, como no seu desenvolvimento - da ajuda internacional. “Para bom entendedor…”

É sempre bom lembrar esses interessantes e aparentes “pequenos factos” como fez a minha colega Dulce, na entrevista e cujo extracto a seguir transcrevo: “ (…) Mas leio também um paradoxo, o qual se tem manifestado de forma cada vez mais visível: a partir do momento em que a Língua cabo-verdiana é constitucionalizada, em 1999, é quando se ouvem as maiores reivindicações e denúncias de uma suposta “falta de dignificação” e da sua “inferiorização”. Quando ela não era sequer considerada juridicamente, ou seja, nos primeiros 25 anos da república não se ouvia esse tipo de acusações.” (Fim de transcrição).

Posto isto, passo a discorrer um pouco relevem-me a tentativa irónica, mas só apoiada nesta figura de estilo, conseguirei escrever sobre a linguagem e a adjectivação belicista que os participantes desta “batalha campal” têm trazido à liça.

Com efeito, trata-se de uma autêntica “guerra civil,” a tal ponto, que uma notícia sobre as celebrações do Dia da Língua Materna trazia o seguinte cabeçalho: “A Guerra das Línguas.” Elucidativo, não é?

De facto, uma autêntica “peleja declarada” em palavras, aquela que tem acompanhado os audazes e autoproclamados “guerreiros e soldados” da LCV, quer nas redes socias, quer nos pronunciamentos públicos, até, por entidades alegadamente responsáveis. Uma luta feroz na “linha da frente de combate” contra a “raça diferente” (…raça? Mas que raça? Ouviram bem? oriunda possivelmente de Marte (?) E que povoou no século XXI as nossas ilhas (?). Não querem ver o desplante(!) dessa raça de avantesmas marcianos?

Estamos sem dúvida numa “guerra sem quartel,” numa “batalha” contra os cabo-verdianos para “a consolidação da nossa independência,” contra “o colonialismo” cabo-verdiano. Tudo isto e muito mais, são expressões utilizadas em 2022?

Aonde queremos chegar com este tipo de discurso que cria anticorpos nos pacíficos falantes e amantes da LCV? Que a usam, que a falam, que a escrevem, que a cantam, cada um na sua variante, com afecto, sem guerras desnecessárias, sem guerreiros, sem combatentes, apenas, e tão simplesmente: “com amor genuíno e nunca desmentido” como escreveu em 1922, Augusto Casimiro, escritor português e bravense de coração, que, ao lado de Eugénio Tavares, se referia ao afecto que o falante e o poeta cabo-verdiano tinham para com a sua língua materna.

 E mais, sem alusão ao “colonialismo,” à “raça,” (já agora que tal a “religião” e a “orientação sexual”? também fazem parte deste léxico actual, aguerrido e folclórico?).

Mas, enfim, tudo serve para puxar à guerra verbal: a “independência,” a “linha da frente do combate,” aos que “atacam o Alupec”. Eu sei lá!...

Mas, digam-me, meus senhores, para quê esta incursão bélica, ao falante cabo-verdiano? Como verbalizou um dos famosos combatentes, da causa da Língua Cabo-verdiana “com baioneta apontada e espingarda ao ombro”?

“Baioneta apontada”? A quem? Ao irmão cabo-verdiano? E para quê?

São capazes de me explicar tanta e tão tamanha violência?

Vamos lá mas é abaixar a baioneta e guardar a espingarda, se faz favor!

Ganhemos todos serenidade. A bem da nossa sanidade intelectual.

Volto a perguntar, para quê este “arsenal” de palavras embebidas em armas de guerra? Para quê tudo isto?

“Não havia necessidade”! …“Não havia necessidade!” Já dizia um cómico bem conhecido.

As redes sociais estão aí, a “ferro e fogo,” numa cruzada quase ”terrorista,” visando quem ouse ter opinião diferente da que eles proferem nesta matéria.

Deus meu! Para quê tanto agravo?

Sociologicamente analisados, mais parecem “fundamentalistas” vingativos, ou “novos-ricos” deslumbrados com a descoberta de “armas vocabulares” para “combater” e “bombardear” o pobre falante cabo-verdiano, indefeso, “entrincheirado em facções,” sitiado em “bunkers,” sentindo-se intimidado, amedrontado e espantado com a ferocidade destes patrícios valentões!…

O que se ganhará com esta autêntica guerra fratricida? Dividir a sociedade cabo-verdiana? De um lado os “bons”, e do outro, os “maus”? Ou de um lado os “nacionalistas” e do outro os “colonialistas”?

Ora, e se ganhássemos bom senso? E se parássemos esta guerra – de palavras bélicas – absolutamente desnecessária?

E que tal se fôssemos mais pedagógicos? A laia de um professor que ensina com sabedoria e assertividade a matéria, sem descurar o afecto para com os seus discípulos… e, no caso, seus patrícios?

A bem da Língua cabo-verdiana e da paz nestas ilhas, vamos declarar tréguas a este vocabulário de guerra inútil, e sentarmo-nos todos à volta de uma mesa para um diálogo pacífico e frutífero!

Concordam? Se sim, bem-vindos ao Clube para a Paz e para a concórdia linguística nacional!