A Peça escolhida...

sábado, 29 de maio de 2010
Vinha eu no carro de regresso à casa com a rádio ligada e ouço uma entrevista feita – nos estúdios de Mindelo da nossa Rádio nacional – a um dirigente de um grupo teatral daquela cidade.
O conteúdo da entrevista focou vários aspectos da vida do grupo teatral, desde as formações e as oficinas de trabalho dramático realizadas, passando pelas peças já apresentadas em palco e indo a algo que escutei com redobrado interesse.
Tratava-se de um comentário feito pelo entrevistador pelo facto de, a peça teatral do grupo, cujo líder estava a ser entrevistado, ter sido escolhida de entre as concorrentes para o grande festival de teatro internacional destinada aos grupos teatrais, creio que dos sete países da CPLP e que este ano teria lugar no Brasil.
Pelo teor da conversa radiodifundida, o critério de participação nesse mesmo festival, distinguia os novos grupos de teatro, eventualmente os mais necessitados de troca de experiências e de pisar outros palcos.
Realçava o Jornalista, como a querer confirmar junto do entrevistado, de que o grupo havia sido escolhido porque apresentara uma peça em língua portuguesa, o que à partida garantia audiência e comunicação internacional, o que possivelmente não fizeram os outros concorrentes.
Corroborou o dirigente teatral, e mais, reiterou as vantagens disso acrescentando que era uma excelente oportunidade sair e poder interagir com grupos congéneres da mesma língua, com maior experiência e visão do mundo do teatro, o que certamente iria acontecer no certame internacional a realizar no Brasil. Só teriam a ganhar, pressupunha ele.
Ora aqui estamos de novo à volta do velho tema: as vantagens do falante cabo-verdiano ter na sua bagagem cultural e linguística a língua portuguesa.
O caso descrito espelha bem a necessidade, diria que urgente, de repor com afinco o uso oral e escrito em português, entre nós. Somos uma comunidade pequena que colhe também no exterior, e isto já vem de séculos, não só o seu ganha-pão, como a experiência do seu saber fazer laboral e artístico, não alienando igualmente a sua criatividade específica.
Dito de outro modo: para que não se “fechem” as ligações com o exterior e para que se alarguem os nossos horizontes de desenvolvimento seria bom que mantivéssemos accionado em permanência, a nossa língua segunda, mantendo-a em bom e em activo estado, tornando-a até língua nacional o que só nos traria vantagens.
Aproveitaria para transcrever o que disse, e bem, alguém (anónimo) comentando o texto publicado neste “Blog” e intitulado: ”Crioulo versus Português.” O comentário focou o Haiti, a dificuldade de comunicação que tiveram os enviados internacionais e estrangeiros para socorrer os haitianos, a quando do enorme sismo que abalou o país recentemente. Passo a transcrever:
«É muito interessante o título do texto "Crioulo versus Português?", quanto mais não seja pela utilização do "versus" para juntar duas línguas íntimas e familiarmente ligadas. Eu apenas me expresso em português, o que lamento, pois o crioulo para além da sua especial sonoridade, possui uma enorme riqueza em termos de expressões idiomáticas que muito caracterizam o relacionamento dos falantes desta língua.
Mas o objectivo do meu comentário é chamar a atenção dos eventuais interessados para o facto que recentemente foi reportado por muitos dos voluntários que socorreram as populações do Haiti, após o terrível terramoto que tantas vítimas causou. É que a generalidade dos voluntários, que eram falantes de inglês, francês, português, italiano, espanhol, etc., referiu ter tido muita dificuldade para entender e se fazer entender pela maioria das vitimas, precisamente por estas apenas se expressarem na sua língua local, o crioulo do Haiti
.» (fim de transcrição).
Por ter sido enviado sob anonimato tomei a liberdade de o publicar, obviamente sem qualquer pedido de autorização.
E pensar que num passado recente, o país em questão possuía também o francês como património linguístico e que quase o perderam mercê de uma tomada de posição política que infelizmente não se revelou benéfica para o desenvolvimento da sua comunidade.
Retomando, e para finalizar, acrescentaria que isolarmo-nos linguisticamente seria uma horrível catástrofe para o desenvolvimento da comunidade cabo-verdiana.
O crioulo não pode e nem deve tomar o lugar (da forma como está sendo feito) do português em Cabo Verde.

Quarenta anos depois...

quinta-feira, 27 de maio de 2010
Dezembro 2009. A viagem a Lisboa havia sido propositadamente antecipada para pudermos fazer uma comemoração especial, uma vez que aí iríamos passar o Natal com os filhos e os netos
…Quarenta anos depois voltámos ao sítio onde tudo começou para nós. O banco do jardim era ainda o mesmo ou quase, pois que, com mais pinturas, menos pintura pouco o mudaram; manteve a sua traça inicial. O Jardim Botânico também o mesmo no geral, agora com algumas alterações normais após quatro décadas – guarita de segurança, entrada paga e outras benfeitorias, inovações e possivelmente maior diversidade da oferta botânica e da tecnologia de acesso ao visitante. Claro, que tudo isso ainda não existia naquele já longínquo ano de 1969. Mas do resto e em grandes linhas, tudo parecia ter permanecido na mesma para que assim o reconhecêssemos.
Feita esta espécie de “romagem da saudade,” comentámos que tudo era igual, ou quase isso…menos nós os dois, quarenta anos depois de ali termos dito sim, um ao outro e iniciar as etapas para uma vida em comum que já vai em netos…enfim, até parece letra de uma velha canção que trauteávamos na nossa juventude: «A mesma praça /o mesmo banco/ as mesmas flores / e o mesmo Jardim //Tudo é igual!»...
Mas não se trata de lamento, mas sim de uma saudade real e de terna recordação de um tempo ímpar que é a juventude!

Voltando ao presente – de muitos bons momentos também – tirámos algumas fotografias de nós os dois sentados no tal banco no dia do 40º aniversário; para isso, pedimos a um dos escuteiros que orientava um grupo de visita ao Jardim Botânico da velha Faculdade de Ciências de Lisboa na rua Politécnica que fizesse o “clique” da máquina fotográfica que para esse fim havíamos levado connosco. A máquina falhou por falta de energia suficiente; tivemos que nos recorrer ao telemóvel não obstante o escuteiro se ter disponibilizado a fazer a fotografia com a máquina dele e enviar-no-la por “e-mail.” Embora não se tenha revelado necessário, foi um gesto simpático que agradecemos, tendo-lhe passado para as mãos o nosso telemóvel.
Remetidas as fotografias aos filhos, um deles escreveu: “…as fotografias estão lindíssimas. Cá ficamos à espera das dos 50 anos!”
Obrigada! Haja vida e saúde!

A poesia de Eugénio Tavares e a questão do «nativismo»

segunda-feira, 24 de maio de 2010
Resolvi trazer este texto “retirado” do meu projecto de brochura, «Eugénio Tavares, Cantigas e Sonetos – A influência poética de João de Deus e de Antero Quental por se tratar de um tema que vem merecendo uma séria reflexão.
Na realidade, o fundamento do ensaio a publicar incide sobre a intertextualidade e a influência da poesia romântica portuguesa da 3ª fase, conhecida na historiografia literária portuguesa como a “Regeneração,” com especial destaque para João de Deus e Antero de Quental os quais, salvaguardada a originalidade e a criatividade do poeta bravense, nele exerceram uma significativa influência.
Mas o conteúdo deste texto apenas aproveita uma pequena parcela da brochura a editar e que foca num curto parêntesis, a questão do “nativismo” na escrita literária de E. Tavares para observar que o que se pretende hodiernamente e quase à viva força, é ligar – todas ou, quase todas – as influências recebidas pelo nosso poeta bravense ao “Nativismo.” De tal modo, tem sido assim na definição de alguns dos nossos actuais e mais mediáticos intelectuais, talvez influenciados pelo texto jornalístico de amor à terra, em que E. Tavares fala do «Nativismo através da Alma de Mistral».
Creio ter sido apenas neste artigo que E. T. focou o tema do nativismo, ainda que de forma veemente e crente. Daí talvez explicada a razão da classificação de “nativista” ao poeta e compositor, estendendo e ampliando o conceito numa espécie de «cartão de apresentação» dos poetas cabo-verdianos da segunda metade do século XIX, e mesmo para os das primeiras décadas do século XX. Todos são chamados: «nativista». Não vá sem se dizer, que no meio disto, isto é, do mesmo molde generalista se tem feito força para se colocar o nosso helénico, latinista e clássico acabado - o poeta José Lopes. Não será exagero?...
Se E. Tavares foi “nativista” no sentido de amar e de defender as ilhas, disso não tenho dúvidas, mas no que toca ao segundo entendimento do vocábulo nativista que é de “ódio a tudo o que é estrangeiro”, a obra dele nada revelou e o que ressalta é exactamente o contrário, um prolongado abraço afectivo e familiar à sua parte portuguesa e à sua dimensão universal também. Aliás, mais do que o seu texto considerado nativista, E. Tavares expressou e bastas vezes a sua ligação afectiva e cultural a Portugal, por vezes até simbolizada no amor filial exaltado ao pai, natural de Santarém. Na minha modesta opinião, em que não me considero desacompanhada, a pretensão sócio-política mais fortemente enunciada por E. Tavares teria sido a de reivindicar para o cabo-verdiano, iguais direitos e estatuto que tinha o então chamado metropolitano. E isto não quer de forma alguma negar – pois que à época não seria fácil declará-lo – a postura nacionalista de Eugénio Tavares em relação às suas amadas ilhas.
Reafirmo o que antes já dissera: Nunca houve em Cabo Verde uma corrente literária de carácter nativista o que não significa que um ou outro texto não se tivesse aproximado dessa linha.
Uma asserção bem elucidativa sobre este assunto e que trago a meu favor é a que faz Alfredo Margarido no prefácio ao livro de Pedro Cardoso: Folclore de Cabo Verde, uma edição da Solidariedade Cabo-verdiana de Paris e publicada em Lisboa em 1983. Diz Margarido a propósito do nativismo em Cabo Verde que já em 1917: «Luiz Loff de Vasconcelos…salienta que a origem do nativismo deve ir buscar-se ao Brasil, onde traduziu “ uma forma política de reivindicação” dos direitos dos naturais contra os estranhos. O que lhe permite mostrar que o chamado “nativismo cabo-verdiano é uma impropriedade de termo, a que se tem dado um significado moral e político falso, baseando-se em ódio de raça e como manifestação de rebeldia.”(palavras de Luís Loff de Vasconcelos) Esta intervenção procura reduzir a importância real do nativismo, …Mas é evidente que se este aviso à população possui, visto a evolução das migrações cabo-verdianas, um aspecto propriamente profético, a verdade é que ele põe termo a esta questão. Cabo Verde sai do campo perigoso do nativismo, que fica então solidamente ocupado pelos santomenses e pelos angolanos.» Análise e conclusão de Alfredo Margarido e fim da transcrição. O sublinhado e o “negrito” são meus.)
Interessante que mesmo conhecendo esta posição de Luiz Loff de Vasconcelos secundada de forma inequívoca por Alfredo Margarido nestas notas transcritas (Note-se que a tese de Loff de Vasconcelos que já tem quase um século de existência é dirigida à escrita jornalística de época) persistem alguns intelectuais cabo-verdianos no século XXI, em querer manter a classificação com a agravante de a tornar extensiva e englobante para todos os literatos dessa época.

Gostaria de finalizar este escrito, lembrando que quer Eugénio Tavares, quer José Lopes, Pedro Cardoso, Januário Leite e demais poetas cronologicamente próximos, não formaram e nem estiverem inseridos em nenhum grupo ou corrente literária. E nesta matéria, não vale a pena forçar convenções pois que podem deturpar desnecessariamente a historiografia literária cabo-verdiana.
Uni-los sim, nos momentos (raros) em que pessoalmente alguns deles se encontraram e nos poemas que entre eles trocaram em dedicatória mútua.
Poucos se têm lembrado que, tal como nos cantados versos de António Gedeão: «…Cada um é seus caminhos…» assim também sucedeu na forma de versejar e na poesia dos autores cabo-verdianos aqui citados. Cada um foi o seu próprio “caminho” e também a intertextualidade que o influenciou no modo de versejar.

Festival de música ou festival de pancadaria?...

sábado, 22 de maio de 2010
Infelizmente é verdade, ou melhor, já se tornou numa triste realidade a premissa interrogativa do título deste escrito, relativamente ao que se ouve dizer sobre o festival da praia da Gambôa.
Reparem bem: no dia a seguir à primeira noite deste festival que pretendeu (será que pretende ainda?) ser algo emblemático da nossa cidade, os comentários que se ouvem são de “tapar os ouvidos”! Até pode ir nisso algum exagero e se pensar que quem conta um conto, lhe acrescenta um ponto. De qualquer forma, escute-se o que por aí se diz sobre a noite ou o fim da noite da Gambôa.
Interessante é que não se fala da música, dos grupos que actuaram, se se gostou mais desta ou daquela banda musical; não se fala do bonito fogo de artifício. Ao invés, todos ou quase todos os comentários dão conta da selvajaria de algum público assistente, de garrafadas, de facadas, de pedradas, de corridas ao hospital com feridos e agredidos… enfim, um horror!
Já chega! Já se tornou evidente que para além de ser dentro da cidade, o festival de música da praia de Gambôa, há muito que já devia ter sido retirado de cena, pelo menos do perímetro da cidade da Praia.
É triste ter que falar assim de algo, que devia ser um momento privilegiado para os artistas musicais, as bandas nacionais e estrangeiras, terem oportunidade de estar em palco, de verem o seu produto artístico valorizado, e até puderem também estar mais perto dos seus fãs e de estes os ouvir ao vivo. Mas não, o que fica na memória e o que é contado com maior veemência, não é a qualidade das vozes e das melodias escutadas, isto é, do que se passou no palco, mas sim da violência presenciada no areal da praia.
Não é por acaso que gente prevenida e temerosa, não põe lá os pés
Eu já comungo de há muito, das vozes que já se levantaram e continuam a levantar-se junto da Câmara Municipal da capital (ela própria, creio eu, já se interroga sobre os problemas do festival) a solicitar que se organize, que se aborde e que se estruture esse festival musical de uma forma diferente, pois tal como ele vem sendo realizado, corre o risco de ficar de…triste memória!

Serão rudes as variantes do crioulo de Santiago e do Fogo?...

quinta-feira, 20 de maio de 2010
Claro que não! A sua rudeza ou não, aplicar-se-ia aos seus falantes e nunca à língua!
Peço que me seja relevada este entrada meio abrupta sobre uma matéria que requer, geralmente, imensa cautela porque complexa e delicada. Mas a justificação será dada.
Ora bem, a interrogação do título deste escrito vem a propósito de algo que passo a explicar:
Fui “acordada” numa destas manhãs, (e não era a primeira vez) ainda no seu começo, pelo toque do meu telemóvel que me pareceu particularmente estridente, pois que funcionou como autêntico despertador. Apanho-o para atender. Coloquei o melhor que pude a voz, pois seria também o despertar da minha fala e…atendi. Eis que ouço do outro lado da linha: «A bó é quenha?» (quem és tu?) Assim! Sic! E seco! E eu, estupefacta com esta introdução elocutória, respondi: «faz favor! Bom dia, também se diz; e por outro lado, foi a senhora quem ligou; logo, caberá a si apresentar-se…» Claro que do outro lado, o que ouvi foi o “clique” do desligar do telefone.
Já nem sei o que pensar disto tudo. Fiquei a imaginar que seria bem possível que do outro lado da linha estivesse uma jovem ou não – a voz era feminina – escolarizada até, quem sabe!? Portadora de algum diploma superior…mas que ao mesmo tempo, ignora as mais elementares regras do viver em sociedade. Cometeu logo de entrada algumas «gaffes» quase imperdoáveis a saber: o ter tratado por «bó» ( «tu» em português) alguém que não conhece e nem sabe se mais velha, ou não. Depois a forma de enunciação telefónica só é equiparada em indelicadeza ao igualmente rude (na forma escrita): «Tchumam» (chama-me) indicativo de que alguém nos pede para o chamar – “cortesia” com que uma das operadoras nacionais dos telemóveis nos “brindou” – creio eu que numa imitação à forma inglesa: «call me» esquecendo-se do «please» que também integra o apelativo em inglês: «please call me» e que faz toda a diferença! Costuma-se dizer e isto já é bem antigo, de que os bons exemplos devem vir de cima. Para bom entendedor…
Enfim, imagine-se o «bem-disposta» que fiquei com um despertar deste!

Posto isto em jeito de introdução, retomo a ideia inicial, interrogada no meu título, numa espécie de hipaláge, figura de estilo, em que se verifica um “desajustamento entre a função gramatical e a função lógica das palavras», transferindo os atributos e as características de um semantema para outro semantema que de alguma forma lhe está próximo ou interligado. No caso vertente: a língua e o falante ou vice-versa.
No caso, volto a repetir, o adjectivo: “rude” é atributo do falante e não do veículo de comunicação que utilizou: o crioulo.
De qualquer forma, existem situações entre nós, em que me não é fácil fazer de modo completo e inequívoco, a dissociação entre o falante e a variante que utiliza pois que noto uma certa falta de boas maneiras ou de regras, ou ainda de expressões polidas, nas variantes do crioulo das ilhas do Fogo e de Santiago. Regra geral ignoram normas polidas e mais educadas de introduzir uma questão, de fazer um pedido, enfim, de interpelar. Apenas alguns exemplos.
Vou eu na via pública e ouço: «cantu hora sta?» (que horas são?) ou «fran hora!» Diz-me as horas). “Tout court!” como diz o francês. Isto é, não vem acoplado qualquer coisa como «se faz favor» ou então no final, um: «obrigado».
Outra “prenda linguística” e esta é particularmente audível na minha ilha (Fogo) é aquele comunizante e já irritante «bó» (tu) a torto e a direito, sem olhar a quem, se colega, se mais velho. Convenhamos que é demais! Já não há boas maneiras nestas ilhas? Até crianças quando nos pedem qualquer coisa iniciam o pedido com: «dam...) o que subentende o tratamento por «bó». E podem crer que quando menciono estes parcos exemplos estou a deixar de fora um sem número deles os quais, de tanto, que aqui nem caberiam.
Bem…desabafando é que a gente se entende também. Por hoje fica registado este desabafo.
sábado, 15 de maio de 2010
Caros:
Abel Djassi, Amílcar Tavares (Mica), Aristides, Charlene, Et Garcia, João Branco (e o seu já famoso: Café Margoso), João Carlos Pires Ferreira, MRVADAZ, Nininha, Tchá, Titim, Vektra

Antes de mais as saudações de cibernauta.
Sinto-me em dívida convosco e gostaria de vos agradecer e enviar-vos um “xi – coração” por se terem juntado ao Coral – Vermelho. Fico lisonjeada e feliz!

Um abraço
Ondina

O novo-riquismo dos títulos académicos?

Continuo a observar que mesmo com o passar dos anos, com o aumento do números dos jovens formados em universidades e em outras instituições de ensino superior, muitos dos nossos quadros técnicos superiores, usam e abusam do título académico com que se graduaram, como se de nome próprio se tratasse e num certo exibicionismo e ostentação, diga-se, em abono da verdade, quase sempre um pouco grotesco.
E vamos ao que me traz aqui. Faz parte dos manuais básicos do saber estar, entre nós de influência cultural lusa, o entendimento de que o título académico é para ser usado pelo interlocutor do médico, do engenheiro, do farmacêutico, do economista, etc., etc., entre outros e numerosos graus e formações académicas superiores, quando se lhe dirige, particularmente e sobretudo, em local de trabalho. Mas nunca pelo próprio quando se apresenta ou se auto-nomeia. Isto é regra social e geral. Claro que haverá situações de excepção em que o próprio o terá de fazer num quadro específico e estrito para melhor se identificar. Mas trata-se de excepcionalidade.
Vem isto a propósito de ouvir e assistir a situações (com alguma frequência incomodativa) em que o próprio se anuncia privadamente ao telefone, ou em pessoa, antepondo ao seu nome o título de “doutor, doutora” como se de registo se tratasse! Ele ou ela, que assim procede, não lhe foi ensinado ou não aprendeu ainda, de que se trata de uma postura incorrecta e que entre outras coisas que sugere a quem os ouve é de que os sujeitos falantes estão “deslumbrados” com o diploma, a ele não se habituaram ainda ou então, não “ligaram o seu desconfiómetro” social e regulador que os ajudariam a evitar essa situação ridícula!
Mas mais, recebo cartas de organismos públicos e/ou de empresas privadas em que o director, o presidente, o responsável máximo assina o documento que o já referenciou pelo cargo que desempenha na dita instituição, mas mesmo assim, antepõe ao seu nome o “Dr.” ou o “Eng.” e, por vezes, achando tudo isso pouco (vi isso em documentos assinados por Presidente de Câmara) ainda colocam em baixo desse nome: “Licenciado em…”como se estivesse desconfiado de não se lhe reconhecer habilitações para o exercício das funções.
Complexos!... costuma resumir-me alguém que me é muito caro.
Pois bem, vamos erradicar esta espécie de “novo-riquismo” de auto enunciação do título académico feito pelo próprio, em recinto de trabalho, ao telefone, ou em círculo privado, inter-pares ou não.
Deixe-se isso a cargo do interlocutor, ou de quem se lhe dirige. Este sim, este deve ter o cuidado e a cortesia de antepor ao nome por que é tratado o título académico a que tem “direito”. Neste caso, é normal e correcto. Mas nunca, o próprio, o portador do título.
Na verdade torna-se por vezes, caricato e confrangedor escutar e presenciar esse tipo de situações. Confesso que em muitas ocasiões, como mais velha e mais experiente, e, se calhar, ainda com tiques de professora, apeteceu-me corrigir o falante que assim procedeu. Mas também confesso que recuei e tenho recuado no último instante, com receio de ser mal entendida nesta pedagogia, quiçá, um pouco tardia. Valeria a pena?! Diz o povo que mais vale tarde do que nunca!

A qualidade do munícipe?

sexta-feira, 14 de maio de 2010
Torna-se deveras evidente que a qualidade do cidadão, o nível do munícipe também se afere pela forma como ele cuida ou não cuida do espaço em que vive e circula.
Vem isto a propósito de quê? Ora bem, temos ido Armindo e eu durante a semana à praia de Quebra Canela (nome pouco apelativo e desencorajador) à natação matinal. Bem matinal, pois que começa, mais ou menos, às 6 horas da manhã, numa espécie de “talassoterapia” que é como chamo a esses mergulhos madrugadores no mar.
Tudo seria bonito, saudável e aprazível, pois que da nossa casa à praia faz-se bem a pé e percorre-se entre a ida e o regresso, cerca de quilómetro e meio. O que é já um razoável exercício físico.
Mas infelizmente mal descemos as escadas de acesso à praia, passando por um recipiente para o lixo, situado em local destacado, o que se nos depara em baixo é desolador: uma praia suja e imunda. Restos de embalagens, garrafas vazias, invólucros e material vário, atirados ao areal. Enfim, lixo na sua configuração mais indecorosa, a revelar um pouco o perfil de muitos dos munícipes que frequentam a praia de Quebra Canela.
Ah! Já me ia esquecendo de acrescentar que o recipiente do lixo encontra-se… praticamente vazio!
Porquê essa falta de cuidado? Esse primarismo meio bárbaro de se atirar o que se considera lixo ao chão? Porque o colocar em local apropriado? Ainda por cima estando à mão o recipiente adequado?
Bem, confesso-vos que é uma primeira impressão da praia, muito pouco convidativa, para não usar uma expressão mais forte.
Além de tudo o mais, revela também um desprezo exibicionista pela natureza, por uma das suas criações mais belas que é a beira-mar.
De uma maneira geral, não costumo culpar a Câmara Municipal por aquilo de que ela não é directa e unicamente responsável. Ou seja, pela qualidade do munícipe que possui. Dito desta forma, não gostaria que se interpretasse que a instituição, ou a autoridade responsável pela orla marítima não possa tomar medidas que inibam o cidadão de tal prática.
De qualquer ângulo que se analise a questão, procurando justificações para tal comportamento, parece-me que a culpa vai quase inteirinha para àqueles cidadãos que diariamente ou aos fins-de-semana, frequentam uma das poucas praias acessíveis da nossa capital e que infelizmente a não respeitam.
E lá queremos nós ter estatuto de paridade!... Vamos ser sérios! O primeiro passo é sermos, antes de mais, civilizados aqui na nossa cidade – capital e no resto do país, conservando limpas e saneadas as praias e a orla marítima que limitam o oceano que banha as ilhas. É óbvio que isto não se aplica só às praias…

Foi assim!...

terça-feira, 4 de maio de 2010
As estórias que se contam nem sempre correspondem a História que se quer narrar. Vem isto a propósito do que se passou com a South African Airways (SAA) no conturbado e agitado período (Maio/74 a Junho/75) que antecedeu a independência de Cabo Verde.
Era sabido que toda a Ilha do Sal e, por via disto, uma boa parte da nossa economia, era dependente da escala dos voos da SAA. Pois isto não evitou que certos fervorosos jovens de então - hoje pacatos avós - com responsabilidade na administração, gestão e funcionamento das actividades económicas da Ilha, tomados por uma onda de fervor independentista, ávidos de apresentar serviço quiçá movidos pelo oportunismo militante que proliferava, organizassem uma manifestação contra a escala dos aviões dessa companhia (SAA) no Sal. Estava na ordem do dia as manifestações espontâneas em nome e a favor do PAIGC consentidas e, por vezes, incentivadas e até sugeridas, pelo próprio Governo de Transição através de certos membros e realizadas por “iniciativa” de activistas cujos nomes e funções em nada vinculavam o partido que diziam representar. Eram “peixe miúdo”, “carne para canhão”, como sói dizer-se, e que a realidade posteriormente confirmou que disso não passavam.
Foi assim que certa tarde, uma turba encabeçada por esses jovens se perfilou na placa do aeroporto emitindo em grandes algazarras, palavras de ordem contra a SAA e a República Sul-africana, e formando uma barreira humana com o fito de impedir que ao avião da SAA se prestasse qualquer assistência. Os serviços de terra eram prestados pela TAP cujos trabalhadores eram todos cabo-verdianos. Alguns destes, conscientes da dependência da Ilha do Sal à escala dos aviões da SAA, cientes dos seus deveres profissionais, da ingenuidade política dos manifestantes e da inocuidade da manifestação dado os interesses em jogo, indiferentes à barreira, aos apupos e aos apodos de “lacaios de colonialismo”, “traidores”, “reaccionários” e outros, contornaram a massa humana, dirigiram-se ao avião e prestaram o serviço que era necessário permitindo deste modo que o avião partisse.
Convém aqui lembrar que se vivia o “apartheid” na República Sul-africana e que na sequência da natureza do regime havia um boicote imposto pela OUA ao qual, pragmaticamente, Cabo Verde não aderiu mesmo depois da Independência. Mas também não será de mais referir que apesar desse boicote alguns países da nossa costa africana ditos “moderados” faziam-se à escala dos voos dos aviões da SAA e há muito que se rumorejava acordos e protocolos secretos.
Após o despacho e partida do avião, o representante da SAA furiosíssimo deslocou-se ao gabinete do chefe de escala da TAP – um cabo-verdiano – dizendo-lhe que ia já telefonar e fazer um relatório pedindo o fecho da escala do Sal e que se os cabo-verdianos não queriam os aviões sul-africanos havia já outras alternativas negociadas. Foi dissuadido pelo chefe da escala da TAP pedindo-lhe que tivesse calma pois os manifestantes não representavam a vontade do Governo. Implorou-lhe que aguentasse uns dias para permitir que a situação se aclarasse através dos órgãos competentes. Que ele próprio iria fazer as diligências necessárias para efectivação deste propósito. O Representante da SAA perante a insistência do pedido, contemporizou-se “concedendo-lhe” os tais dias, acrescentando: “Não aceitarei mais nenhuma situação semelhante. Estou aqui a trabalhar há vários anos como sabes e não a fazer política e respeito escrupulosamente as leis do território.” E foi no cumprimento da promessa de diligência que o chefe de escala da TAP do Sal se deslocou a Lisboa no primeiro avião, por iniciativa própria, para falar com o Director da SAA para a região ibérica (sedeada em Lisboa) da qual Sal (e também Canárias) fazia parte. Pôs-lhe ao corrente da situação, reiterou-lhe o pedido de não fechar a escala do Sal da SAA recomendando-lhe, para evitar futuramente semelhantes situações à que se tinha verificado, uma conversa urgente com o Governo de Transição, designadamente com o membro desse Governo que se ocupava da administração interna uma vez que apenas se tratava de manifestações e de acções impeditivas projectadas e realizadas por um grupo de agitadores. O representante ibérico da SAA absorveu a recomendação e deslocou-se de imediato, no primeiro voo, a Cabo Verde tendo marcado com antecedência uma audiência com o então membro do Governo para administração interna. Durante a audiência que se verificou na Praia, foi-lhe assegurado tranquilidade, que o Governo de Transição garantiria os compromissos anteriormente assumidos, que o que havia ocorrido não voltaria a acontecer e que não haveria mais manifestação nem acções obstrucionistas.
Foi assim que a South African Airways manteve activa a escala do Sal e foi assim que aconteceu nos bastidores. Mais tarde, houve negociações abertas no quadro de um Cabo Verde independente.
A. Ferreira

P.S.: Por razões éticas (não me foi possível falar com todos) e de coerência (não faz sentido nominar uns e manter anónimos outros) não usei os nomes dos representantes da SAA, do membro do Governo de Transição, nem do chefe de Escala e dos trabalhadores da TAP que prestaram assistência ao avião da SAA. Ao que parece estão todos vivos e vivem (os cabo-verdianos) quase todos no estrangeiro desde 1975…