O recuo da cultura das humanidades e a democracia

quarta-feira, 25 de novembro de 2020


O texto que aqui se publica com a devida vénia ao seu autor, o historiador português José Pacheco Pereira, traz-nos - a sua leitura - uma compreensão bem fundamentada sobre o perigo de regressão da democracia e da sua sobrevivência enquanto escolha de uma sociedade com mais humanidade – em oposição à "barbárie."  E isto, devido à ausência de um “suporte cultural,” que necessita ser alimentado com consistência e com perseverança; com leitura e com cultura.

E mais nos transmite o texto sobre o saber entender melhor outras culturas,  o que só acontece quando a nossa democracia possui um “suporte cultural” forte.

E daí a pertinência da sua divulgação também neste espaço.

 

O recuo da cultura das humanidades e a democracia

Por José Pacheco Pereira*

A crise da leitura, a crise do valor do saber e das mediações que implica a democracia, reduz o espaço para o sentimento humanístico

Algum do processo de usura da democracia, de crescimento do populismo, de tribalização da política, da cloaca das redes sociais, está para além do sentimento de exclusão económica, social e cultural, está para além dos efeitos perversos da corrupção e do nepotismo, e do racismo e xenofobia modernos. Está na fragilidade do suporte cultural que é essencial para a sobrevivência da democracia, que é uma escolha cultural no sentido lato contra a natureza. Repito, a democracia não é um regime natural, mas artificial. Natural era andarmos todos a comer-nos uns aos outros, e todos os regimes que assentam na violência e na ordem do poder estão mais próximos dessa natureza do que da democracia. O que distingue a escolha democrática é exactamente ser uma opção, uma escolha, que nos afasta da barbárie através de um conjunto de procedimentos cujo objectivo é dar poder a todos, pela soberania do voto, e construir sociedades reguladas pela lei, em que não vale tudo. É imperfeito, mas é o melhor que temos, e está a ruir diante dos nossos olhos à custa de muita covardia, abolia e inércia.

Um dos aspectos dessa crise democrática é o recuo daquilo que, à falta de melhor, podemos chamar humanidades. Não vou entrar aqui na discussão sobre as “duas culturas”, que tem algum sentido em particular onde uma das “culturas” não é reconhecida como tal, ou pelo menos como igual à outra. Não me esqueço de um antigo flashback feito numa escola, ainda com Vasco Pulido Valente, em que ele gozava com Cavaco Silva porque este não sabia quantos Cantos tinham os Lusíadas. Eu perguntei-lhe se ele sabia o Princípio de Arquimedes ou o que era a inércia, e se não achava que isso era ignorância, e a coisa ficou por ali. Para mim não tem sentido a distinção contraditória, porque os rudimentos de uma cultura científica fazem parte das humanidades.

Vamos, por isso, usar uma definição comum de vulgar de “humanidades”, para não complicar, que contém a literatura, a arte, a música, o direito, as ciências sociais, a história, num contexto de aproximação ao “homem” que desde a Renascença e o Iluminismo tem traços comuns. Inclui uma ideia da fragilidade da vida humana, do serviço do “bem comum”, dos direitos humanos, da liberdade, a começar pela mais importante historicamente, a liberdade religiosa, do valor da igualdade, do papel da educação na luta contra a servidão, na emancipação e dignificação do trabalho, na recusa da violência, do respeito pelas escolhas de género e da aceitação de que cada um é livre de viver a vida que quer desde que não seja à custa da liberdade de outrem. É um sistema de valores ideal, que não nos protege em absoluto contra a barbárie, mas ajuda. E sem ele, como “visão do mundo” e contexto, a democracia não é possível, porque ele é uma peça fundamental na ecologia da democracia. Não é por acaso que todos os antidemocratas se manifestam contra esta tradição iluminista, que foi historicamente muito importante nos debates e decisões da independência dos EUA, e preferem falar das perversões do jacobinismo.

Mas esta cultura de humanidades é uma cultura, implica conhecimento, saber, referências, capacidade para viver experiências indirectas. É livresca? Também é, porque implica ler livros e não pensar que meia dúzia de simples competências num computador ou num telemóvel o substitui. E é incompatível com os traços anti-intelectuais típicos da ignorância agressiva das redes sociais que extravasam para a vida política no negacionismo da ciência que tem matado muita gente na actual pandemia. A crise da leitura, associada à crise do silêncio, do tempo e do espaço do pensar, a crise do valor do saber e das mediações que implica a democracia, reduz o espaço para o sentimento humanístico. É por isso que não se pode embarcar no mito da “geração mais bem preparada”, quando essa “preparação” pouco mais é do que um frágil diploma, conseguido com muito laxismo do lado das escolas, sem ler um livro fora da sebenta, com mais consumo das indústrias de simplificação e da logomaquia que vai do futebol ao Facebook, do engraçadismo dos vídeos virais, ou à adoração das imagens no Instagram.

A coragem na defesa do sentimento humanista é hoje mais importante do que nunca

Querem um exemplo do que é uma resposta à barbárie assente nas humanidades? Olhem para a fotografia: Unamuno, velho e débil, em plena guerra civil espanhola, diante de Millan Astray, legionário, mutilado de guerra, o típico herói fascista, que dizia que sempre que ouvia falar de cultura puxava da pistola, numa sala aos gritos de braços ao alto. Não se sabe bem os termos exactos do que disse Unamuno, que teve que ser tirado da sala protegido, mas o que é importante é que sentiu o dever de ter que dizer ao falangista, numa sala cheia de falangistas, que “vencer” não é “convencer”. A coragem na defesa do sentimento humanista é hoje mais importante do que nunca.

*Historiador – Público de 21.Nov.2020

segunda-feira, 2 de novembro de 2020

 "Essa coisa estranha da responsabilidade individual" ganha enorme sentido nestes tempos conturbados, alterados e perturbados pela pandemia. Daí o interesse da publicação do texto que se segue da autoria do Historiador Pacheco Pereira. Embora o contexto espacial seja Portugal, é minha convicção de que o conteúdo se pode  também estender e aplicar-se com oportunidade, ao nosso contexto ilhéu.

Aqui se transcreve o Artigo publicado no Jornal "Público" de 31de Outubro de 2020, com a devida vénia ao seu autor.


Essa coisa estranha da responsabilidade individual

Por José Pacheco Pereira*

Se Portugal tivesse uma cultura de responsabilidade, seria possível decidir excepções caso a caso, como seria racional

 

A ideia de que existe uma coisa chamada “responsabilidade individual” não é muito popular. Por muitas razões, educação, formas actuais de sociabilidade, atrasos económicos e sociais, culturas de desresponsabilização, paternalismo estatal, falhanço familiar, desagregação dos saberes e das profissões, pobreza, crise das mediações, o empobrecimento do discurso público e das narrativas cívicas e políticas, a ignorância agressiva das redes sociais, o ascenso de egoísmo gerado pelas ideias de “sucesso”, protagonismo, e pelo “yuppismo”, tudo leva a que a ideia de responsabilidade esteja em recuo. Não é a única a recuar, vai a par com a crise do valor da privacidade, com uma simples noção de honestidade, com aquilo a que se costumava chamar “princípios”.

Tenho consciência de que todas estas questões de moral e ética não são simples, são até bastante complicadas. Mas fico-me com o sentido corrente das palavras, que correspondem ao entendimento comum — ou seja, toda a gente entende do que estou a falar. As polémicas recentes sobre a “educação cívica”, toda a discussão sobre a corrupção para além da legalidade, são apenas um exemplo de debates imperfeitos, mas que tocam questões de responsabilidade individual.

O que significa esta responsabilidade individual? Mais uma vez sem complicações, e no contexto da pandemia, é comportarmo-nos de modo a proteger-nos a nós próprios e aos outros, mesmo que isso signifique algum desconforto. Como se faz essa protecção? Alegar ignorância não é razoável, porque toda a gente sabe o que é, a começar pelo uso de máscaras, distanciação social, lavagem das mãos e ajudar-nos uns aos outros na medida das possibilidades, dirigida a todos os que têm dificuldades e necessidades a que não podem responder. Alegar pretextos ideológicos e políticos é quase sempre uma justificação para a preguiça e para o desleixo, tanto mais que quem os alega não recusa os tratamentos e os custos gerados pelo seu comportamento. Já para não falar do sofrimento que causam aos outros. Já ouvi vários jovens dizer que não têm de cumprir regras para uma doença que só afecta os “velhos”. Ou argumentos absurdos sobre a “liberdade” de não usar máscara por quem tem um capacete de mota debaixo do braço. Na verdade, é tudo bastante simples, precisa é de vontade e sentido de dever e da recusa de pretextos para a preguiça e o egoísmo.

Uma coisa é a responsabilidade colectiva, do governo, dos partidos, das corporações da saúde e outra é a das pessoas. Por muito que se possam tomar medidas — e o Governo é o principal responsável por essas medidas —, o controlo da pandemia só vai ser possível com duas coisas — responsabilidade individual e vacinas. Vacinas é uma questão de tempo, um ano talvez, até começarem a ter um papel. Mas a responsabilidade é para agora, não tem tempo para ser adiada.

O caos da resposta governamental, por exemplo, com as excepções aos ajuntamentos, acentua a desresponsabilização. O único ajuntamento que deu polémica foi o da Festa do Avante!, mas não foi a covid que esteve nas preocupações dos que se indignaram em alta voz, foi ser o PCP o alvo. Aliás, as comparações entre o que o Governo estava a permitir em eventos laicos de carácter político eram sempre contrastadas com as proibições que afectavam eventos religiosos, missas, Fátima, agora o Dia de Finados.

Não é uma comparação inocente. Depois, foi o laxismo em eventos desportivos de que o melhor exemplo, pela sua dimensão, foi a Fórmula 1 em Portimão, que serviu logo a seguir de justificação para os ajuntamentos para ver as ondas gigantes na Nazaré. O raciocínio justificativo é este: “Então se se pode juntar milhares num autódromo, porque não para ver a fúria do mar?” Ou seja: faço que me apetece.

Acresce que, como toda a gente sabe que não será penalizada pelo seu comportamento individual, se alguém tiver sido infectado numa festa estudantil ou a ver as ondas, e que em particular não verá barrada a sua entrada num hospital e o acesso aos tratamentos, muitas vezes caríssimos, pagos por todos nós, o sentimento de impunidade aumenta.

Se Portugal tivesse uma cultura de responsabilidade, seria possível decidir excepções caso a caso, como seria racional, em função dos interesses em causa, do valor e do retorno do que se permite. Mas, cá, isso apenas serve para justificar a asneira, quer de quem decide, quer de quem encontra aí uma justificação para o seu egoísmo. Por isso sobram apenas dois métodos: ou proíbe-se tudo sem excepções ou permite-se tudo. Nenhuma das opções vai acontecer, pelo que vai continuar o caos.

Muitos não estão a fazer a sua parte de comportamento responsável; por isso, precisam que se lhes fale grosso e feio. Fazer isso é também uma questão de responsabilidade individual

Valorizar o papel da responsabilidade individual significa desresponsabilizar o Governo? Nem pensar. Trata-se apenas de falar de duas coisas que deveriam ser complementares e que não se substituem uma à outra. Pode-se vociferar contra o Governo todo o dia, e a maioria das vezes com muita razão, mas nenhum governo pode controlar uma pandemia com estas características de facilidade de contágio e proximidade sem que os cidadãos assumam sua parte de comportamento responsável.

E a verdade é que muitos não o estão a fazer; por isso, precisam que se lhes fale grosso e feio. Fazer isso é também uma questão de responsabilidade individual.

*Historiador - Público de 31.10.2020

sábado, 26 de setembro de 2020

 

Após uma prolongada ausência, eis-nos de volta ao leitor com um texto de todo oportuno e interessante, da autoria de Nuno Pacheco, Jornalista do Jornal Público. 

Trata-se de uma análise muito assertiva que nos dá a (re)conhecer a “barafunda linguística” que grassa na nossa bela Língua  causada pelo novo Acordo Ortográfico.

 

 

 

Paira um espectro sobre os amigos do acordo

 ortográfico — o espectro da fonética

Nuno Pacheco*

Há dias, o jornal Voz Portucalense, semanário da diocese do Porto, trazia um curioso artigo intitulado “Vamos aprender a pronunciar a língua portuguesa?”. M. Correia Fernandes, o seu autor, partindo de um facto antigo (“As palavras não se escrevem como se pronunciam”) e de uma conclusão sensata (sendo uma convenção, a ortografia “deve servir para se distinguirem as palavras e não para as confundir”), sugere que passemos a pronunciar melhor as palavras e que dispensemos muitos dos anglicismos que para aí andam a despropósito. Mas não se fica por aí. Escreve, a dado passo, o seguinte: “Há palavras em que o acordo ortográfico deveria ter servido para valorizar a distinção de muitos vocábulos em que a grafia fosse orientada para ajudar a pronunciar as consoantes, tornando-as de mudas em pronunciadas.” E dá como exemplos “contrato” (elemento jurídico) e “contracto” (de contraído, devendo ler-se o c), “ótico” e “óptico” (lendo-se o p), “repto” e “recto” (sugerindo que se leia o p e também o c), dizendo que as ditas consoantes mudas deveriam ser também pronunciadas em “facto” (já o são), “factor”, “acto”, “actor”, “concepção” e “percepção”, etc. Tudo isto parece contrariar o acordo ortográfico de 1990, o tal que decepou consoantes a eito. Mas o autor escreve com o acordo de 1990…

Sem desmerecer as boas intenções implícitas no texto, dir-se-á que andamos como o bicho que corre atrás da própria cauda a tentar mordê-la sem estranhar que ela se afaste quando se move. O acordo ortográfico, mexendo na escrita, mexeu também na fonética. Isto já foi dito mil vezes, mas nunca é de mais repetir. Escrever “fator” e pretender que se leia “fàtôr” (factor) é ilusório. Daqui a uns anos, diremos “âtor”, “dir’ção”, “obj’tivo” e disparates do género. Sim, estamos a mudar a nossa fala por causa de uma escrita aberrante que, sendo diferente da brasileira (e nunca é excessivo insistir nisto), não respeita o nosso sistema vocálico e as suas idiossincrasias.

O autor estranha que se diga “xesso” em vez de excesso, ou “xêntrico” em vez de excêntrico, só que a erosão das palavras na fala é um fenómeno antigo, persistente e é não apenas português. Estranho era que escrevêssemos “xesso” e “xêntrico”. Coisa que, a seu modo, o acordo faz. Há um interessante teste, que qualquer leitor poderá fazer por si, e que consiste em dar à “máquina” do Word, programa de texto (aqui, uns lerão “tâichtu” e outros “têchtu”, sem que a escrita se altere), um lote de palavras para “ler” em voz alta. A máquina usa um algoritmo introduzido por mão humana e esse algoritmo está adaptado ao português de Portugal, como logo se percebe.

O teste do Word é elucidativo: a grafia do AO não é tragável, nem por uma máquina

O processo é simples: copiem as palavras indicadas para uma folha do Word em branco, escolham a opção “Rever” no menu, coloquem o cursor do rato no início da primeira palavra e carreguem em “Ler em voz alta”, que a máquina lerá tudo numa voz feminina sintetizada. Para parar, basta carregar de novo no mesmo botão. Numa série de palavras, o som da escrita segundo o acordo de 1945 e o de 1990 soará igual. Exemplos (copiem-nos e ouçam): Acção, Ação; Acepção, Aceção; Activo, Ativo; Actual, Atual; Baptista, Batista; Cacto, Cato; Coacção, Coação; Espectáculo, Espetáculo; Exactamente, Exatamente; Factura, Fatura; Percepção, Perceção; Reactor, Reator; Recto, Reto; Recepção, Receção; Selecção, Seleção; Tractor, Trator.

Porém, noutras, o contraste entre fonéticas é chocante. E esta lista é bem maior (experimentem copiá-la e depois ouvi-la): Adjectivo, Adjetivo; Adopção, Adoção; Arquitecto, Arquiteto; Aspecto, Aspeto; Acto, Ato; Actor, Ator; Actores, Atores; Baptismo, Batismo; Baptizado, Batizado; Bóia, Boia; Correcção, Correção; Correcto, Correto; Detecção, Deteção; Detectar, Detetar; Dialecto, Dialeto; Direcção, Direção; Directa, Direta; Efectivamente, Efetivamente; Efectivo, Efetivo; Electivo, Eletivo; Efectuar, Efetuar; Electricidade, Eletricidade; Electrónica, Eletrónica; Espectador, Espetador; Expectativa, Expetativa; Exacto, Exato; Excepto, Exceto; Exceptuando, Excetuando; Factor, Fator; Fracção, Fração; Indefectível, Indefetível; Infectado, Infetado; Infecção, Infeção; Injecção, Injeção; Insecto, Inseto; Inspecção, Inspeção; Inspector, Inspetor; Interactivo, Interativo; Jóia, Joia; Lectivo, Letivo; Nocturno, Noturno; Objectiva, Objetiva; Objecto, Objeto; Perceptível, Percetível; Perspectiva, Perspetiva; Projecção, Projeção; Projecto, Projeto; Prospecção, Prospeção; Protecção, Proteção; Protector, Protetor; Reacção, Reação; Receptor, Recetor; Redacção, Redação; Retrospectiva, Retrospetiva; Selectivo, Seletivo; Sector, Setor; Sectores, Setores; Tecto, Teto; Tracção, Tração; Vêem, Veem.

Burrice da máquina? Erro no algoritmo? Não, erro no acordo. Não se pode torcer a barra e querer que ela fique direita ao mesmo tempo. Claro que a máquina tem falhas: abre indistintamente as vogais em “coação” (de coar) e “coacção” (coagir); e lê “acordam” como “acurdam”. Mas ainda assim tem suficiente “entendimento” para abrir o u em “equitativo” ou “equidade” e fechá-lo em “equilibrado” ou “equinócio”; e dá o devido som às vogais em contexto, abrindo o o em “quando eu acordo” (ò) e fechando-o na frase “assinaram o acordo” (ô).

Por isso, este teste é elucidativo: a grafia que nos impingiram em Portugal não é tragável, nem mesmo por uma máquina.

*JornalistaPúblico de 24 de Setembro de 2020

O próximo Ano-lectivo e os Alunos Sem Máscaras(?)...

quarta-feira, 29 de julho de 2020


Causa enorme preocupação a qualquer encarregado de Educação, a qualquer cidadão, minimamente consciente, o que se está a passar nas ilhas com a questão das máscaras e a sua não utilização generalizada entre jovens em idade escolar.
É vê-los em grupos, agora que estão de férias, nas ruas, muito próximos uns dos outros e sem máscaras ou outro meio de protecção.
Se perguntados, quase todos responderão desta forma, apenas com algumas variantes: “Sim, eu queria usar máscara...mas como obter uma, se são tão caras!?”
Já se parou um momento para se questionar sobre a exorbitância que passou a ser, em termos de preço, uma máscara descartável, dita cirúrgica comprada nas farmácias?
O que surpreende e não se compreende é que antes da pandemia, sem “doações”, sem subsidiação e sem grande procura de máscaras – economia de escala – o seu preço era em média 15$00 por unidade e actualmente, após o surto pandémico, em que a procura e a necessidade das máscaras terão, logicamente, aumentado exponencialmente, elas passaram a custar em média, mais de 100$00 por unidade, isto é, quase sete vezes mais. Atenção: 7 vezes mais!!!
Será que o Estado, através dos mecanismos adequados não poderá pôr cobro a esse “lucrativo” negócio de máscaras?
Não estará a haver uma especulação visível e consentida num momento tão frágil e tão delicado de Saúde Pública?  
Quem poderá ter a coragem de tirar escandalosa e oportunisticamente proveito da pandemia?
Quem estará a fazer negócio com a Saúde Pública tolhendo os jovens e as famílias de parcos recursos o acesso aos meios de protecção indo mesmo ao arrepio das grandes orientações das autoridades sanitárias sobre a matéria?
 Num país em que a média da população é pobre e proveniente de família numerosa e monoparental; em que o problema de habitação e alojamento – espaço de isolamento ou de coabitação – se põe com grande acuidade; em que o risco de contágio e de difusão do covid-19 é altíssimo; em que a faixa da população que não possui condições económicas para usar os tais recomendados equipamentos de protecção individual e social é muito significativa, não deveria o Governo, na sua política de prevenção, procurar em primeira instância, soluções que colmatassem essas situações? Que facilitasse a protecção e combatesse a disseminação?
E digam-me como exigir que os nossos estudantes usem máscaras se os preços delas são incomportáveis com o poder de compra da maior parte da população cabo-verdiana? O salário mínimo é de 13.000,00 CV, isto é, menos de 450,00 por dia! Acresce-se a isso o aumento do desemprego, devido ao Covid-19.
Convém ter presente que em breve iniciar-se-ão as insubstituíveis aulas presenciais.
Isto é, vamos ter Professores e alunos numa sala de aula – com os cuidados profilácticos necessários – pois só assim é que se realiza em plenitude, o acto didáctico/pedagógico a que damos o nome de aula.
Neste contexto, as aulas virtuais, a telescola, serão sempre complementos/suplementos e como tal, funcionarão subsidariamente.
Com efeito, nada substitui a aula presencial, reitero. As outras formas lectivas são último recurso, com imensas deficiências, entre as quais destacaria: as condições de residência do aluno, o número do agregado familiar, geralmente numeroso; o acesso aos aparelhos receptores das aulas tele-transmitidas; as condições de audição/recepção das aulas (meio envolvente); o manter despertos o interesse e a atenção do aluno num tipo de aula virtual e sem interacção professor/aluno; aluno/aluno; entre outros factores que marcam  enorme diferença entre a aprendizagem e o saber  do aluno, resultantes de uma aula presencial face aos constrangimentos da aula totalmente virtual.
Mas retomando a questão das máscaras, volto a questionar, o que terá acontecido para que houvesse, após o surto da covid-19, um disparar altíssimo no preço das máscaras? Logo agora que estão em maior quantidade no mercado e serem quase consideradas produtos de primeira necessidade?
Não quero com isso dizer, que as máscaras devam ser de graça, sem custo ou, simplesmente ofertadas. Não, nada disso.
Mas é minha firme convicção de que no caso de alunos e de crianças em idade escolar, a máscara devia ter um preço simbólico e, em certos casos e com alguma ponderação – para ser obrigatório o seu uso – gratuitas para famílias numerosas e que vivam no limiar da pobreza.
É que só assim poder-se-ia acreditar que estavam a ser feitos esforços reais para tentar debelar ou reduzir os efeitos perniciosos do tão maléfico vírus!
Não será a ausência de meios de protecção individual e social, uma das razões que explica que Cabo Verde tenha chegado a um dos mais altos rácios de contaminados – 78 por 100 mil habitantes?  Cerca de quatro vezes do permitido (20 por 100 mil) para se viajar para o espaço europeu...
Convenhamos que é um número que merece uma profunda reflexão e tomada de medidas consentâneas com a sua gravidade.
Não é por acaso que estamos a assistir e a sofrer as consequências nefastas, com o aumento de casos infectados que se vem verificando um pouco por cada ilha, com expressão maior na Cidade da Praia.
E se assim continuarmos, o atendimento sanitário será cada vez pior, mais complicado, dada a penúria existente de meios de atendimento hospitalar, das precárias condições dos albergues provisórios e improvisados – devidos à urgência dos casos – para o isolamento profiláctico dos contaminados.
Infelizmente, outras consequências nefastas, espelham-se igualmente nas actividades económicas, na educação, na vida cultural e social destas ilhas, com o aumento assustador da infecção viral.
Já se ponderou sobre a falta que faz uma política social da aquisição e disseminação do uso das máscaras de protecção em Cabo Verde?!
Minha gente, pensemos nos mais necessitados e nos mais vulneráveis. É obrigação de todos e, sobretudo, daqueles que nos governam.
Protejamos – tornando as máscaras acessíveis – os alunos que brevemente iniciarão as suas actividades lectivas.
O Covid-19 não escolhe idade!...

Corsino António Fortes (1933-2015) - Uma homenagem singela na passagem do quinto aniversário da sua morte -

sábado, 25 de julho de 2020


 Poeta desde os tempos de estudante do Liceu de Gil Eanes de Mindelo, ilha de São Vicente, de onde é natural, Corsino Fortes, iniciou-se no «Boletim dos Alunos do Liceu de Gil Eanes em 1959.
Publicou também poemas na revista «Claridade» e no «Cabo Verde − Boletim de Propaganda e de Informação», nos inícios dos anos 60 do século passado.
O poeta Corsino Fortes, começou a trabalhar cedo e segundo Manuel Ferreira, («Reino de Caliban I» 1975, página 203): “Fez os seus estudos liceais já numa fase adiantada da sua juventude.(...) Foi professor  eventual do Liceu da Praia”.
Mais tarde, em 1962, obteve uma bolsa de estudos e seguiu para Portugal para prosseguir estudos superiores.
Licenciado em Direito pela Universidade de Lisboa, foi Juíz de Trabalho em Angola, onde permaneceu até ao processo (1974/1975) das independências das antigas Colónias ultramarinas portuguesas.
  Ainda em 1974, regressou a Cabo Verde, tendo, logo a seguir a independência desempenhado funções de membro do Governo e de Diplomata; tendo sido nomeadamente, Embaixador de Cabo Verde em Portugal e em Angola.
Foi Presidente da antiga Associação dos Escritores Cabo-verdianos (AEC) e mais tarde fundador da Academia Cabo-verdiana de Letras e seu primeiro presidente.
Para além de um vasto acervo de poemas publicados de forma dispersa, Corsino Fortes deixou antologias poéticas, entre as quais se distinguem: «Cabeça Calva de Deus», «Pão & Fonema» e «Árvore & Tambor - Pedras de Sol e Substância».
Percorrendo a obra de Corsino Fortes, creio descortinar duas fases na sua poesia que separo em termos temporais, e em termos de causas inspiradoras.
A primeira, é a fase de lírico, cantor dos seus amores jovens e da sua cidade natal, Mindelo; é também o período em que ocorre a descoberta de uma certa mística do destino que liga o sujeito poético à terra e às divindades que a presidem.
Trata-se, no meu entender, de uma fase em que o poeta teceu os seus mais belos poemas, em que a imagética, o ritmo e o lirismo se entrosaram numa correspondência harmoniosa.  Alguns exemplos: “Mindelo”; “Girassol” “Paixão” “Pecado Original”. Estes poemas encontram-se  coligidos no volume I do «Reino de Caliban» já aqui citado.
Neste contexto inicial como poeta, Corsino Fortes, definu a sua escrita da seguinte forma. “ (...) Houve uma fase anterior, com o pseudónimo ABC- CORANTES. Corantes: Cor- Corsino; An- António; tes - Fortes (...) Durante esse período, ia já escrevendo sobre as minhas vivências, dentro de um certo lirismo idealista (...)uma vertente telúrica que vai desembocar em «Mindelo». (...) Eu escrevi imenso (...)mas havia outra vertente que era mais esotérica, com um espectro existencial sobre a própria vivência em si...escrevi poemas necessários, para serem necessariamente esquecidos.” In: Encontro com Escritores, Michel Laban  II vol.
Muito interessante e bem ilustrativa, a forma como o poeta se “autodefiniu” como iniciante nas lides da poesia.
A segunda fase, é a sua transformação metafórica de poeta lírico em poeta de intervenção.  Neste período, o poeta já se revelava versado numa poesia mais sintonizada com a época das grandes transformações no que toca ao posicionamento dos poetas e dos escritores africanos face aos problemas do Continente e muito particularmente, os do mundo da Língua portuguesa. que almejavam o fim da dominação colonial.
É assim que o vamos encontrar − o poeta − nos poemas insertos nas antologias já aqui referidas, nomeadamente, «Pão & Fonema».
E para melhor intuir a mudança operada no poeta, seguiremos os versos do poema “Vendeta.” Exactamente por ser, no meu entender, o poema que marca a viragem – da primeira para a segunda fase – da abordagem poética de Corsino Fortes. Um marco de certa forma demonstrativo do divórcio do poeta com a sua lírica até aí realizada. Doravante seguirá o verso “rebelde” que se evadiu deliberadamente do poema que ele escrevia. Este poema foi publicado, no nº 9 da revista «Claridade», em 1960.
Afinal, o tal verso “rebelde” que se evadiu “descaradamente” dos outros companheiros, sobrepôs-se e agigantou-se de tal  modo que dominou o sujeito poético e o levou a questionar a obra feita até então. O dito verso, incitou-o a mudar o rumo da sua poética. Poética essa, que necessariamente havia de sair do seu cantar alegre, embora não despreocupado, mas que agora devia emergir em “imagens feridas” da “dor” e do “sangue” das vítimas.
Parece-me ser esta uma das leituras que retirámos da análise de «Vendeta» e que, sendo plausível, ajudar-nos-á também a entender a transformação e a alteração do “modus operandi” subsequente na poesia de Corsino Fortes. Aquele que ele patenteia com à-vontade e abundância nas colectâneas já aqui referidas − «Árvore & Tambor» e as outras duas.
Uma poética futura e futurista que não se deixa captar em superfícies facilmente visualisáveis, mas antes, enreda-se em jogos metafóricos de sons, de fonemas e de aliterações que vão ao âmago da Língua, de tal sorte que esta passa a funcionar nos poemas do autor, como protagonista dos actos poéticos que ele consente e enforma. E assim foi até ao fim, o timbre e o tom dos poemas de Corsino Fortes.
Mas ainda voltando à mutação na “poesis” ou, no tecido poético de Corsino Fortes, deixo ao leitor, para melhor ilustração, os versos de «Vendeta» que marcam a ruptura e fazem o presente versus futuro deste poeta. Ei-lo:
“Um verso escapa / Descaradamente / Do poema que escrevo // Um rumor longínquo / Segreda-me / Que ele espezinha / Os companheiros / Da minha caravana / De repente / Ele projecta-se / No «écran» do meu espanto / Com garras e lábios / Manchados de sangue. // Nos seus olhos há imagens feridas. // E numa voz cortante / Blasfema // Sou a dor / O sangue / A vítima / Dos teus crimes impunes! // Vingo-te à minha maneira. // Renego-te / Renegado!...”
Finalizo, dizendo que Corsino Fortes encontra o seu lugar como poeta e situa-se na poesia cabo-verdiana, entre o telurismo e a cabo-verdianidade da escrita saída dos Claridosos dos anos 30 e a pujança intervencionista dos poetas da década de 60 do século passado.
II
Aproveito a ocasião, para também aqui transcrever o texto que enviei à Academia Cabo-verdiana de Letras, a seu pedido, para a evocação do quinto aniversário da morte do poeta:
“Um poeta fidalgo passeando pela brisa da tarde... assim apetece-me definir Corsino Fortes, aproveitando o título de um romance da Mário Carvalho, «Um Deus passeando pela brisa da tarde»
"Poeta fidalgo", assim o chamo agora. A sua fidalguia no trato, o que incluía até o beija-mão às senhoras; o seu falar pausado, procurando trazer em cada vocábulo um imenso cuidado para uma assertividade contextual mais próxima do pretendido no diálogo com outrem; o seu ser social sempre repleto de generosidade e de lhaneza.
"Poeta fidalgo" o que contrastava alegremente com seu bradar "revolucionário" numa poética em que os revoltosos afinal, eram ...”os fonemas” em metáforas transpostas para uma escrita de sons transformadores, tresloucados, em busca do "pão... De boca a barlavento, indo de rosto a Sotavento”. 
Corsino Fortes, o cantor de Mindelo, um dos seus mais aficionados e apaixonados trovadores, comparável à composição musical de B. Leza e de Jotamont, nesse louvor à cativante cidade.
E assim no-lo diz o poeta:
 "(...) Mindelo // Recanto de sonhadores / de poetas e músicos / de aves sem asas / Voando / Em busca de alvo / na neblina da noite."
E continua o poeta mergulhado no fascínio das noites de Mindelo:
"(...) Mindelo / Ò doce Mindelo morno / De lua nascente e poente / De noite debruçado / na morna dolente/ de poesia encostada / Na esquina da noite. // Mindelo de luzes / de pétalas e prantos / Ò quimera perdida / Ò berço adormecido / embalado / dentro de mim!".
Poeta das ilhas também.
A minha homenagem amiga.



terça-feira, 21 de julho de 2020

O texto que a seguir se publica é de autoria de Raquel Varela, Pesquisadora do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa.
 Trata-se de uma autora projectada em vasta obra sobre História Social, Política e Trabalho.
Porque o assunto abordado é de interesse de todos, implica-nos fortemente e faz-nos reflectir sobre os caminhos da educação e sobre o perfil do professor que os constrói, com a devida vénia à sua autora, aqui se transcreve para o nosso leitor, este excelente texto.

O Professor-robot
Por Raquel Varela
A professora de português que deu a primeira aula da telescola deu uma entrevista ao Expresso este fim de semana onde diz que nunca gostou de ler, cito, e está a fazer um esforço para ler um livro no Verão. Como professora e mãe também senti vergonha alheia. Na realidade há muito que acho que a maioria das crianças quando entra na escola sofre um processo acelerado de perda da curiosidade, vitalidade, interesse e educação que levavam da infância. O burnout docente contagiou as crianças, o desinteresse pega-se, contagia. O mesmo retrocesso se dá com os professores, entram na escola muitos a pensar que vão ser educadores, entram rapidamente em burnout quando percebem que vão ser operadores de uma linha de montagem - crianças - para um mercado de trabalho desqualificado.
É de um colégio privado, esta professora, segundo percebi. Podia ser do público, dificilmente seria de um colégio privado de luxo onde não há telemóveis e os professores são intelectuais, bem pagos, em exclusividade. A professora de português que não gosta de ler não é um caso, mas um problema disseminado na educação - a proletarização dos docentes, transformados em mediadores de entrega de conteúdos pré feitos, desprovidos e expropriados do seu ser-pensar-intelectual. No nosso estudo sobre o trabalho docente era visível a desintelectualização da profissão e a falta de consciência desse processo. Quando nós dissemos aos docentes que eles eram intelectuais expropriados uma larga parte ficava impressionado, "então eu devia ser um intelectual"? pensavam com estranheza. Insistimos que para não haver burnout eles tinham que se assumir como sapateiros e não como vendedores de sapatos. Como produtores de conteúdos e não entregadores de conteúdos. E tinham que lutar por isso, não havia e não há outra forma de driblar a depressão, perda de qualidade e sentido do trabalho que não seja lutar contra estas condições de trabalho, por mais ioga e auto ajuda que façam. Em breve (já aliás em curso em Portugal), se nada fizerem, serão apenas monitores de exames também eles de cruzinhas, que o próprio computador se encarregará de corrigir. No Brasil o dito ensino à distância, e isto também no Universitário, já colocou um docente a corrigir 40 mil provas, leram bem, 40 mil. Nem ele é docente, nem a prova é prova, nem a correcção é correcção - é tudo uma enorme farsa que visa a automação, por um lado, e o défice zero por outro, ou seja o pagamento de dívidas privadas transformadas em públicas.
A questão permanece e convoca-nos a todos, o que nós professores, pais, contribuintes, estamos dispostos a fazer para inverter este declínio sistémico, quando cada vez pagamos mais e temos menos. Podemos sempre pensar, como vítimas, queixando-nos do estado das coisas, e salientando que é um caso isolado, daquela professora naquele colégio. Ou podemos agir como questão pública, que o é, com verdade - é um problema geral, é cada vez mais comum, se não mesmo maioritário, e que põe em causa todo o futuro do país, do mundo, da humanidade humanizada.

sábado, 18 de julho de 2020

A Língua portuguesa mais uma vez revista por um dos seus mais cuidadosos estudioso, Nuno Pacheco. Um proveitoso convite à leitura dos professores da Língua comum.



Ler “o que lá está” é também seguir o que lá não está, deturpando o som das palavras
Nuno Pacheco*
Ainda em época de exames, a língua portuguesa vem de novo à baila. Tanto mais que o exame do 12.º ano gerou contundentes críticas, como se vê pelos artigos de António Carlos Cortez ou de Elisa Costa Pinto, ambos no PÚBLICO. Mas não é de exames que trata esta crónica, e sim do tema levantado por uma pequena frase do leitor Alberto E. Diniz, da Figueira da Foz, que em carta ao director do jornal (publicada no dia 7) dizia serem arrepiantes, em Portugal, “as alterações na pronúncia, devido à destruição na modulação das vogais, que as nossas crianças expressam, argumentando elas que apenas estão a ler o que lá está...” Esta ideia, a de “ler o que lá está”, já motivou uma crónica anterior, velhinha de cinco anos (“Maravilhas da fonética”, 19/4/15), mas a verdade é que o tema não só se mantém actual como a situação se agravou.
Porquê? Pela escrita, precisamente. Há cinco anos citaram-se aqui as Charlas Linguísticas de Raul Machado, filólogo e primeiro presidente da Sociedade de Língua Portuguesa, que iniciou em 1958 na RTP um programa dedicado à língua, compilado mais tarde em livro. Ora logo numa das primeiras emissões (a de 21/1/58) tratou precisamente do tema “Leia o que lá está!” Nesse programa, criticava professores ou pais que, em tom autoritário, diziam a crianças com dificuldade de ler uma frase num livro:
“Menino, leia o que lá está!” Como se dissessem: “O menino é parvo! O menino não sabe ler!” E dava como exemplo esta frase: “Os homens sentem e pensam.” Uma frase simples, que toda a gente lerá sem dificuldade. Toda a gente? Sim, toda a gente que já domina, mesmo que de forma inconsciente, as regras do sistema vocálico do português europeu. Se uma criança lesse mesmo “o que lá está”, com base no que aprendera no alfabeto, leria (dizia então o filólogo): Óss hóménnss sénntémm é pénnsamm. Ou, “em grafia sónica, a seguinte algaraviada: Óç hóménç çéntéme é pénçame”. Em vez disso, qualquer pessoa lerá “Uz ómãix sêntãi i pênsão”. No entanto, escrevemos “Os homens sentem e pensam”.
Raul Machado prosseguia, assim, o seu raciocínio: “O fenómeno linguístico da pronúncia do nosso idioma encerra dificuldades e complicações de tal monta, que só com intenso treino e longa aprendizagem se conseguem vencer e dominar. Por isso, o imperativo ‘Leia o que lá está!’ contém, sem dúvida, uma imposição muito difícil de cumprir…, muito difícil de cumprir, sobretudo nos bancos da escola, da escola primária [agora conhecida por ensino básico].” Mas, concluía, era nessas dificuldades que assentava a “realidade magnífica da língua nacional”.
Porém, voltando à carta do citado leitor, as crianças de hoje argumentarão “que apenas estão a ler o que lá está”. Contraditório? De modo algum, porque não se referem ao “que lá está” em sentido literal (como, de forma irónica, se lhe referia Raul Machado) mas sim ao “que lá está” proveniente da escrita e dos sinais que dela emana para a sua correcta interpretação fonética. E é aqui que surgem os equívocos actuais, derivados em grande parte da aplicação do chamado Acordo Ortográfico de 1990 (AO90).
Ressalve-se que o caminho para a ambiguidade foi já antes aberto pelas reformas ortográficas anteriores (com a capa de “acordo” ou sem ela). Por exemplo, este conjunto de palavras homógrafas, mas não homófonas, tinha a distinção sónica assinalada por acento gráfico na reforma de 1911, sendo depois abolida na de 1945: acôrdo e acordo (de acordar); fôrma e forma (de formar); sêca e seca (de secar); trôco e troco (de trocar); sôbre e sobre (de sobrar); côrte e corte (de cortar); refôrço e reforço (de reforçar); e até entre formas verbais distintas, mas homógrafas: pregar (de bater um prego) e prègar (dar sermões). Estas distinções gráficas caíram com a reforma de 1945, deixando a desambiguação para o contexto. Em contexto, percebia-se que eram diferentes. E fora de contexto? Ora, que adivinhássemos!
Já com o AO90 pretende-se que sejam lidas de forma diferente palavras de estrutura idêntica, mas sem indicar como. E se as distinções gráficas abolidas em 1945 geralmente ocorriam entre substantivos (corte, ô) e flexões verbais (corte, ó), aqui ocorrem amiúde entre palavras do mesmo género. Substantivos como fator (à) e favor (â); senhor (e mudo) e setor (è); doação (â) e coação (à), de coagir, existindo também coação (â), de coar; diretriz (è) e meretriz (e mudo); adjectivos como correta (è) e forreta (ê); ou até flexões verbais, como adotar (ò) e adoçar (u). Além disso, tornaram-se ambiguamente homógrafas palavras antes só homófonas, dando-lhes a mesma forma: ato (de acto) e ato (de atar) ou ótico (de óptico, da vista) e ótico (do ouvido).
O mais estranho foi o que sucedeu com palavras como infecção, direcção ou concepção, que, com a sílaba tónica claramente marcada pelo ditongo nasal ão, só se liam “infèção”, “dirèção” ou “concèção” devido à presença da consoante dita muda; sem ela, e escrevendo-se infeção, direção ou conceção, ler-se-á tendencialmente “inf’ção”, “conc’ção” e “dir’ção”. Por isso, ao lerem “o que lá está”, os alunos vão seguir o que lá não está — e assim deturpar o som das palavras. Esta “benesse”, só podemos agradecê-la aos criadores da aberração conhecida por AO90.
*Jornalista. Público de 16.07.2020 (nuno.pacheco@publico.pt)

Respeito pela História

segunda-feira, 13 de julho de 2020


Aproveitando esta maré de rememorações dos 45 anos da independência destas ilhas, gostaria de trazer ao leitor deste “Blog” alguns aspectos da recuperação das ruínas da Cidade Velha, levadas a cabo na década de 90 do séc. XX.
 Em 1991, iniciada a II República, com a mudança de regime de monopartidarismo para o pluripartidarismo, foi elaborado um programa governativo (1991-1996) em que o Sector da Cultura, de entre outros pontos importantes, destacava também a preservação e a recuperação do património histórico construído em Cabo Verde
É evidente  que o enfoque era substancialmente dirigido à Cidade Velha, a primeira urbe construída pelos portugueses (séc.XV) para a sua instalação,  ao largo da costa ocidental africana,  no Arquipélago de Cabo Verde
Ora bem, em termos gerais e fundamentais a conservação e a preservação dos vestígios históricos, com a consequente reabilitação e a recuperação (na medida do possível) dos principais monumentos existentes foram as linhas de força que nortearam a nossa acção naquele domínio.
Conviria neste contexto, recordar a enorme e a profícua cooperação, na altura, com o IPPAR (Instituto Português do Património Arquitectónico) para os trabalhos levados a cabo na Cidade Velha, que foram sempre pautados pelo respeito histórico na aproximação à traça original de cada Igreja, do Convento e do Forte.
Igualmente eram notórias a colaboração e a cooperação entre os técnicos cabo-verdianos e os seus homólogos portugueses que para cá se deslocavam com muita frequência. Na mesma linha, os técnicos cabo-verdianos eram convidados pelo IPPAR, a deslocarem-se a Portugal, para estudos comparados.
Técnicos, arqueólogos, historiadores, restauradores, todos, com genuíno empenho em bem fazer a recuperação e a restauração históricas da antiga capital.
Com efeito houve realmente  cuidado em preservar as ruínas históricas da antiga cidade e o de reabilitar o que era possível, era tanto que há até pormenores que não resisto a contar. Os dois episódios escolhidos a seguir, são disso ilustrativos:
– O primeiro relaciona-se com a preservação das ruínas da Catedral e a almejada reconstrução de, pelo menos, sendo possível, uma parte dela que seria a sua Nave Central. Era a ambição na altura. Para isso tornava-se necessário descobrir em Portugal, o projecto original do edifício. Durante algum tempo, a parte portuguesa procurou nos arquivos históricos fotográficos, existentes nas suas cidades (Portugal e os Arquipélagos dos Açores e da Madeira) catedrais e igrejas mais parecidas com a nossa Sé da Cidade Velha.
Do espólio fotográfico e/ou projectos arquitectónicos encontrados, recordo-me que foram seleccionados, como os mais aproximados, os de duas igrejas e/ou catedrais, uma  de Beja (no Alentejo) e outra nos Açores.
 – O segundo traz de volta, a procura de azulejos (para completar as peças desaparecidas ou danificadas pelo tempo) que também deviam ser os que mais se aproximassem dos originais das paredes da Igreja de Nossa Senhora do Rosário na Cidade Velha. Os azulejos foram procurados em Portugal, de onde originariamente vieram, numa busca alargada e minuciosa que foi até a fragmentos guardados em armazéns de outros monumentos, datados da mesma época - século XV.
Essas são  as lembranças do plano de pormenor e do labor empenhado que só os verdadeiros técnicos e investigadores possuem.
Daí a minha dor de alma, e até uma certa revolta, quando veio a Cooperação Espanhola (século XXI)  na década de 2000  que aqui chegou para o mesmo efeito. Na minha opinião estragou literalmente algumas partes arquitectónicas da antiga Cidade. Refiro-me por exemplo, ao empedramento (de uma falta de gosto a toda a prova! Qual foi o critério para isso?) do átrio da igreja mais antiga de Cabo Verde, onde se encontravam à vista e para a visita de todos, as lápides tumulares dos Bispos e dos Padres falecidos em Cabo Verde, ao longo de séculos, datadas e com registo histórico epocal do respectivo ministério.  Isso atestava o uso e o costume da época de enterramentos de clérigos feitos nas Igrejas.
Outro erro crasso (obviamente, na minha opinião) aconteceu no interior da Igreja aqui referida, com o descuido nos azulejos, e no Baptistério.
Porquê tamanha ligeireza na recuperação dos vestígios do património construído, da primeira capital de Cabo Verde?  Deduzo que por desconhecimento da História da fundação da urbe quinhentista erigida pelos portugueses nestas ilhas atlânticas, por volta de 1465. 
Ou seja, os técnicos espanhóis do património, destacados para o efeito, pareciam estar possivelmente, na década de 2000 (séc.XXI) a conhecer pela primeira vez (?) a Cidade Velha. Tanto mais que parecia não se terem sequer debruçado seriamente sobre a matéria, quer através de consultas aos arquivos históricos existentes, quer ainda os trabalhos anteriormente feitos e os documentos sobre isso conservados.  
Só assim se compreende tamanhos dislates cometidos!
E actualmente, quando levo amigos meus  estrangeiros em visita a Cabo Verde para lhes mostrar a Cidade Velha, reparo com tristeza, na pobreza e na ligeireza da reparação (que não recuperação) feita pela cooperação espanhola com o aval de Cabo Verde, nos inícios da década de 2000.



SABER ESTAR, SABER SER...

domingo, 5 de julho de 2020




 Há normas e procedimentos no relacionamento institucional que não sendo escritos nem legislados são de execução obrigatória porque o bom-senso recomenda, a boa educação reclama e a ética exige.
É neste contexto que se desenrolam certas ligações entre os dirigentes de topo do Estado – membros do Governo e da Mesa da Assembleia Nacional, Deputados da Nação, entre outros de funções equiparadas – e figuras destacadas da nossa comunidade.
A propósito de figuras da comunidade, um pequeno parêntese para se referir à figura de “Ministro” em França em que ministro uma vez, ministro toda a vida, pelo menos em termos protocolares. Sem concordar com esta posição uma vez que, considero – com todo o respeito pela posição francesa – que em democracia o exercício de funções políticas no Estado é sempre transitório; compreendo, contudo, que ela sirva para “distinguir” ou “apontar” aqueles que serviram o Estado com responsabilidades acrescidas. Fecha-se o parêntesis e volta-se ao assunto.
Tem-se verificado no nosso País, amiúde, de forma reiterada, alguma confusão no estabelecimento dos níveis de intervenção dos colaboradores do Gabinete do Ministro – Director de Gabinete, Secretária do Ministro e outros quadros desse Gabinete – com o do titular do Ministério.
Aqui há alguns meses, circulou um convite que começava, note-se: “O Gabinete do...  tem o prazer de convidar…”  cujo conteúdo dizia respeito a uma homenagem a um dos nomes maiores da poesia cabo-verdiana.
Se a intenção era engrandecer a figura do poeta, não parece correcto que deva ser o Gabinete do membro do Governo a formular o convite de homenagem, mas sim o titular do Ministério em questão, directamente.
Só assim ele estaria a prestar de facto uma homenagem, simbólica, e por extensão, até em nome do Governo de Cabo Verde a essa grande referência da poética nacional.
Mas ao proceder da forma como o fez, foi redutor e rebaixou a abrangência e amplitude da homenagem, quando interpõe no convite uma unidade orgânica, obviamente, de menor hierarquia, no caso, o seu Gabinete, que para o assunto de tamanha elevação não devia ser chamado porque não substitui o Ministro.
Saindo da esfera da designação generalista – dirigentes de topo – e particularizando apenas para exemplificar (por comodidade, no singular) para membros de Governo, não é invulgar – variadíssimos casos – que um membro de Governo, desejando obter a contribuição pro bono – palestra, conferência, apreciação de documento, ou outra importante intervenção ou mesmo informação – recorra à sua Secretária não apenas para fazer o contacto, mas também para fazer o convite e transmitir o “recado” como se o convidado fosse funcionário desse membro do Governo ou lhe devesse alguma subordinação hierárquica ou funcional.
Trata-se de um convite ou de um pedido e a Secretária – sem qualquer desprimor – não pode ser, para esse efeito, nem mensageira, nem recadeira. Quando muito, para estabelecer o contacto. E isto não é só por revelar incorrecção e pouca delicadeza da parte do membro do Governo, mas também porque na maior parte das vezes a Secretária não conhece – e nem tem de conhecer – as motivações, os meandros e a natureza do convite/mensagem para explicar ao convidado.
E quando o Ministro desconsiderando o seu potencial convidado de quem carece, – é ele quem precisa – enviando-lhe recados ou mensagens como se fosse seu subordinado ou lhe devesse obediência, está a ser desrespeitoso, desatencioso, indelicado e, consciente ou inconscientemente, arrogante e egotista.
E o que se vem verificando configura, infelizmente, uma conduta delineada e concertada, que se tornou regra, uma vez que a reincidência e a reiteração já são mais que muitas... Seguramente que não há-de ser por deslumbramento pelo exercício de funções elevadas nem por qualquer outro tipo de complexo (!?).
Parece desconhecer-se que as regras de cortesia, de delicadeza na relação e na comunicação entre pessoas bem educadas, também se estendem às instituições de Estado na sua relação com determinadas personalidades da sociedade civil... “noblesse oblige”
E é assim que se torna absolutamente normal, por uma questão de dignidade e de respeito por si próprio, que a resposta seja um “não” redondo do convidado  envolvido em justificações várias dependendo do grau de indignação da recepção do convite/recado transmitido por via desatenciosa e pouco elevada porque descortês e redutora.
E o que é mais grave é que, por vezes, entre o membro do Governo e o convidado para além de existir uma relação pessoal, o convidado é também um ex-membro do Governo ou da Assembleia Nacional ou uma figura destacada da sociedade civil.
Quando um Dirigente de Topo do Estado – membro do Governo ou da Mesa da Assembleia Nacional ou outras entidades de funções equiparadas – convida, e se o convidado lhe merecer a mais pequena consideração e respeito ou se for um ex-alto Dirigente do Estado ou uma figura destacada da nossa sociedade, deve fazê-lo directamente, sem quaisquer complexos e não através do seu Gabinete – uma unidade orgânica de apoio administrativo e logístico – que apenas lhe deverá servir de suporte, para estabelecer o contacto e outras diligências afins que se vierem a mostrar necessárias para a consecução do propósito.
Os procedimentos poderão não constar especificamente em nenhum manual, e nem é preciso, porque estão associados a entidades e funções onde devem imperar o bom-senso, a educação, a ética e um profundo respeito pelas funções que, transitoriamente, exerce em nome do Estado.
Um Governante contactar directamente, um ilustre membro da sociedade civil, um ex-governante, um ex-deputado, entre outras personalidades de reconhecido mérito, para lhe pedir um trabalho ou endereçar-lhe um convite,  não se rebaixa, não se apouca e não se banaliza. Antes pelo contrário, mostra respeito e consideração pelas funções que desempenha, pelo objecto e interesse do seu assunto e, na mesma linha, pela pessoa a quem convida.






  













Confusões textuais...

sábado, 27 de junho de 2020


De vez em quando é tão bom revisitar a escola! Reviver, agora sob forma de boas recordações, as aulas de Língua portuguesa e de Literatura que ao longo de quase quatro décadas leccionei  em Lisboa, em Bissau, no Sal e na Praia.
Um dos assuntos que abordava com os alunos das classes mais adiantadas, era a distinção de textos. Falava-lhes de textos de opinião, de crónicas, de textos noticiosos/informativos, de textos criativos, de ensaios, de teses, como formas diferenciadas de abordar um tema. Lembro-me de levar para as aulas como exemplo, o tema das Viagens tratado sob vários ângulos e contextos, a saber: crónica, texto criativo, texto publicitário, ensaio, tese…
 Era o exemplo prático apresentado, exactamente para os alunos perceberem as diferenças na descrição de viagens em que entravam nuns textos a objectividade, versus a subjectividade  em outros. Na mesma linha, a extensão textual, a análise científica versus a análise emotiva/sentimental, entre outros parâmetros distintivos de cada uma das formas de escrita, já devidamente e amplamente classificadas.
Este intróito  e todo este arrazoado foi apenas um aparte e um desabafo.
 E vêm a propósito de quê? Passo a explicar:
Aconteceu aqui há algum tempo uma pessoa amiga ter-me contado que havia escutado de um comentador num programa televisivo nacional, a propósito do Crioulo e da Língua portuguesa, comparar Artigos de Opinião, com uma Tese académica, no caso, para a obtenção de um grau académico.
O interessante é que nessa comparação ilógica – insensata e algo descabida - o Comentador queria mostrar a superioridade da posição sustentada na aludida tese, face aos Artigos de Opinião, sobre o Crioulo cabo-verdiano e a Língua Portuguesa
Custou-me sinceramente, saber que um comentador da TCV nacional, com alguma responsabilidade elocutória e opinativa, não conseguisse distinguir, diferenciar níveis de abordagens tão diferentes, que não são e nem podem ser equiparados.
Por outro lado, ao fazer-se a apologia de uma tese deve-se ter sempre em conta que é apenas a assumpção de uma visão de um problema e não a verdade absoluta e irrefutável sobre ele. …
Infelizmente, por ignorância ou má-fé, não foi o resultado da conversa televisiva, uma vez que o dito Comentador, acabou por confundir no mesmo imbróglio por ele criado, “Artigo de Opinião” com “Tese Académica”.
São duas formas de escrita e de descrição bem diferentes, em que uma, pouco ou nada tem a ver com a outra. embora versando o mesmo tema.
 Ora bem, vamos por partes, o primeiro, só obriga o seu autor. O Artigo de Opinião, como o próprio título o define só carreia a opinião do seu autor e as suas principais características enquanto produto textual, é o lugar que tem nele, a subjectividade, o seu principal atributo – o pensamento, o sentir, a forma de percepção do seu autor, na abordagem de um assunto e a circunstancialidade espacio-temporal que o envolve. Trata-se normalmente de um texto relativamente sintéctico e curto em termos de sentido e de extensão.
 A segunda, a Tese direccionada para a obtenção de um grau académico. estrutura-se e fundamenta-se em citações e em comparações de vários e de diferentes autores sobre a matéria nela descrita e que se destina primeiro como trabalho universitário com vista à sua apresentação, discussão e finalmente, eventual aprovação de um Júri abalizado e versado no assunto, uma vez avaliada a Tese em discussão final do candidato ao título académico.
 Ora bem, a Tese assim feita é, em linhas muito gerais, formatada da seguinte forma: coloca-se uma hipótese sobre um determinado assunto. Reúne-se uma panóplia assisada e bem fundamentada de teses, de teorias e de ensaios já existentes sobre a matéria em que aqui já haverá escolhas, selecções e opções do próprio autor de Tese. Torna-se quase obrigatório um manancial de citações diversas para provar o trabalho de pesquisa.
Na mesma linha, numa Tese, deve ocupar lugar distinto o aspecto científico da matéria em defesa. O autor da tese também pode lançar, por vezes, inovações e abordagens originais como mais valias para a defesa do seu trabalho final de obtenção do grau académico almejado.
Quando muito, em termos de definição de textos, uma Tese estará mais próxima, comparativamente, de um Ensaio. Mas nunca de um Artigo de Opinião.
Mas é bom que fique claro que uma Tese é para justificar uma hipótese posta ab initio. É uma visão sustentada de um determinado assunto. Não são dogmas como pretendeu o comentador E é quase sempre discutível, refutável e, por vezes, ultrapassada à luz de novas evidências, de novas teorias que conduzem a novas abordagens que, muitas vezes são do desconhecimento do próprio júri...
Desculpem-me esta explicação tão primária do assunto – e se calhar inadequada para o nível do leitor deste “Blog”. – Mas é que fiquei completamente perplexa com a comparação feita por esse comentador atrás citado que devia ter algum cuidado crítico e não argumentar-se em precipitadas e descontextualizadas comparações que o acabaram por levar a conclusões nada intelectivas.
E terá sido assim que a análise televisiva foi feita sem qualquer sentido lógico textual, acrescentou a minha fonte.
Posto isto,  não resisto a recomendar , que não se confunda e muito menos se compare um “Artigo de Opinião” – que visa fins e público bem  gerais - com uma “Tese académica” orientada para público e objectivos bem específicos.
E com esta me fico, pois de confusões textuais estão os nossos meios de comunicação  cheios...