«Quem enfia a agulha à Avó?»

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009
A velhice é uma etapa de vida “tramada”! …Onde é que já ouvi isto? Alguém já o disse. Mas é indubitavelmente, verdade! Eu que me gabava de enfiar a linha na agulha logo às primeiras tentativas, vejo-me hoje confrontada com esta imagem bem comum e real de pedir ajuda para isso e assim poder costurar as roupas… mas enfim, c’est la vie! Mas também e por outro lado, traz coisas boas. Como os netos, por exemplo.
Isto que aqui vai escrito é apenas pretexto para desabafar um pouco sobre algum “martírio” desta já famosa fase “condor” ou melhor, com dor mesmo! Ele é o reumático matinal ou vespertino nos joelhos, ele é dor na coluna e regra geral a chamada quinta lombar, ele é dor…enfim, um sem número, das mais variadas que o catálogo da 3ª idade comporta. E isto, sem falar do “arco-íris” dos comprimidos ao pequeno-almoço! De cores para todos os gostos!
Mas a pior de todas as dores para mim, é aquele começo de falta de memória! Terrível! Caros companheiros desta etapa. Nada a fazer, já não há “fitina” nem “fosfoferrero” que nos valham! Teremos de fazer autênticos e malabarísticos jogos com a senhora dona memória para que ela de nós se condoa e por fim nos traga de volta a lembrança teimosamente perseguida.
Por vezes, Armindo (ele se calhar não gosta que o meta neste meu “saco”pois que costuma dizer que: “velhos são os trapos! Não me ponhas no teu clube!”) e eu apanhámo-nos a querer lembrar títulos e nomes dos protagonistas de filmes há muito vistos – daqueles dos antigos cinemas Éden-Park ou do Park-Miramar e também dos filmes do nosso tempo de Lisboa – ou das canções e dos intérpretes da nossa juventude, os famosos e musicais anos sessenta, vem logo a “finta” da memória. Persistimos silenciosamente, e, num repente:"fiat lux" surge – para nosso real contentamento e numa espécie de desafio de quem acerta primeiro – o tão procurado nome!
Volto ao lugar-comum: “fazer o quê?!” (como diz o brasileiro). O melhor mesmo e, enquanto durar e restar, é fazer humor com esta etapa de vida, “trocar-lhe as voltas” de vez em quando e, aproveitar o bom que também contém.

Já agora, aproveitando a oportunidade (e antes que eu me esqueça…) porque estamos em tempo festivo, a todos – os mais e os menos “velhos,” e de igual modo os mais jovens – desejar festas alegres e em boa comunhão com a família e com os amigos! Paz e saúde para todos nós!

«Pai e Mãe, onde estais?»

sexta-feira, 27 de novembro de 2009
Hoje, mais do que no antigamente dos tempos, a sociedade cabo-verdiana enfrenta um grande e gravíssimo problema que é o de uma sociedade em que a maior parte dos seus mais jovens cidadãos é cada vez mais – por que muito mais populosa – oriunda de família numerosa, desestruturada e monoparental, jovens cidadãos, geralmente dotados de pouca orientação e de educação no sentido mais amplo e abrangente do termo. Educação, em que valores e princípios alicerçados, são transmitidos de forma sistematizada e interiorizados pela criança e pelo adolescente como os esteios mais fortes da vida gregária do Homem. São as tais aquisições que devem ser feitas, em primeira-mão, no seio da família.
Infelizmente, o que nos é dado observar actualmente nas escolas públicas e ultimamente até nas privadas, são alunos, crianças e adolescentes, uma parte significativa, não portadores desse perfil de origem.
Se por um lado, exige-se entre nós e bem que a escola seja um verdadeiro centro de informação, de formação, científica, humana e social; de conhecimentos capazes de apetrechar o formando para a vida interpessoal e profissional. Por outro lado, tal já não será possível, uma vez que – de novo algum lamento por causa disso – os próprios professores, sobretudo os de geração mais recente, trazem infelizmente na sua bagagem cultural “etapas queimadas” porque não preenchidas por princípios e valores ganhos na/e em família. Muito pouco poderão dar ao aluno em termos de partilha. Daí também explicada porque convivemos actualmente tanta deseducação, (permitam-me a expressão) na nossa sociedade!
Já não é só a pobreza material, a causadora destes males. Não sei se estudos sociológicos e estatísticos aqui eventualmente realizados sobre o assunto têm conclusões fundamentadas sobre a matéria. No meu entender, e para os tempos actuais, razões outras, como exemplo paradigmático, a completa desestruturação e até por vezes a ausência familiar, na vida das crianças, são, sem dúvida, os elementos mais perturbadores desta cadeia de desequilíbrios sociais que se verificam de forma cada vez mais assustadora entre nós e de que os meninos de rua e os delinquentes juvenis, são parte do problema.
A escola não deve substituir a família. A cada um está atribuído um papel, específico e diferenciado. Assim deve ser o entendimento desta importantíssima equação social.
Os jovens, homens e mulheres, não podem deixar que a função de criar, de orientar e de educar uma criança ao mundo trazida sejam, regra geral, entre nós, tarefas apenas da procriadora. Esta última, cada vez mais adolescente, sobrecarregada na procura da sobrevivência, desamparada, com muito pouco para dar, acaba por orientar – se é que neste caso, assim se poderá dizer – mal a criança que posteriormente é encaminhada para a escola com faltas gritantes que só o lar (paterno/materno) poderia ter preenchido, se os dois partilhassem com alguma paridade esta responsabilidade.
A quantidade populacional – com muita incidência na camada mais pobre e desqualificada da população – tem também a ver com essa desestruturação total em termos da educação infanto/juvenil.
Por outro lado, e mais grave ainda, são as crianças de rua, abandonadas pelos progenitores, que não são chamados sequer à responsabilidade criminal de largar na via pública, entregues à sua sorte, meninos e meninas cada vez mais em tenra idade.
A propósito deste drama social, li num relatório do Eurostat, as consequências nefastas de se ser “criança de rua” o seguinte. “A curto prazo, reflecte-se na alimentação, na saúde, no sucesso escolar e na integração social inexistente, mas a médio e longo prazo, as consequências verificam-se ao nível da falta de qualificações e nas dificuldades de integração no mercado de trabalho.” (fim da transcrição) Para nós, acrescentaria que aumenta a incidência da pobreza extrema e potencia a delinquência juvenil e a criminalidade adulta.
O país conhecerá, nesta matéria, algum progresso real, no dia em que o programa de algum governo futuro sufragado pela sociedade, “pegar de frente” uma política de população – em que a família nuclear ocupe lugar de primazia, sem titubeios, de forma descomplexada, sem preconceitos – e, faça disso, a sua principal bandeira no pressuposto de que a sustentabilidade social e económica, a qualidade de vida do país e dos que nele vivem passam igualmente pelo modelo familiar adoptado no que respeita à assunção das responsabilidades dos progenitores na educação e na orientação dos seus filhos.
Temos todos alguma consciência de que a complexidade do problema é enorme e a transversalidade da abordagem da causa da família em Cabo Verde constitui um verdadeiro desafio, uma interpelação profunda a futuros governantes, a responsáveis do país, à sociedade civil no seu todo e a cada um dos cidadãos. Do mesmo modo que todos estamos igualmente cientes de que a sua inscrição na agenda prioritária do país é uma exigência imperiosa. Os valores cristãos culturalmente por nós interiorizados fazem dessa causa um quase desígnio nacional.

A reparação devida:

Por lapso, no texto intitulado: «A escola e o saber para a vida» não mencionei – entre as instituições académicas afamadas outrora em Cabo Verde – a Escola Industrial e Comercial do Mindelo, mais conhecida como Escola Técnica e que foi de facto de referência e que tão bons profissionais deu em ramos bem diversificados. Fica aqui o reparo.

A escola e o saber para a vida

quinta-feira, 26 de novembro de 2009
Cabo Verde de uma maneira geral, sempre se orgulhou, da escola que teve sobretudo no passado. Lembremo-nos das instituições académicas que ainda hoje são referências para nós. Refiro-me ao Seminário – Liceu de S. Nicolau, ao Liceu de Gil Eanes de Mindelo. Gostaria de incluir neste rol, o também antigo liceu “Adriano Moreira” ou como foi chamado antes: “Liceu Nacional” da Praia dos anos 60 do século vinte, que hoje reclamo de bom liceu. Acontecia que nelas, as instituições aqui referidas, se falava e se comunicava em língua portuguesa, e, sobretudo se processavam os conhecimentos que os alunos adquiriam neste mesmo veículo linguístico que actualmente estamos a descurar e a querer renegar como nosso. Ora podem contra argumentar que ao tempo tudo isso era obrigatório, (a obrigação, os deveres e a disciplina sempre fizeram parte de qualquer escola que se preze e de toda a família com função de educar) mas a verdade é que basta comparar o aluno médio de hoje do 12º ano do ensino secundário, na sua forma de expressar, na cultura e no saber académico que revela para percebemo-nos que o não podemos comparar com o aluno do antigo 7º ano dos liceus, quer do Mindelo, quer da Praia. São duas situações e duas realidades, que mesmo salvaguardados o tempo e as diferenças, quem sai a perder nesta hipotética comparação é o actual aluno, finalista do secundário.
A escola na nossa cultura funcionou (já hesito dizer que “funciona”, colocando o verbo no presente) também como um local de iniciação, de descoberta de preceitos sociais, para além de noções científicas e culturais. Na verdade é ou foi durante a fase da escolarização, nesse hiato importantíssimo da vida é que a socialização é feita de forma mais intensa e mais constante. Depois…cada um partiu ou parte para sua vida (e este “sua” entendida aqui de forma bem individualizada e pessoal).
De facto é nessa fase, que se dão ou se deram as mais fortes e por vezes decisivas interacções entre o “eu”, o “nós”, e os “outros”, cujas marcas nos acompanharão para o resto das nossas vidas e é também nessa fase que se adquirem as “ferramentas” básicas para uma mais equilibrada integração social. Creio que na vida dos homens, e para aqueles que o fizeram, o serviço militar obrigatório, também acabam por comungar dos mesmos reflexos ou efeitos no seu comportamento cívico posterior.
Ora quem entra para o mundo adulto – do trabalho e da família – munido dessas ferramentas, à partida, terá naturalmente vantagens acrescidas.
Mas como obter essas ferramentas a partir da escola hoje neste país se nem os seus principais – os professores – agentes estão devidamente preparados?
Quando falo com alguns formandos – futuros professores – em preparação para a apresentação e a defesa do trabalho de fim de curso, reparo com muita tristeza, as lacunas gritantes no modo de expressão da linguagem que espelha a aquisição cultural que deveria diferente e mais substantiva nesta etapa de escolarização e de formação, e que ficou irremediavelmente perdida se calhar porque etapas não preenchidas adequadamente ao longo da vida escolar/académica.
Assim sendo o que esperar em termos de desempenho didáctico-pedagógico deste agente de ensino face a uma turma de alunos?
Mas teremos de chamar de volta o antigo orgulho que tínhamos da nossa escola pública e que tranquilizava os pais em matéria de aquisição de saber dos filhos. A sociedade civil, os pais e os encarregados de educação devem ser mais activos, mais participantes e até mais exigentes com a instituição escolar que frequentam os filhos. O manterem-se informados regularmente do aproveitamento e do comportamento dos seus educandos, acaba por ser uma forma eficaz de controlo sobre o que se está a ministrar nas disciplinas curriculares e de chamar a atenção da escola para o que está bem e para o que não está bem na instituição no seu todo.
Haja determinação de todos para se mudar este paradigma fundamental que é a educação, em que a escolar funciona também como um saber para a vida.
Mas para que tudo isso aconteça no meio de nós será preciso a presença e o envolvimento da família nuclear do educando ou quem faça as vezes disso. Sem esse sério contributo – o da família – estamos a comprometer negativamente o futuro da nossa sociedade.

Por onde andam o ensino e a aprendizagem da Língua Portuguesa?

domingo, 22 de novembro de 2009
O que aconteceu ao ensino da Língua portuguesa em Cabo Verde? Onde param os bons professores desta disciplina com o saber e o saber fazer pedagogicamente afinados, com objectivos a cumprir, com um excelente domínio da língua veicular, com brio na didáctica a seguir na disciplina durante o ano lectivo e finalmente com a convicção firmada de que o fundamental é chegar ao fim do ano escolar com os seus alunos a gostarem da disciplina, a falarem e a escreverem adequadamente o português?
Onde ficou o ensino e o consequente conhecimento das regras gramaticais? Porque é que actualmente o aluno cabo-verdiano (excepções haverá certamente) é tão mal – sucedido em termos de aproveitamento universitário em universidades portuguesas e brasileiras? Exactamente por causa do não domínio da língua portuguesa. Quando no nosso tempo (no meu tempo e antes dele) era exactamente o contrário. Deste mal gravíssimo não padecia o aluno universitário cabo-verdiano. Nem o aluno universitário, nem o funcionário público cabo-verdiano. Estes perfis nacionais falavam e escreviam correctamente a língua veicular e oficial do país. Porque será que o nosso jovem emigrante em Portugal (onde está a maior comunidade cabo-verdiana emigrada na Europa) tem dificuldade em concorrer a empregos com emigrantes angolanos e brasileiros? A razão é porque fala mal ou não domina o português.

O que terá acontecido ao nosso ensino do português em que nos dias de hoje, alunos em estudos superiores tratam o professor por “tu” por pura ignorância da correcta utilização de uma simples forma verbal na 3ª pessoa do singular?
E tudo isto a acontecer em intensidade cada vez mais assustadora nas nossas escolas e em todos os níveis de ensino. Está-se a denegrir de uma forma que eu diria algo “criminosa” o ensino e a aprendizagem da nossa bela língua segunda! Que loucura! Aonde iremos parar se nem um património tão rico e enriquecedor como é a língua portuguesa conseguimos preservar?
Uma simples visita hoje a uma sala de professores em intervalos de aulas, de uma escola secundária do país, apercebemo-nos de que nem o professor de português já fala a língua veicular. Até se pode ouvir o francês e o inglês, por graça, entre os colegas do mesmo grupo, mas escutar a bela língua portuguesa? Não, não teremos esse gosto!
Ora é certo que o professor de português em Cabo Verde tem na verdade, em todo o lado um ambiente avesso, para não dizer hostil, à difusão, à socialização da língua veicular e oficial.
No antanho desta nossa sociedade ainda existiam bons “redutos” onde se praticava o português. Era nas escolas, no ambiente académico, na comunicação aluno/professor e vice-versa, nos serviços do Estado e era igualmente na Comunicação Social. Parecendo que não, o que é certo é que funcionavam e bem, como autênticos guardiães da Língua portuguesa em solo nacional. Actualmente, nem isso já acontece.
Mas ainda que os programas dos diferentes níveis de ensino e destinados à disciplina estejam inadaptados ou desajustados, o que não acredito, pois actualmente são elaborados com a visão e a metodologia de ensino de língua viva; mesmo que o docente da língua portuguesa não esteja a ser secundado na sua escola e interdisciplinarmente, quando solicita a colaboração dos colegas para que tenham em atenção os “erros” dos alunos e que os corrijam em tempo, na respectiva disciplina; ainda que esteja a haver desleixo e preguiça no geral de quase todos os professores em não corrigirem os erros gramaticais, ortoépicos e outros que os alunos cometem e que são da obrigação dos professores ajudá-los a emendarem-se; apesar de tudo, isso não justifica, nem ilibe o actual professor da língua veicular do sistema de ensino nacional, da sua quota – parte de enorme responsabilidade de promover a apetência no seu aprendente, de velar pela sua boa “performance” linguística como objectivo final e, finalmente, de atalhar o fracasso quase total que tem sido a aprendizagem da língua segunda e da língua que garante sucesso escolar e funciona, até prova em contrário, como “passaporte” para o sucesso académico, profissional e social entre nós.
Temos todos que ter a perfeita consciência da transcendente importância da Língua portuguesa, nossa língua também. A nossa primeira língua de comunicação internacional. A língua em que lemos e aprendemos quase tudo o que a ciência, a tecnologia e a boa literatura nos oferece. E tudo isto se passa num mundo cada vez mais exigente e apertado para os jovens cabo-verdianos que demandam uma profissão. Por favor! Não desbaratemos tão rico património!

Dos conceitos à semântica mirabolante:

sexta-feira, 20 de novembro de 2009



Há palavras que são plenas, algumas vazias, outras ainda nem por isso…
A palavra Morte por exemplo, quando em contexto vernáculo, é um vocábulo pleno e pleno do incontornável, (porque a todos espera) do irremediável, do feito irreversível, do “até à eternidade”, em suma, do fatalismo expectável e as mais das vezes indesejável.
Porque estamos em tempo dela, a meio e em crescendo de uma epidemia devastadora (o dengue) que não escolhe a hora nem a idade, que ataca indiscriminadamente e mata a sério e dói muito para os que ficam e que ficam também à espera da vez… numa impotência aterrorizadora que só a expressão «fazer o quê?» nos aproxima de uma imitação de acalmia. Volto a dizer, porque estamos em tempo dela, a morte, o melhor mesmo é usarmos mais vezes as palavras plenas com sentido dirigido e realizado, ainda que com alguma contenção, mas é preferível o seu uso, ao invés de desbaratarmos os nossos pensamentos e as nossas ideias em palavras vazias.
O “silêncio” é também um vocábulo pleno e deve fazer parte das nossas cogitações pelos ganhos introspectivos que nos traz. Mas igualmente “compreensão” ganha aqui sentido pleno se a projectarmos no “outro” este tão prenhe de significado como o “nós” ou o “eu”.
E mais não vai dito, porque contido e sentido numa espécie de jogo de medo e de interrogação em que vida não rima com morte.




Oficialização do crioulo – Uma bandeira a meia haste

domingo, 15 de novembro de 2009
Estarão com certeza admirados de eu abordar este tema no blogue da Ondina. Parecer-vos-á, com certeza, uma temeridade, uma ousadia, ou mesmo um atrevimento.
Acontece que tenho fortes razões para o fazer. Referir-me-ei apenas a algumas: a primeira é que a Ondina se recusa a abordar o crioulo fora do contexto do bilinguismo com alegações várias – conheço-as e entendo-as - deixando-me por isso espaço para o fazer; a segunda é que a língua não é nem de longe nem de perto propriedade exclusiva dos linguístas; a terceira, é que a língua é, efectivamente, preocupação daqueles que a falam sendo intrinsecamente um meio e não um fim, desde imemoráveis tempos bíblicos da Torre de Babel; e, finalmente, the last but not the least, o recente chumbo político de que a oficialização do crioulo foi alvo na Assembleia Nacional.
A oficialização do crioulo é um tema polémico que de per si divide a sociedade cabo-verdiana independentemente do posicionamento político-partidário ou da ideologia. Há defensores e opositores em todos os quadrantes. Os argumentos de uns e de outros são vários. A meu ver a sua sustentação económica não encontra resposta nem nos seus defensores mais acérrimos arriscando-se por isso a não passar da letra de lei se, por acaso, fosse oficializado. É um "capricho" de países ricos. E se para a sua funcionalidade fosse necessário estender a mão então deixaria de ser um orgulho nacional para ser a mais vergonhosa das vaidades. Aliás, não é só vaidade, é também egoísmo e algum oportunismo e não sou eu quem o diz. É precisamente Amílcar Cabral que o deixa entender quando afirma:

"(…) Há pessoas que querem que ponhamos de lado a língua portuguesa, porque somos africanos e não queremos a língua de estrangeiros. Eles querem é avançar a sua cabeça, não é o seu povo que querem avançar». (…) Se quisermos levar para frente o nosso povo, durante muito tempo ainda, para escrevermos, para avançarmos na ciência, a nossa língua tem que ser o português"

O Governo ao transformar a oficialização do crioulo num desígnio nacional, na sua bandeira política para toda a legislatura, foi muito imprudente e, de caminho, manifestou alguma dose de arrogância. Esqueceu-se que a sua maioria não lhe permitia mexer na Constituição. Confundiu a adopção de um alfabeto com a oficialização tácita da língua que ele suporta literariamente. Só que crioulo como língua latina que é, Mário Fonseca disse-o, tinha já subjacente um alfabeto que foi sempre usado e que permitiu e permite que lêssemos Eugénio Tavares, Pedro Cardoso, B. Leza, Kaoberdiano Dambará, Manual d’Novas e outros sem quaisquer problemas quer de dicção quer de interpretação. O que o ALUPEC fez, e perdoem-me os seus defensores, foi tirar a alma ao crioulo. O que é que Kabral, Karlus, Kabra, Kongu, Kamiñu diz a um leitor (não ouvinte) comum cabo-verdiano? Segundo o grande F. Pessoa (e não era preciso ser ele a dizê-lo) qualquer idioma:

concentra em si, instintiva e naturalmente, um conjunto de tradições, de maneira de ser e de pensar, uma história e uma lembrança, um passado morto que só nele pode reviver”.

A grafia tem de traduzir estes sentimentos. Mas são estes, precisamente, os atributos do crioulo que o ALUPEC destrói: tradição, história e passado.
É interessante registar que não se cansam de apontar o grande Mestre B. Lopes da Silva quando ele conclui que para o estabelecimento de um padrão para o crioulo literário, o de Sotavento, com destaque para o de Santiago, é o que apresenta melhor performance mas olvidam-no completamente quando no mesmo documento diz:

Não valerá a pena elaborarmos um sistema ortográfico autónomo, bastando-nos adoptar a ortografia da língua portuguesa, visto que esta não se afasta, em quase ponto nenhum, da oralidade crioula, que o esquema ortográfico se destinará a traduzir.”

Tanto quanto sei, a oficialização do crioulo ficou na Comissão Especializada com o voto contra da UCID e a abstenção (táctica) do MpD. A Imprensa por razões que desconhecemos praticamente se calou. É certo que a não aprovação na Comissão Especializada não significa um chumbo definitivo mas, por tradição a proposta que não tiver passado na especialidade não se leva à plenária. A menos que um volte-face se verifique.
E é nesta linha que se chegou a falar na negociação do “C” com “K”. Presumo que não seja mais do que um rumor, um boato. É ridículo ou surrealista de mais para se crer.Com a votação da UCID e do MpD prevaleceu o bom-senso. Até alguns (não poucos) paicvistas aplaudem.
Não sei para quê tanta pressa com a oficialização do crioulo. A polémica divertiu-nos – de uma manobra de diversão também se tratava - durante todo este tempo desviando-nos dos verdadeiros problemas do País.
Os que tão bem souberam escrever o crioulo não precisaram de o aprender em nenhuma escola nem utilizar qualquer alfabeto alternativo. É preciso ter plena consciência que o crioulo termina, para fins oficiais, quando entramos no avião. Isto sem esquecer aqueles que lá fora dele vivem, em países que em vez de promover a integração fomentam, com a nossa ajuda, a guetização – as tais chamadas minorias (socialmente estigmatizadas).
Mas a ironia do destino é que em vez do PAICV que se arroga como herdeiro – só quando lhe interessa – do património político de Amílcar Cabral, são a UCID e o MpD que neste particular se apresentam como os guardiães dos seus desígnios.
A. Ferreira

Leio...

quarta-feira, 11 de novembro de 2009
Leio, para meu espanto e mágoa que a pobreza extrema em Cabo Verde subiu para 26%. Pensar que há uma dezena e meia de anos a pobreza extrema no nosso país era de 14%! Para onde vamos? A isso chama-se retrocesso...
Mais, ainda sob o mesmo efeito, leio na coluna de Eunice Silva o seguinte:
«1. Reside mais de ¼ da população do país;
2. O crescimento da população é cerca de quase duas vezes superior à média nacional;
3. Cerca de 40% da população recorre à subtracção na rede pública para aceder à energia;
4. O desemprego atinge mais de 40% dos jovens, que por falta do que fazer enveredam por comportamentos desviantes, como o álcool ou a droga;
5. Pessoas são assassinadas em zonas nobres e em plena luz do dia, sem que as autoridades consigam apanhar o assassino;
6. Pessoas convivem no seu dia a dia com animais à solta, lixo e, as vacas andam nas avenidas e no meio das estradas;
7. As ruas estão invadidas de vendedores e prestadores de serviço ambulantes;
8. Cerca de 20% da população é imigrante-estrangeiro, sendo a grande maioria na situação irregular, desqualificado, pobre e desempregado;
9. Mais de 40% das famílias não tem casa de banho;
10. Apenas 15% tem acesso a rede de esgoto;
11. 53% não tem acesso à água canalizada;
12. 45% das famílias ainda abastecem-se de água em chafarizes.»

Esta é a situação da Cidade da Praia – a capital do país e o maior centro urbano de Cabo Verde – no século XXI.

Dengue – a responsabilidade do Governo

domingo, 8 de novembro de 2009
Falar do dengue é, actualmente, incontornável em qualquer conversa. Um surto epidémico que assentou arraiais na nossa terra, e que se espalhou pelo país inteiro por obra e graça do nosso governo. A ligeireza e displicência com que as autoridades encararam o aparecimento da doença permitiram o seu alastramento a uma velocidade exponencialmente crescente gerando uma onda de apreensão e pavor na população. Isto sem falar dos seus nefastos e pesados efeitos na economia do Pais.
Normalmente, depois da tragédia vem a farsa. Desta vez que, infelizmente, começou com a tragédia é a comédia que antecipa a farsa. Pois que, depois de mais de uma dezena de milhares de casos registados e de entre eles, algumas vítimas mortais, o governo surge, com um anúncio triunfalista e ao mesmo tempo inquietante, feito pelo próprio chefe do governo - que, pelos vistos, deixou de ter ministro da saúde – a conceder tolerância de ponto supostamente para permitir o combate às causas da doença e conter a sua proliferação.
Não se tratava de uma nova doença cujos efeitos e capacidade de alastramento não se conhecessem. O que aconteceu foi o desleixo e a incúria de um governo, que continua a privilegiar o imediatismo e o improviso, navegando sempre à vista. E que, pelos vistos, se limita a gerir, estritamente, o dia-a-dia e, por isso, não tem metas nem políticas consistentes, pelo menos, para a saúde pública.
Ninguém condena o gesto do governo em si em conceder tolerância de ponto. Ele é aparentemente generoso e tem a virtude de apelar à indispensável solidariedade e alertar para os focos a combater. Também não se questiona a sua necessidade. Tornara-se já, por incúria e negligência das próprias autoridades, imprescindível e indispensável. O que ninguém aplaude é o seu timing que o transformou numa manifestação folclórica evitável se o governo tivesse feito em tempo útil o seu trabalho de casa. Não teria sido necessário privar o país de um dia de produção. Foi um gesto não negligenciável mas com uma forte carga demagógica que, no fundo, o que mais pretendia era fazer esquecer a “borrada” que havia feito ao permitir que meia dúzia de casos descambasse tão rapidamente num surto epidémico. Como diz o povo: “Depois da casa arrombada, trancas na porta!”
Não é tempo de culpabilizar ninguém individualmente nem de procurar bodes expiatórios, que os há sempre. Mas se o governo não é responsável pelo aparecimento do dengue no País, ele não pode enjeitar a grande responsabilidade que tem na sua rápida transformação em epidemia. E por isso, deve tirar, ele próprio, as devidas ilações e agir em conformidade, sob pena de, se o não fizer alguém o fará por ele com pesados custos.

A. Ferreira

O Romance Histórico em Teixeira de Sousa

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Se há uma narrativa – dentro do panorama da moderna Literatura cabo-verdiana – que se aproxima do chamado Romance Histórico é, sem grandes margens de erro, o romance: Entre Duas Bandeiras de Teixeira de Sousa.
Recordemos que a obra foi publicada em 1994 pela editora de sempre do escritor, a Europa/América, vinte anos após os acontecimentos nela narrados e quatro anos depois da instauração em Cabo Verde do regime democrático.
Tratou-se de um projecto audacioso do seu autor e entendam-me este “audacioso” como um desvio consciente e experimentalista do escritor do molde até então seguido em matéria de temática ficcional, embora o estilo e o poder criativo de Teixeira de Sousa se mantenham neste romance, em tudo semelhante aos dos seus romances anteriores e posteriores a este. É que o tema agora é político, observado e narrado sob um formato que se diria carnavalesco e sobreposto em várias dimensões.
Mas antes de entrarmos no universo romanesco propriamente dito, fixemos o espaço e o tempo histórico de Entre Duas Bandeiras. O cenário é a cidade do Mindelo e o tempo medeia entre o período histórico/político vivido em Cabo Verde, imediatamente a seguir ao 25 de Abril de 1974 (queda do regime salazarista) e o período antes do 5 de Julho de 1975 (data da independência de Cabo Verde).
O livro de Teixeira de Sousa – que vale a pena ser lido para quem ainda o não tenha feito – descreve-o de uma forma que prende o leitor até à última página do romance. Existe, e agora retomo o interior da acção, um tom satírico que perpassa o romance através do seu veio mais brando que é o humor. Como disse mais acima, o enredo parece formatado dentro de vários Carnavais. O Carnaval de Fevereiro, festa rija dos mindelenses, com os seus desfiles, os bailes animados e os prémios aos blocos; o Carnaval político com os seus comícios a toda a hora, com mil e um pretextos para manifestações de rua e palavras de ordem gritadas em megafones para os ouvidos dos transeuntes; os insultos e as provocações constantes dos ditos revolucionários; a dicotomia entre os auto proclamados «melhores filhos» gerados pelo PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde) e os filhos ilustres da terra que a tudo assistiam, uns aterrorizados, outros atónitos, pois que eram mimoseados com a classificação de «cachorro de dois pés» entre outros epítetos e, finalmente, o Carnaval individual da personagem Gaudêncio Pereira, cuja maior aspiração em termos de vida social era poder entrar como sócio no famoso Grémio Recreativo de Mindelo. Mas há outros Carnavais dentro da urdidura novelesca que sem serem secundários, gozarão de menos estatuto do que os acabados de apontar. Gostaria de destacar a célebre «invasão e tomada da Rádio Barlavento» com a justificação de que era uma rádio que transmitia “demasiados comunicados da UDC” (União Democrática cabo-verdiana) ao invés de só transmitir “os comunicados do PAIGC”, culminando a história (de novo a ambiguidade entre o real e a ficção) com a prisão e o embarque para a cadeia política do Tarrafal dos membros da UDC, este último evento em tom sério porque trágico afinal num tempo que devia ser de liberdade. De tudo isto – e de forma aparentemente romanceada em que subjaz uma verdadeira crónica histórica – nos dá conta o livro: Entre Duas Bandeiras.
Dito por outras palavras, assistimos no desenrolar da narrativa a uma espécie de aliança, entre a História e a ficção de forma criativa e empolgante.
Finalizando, e tal como havia dito no início, a filiação deste romance, cuja leitura recomendo, deverá ser procurada na linha do romance histórico, pois que se trata também de uma grande reportagem (ficcionada embora) de um tempo histórico vivenciado pelos Mindelenses.

"Aprender a ser gente"?...

segunda-feira, 26 de outubro de 2009
Reiniciar a actividade de escrita é tarefa que se me apresenta sempre custosa. Afinal a inércia pela ausência dela por algum tempo, tem os seus custos na retoma…
Ora hoje o tema que queria partilhar convosco tem origem num pequeno – mas que não deixa de ser interessante – incidente, recentemente acontecido, entre uma mãe e a direcção da escola em que está o filho.
Mas antes de recontar o episódio que me foi relatado por um professor de uma das escolas da zona da Damaia, Portugal, onde vive uma significativa comunidade cabo-verdiana aí imigrada, devo explicar que se trata de uma mãe cabo-verdiana, emigrante, creio que oriunda da ilha de Santiago.
Ora bem, a referida escola onde anda o filho decidiu numa atitude que pode ser até louvável, que os professores das turmas, maioritariamente frequentadas por alunos de origem cabo-verdiana, deviam aprender e falar crioulo com os alunos. Foi ministrado um curso de crioulo aos docentes interessados e alguns deles começaram a pôr em prática a orientação recebida.
Vai daí, ao ter conhecimento de tal postura pedagógica, a nossa mãe e encarregada de educação de um dos alunos cuja turma fora abrangida por essa norma linguística, sai de casa, numa bela manhã, dirige-se à escola e pede para falar à Presidente do Conselho Directivo da Escola e segundo me contaram, as palavras, ao que parece indignadas da encarregada de educação para a responsável da escola foram (mais ou menos as seguintes, ditas num meio português, meio crioulo mas, ao que parece, bem percebidas): «Senhora Directora, eu vim aqui para falar consigo sobre o crioulo que agora estão a falar na escola. A senhora me desculpe, mas parece “chuchadeira”… Eu mando o meu filho à escola para aprender a ser gente o que passa por aprender a língua portuguesa. A escola não tem que se preocupar com o crioulo para ele, pois em casa tem-me a mim e ao pai para isso. Aqui na escola quero que o meu filho aprenda a estudar, a escrever e a falar bem português. Para isso é que o pus na escola! A senhora Directora entendeu direito o que eu disse? Bem, é só isto é que eu lhe queria dizer!» E mais não foi preciso acrescentar. Despediu-se e saiu do gabinete, porta fora, com passos enérgicos e com ar de quem havia cumprido um dever!
O que é certo é que a Presidente do Conselho Directivo teve mesmo de rever a orientação anteriormente dada.
Moral da história, se é que é ela é aqui precisa: esta atitude idiossincrática da mãe cabo-verdiana reflecte o que a escola directamente representa para o imigrante cabo-verdiano: uma via de integração e de valorização social. E ainda bem que assim é.

Por onde anda a pontualidade!?

quinta-feira, 8 de outubro de 2009
A pontualidade terá sido “varrida” dos mapas das escolas, dos serviços públicos, dos transportes, dos lares, entre amigos? Foi “banida” na cultura organizativa dos chefes de serviços, dos responsáveis, dos funcionários públicos, dos empregados? Por onde andará a pontualidade neste País? É a questão que se me tem vindo a colocar à medida que o tempo passa e a novos tempos dá lugar. O retrocesso nesta matéria é quase total. Já nem sequer faz parte da educação em casa e, infelizmente, também não nas escolas.
A propósito destas últimas, as escolas, escutando há dias um programa pela rádio em que o jornalista fazia a cobertura informativa do primeiro dia de aulas, verifiquei, uma vez mais e com muita tristeza, de como anda a nossa pontualidade. O referido jornalista de serviço matinal, andou por quase todas as escolas secundárias da nossa cidade capital e o denominador comum de todas elas – e de que o repórter se queixava ao colega do estúdio – era que as escolas visitadas, estavam praticamente vazias, sem ninguém a quem ele pudesse entrevistar ou colher impressões sobre o regresso às aulas. Segundo ele, ainda não havia chegado, nem professores, nem alunos e nem funcionários para se dar início às aulas das 7h30m de horário; olhei para o meu relógio e os ponteiros já quase se abeiravam da hora regulamentar lectiva. Disse para os meus “botões:” «a pontualidade não devia começar, precisamente nas escolas, como acto pedagógico e educativo?» Que péssimo exemplo!
Aqui há dias a Directora de um conceituado Jardim-escola desta cidade, lamentava os atrasos quase sistemáticos de muitos pais em chegarem à instituição a horas regulamentares com as crianças. Se começam assim o dia, a que horas chegarão ao respectivo posto de trabalho? E tudo isto tem um efeito somatório, multiplicador e acumulativo. De atraso em atraso no trabalho, no desempenho e no atendimento ao cidadão. Qual a meta a atingir?
Actualmente, e não é raro acontecer, não se encontrar no seu local de trabalho, ora o chefe, ora o funcionário responsável pelo assunto que o cidadão vai tentar resolver, ou tem pendente com o serviço público. As respostas mais ouvidas (da minha “estatística” pessoal) são invariavelmente as seguintes: «ainda não chegou» ou então: «saiu» e ainda a já estafada justificação de ausência e de não querer trabalhar: «acabou de entrar numa reunião». Tudo isto dito com o tom e o ar de ser a coisa mais natural do mundo, e mais, como que a fazer sentir ao cidadão necessitado do agente ausente, a culpa que lhe coube em ter ido à repartição ou ao serviço àquela hora, naquele momento! E estamos a falar em pleno horário de funcionamento. Ao que chegámos!
Resultado, o dito agente e prestador de serviço público, pago com os nossos impostos também, nunca está ou, muito raramente se encontra em horas normais de expediente, no seu posto de trabalho.
Minha gente, será assim que querem ou pretendem que o país progrida? Com recursos humanos dessa estirpe? Em que os pontuais constituem honradíssimas excepções?
Trata-se de uma quase “calamidade” nacional, uma espécie de praga endógena que vem avassalando e minando os serviços públicos, privados e as relações laborais em Cabo Verde. Para além de constituir, no meu entender, uma autêntica vergonha!
É que a pontualidade, para além de ser um elemento social, ou melhor de socialização, indispensável para a vida numa comunidade organizada e civilizada, é igualmente um claro sinal de respeito e de consideração pelo nosso trabalho, pelo outro que espera por nós e, finalmente, por nós próprios.
Eu já me considero uma “espécie em vias de extinção” ou seja, faço parte de um reduzido grupo de pessoas normais que pratica e sente orgulho nisso de ser pontual. Felizmente, ainda tenho o prazer de disputar com elas quem é mais pontual do que a outra. Longe vai o tempo em que a pontualidade fazia parte do código de honra de qualquer agente público.

Mário Fonseca e a Poética do Amor Futuro...

terça-feira, 29 de setembro de 2009
Porque a morte surpreende sempre e dolorosamente; e porque hoje ao evocar Mário Fonseca que recentemente nos deixou, gostaria de fazê-lo através da sua poesia, a sua maior herança a todos nós deixada; venho aqui neste curto e parco texto realçar, em palavras breves, a parte mor e larga que coube à temática do Amor, eterno mote que emoldurou e acompanhou muitos versos deste poeta os quais num outro escrito chamei de «Poética do amor e da rebeldia».
A parte “rebelde” da sua poesia, mais distinta na poesia dedicada ao «nacionalismo combatente» marcou indelevelmente a sua escrita e ficará certamente como uma espécie de “ex-libris” do seu estilo poético, mas para nós também que conhecemos o homem, como uma forma de estar na vida de quem nunca “dobrou a cerviz”.
Esta introdução é minha homenagem à memória afectuosa que guardarei do poeta Mário Fonseca.
Voltando ao tema que deu o título a este escrito, ora o amor na poesia de Mário Fonseca é também vária, é igualmente cósmica e abarca um colectivo. Muitas vezes é avassalador, de tal modo o é, que o poeta ao “deitar contas” à vida, eis senão que descobre e lhe assoma claramente, a dolorosa consciência – mas sem qualquer ressentimento, antes pelo contrário, numa atitude fraterna – de “se ter dado” aos outros, de ter posto e disponibilizado a sua poesia ao serviço da “vida” – que não exactamente a sua, mas – ”a que os outros terão, mesmo se dentro de séculos
As palavras de Arménio Vieira, assinalaram e bem que Mário Fonseca pertence «à estirpe dos poetas que demandam o Ideal, esse lugar que nenhum mapa assinala» e que talvez se situe «num país distante chamado Utopia»
Mas o poeta acreditava nesse futuro perfeito que dependeria do querer e da vontade do Homem, daí que ele não teve receio em, ao defendê-lo, fazê-lo através da conjugação do verbo Amar:
Aqui tendes / O meu coração / Aberto / A todo o querer / Conjugai comigo / O verbo amar / O mais belo / O mais fácil / De conjugar / Eu amo a vida / E o pão / Partilhado / Na mesa de todos // (…) TU amas a vida / E o leite / Mungido / No úbere / Do amor // (…) ELE ama a vida / na paz merecida / dum comum caminhar / NÓS amamos a vida / E o quinhão / Que nos cabe / Porque bem / Trabalhamos / Na terra de todos / Por todos querida // (…) Se a morte vier / Em hora / importuna / Que importa / Morrer / Se é por amar /A vida / Se a semente semeada /Na terra / De todos / Germinará / Amanhã // (...)”
Mário Fonseca, in: Se a Luz é para Todos, 1998.
Por outro lado, o amor no poeta é também individualizado, sentido e dirigido. Nesta linha também está a sua “Força di Cretcheu:
Pudesse ela ressuscitar /Não queria acreditar / Que ainda vive aquele amor / Que é amor de um mesmo amar / Nascido de um mero olhar.”
Porque a natureza e os limites deste escrito o não permitem, os excertos transcritos são apenas pequeníssimos exemplos dos muitos e variados poemas que Mário Fonseca escreveu sobre o tema.
É o próprio poeta que reconheceu que a sua poesia não era – e nem ele queria que ela fosse – unívoca. Não, ela não está munida apenas de tom “vociferante e acusador.” Ora isto permite-lhe sobreviver e perdurar consistentemente como texto poético. A sua rebeldia poética vai ao ponto de ter cantado o amor em tempo de guerra.
Podia acrescentar que são múltiplas, variadas e plurissignificativas, as vozes poéticas que lhe pediram, em simultâneo, licença para se expressarem. Vale dizer, que uma das riquezas da poética de Mário Fonseca residiu exactamente no facto de ele ter dado vez e voz a todas elas.
Ora se ele assim as entendeu – as vozes poéticas – melhor as expressou em ricos poemas que hão-de de permanecer no grande texto poético cabo-verdiano como símbolos de uma pujança cultural, histórica, social e igualmente lírica e rítmica que distinguem a poesia de Mário Fonseca.

As nossas Alegrias

Ultimamente e nesta etapa de vida comummente chamada de terceira idade, e já no limiar dela, apanho-me com alguma frequência, a reflectir sobre as prioridades a definir ou já definidas a levar a cabo exactamente nestes anos que hão-de de me encontrar (faço votos que sim!) em boa, ou no mínimo, razoável sanidade física e mental.
E o que sobressai de entre as minhas prioridades, que ao fim e ao cabo trazem sempre no topo a família; destaco as alegrias que os nossos netos nos têm dado. Eles funcionam como uma verdadeira bênção dos céus! E são-no de facto!
Daí chamá-los «As nossas alegrias».
Tudo é relativo. Não é? E se calhar em quase tudo semelhante a outros tantos avós deste mundo. Pois é, para nós o máximo é quando a Inês, a mais velha das netas telefona para comunicar aos avós que entrou no quadro de excelência da escola dela, ou que acabou de ler um livro com umas centenas de páginas, ou quando a Margarida, a segunda da lista dos netos, e muito dada a passatempos, às revistas e às disciplinas em que se configuram alguns conhecimentos científicos sobre a natureza e sobre o Homem, nos expressa de “cor e salteado” o nome dos ossos que formam o corpo humano.
Dos nossos dois netos, mais novos na sequência – ambos esbanjando energia – o Diego que nos seus lindíssimos três anos, faz-nos verdadeiros “recontos dramatizados” com pose das personagens dos contos que ele “lê” através das imagens dos livros e dos DVD. Outra graça: efabula maravilhosamente bem quando se lhe pergunta como foi o seu dia no Jardim.
Por último – e este último entenda-se apenas na fila por ordem etária – vem o nosso Miguel o «traquinas falador» por enquanto o «benjamin» dos netos e a querer fazer tudo o que as irmãs e o primo mais velhos fazem. A típica fase da imitação e que nele assenta com muita graça pois que os actos pretendidos, por vezes ultrapassam a capacidade dos seus dois anitos. Já agora não vá sem acrescentar a já célebre e irreverente expressão que ele terá ouvido e fixado e que gosta de repetir, diga-se em abono da verdade com alguma oportunidade por vezes e para quem o irrita: «cala a boca pá!» embora muito censurado, e bem, pelos progenitores, não deixa no entanto de provocar sonoras gargalhadas ao avô.
Tê-los todos cá em casa pelo Natal constitui para nós, os avós, o ponto alto do ano. Embora correndo o risco de utilizar lugares-comuns, diria que eles “enchem-nos” a casa de alegria e de barulho e quando partem, após a quadra festiva, o silêncio dos primeiros dias fica completamente preenchido pela saudade. Olhámos um para o outro, como a querer dizer: «Valem a pena! Eles são de facto as nossas alegrias!»

O Estado e o Empreiteiro na Obra Pública – Responsabilidades

quarta-feira, 2 de setembro de 2009
1. Costuma-se dizer, metaforicamente, que a diferença entre um pedreiro e um engenheiro está no custo da obra. É óbvio, que isto pressupõe que o pedreiro seja sensato, consciente das suas limitações e pelo facto queira garantir uma certa margem de segurança à obra que, quando excessiva colide desnecessariamente com o custo. A verdade é que o engenheiro procura sempre optimizar o binómio segurança–custo (pondo, por agora, de parte o conforto, entre outros), enquanto o pedreiro trata cada elemento de forma autónoma, independente.
Outra nota importante é que o pedreiro não concebe nem dimensiona, executa. Executa com base em práticas anteriores e, por força do seu empirismo onde se encontram mascarados os conhecimentos de base, tem dificuldades em extrapolar. Mas acontece que há engenheiros que também executam e conseguem por este facto as duas valências – a do engenheiro e a do pedreiro. É o empreiteiro. Individualmente, ou como organização com as inerentes e óbvias mais-valias. Como engenheiro tem a vantagem de pensar a obra, de avaliar os impactos, de a redimensionar, de propor soluções alternativas; como pedreiro limita-se a executar e no quadro estrito recomendado pelo dono da obra. A relação entre o empreiteiro e o dono da obra deve ter presente que não obstante o primeiro vise lucros para a sua sobrevivência, pois não é propriamente uma instituição de beneficência, ele tem igualmente consciência prática que a sua sustentabilidade dependerá sempre do seu bom-nome e reputação. E se pontificar este postulado não haverá grande espaço para desconfianças e suspeições que corroem e minam o clima, de entendimento e de confiança mútua, indispensável às relações de parceria e de sã “cumplicidade” que devem presidir esse relacionamento.
Enquanto tudo se passar na esfera do privado nenhum mal virá daí desde que a segurança do empreendimento e a preservação do ambiente sejam garantidas.
2. Visão diferente deve-se ter, quando se trata de uma Obra Pública, não apenas por ser paga pelos contribuintes, em que o Dono da Obra, stricto sensu, é o estado mas também pela sua natureza intrínseca. Neste caso devem ser bem avaliados os factores de risco (actividades sísmica e vulcânica, fenómenos climáticos extremos, cheias e inundações, movimentos de vertente entre outros) e os elementos em risco (população, construções, infra-estruturas, actividades económicas, valores culturais e paisagísticos, organização social, entre outros) aonde se incluem a conservação e a durabilidade do empreendimento. A avaliação implica introdução desses dados no cálculo de dimensionamento do projecto com vista a controlar os seus efeitos uma vez que não é possível, de todo, eliminá-los e garantir a funcionalidade optimizada da infra-estrutura para o período projectado da sua vida útil. E isto tem custos acrescidos que se deve ponderar. A ponderação remete-nos a um estudo estatístico das ocorrências dos factores de risco, à probabilidade da ocorrência de um fenómeno de determinada magnitude e ao período de recorrência do fenómeno. Tudo isto, com enormes implicações no custo da obra, deve ser previsto, ponderado, calculado e projectado previamente, i.e., antes da execução.
3. Pode, todavia, acontecer que a pressão exercida pela premência da construção de uma infra-estrutura, por necessidade imperiosa ou por razões políticas, não permita que ela seja conveniente e tempestivamente pensada mitigando os principais factores de risco e se tenha relegado para o plano de execução o levantamento e a minimização desses riscos. Seria uma praxis pouco ortodoxa mas nem por isso menos utilizada. Convém aqui frisar que, classicamente, há dois tipos de riscos: os naturais, que dizem respeito, ou estão ligados, a ocorrências de fenómenos naturais e os chamados tecnológicos que correspondem a ocorrência de acidentes, normalmente súbitos e não planeados, decorrentes da actividade humana. Actualmente, a interacção cada vez mais acentuada e complexa das actividades humanas com os fenómenos naturais deu origem a um terceiro tipo chamado Risco Ambiental.
4. Voltando à questão da obra pública, é evidente que quando o dono da obra não tiver feito no projecto de execução a avaliação correcta dos riscos deve, em primeiro lugar, designar técnicos competentes para, no decorrer da obra, o fazer, e disponibilizar meios financeiros para esse fim. Por outro, dada a (quase sempre) complexidade da tarefa, deve o representante de estado (Dono da Obra) ter capacidade e humildade de olhar para o empreiteiro como um parceiro indispensável na defesa dos interesses que lhes são comuns e não como um adversário que é preciso “apertar”, “castigar” e, evidentemente, com ou sem intenção, desmotivar. Do mesmo modo, o gestor do Projecto deve ter discernimento necessário e autoridade técnica e moral para agir quando o seu representante não se mostra a altura das suas responsabilidades ou exacerba as suas funções pervertendo o ambiente de permanente concertação que deve prevalecer entre todas as partes intervenientes. Numa palavra, não deve limitar-se a simples “caixa-de-correio” mas a uma caixa-de-diálogo e concertação.
5. Ocorreu-me esta reflexão porque nos encontramos na época das chuvas e estas recorrentemente provocam danos avultados no património construído, designadamente nas infra-estruturas. Danos que, na maior parte das vezes, nada têm de imprevisto, e por isso, bem podiam ser mitigados ou mesmo evitados se as relações entre o Dono da Obra e o Empreiteiro fossem mais de parceria do que de antagonismo; se se criasse um ambiente distenso de diálogo, de confiança mútua, regido por um certo pragmatismo em vez de suspeição e permanente guerrilha. Os Cadernos de Encargo (CE) são facilmente brandidos, não como uma indispensável referência mas com a infalibilidade de uma Bíblia ou Alcorão. E por via disto, regra geral, as propostas ou recomendações não encontram ambiente para uma concertação necessária e desejável. E quando não são avocados – os CE – razões de natureza economicista prevalecem sobre as de qualquer outra índole. E por isso morrem (propostas e recomendações) no silêncio dos gabinetes, quase sempre depois de profundo coma contabilístico. O incompreensível é que ao se alegar justificações de ordem financeira não se tenha, em simultâneo, a preocupação de conseguir soluções tecnicamente válidas com menores custos.
No final quem paga são os contribuintes, somos todos nós. E a culpa, como sempre, morrerá solteira.
A. Ferreira

A Língua Portuguesa e a CPLP

quinta-feira, 13 de agosto de 2009
Não tenho quaisquer dúvidas sobre o profundo e o indesmentível afecto que a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, a CPLP, nutre pela sua língua, materna, segunda, oficial. É um facto. Como também ser um facto o sentimento de afecto e dos fortes laços tecidos ao longo de uma igualmente longa história comum que unem os mesmos países entre si. Tudo certo e ainda bem que assim é. Só dignifica a CPLP. Mas hão-de convir comigo que algo estranho se passa, no que toca a tomar decisões, que deviam ser de fundo e de peso sobre o presente e o futuro da Língua comum.
Na minha modesta opinião, o tratamento do caso da Língua portuguesa via CPLP, só faz lembrar, mutatis mutandi e com o devido respeito, as já conhecidas e inócuas decisões que saem da UA: Apenas mantenhas inter – pares.
Veja-se o caso do Instituto Internacional da Língua Portuguesa, o IILP. Há já anos que continua à espera de ser o difusor, o rosto activo e visível da expansão da Língua portuguesa entre os falantes da Comunidade e da sua divulgação em fóruns internacionais.
O interessante é que em quase todas as reuniões de alto nível da CPLP saem promessas de que agora é que é. De agora é que chegou a hora de fazer o Instituto Internacional da Língua Portuguesa sair da “letargia” em que se encontra mergulhada. Manda a verdade que seja dita que a baixa «performance» linguística do IILP se deve, e muito, à falta de cumprimento das obrigações dos próprios Estados membros para com o Instituto e a um “travar” – muitas vezes por temerem concorrências fantasmagóricas – as iniciativas, em termos de projectos, pretendidas internamente pela própria instituição que devia ser a mais dinâmica e a mais dinamizada da e pela CPLP.
O que acontece, e infelizmente, é que acabados os encontros dos altos dignitários dos países lusófonos tudo fica entre abraços e promessas depressa esquecidas…até à próxima reunião.
Não sei se tudo isto se deve ao facto de a CPLP não ser uma organização um pouco supra-Estados. Faço-me entender, pudesse funcionar sem ser com os dirigentes dos governos dos Estados membros. É que todos, ou quase todos os responsáveis pelo funcionamento, pelo andamento dos órgãos constitutivos da CPLP e das suas decisões, são nos seus países respectivos, altos dirigentes governamentais e de chefias ministeriais. Logo, naturalmente, demasiado preocupados e ocupados com assuntos internos, prioritários, do país respectivo. Daí que seja relegado para segundo plano tudo ou quase tudo o que à CPLP, e no caso particular ao IILP, diga respeito.
Não seria talvez melhor, a bem da Língua portuguesa, que o Instituto Internacional da Língua Portuguesa, se a composição da sua Assembleia-Geral (órgão decisor) fosse substancialmente (não unicamente) formada por Linguistas, Gramáticos, Dicionaristas, Lexicógrafos e estudiosos da Língua portuguesa, entre outros especialistas da Língua comum, ao invés de estar sob alçada “exclusiva” de representantes dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros e das Relações Exteriores dos países membros? Estes, com reduzida margem de erro, até hoje, muito pouco por ele fizeram. E isto para não trazer à colação algo bizarro, e já aconteceu, de um grande Estado membro ter, ou ter tido, no seu Ministério de Relações Exteriores, as questões e o tratamento da Língua Portuguesa abrigados num dos seus mais remotos departamentos, juntamente com as relações que mantinha com a Oceânia, o que não deixa de ser bem ilustrativo da importância dada ao elemento mais importante da CPLP!
Resultado: instalou-se já entre nós, os da CPLP, um certo cepticismo, e uma sentida frustração em crer na realização dos objectivos para os quais fora criado o IILP. E parece que se está sempre à espera que se decrete a sua “liquidação.” E note-se que o que foi dito não pretende afectar e muito menos deslustrar o papel da sua esforçada Direcção.
Faço votos e espero muito sinceramente que tal não aconteça e que o IILP conheça dias mais radiosos e que a Língua portuguesa seja de facto o elo mais forte da CPLP!

A Guiné-Bissau e o novo Presidente

terça-feira, 4 de agosto de 2009
A Guiné-Bissau já tem um novo presidente eleito. Regozijamo-nos todos. Sobretudo por nos permitir antever um fim institucional à turbulência e “insegurança” dos últimos meses. Sabemos que ele emerge de um ambiente eleitoral calmo, tranquilo, sereno e através de um escrutínio considerado pelos observadores como enquadrado nas regras da democracia.
Bacai Sanhá é o novo Presidente da Guiné-Bissau. Felicitamo-lo vivamente desejando que ele faça um mandato tão tranquilo e sereno como o foi a sua eleição. Que não seja mais um presidente! Mas aquele que fará a diferença e trará para o seu martirizado país a tranquilidade e a paz necessárias ao desenvolvimento de um clima propiciador de investimentos e de progressos sociais e económicos. Que seja um garante da Constituição e da Democracia na Guiné-Bissau e que saiba com o seu gesto e postura dignificar o pais e repor o orgulho guineense.
O presidente-eleito era um candidato partidário. Hoje é, ou deve ser, um presidente supra-partidário. Se não entender isto, o seu mandato está condenado à partida. As eleições presidenciais, ao contrário das legislativas, não “criam” oposições, “eliminam-nas”. É um órgão singular. É o método das eliminatórias e não da partilha e da coabitação como acontece nas legislativas. Por isso o Presidente deve trabalhar com o governo e com a oposição em simultâneo procurando sempre a defesa do interesse nacional.
Bacai Sanhá deve ter presente alguns factos: Os votos da segunda volta são votos “do menos mau” e não do melhor. Houve um presidente (Portugal) que foi à segunda volta com escassos 23% contra 48% do seu adversário e ganhou as eleições… Permitam-nos especular: Não sabemos se numa segunda volta Bacai Sanhá venceria um Henrique Rosa?! Com isto não queremos de maneira nenhuma tirar-lhe qualquer mérito e, muito menos, legitimidade. Nem ao Kumba Ialá, se ganhasse. Bem pelo contrário. É a democracia. E as regras democráticas universalmente aceites foram integral e escrupulosamente cumpridas. Só há que nos congratularmos.
Continuando, os votos da primeira volta pertencem por inteiro ao candidato ou terá que os partilhar com o seu partido se for um candidato partidário. Quero aqui distinguir o candidato partidário, do candidato apoiado por um partido. São coisas bem diferentes…
Bacai Sanhá obteve na primeira volta 131.341 votos de um universo de 593.779 inscritos o que corresponde a escassos 22,1 %. São estes os seus verdadeiros apoiantes. Ou por convicção ou por disciplina partidária. Por isso se exige ao presidente-eleito tacto político, sensatez e equidistância em relação aos partidos políticos. Não confundir nunca o Governo com o partido que o apoia. As razões dos partidos nem sempre são as razões do Estado embora todos as reivindiquem como tais. Cabe ao PR fazer a ponderação, a distinção e a eventual moderação ou mediação.
Não há que embandeirar-se em arco com os 64% da segunda volta. Bem ao contrário, há que os sopesar, interpretar e tirar as correctas ilações. Não são votos dos “camaradas” mas sim de uma população ávida de uma estabilização e esperançosa de uma mudança na política guineense. Os votos do candidato Henrique Rosa, sublinhe-se, o único sem qualquer apoio partidário, devem ser um referencial não só a não desprezar como a ter muito em conta.
Consta que Bacai Sanhá fará um périplo para convidar os seus pares mais próximos ao acto de investidura. Aplaudimos energicamente esta atitude desde que seja feita com o intuito da busca de uma boa vizinhança e seja o prenúncio do desenvolvimento de uma diplomacia de influência em prol da Guiné-Bissau. Não como prestação de “vassalagem” ou obediência à “camaradagem” de um passado que não obstante glorioso, já não serve os interesses presentes e futuros dos guineenses. Os estados orientam-se por interesses dos seus cidadãos e do seu território e não se devem submeter à nenhuma lógica de conveniências pessoais ou partidárias que em democracia são absolutamente transitórias.
Muito sinceramente, gostaríamos que o novo presidente venha a ser o promotor activo das relações económicas, sociais, culturais e politicas com todos os países vizinhos e, particularmente e privilegiadamente, com Cabo Verde onde estão já criadas as condições básicas e facilitadoras, relações estas estritamente assentes em igualdade, respeito mútuo e no interesse absoluto dos cidadãos de cada um dos países.
A. Ferreira

Alguma Formalidade Precisa-se…

terça-feira, 28 de julho de 2009
Alguma formalidade está a ser precisa em algumas instituições desta cidade!
Actualmente já não se sabe saudar nos serviços de forma diferenciada, Utiliza-se o informal «tchau!» em casa, entre amigos e no serviço. O «Até logo!» e outras formas similares de despedidas caíram em desuso. É quase sempre com o cantante «Tchau!» que se despedem muitos funcionários e empregados públicos, do utente acabado de atender quer seja ao telefone, ao balcão, e por vezes até mesmo no gabinete. E note-se que nem se pode dizer que se trata já de um italianismo, buscado no “ciao.” Não, este «tchau» já foi nacionalizado no léxico do cabo-verdiano com foros de intimidade. Devia haver mais informalidade nos serviços públicos.
Outra má nota nos serviços é o “vício” ou a “moda” de mascar pastilha elástica enquanto atendem. Só lhes falta fazer “balão” com a dita pastilha elástica nas “barbas” de quem se lhes dirige a solicitar uma informação ou para esclarecer um assunto. Mas o que é isto? Depois é o falar alto e despreocupado, como se estivessem na praça ou em casa. Enfim!
E o descalçar os sapatos? Bem, isto é mais notório nas jovens mulheres. Mal se sentam à secretária do serviço, ou à mesa das aulas, algumas delas, o seu primeiro acto é tirar os sapatos, ou as sandálias, ou chinelos o que, para além da deselegância do gesto, dá um aspecto constrangedor de quarto de dormir de casa privada.
Se acontece ouvirem música, a tal da “alegria no trabalho” ela é sempre aos “berros”, com os decibéis de festival de praia (passe o exagero) que só se compara à música ouvida, quando se entra nos táxis e nos transportes colectivos, da cidade da Praia e do Fogo. Sempre aos “berros.” Nem questionam se incomoda o passageiro!
Torna-se necessário e urgente imprimir algumas normas formais que devem ser usadas nos serviços públicos nacionais.
Aconteceu-me, esta manhã, ao entrar na sala dos Professores de uma instituição universitária, ser confrontada com duas dessas pouco próprias modalidades, ou seja, a música de fundo que devia ser em volume bem baixo, emitia uma alta e sonante batucada em tudo impeditivo para a concentração de alguém que procurava um espaço de algum silêncio, ou no mínimo, de falas em tom baixo para preencher com alguma urgência profissional, uma pauta de notas de avaliação. Após terminado o labor que lá me levara, à saída, ouço o informal «tchau!» da funcionária do atendimento a retribuir-me o meu: «…a continuação de um bom dia!»
Saí para a manhã de calor que já queimava de forma inclemente e dei comigo a monologar: «Mas não é normal este ambiente de trabalho que se encontra em quase todos serviços nesta cidade! Precisa-se de alguma formalidade!»

Eugénio Tavares na China?

Pois é, com este título estará o leitor a pensar em alguma viagem feita pelo nosso poeta (1864-1930) à longínqua (na altura, seria mesmo muito longe) China. Não, não se tratou desse tipo de viagem. O que o título quis dizer é que Eugénio Tavares “viajou” até às terras do Oriente – possivelmente não terá sido a primeira vez – através da sua poesia, e no século XXI.
Tudo aconteceu quando em 2005, a Universidade de Macau me convidou para participar no curso de verão que o seu departamento de Língua e Cultura Portuguesa realiza com regularidade para estudantes e professores de português, da China, e outros vindos das Filipinas, do Japão e da Coreia, entre outros países da grande região. O curso foi dirigido fundamentalmente a professores de português, língua estrangeira.
Ora em 2005, alargaram o curso ao introduzir, entre as cadeiras ministradas na dita universidade, a valência: literaturas africanas de língua e expressão portuguesa. Foi nesse âmbito que tive o enorme prazer de dar a conhecer a alguns estudantes e professores de português língua estrangeira, alguns marcos e obras importantes da literatura cabo-verdiana, de que a poesia lírica de Eugénio Tavares é naturalmente parte pioneira. Daí que uma das actividades que mais me marcou foi ter ouvido a morna «Canção do Mar» mais conhecida como «Mar Eterno», cantada por estudantes e professores chineses, filipinos, coreanos e japoneses. Foi sem dúvida uma experiência marcante, pois que, para além de contos narrados e de leitura de poemas de outros poetas dos chamados PALOP, «Mar eterno» foi cantado a várias vozes, e escolhido pelos participantes nas actividades finais da disciplina para apresentação na “gala” que marcou o término do curso de verão.
Pois bem, terá sido qualquer coisa que me transportou para alguma universalidade, para alguma forma de globalização feitos através da palavra poética, da literatura e da música.
Na hora das despedidas, um dos professores de português, língua estrangeira, por sinal filipino, disse-me todo entusiasmado: «este poeta e esta canção vão ser parte da matéria das minhas aulas no próximo ano lectivo. Vou pôr os meus alunos a cantar em português».
Escutar a poesia de Eugénio Tavares, em vozes de outras culturas, tendo como denominador comum a língua portuguesa pronunciada de várias maneiras e tonalidades diferentes na emissão, e cantada com entusiasmo e modelações melódicas de encantar (passe alguma redundância) que mais parecia ter ultrapassado a simples obrigação do aprendente, tocando o verdadeiro desfrute poético/musical da morna do grande poeta bravense, terá sido sem sombras de dúvidas uma das mais gratificantes memórias que guardei dessa minha estada em Macau.
Não terminarei sem destacar que a voz nacional que me valeu e serviu de modelo através do CD, «Cânticos Crioulos Ao Mar» – que levei na minha bagagem de materiais didácticos, para que professores de português Língua estrangeira, daquele curso de verão aprendessem a morna «Mar Eterno» de Eugénio Tavares – foi a bela voz de Gardénia Benrós, a quem saúdo e agradeço.
Aliás, não vá sem acrescentar e mesmo a findar este pequeno texto, que tenho para mim, que Eugénio Tavares compôs muitas das suas mornas “a pensar” (que me seja permitida esta fantasia) com quase um século de permeio, na interpretação delas nas vozes de Sãozinha Fonseca e de Gardénia Benrós, tal é a sintonia poeta/letra/música/voz/intérprete e isto, sem qualquer desprimor para as outras boas vozes que também o já cantaram.

Ensino... Quo Vadis?

sexta-feira, 17 de julho de 2009
De facto é mister que se reflicta sobre este fenómeno de perda de qualidade galopante que se instalou de forma arrasadora no sistema público do ensino cabo-verdiano. O que terá acontecido? Como foi que deixámos a situação sair fora de controlo? Que “forças contrárias” provocaram a derrocada do ensino público nacional? O que terá acontecido, às nossas escolas? Aos professores? À forma como ensinam? O que ensinam, ou não ensinam?
Que os alunos estão cada vez menos preparados, é um facto. Seriamente deficientes em quase todas as disciplinas, com real destaque para a da Língua portuguesa que nem formas verbais conhecem e muito menos conjugá-las? Simplesmente calamitoso e lamentável!
Se havia algum sector de que nos podíamos orgulhar – quase sem reservas – era exactamente o do ensino público. Não que fosse algum ensino de excelência. Não, longe disso. Mas as escolas públicas e os professores de uma maneira geral inspiravam alguma confiança aos pais que preferiam até matricular os filhos nelas, do que em estabelecimentos privados. Embora, diga-se de passagem, que estes eram em número muito insuficientes e não gozavam, há uns anos atrás, de melhor fama didáctico – pedagógica do que as escolas do Estado. O cenário era completamente outro.
De qualquer forma havia ainda reservas de professores normais, no sentido de conhecimentos e de pedagogia, nas escolas públicas nacionais que sabiam transmitir a matéria devida a cada disciplina curricular o que fazia também com que a média dos alunos conseguisse adquirir em cada nível de estudos básico e secundário, o saber médio, adequado ao nível de estudos.
Hoje em dia, infelizmente, os alunos terminam o Secundário, entram para a formação superior sem saber falar e escrever a língua segunda e veicular do ensino; (Língua portuguesa) sem saber regras de socialização que o próprio meio académico básico e secundário acabavam por lhes transmitir, quando falhava o papel da família; sem ter lido qualquer livro, nem mesmo os manuais didácticos.
Enfim, com lacunas e etapas queimadas de forma gritantemente irreversível de tal forma, que por aquilo que me é dado observar, leva-me a pensar isto: O que será o amanhã – em termos de cidadãos e em termos de desenvolvimento – deste país com Recursos Humanos deste teor?

Transcrições e Citações

segunda-feira, 13 de julho de 2009
Sempre ouvi dizer que é correcto e cristão, “dar o seu a seu dono” acrescido de que é “pecado” (passe o exagero da piedosa expressão) “enfeitar-se com penas de pavão.” E isto tudo para não rematar que é abuso, por vezes de confiança entre nós, transcrever palavras e ideias de outrem sem usar aspas e itálico como se não fosse plágio. Sem entrar nos aspectos criminais que por vezes configura o assunto e em que incorre o plagiador.
Ora bem, venho notando em trabalhos escritos de estudantes das nossas instituições universitárias locais, nos trabalhos de fim de curso, a chamada monografia, como muitos deles, transcrevem por vezes, páginas inteiras copiadas de outros autores com a maior desfaçatez, sem cuidar de que estão a plagiar, sem cumprir o que mandam as regras, isto é, citar a fonte de onde extraíram as ideias, colocando as aspas e as letras em itálico. Pois bem, nada disso é observado e respeitado.
Resultado, quando chegar a vez deles de serem professores ou orientadores de teses finais, acharão ”normal” que o seu formando faça isso. E assim estamos nós a desenvolver no país – e fundamentalmente ao nível do ensino superior – com foros de normalidade, o incentivo ao plágio.
Tenho tido algumas arrelias a este respeito com os meus alunos a quem ensino que podem e devem citar e transcrever palavras e ideias de outros autores, para os trabalhos que elaboram, pois que isso só os enriquece. Ao mesmo tempo que lhes digo e lhes mostro claramente, que são eticamente obrigados, através das formas adequadas, a declarar as fontes e os autores até numa linha muito cristã de: «A César o que é de César…».
Quem diz transcrições, diz também citações, que as tenho ouvido, por vezes, em textos de palestras ou conferências locais, de gente já com responsabilidades outras que não as de estudante, sem alusão do conferencista ou palestrante ao facto de as estar a fazer. E tudo isso, na maior das tranquilidades, sem pestanejar e nem mudar de voz…

Disciplina da Língua Portuguesa?

Para o meu espanto, leio no número de Junho de 2009, do «Terra Nova», mais precisamente no seu: “ Miradouro” esta notícia com contornos de insólita a que não resisto transcrever a parte seguinte: «(…) um professor de português que se dá muito mal com a língua de Camões, fala habitualmente crioulo na aula (…)» (de português).

E isto passa-se numa “instituição de ensino superior” esclarece a mesma notícia.

Mas, minha gente, para onde vamos? Onde já se viu, ensinar português a alunos cabo-verdianos do ensino superior em crioulo?

É caso para corroborar com o escrito no jornal, exclamando: “pobres alunos!” Não se admirem depois da sua prestação nas outras disciplinas do curso, cujo suporte escrito é quase todo em português, nem tão pouco do seu desempenho em universidades de língua portuguesa sobretudo fora do país…

Ao que chegamos!

Correcções versus Incorrecções…

Nos dias que correm, brada aos céus a ausência de um «saber, e de um saber fazer” no atendimento do funcionário ou do trabalhador da função pública das nossas instituições públicas. O constrangimento é que o utente se apercebe logo – através da inexistência de uma linguagem adequada e específica – de que está perante um interlocutor pouco informado. Logo, pouco preparado e capacitado para lhe responder e para o esclarecer sobre o assunto que ali o levou.

E isto está-se a tornar regra no funcionalismo público nacional. Naturalmente que salvaguardo e cumprimento as excepções.

Um dos exemplos que seria caricato, não fosse a má imagem que transmite do serviço público, começa na base, isto é, na maneira como alguns, para não dizer muitos telefonistas nos atendem quando ligamos para os serviços do Estado ou organismos públicos. Ao invés de anunciarem, acto contínuo, o nome da instituição para o qual o cidadão ligou, respondem como se da casa deles ou delas se tratasse. Com um familiar e pouco próprio, para não dizer, pouco correcto, tratando-se do telefone do serviço: «Sim...im..im!» prolongado e íntimo, como se fosse telefone pessoal. E isto quando não resolvem atender, exclamando o já célebre: «É quenha?!».

De tal modo funciona assim que muitas vezes me sinto obrigada a certificar-me se de facto marquei correctamente o número do telefone da instituição ou do serviço para o qual pretendi ligar, ou se me enganei para uma casa particular.

Não haverá, por um feliz acaso, alguém mais ilustrado nos serviços públicos nacionais capaz de pôr a circular uma fórmula simples de como se deve atender o telefone? Custa acreditar!

Para quando um retomar o orgulho e o brio desta classe socioprofissional – o funcionário público – que já foi referência em Cabo Verde?

O Exasperante “TU”!

sexta-feira, 10 de julho de 2009
Tornou-se “normal” ou quase isso, ouvir jovens quadros licenciados ou estudantes das nossas universidades locais, tratarem o mais velho, o superior hierárquico, as pessoas que estão a conhecer pela primeira vez: por “tu”! Exactamente: Por “tu”! Usando a forma verbal na 2.ª pessoa do singular sem desconfiar da enorme «gaffe» que estão a cometer.
Pessoalmente, tenho “sofrido” com esse tratamento familiar, íntimo e normal entre colegas, mas trato imediatamente de corrigir o meu jovem interlocutor, sempre que posso, sobretudo se se trata de alunos universitários ou a isso aspirante e que não sabem utilizar a forma verbal – que estão a empregar – na 3.ª pessoa do singular e numa situação formal de fala, ou quando se dirigem a mais velhos.
Exemplos disso colecciono-os fartamente. Este por exemplo, em plena aula: «Professora, vais (em vez de vai) entregar os testes hoje?» Ou, quando bato à porta da sala antes de entrar e pergunto: «Posso entrar?» Ouço como resposta: «Podes!» (em vez de pode) Esta «nova» gramática que seria irreverente se não fosse praticada por pura ignorância, está alastrar-se e a ganhar dimensões formalmente incorrectas entre nós. É escutar de jovens senhores engenheiros, ou senhores doutores – maioritariamente formados ou em formação nas universidades locais – a tratar por «tu» e em plena ocasião formal da fala, gente mais velha, ainda que colega de trabalho, mas sem intimidade que permita esse tratamento! Por desconhecimento das regras da fala formal.
Na verdade torna-se quase exasperante, actualmente ouvir gente portadora de um diploma, gente jovem universitária ou de muita escolaridade não saber empregar correctamente a forma verbal na terceira pessoa do singular!
Para os lusófonos de uma maneira geral, os que cá estão a trabalhar ou a viver, ou que nos visitam, estranham esta forma de tratamento interpessoal do cabo-verdiano, que sem qualquer “laço” ou intimidade que o autorize, expressam-no logo ao primeiro contacto.
Isto «ilumina» também um pouco a questão: como vai a nossa língua segunda?
Torna-se necessário e urgente uma acção concertada dos professores, nomeadamente, os da Língua portuguesa de todos os níveis escolares, ensinarem os alunos como se dirigir, como tratar as pessoas mais velhas, os professores, os superiores hierárquicos, isto é, ensiná-los que, nestas situações, ao empregar qualquer forma verbal devem sempre ir buscá-la à 3.ª pessoa do singular.
Bom seria que os professores cabo-verdianos começassem por despistar este erróneo emprego da forma verbal na 2.ª pessoa do singular, tratando eles próprios os seus alunos na formação post-secundária ou universitária com a forma verbal na 3.ª pessoa do singular e não por «tu», pois que, o aluno/formando actual, por desconhecimento de regras formais sociais, não apreende e não distingue em que meio e/ou em que situação deve tratar ou não por “tu”.

Irresponsabilidade Alvissareira?

O título com uma configuração quiçá “neológica,” pois que alvissareira deve derivar de alvíssaras, notícias, novas dadas com algum estardalhaço, foi-me sugerido pelo desassossego, pelo mal-estar provocado entre os familiares e próximos do escritor Luís Romano que o sabem vivo e que um jornal desta nossa praça, efabulista por natureza, numa notícia de muito mau gosto, resolve anunciar a morte do poeta, ensaísta e romancista cabo-verdiano, em primeira página. A efabulação foi a tal ponto que até lhe inventaram um novo curriculum. Fizeram do nosso Luís Romano, companheiro de Mário Soares e de Manuel Alegre em Argel. Tanto quanto se sabe, Romano nunca esteve em lides políticas em Argel e muito menos perseguido pela PIDE, como vinha na notícia títere. Viveu sim, alguns anos em Marrocos, onde trabalhou como técnico de salinas.
Enfim, a todos nós chegará o dia. Certíssimo. Mas quando chegar! São das tais coisas que não devem ser precipitadas, pois não há emenda que as redime. Nem sempre o querer ser mais alvissareiro do que o jornal vizinho, foi sinónimo de notícia séria. E o resultado, deu no que deu: toda uma família em polvorosa! Sejamos honestos e prudentes na informação para merecermos alguma credibilidade.

“Fantasmas”?...Ainda?!

Aqui há dias tendo-me dirigido ao antigo Instituto Superior de Educação ex – ISE, hoje Universidade de Cabo Verde, deparei-me com uma exposição fotográfica, no átrio do edifício e intitulada «Lusofonias». Demorei-me nos painéis ou cartazes expostos, os quais através de fotografias – postais - ilustravam cada um dos países da Comunidade, CPLP, aliás, identificados pela bandeira respectiva. Até aqui tudo interessante. Estranhamente, frente ao cartaz que ilustrava Portugal e que devia conter igualmente postais das belas paisagens e lugares daquele país, à semelhança do que fora feito em relação aos outros sete países da CPLP, o que vejo? Apenas a bandeira nacional identificadora. O painel gigante vazio. Monologuei: «Mas não é possível que continue a existir algum trauma (?) encoberto em relação a Portugal e que tenha chegado a este ponto? Sim, porque de certeza, se os organizadores da exposição tivessem pedido material sobre Portugal à delegação do Instituto Camões, instalada no mesmo edifício, ao Centro Cultural Português, creio que o teriam obtido capaz de cobrir todo o painel.»
Pouco depois, falando ao telefone com um colega sobre a minha estranheza e um pouco no pressuposto que só eu havia reparado no desequilíbrio do expositor vazio, percebi que felizmente também ele o havia feito e estava – acentuava ele – negativamente surpreendido por tal postura na apresentação de, exactamente: «Lusofonias». Como excluir Portugal disso? Era a questão! Tornava-se quase anedótico.
Isto vem a propósito desta estranhíssima postura mental que certos cabo-verdianos da classe média – que não o povo sociologicamente diferenciado – têm ou querem demonstrar ter em relação a Portugal. Adoram lá ir, podem fazê-lo e fazem-no com alguma frequência mas sempre maldizendo e querendo que se perceba de que não gostam de…
Outros acham-se no direito de criticar Portugal (como se fossem nacionais) sem pensar que estão ser indelicados para com um país amigo e excelente parceiro no desenvolvimento de Cabo Verde, mas em todo o caso também estrangeiro. Como diz um familiar meu: «os nosso crioulos que lá vivem, muitos deles, acham-se mais donos da terra do que os próprios portugueses. Se calhar se se sentissem um pouco mais “de fora,” até que o comportamento e a integração deles poderiam ser bem melhores»
Mas isso é de tal modo, que chega a ser hilariante o facto de alguns nacionais que vão de férias a Portugal, se nessa mesma ocasião intentam ir à Espanha, por exemplo, mesmo que seja apenas por dois dias, num período de um mês, já vão avisando antes do embarque, a amigos e a conhecidos, que vão de férias à Espanha! Bem, até se pode explicar isso talvez pela naturalidade com que para eles é ir a Portugal.
De qualquer forma não deixa de ser algo de anormal na actualidade, este comportamento no mínimo atípico face a Portugal e que nunca mais acaba…
Por que não apreciar, e já agora, sem reservas, a terra linda que é Portugal, o seu povo, o seu desenvolvimento, as suas cidades, os seus monumentos, os seus museus, as suas Livrarias e Bibliotecas, a sua gastronomia e o seu vinho? Enfim, o bom e o belo que lá existe, ao invés de accionar os mecanismos que relevam este anacrónico comportamento mental que, à falta de melhor, estou tentada a classificá-lo, de absurdo.
Daí a questão: “fantasmas”!.. Ainda?
Como é por vezes estranho e deveras bizarro o comportamento humano!

Apresentação

quinta-feira, 9 de julho de 2009
Chegou o CORAL Vermelho que pretende ser um espaço de diálogo interactivo, salutar e fraterno entre todos os que nele entrarem e queiram connosco, através de temas e de assuntos vários enriquecer este painel coralino.

Porquê CORAL Vermelho? E porque não? Eis a questão que nem chega a sê-la. Isto para vos dizer que afinal um nome é apenas um nome. Nada mais que o nome das coisas…ou talvez não, diria o poeta.

Mesmo assim procurou-se na simbologia inerente ao coral a íntima ligação com o mar e por extensão também simbólica, a significação com a ilha. No caso com o arquipélago. O que para nós, contextualizados nos mesmos ritos culturais, facilmente o adoptámos. Além disso, o coral representa a união, uma certa solidariedade e a firmeza rochosa que estão na sua génese. Não esqueçamos que o coral, um minúsculo organismo, que se apresenta sempre unido em colónias ou recifes de coral, é o obreiro de uma das mais grandiosas estruturas construídas por um ser vivo.

Outrossim, não nos são indiferentes o policromatismo e o multifacetismo da espécie, a arborescência da sua estrutura e a sua beleza provocadora e algo agreste, nomeadamente do coral vermelho, patrono do nosso Blog; o que, retomando a simbologia correlata ao coral, poderá significar que o pluralismo na abordagem e na apreciação dos temas que aqui se vão postar, a correcção, o respeito pelo espaço (latu sensu) do outro e um certo «savoir-faire», serão de certa forma, tal como a beleza, a natureza gregária e a firmeza que imanam do coral, as marcas relevantes que desejamos que timbrem o dito e o escrito no CORAL Vermelho.

E já agora, uma curiosidade interessante: explicam a fauna e a biologia marinhas que o coral vermelho é de águas relativamente profundas e para além de ser dos mais belos de entre a espécie, é o mais raro.