"Aprender a ser gente"?...

segunda-feira, 26 de outubro de 2009
Reiniciar a actividade de escrita é tarefa que se me apresenta sempre custosa. Afinal a inércia pela ausência dela por algum tempo, tem os seus custos na retoma…
Ora hoje o tema que queria partilhar convosco tem origem num pequeno – mas que não deixa de ser interessante – incidente, recentemente acontecido, entre uma mãe e a direcção da escola em que está o filho.
Mas antes de recontar o episódio que me foi relatado por um professor de uma das escolas da zona da Damaia, Portugal, onde vive uma significativa comunidade cabo-verdiana aí imigrada, devo explicar que se trata de uma mãe cabo-verdiana, emigrante, creio que oriunda da ilha de Santiago.
Ora bem, a referida escola onde anda o filho decidiu numa atitude que pode ser até louvável, que os professores das turmas, maioritariamente frequentadas por alunos de origem cabo-verdiana, deviam aprender e falar crioulo com os alunos. Foi ministrado um curso de crioulo aos docentes interessados e alguns deles começaram a pôr em prática a orientação recebida.
Vai daí, ao ter conhecimento de tal postura pedagógica, a nossa mãe e encarregada de educação de um dos alunos cuja turma fora abrangida por essa norma linguística, sai de casa, numa bela manhã, dirige-se à escola e pede para falar à Presidente do Conselho Directivo da Escola e segundo me contaram, as palavras, ao que parece indignadas da encarregada de educação para a responsável da escola foram (mais ou menos as seguintes, ditas num meio português, meio crioulo mas, ao que parece, bem percebidas): «Senhora Directora, eu vim aqui para falar consigo sobre o crioulo que agora estão a falar na escola. A senhora me desculpe, mas parece “chuchadeira”… Eu mando o meu filho à escola para aprender a ser gente o que passa por aprender a língua portuguesa. A escola não tem que se preocupar com o crioulo para ele, pois em casa tem-me a mim e ao pai para isso. Aqui na escola quero que o meu filho aprenda a estudar, a escrever e a falar bem português. Para isso é que o pus na escola! A senhora Directora entendeu direito o que eu disse? Bem, é só isto é que eu lhe queria dizer!» E mais não foi preciso acrescentar. Despediu-se e saiu do gabinete, porta fora, com passos enérgicos e com ar de quem havia cumprido um dever!
O que é certo é que a Presidente do Conselho Directivo teve mesmo de rever a orientação anteriormente dada.
Moral da história, se é que é ela é aqui precisa: esta atitude idiossincrática da mãe cabo-verdiana reflecte o que a escola directamente representa para o imigrante cabo-verdiano: uma via de integração e de valorização social. E ainda bem que assim é.

Por onde anda a pontualidade!?

quinta-feira, 8 de outubro de 2009
A pontualidade terá sido “varrida” dos mapas das escolas, dos serviços públicos, dos transportes, dos lares, entre amigos? Foi “banida” na cultura organizativa dos chefes de serviços, dos responsáveis, dos funcionários públicos, dos empregados? Por onde andará a pontualidade neste País? É a questão que se me tem vindo a colocar à medida que o tempo passa e a novos tempos dá lugar. O retrocesso nesta matéria é quase total. Já nem sequer faz parte da educação em casa e, infelizmente, também não nas escolas.
A propósito destas últimas, as escolas, escutando há dias um programa pela rádio em que o jornalista fazia a cobertura informativa do primeiro dia de aulas, verifiquei, uma vez mais e com muita tristeza, de como anda a nossa pontualidade. O referido jornalista de serviço matinal, andou por quase todas as escolas secundárias da nossa cidade capital e o denominador comum de todas elas – e de que o repórter se queixava ao colega do estúdio – era que as escolas visitadas, estavam praticamente vazias, sem ninguém a quem ele pudesse entrevistar ou colher impressões sobre o regresso às aulas. Segundo ele, ainda não havia chegado, nem professores, nem alunos e nem funcionários para se dar início às aulas das 7h30m de horário; olhei para o meu relógio e os ponteiros já quase se abeiravam da hora regulamentar lectiva. Disse para os meus “botões:” «a pontualidade não devia começar, precisamente nas escolas, como acto pedagógico e educativo?» Que péssimo exemplo!
Aqui há dias a Directora de um conceituado Jardim-escola desta cidade, lamentava os atrasos quase sistemáticos de muitos pais em chegarem à instituição a horas regulamentares com as crianças. Se começam assim o dia, a que horas chegarão ao respectivo posto de trabalho? E tudo isto tem um efeito somatório, multiplicador e acumulativo. De atraso em atraso no trabalho, no desempenho e no atendimento ao cidadão. Qual a meta a atingir?
Actualmente, e não é raro acontecer, não se encontrar no seu local de trabalho, ora o chefe, ora o funcionário responsável pelo assunto que o cidadão vai tentar resolver, ou tem pendente com o serviço público. As respostas mais ouvidas (da minha “estatística” pessoal) são invariavelmente as seguintes: «ainda não chegou» ou então: «saiu» e ainda a já estafada justificação de ausência e de não querer trabalhar: «acabou de entrar numa reunião». Tudo isto dito com o tom e o ar de ser a coisa mais natural do mundo, e mais, como que a fazer sentir ao cidadão necessitado do agente ausente, a culpa que lhe coube em ter ido à repartição ou ao serviço àquela hora, naquele momento! E estamos a falar em pleno horário de funcionamento. Ao que chegámos!
Resultado, o dito agente e prestador de serviço público, pago com os nossos impostos também, nunca está ou, muito raramente se encontra em horas normais de expediente, no seu posto de trabalho.
Minha gente, será assim que querem ou pretendem que o país progrida? Com recursos humanos dessa estirpe? Em que os pontuais constituem honradíssimas excepções?
Trata-se de uma quase “calamidade” nacional, uma espécie de praga endógena que vem avassalando e minando os serviços públicos, privados e as relações laborais em Cabo Verde. Para além de constituir, no meu entender, uma autêntica vergonha!
É que a pontualidade, para além de ser um elemento social, ou melhor de socialização, indispensável para a vida numa comunidade organizada e civilizada, é igualmente um claro sinal de respeito e de consideração pelo nosso trabalho, pelo outro que espera por nós e, finalmente, por nós próprios.
Eu já me considero uma “espécie em vias de extinção” ou seja, faço parte de um reduzido grupo de pessoas normais que pratica e sente orgulho nisso de ser pontual. Felizmente, ainda tenho o prazer de disputar com elas quem é mais pontual do que a outra. Longe vai o tempo em que a pontualidade fazia parte do código de honra de qualquer agente público.