E agora?!

domingo, 13 de março de 2011
E agora, José? / A festa acabou, / a luz apagou, /
o povo sumiu, / a noite esfriou, / e agora, José? /
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Sozinho no escuro / qual bicho-do-mato, /
sem teogonia, / sem parede nua / para se encostar, /
sem cavalo preto / que fuja a galope, /
você marcha, José! / José, para onde?


Carlos Drummond de Andrade


Depois das últimas autárquicas criou-se a convicção entre as hostes do MpD de que este partido havia reencontrado o “caminho certo” e entrado numa dinâmica de vitória.
Os resultados tinham sido surpreendentes passando a estar nas mãos do MpD as maiores e mais emblemáticas câmaras do País – Praia, S. Vicente, ‘Sal’ e Santa Catarina – havendo duas, Praia e Santa Catarina, sido reconquistadas ao PAICV.
Tendo as eleições autárquicas um cunho especial, onde se crê, pontifica mais o perfil dos candidatos do que a organização da estrutura partidária apoiante, ninguém quis ler nos resultados algum mérito do então presidente do partido. E em vez de cerrarem fileiras e potenciarem os resultados optimizando-os com acções organizadas, estruturadas e orientadas, atribuem o sucesso autárquico à circunstancialidade ligada a um suposto enfraquecimento/desgaste do paicv, o que gerou expectativa de um regresso próximo ao poder fazendo com que determinados “barões” se movimentassem nos bastidores fabricando um falso “unanimismo” de interesses que convergiu no “forçado” regresso de Carlos Veiga à liderança do partido.

2. É fácil e cómodo hoje, crucificar o actual presidente do MpD pelos resultados eleitorais que ele, obviamente, frontalmente assume; e conferir-lhe toda a responsabilidade pela situação difícil com que o seu partido ora se defronta. Não deixa de ter grandes responsabilidades neles. Mas atribuir estas responsabilidades só a ele e ilibar os apoiantes do anterior presidente do partido da outra grande parte de culpa seria uma grande injustiça. As propaladas negociações que conduziram à lista única para a Convenção tornaram igualmente responsáveis tanto a actual direcção como a precedente.

3. Está hoje em causa uma nova liderança depois do desaire das eleições e, no meu ponto de vista, mais precisamente no fim do actual mandato que deve ser terminado, não só porque os mandatos são para cumprir mas também devido a proximidade das eleições autárquicas. Nenhuma organização pública deve ser refém de um homem. E MpD tem-no sido por culpa de ambos - do homem e do partido.

4. O anterior presidente do MpD, a sua equipa e apoiantes não foram suficientemente fortes nem politicamente corajosos para se constituírem numa frente alternativa, uma tendência. As tais apregoadas negociações que conduziram à lista única soaram a encenação para salvar a honra do convento ao mandarem, como sói dizer-se, às urtigas as suas convicções a troco de uma longínqua miragem do poder. Subestimaram-se, submeteram-se e ignoraram deliberadamente (internamente) os fundamentos da democracia – submissão à orientação da maioria e rejeição (desconfiança) do unanimismo característico dos regimes monolíticos que é bem distinto do desejável consenso que até pode ser regra.
Este mesmo MpD que se diz um partido democrático e plural teme tendências e não consegue conviver com diferenças, com democracia interna. Assim o foi no Governo, mesmo com maioria qualificada, assim o é na oposição.

5. É tempo de mudar, de interiorizar a pluralidade, de se regressar às ‘opções inteligentes’. Não são obrigatórias as tendências, mas se existirem devem ser aceitas, respeitadas, toleradas sem quaisquer desconfianças ou preconceitos, entendidas como um “reforço”, uma outra visão, uma evidência de pluralidade e não uma fragilidade.
Para as chamadas tendências que mais não são do que sintonizadas correntes de opinião normalmente críticas e obviamente minoritárias no interior do partido mas devidamente identificadas, também existem regras de coexistência e de convivência em que o protagonismo não deve ultrapassar o espaço interno e o mediatismo deve revestir-se de um “low profile” e sempre que possível com omissão pública dos desacordos ou travesti-los de algum consenso com as linhas orientadoras vigentes do partido. Ao fim e ao cabo, em tese, o combate é o mesmo e as diferenças não existem no “essencial” (ideologia, projecto de sociedade) mas no modus faciendi, nas orientações, a menos que haja mesmo “inultrapassável” perversão dos estatutos e das regras do jogo.

6. Os antecedentes que de perto gravitaram à volta das últimas eleições no MpD não dignificaram o partido nem os putativos e anunciados candidatos, designadamente o então presidente que inutilmente se diluiu e se autodestruiu. Não acreditou no seu projecto, nas suas orientações, mas sobretudo, o que é muito grave, na sua capacidade de os levar avante. Não propiciou uma separação das águas relegando as chamadas negociações, a eventual procura de consenso, e não de unanimidade, para o decurso do próprio acto eleitoral ou para a fase pós-eleitoral vincando a individualidade (singularidade) do seu projecto. Ele e a sua equipa são hoje os grandes responsáveis pela potencial e indesejada mas previsível orfandade do MpD. Oxalá me engane na previsão embora não seja adepto do sebastianismo.

7. O MpD está num beco sem saída, desencantado, desiludido, sem uma reserva estratégica, sem uma visível alternativa credível, sem uma opção, tudo por falta de coragem e de convicções da anterior direcção; e agora anda com a candeia de Diógenes na mão à procura de um outro verdadeiro líder.
É preciso sair deste buraco para o bem da democracia cabo-verdiana. Um MpD e uma UCID fortes precisam-se. O primeiro – MpD – estruturando-se, organizando-se, renovando-se racionalmente e, sobretudo, trabalhando, trabalhando, trabalhando. Não abdicar um só momento da sua condição de líder da oposição não só a parlamentar como a da sociedade política como partido alternativo de poder. Congregar, desde já, todas as suas forças, todas as forças da sua área política, tendo permanentemente presente que todos, mas mesmo todos, não serão de mais, e marcando cada vez mais a sua identidade não pela negação mas pela afirmação – os que rejeitam paicv não são necessariamente mpd ou ucid. A segunda – UCID – continuando a trabalhar, agora com mais vigor, mas sobretudo, orientado no sentido de ultrapassar o seu carácter regional; alargar a sua abrangência e ganhar parlamentarmente o estatuto de partido nacional. As condições estão maduras para um trabalho desse género. Deve assumir-se como verdadeira oposição que é e não sentar-se no muro como algumas vezes o fez na última legislatura. A sociedade clama por um partido charneira, que faça o contrapeso e a UCID tem potencialidade e perfil.

8. A sociedade cabo-verdiana tem fortes razões para estar preocupada. Os resultados eleitorais reflectem uma oposição fraca, debilitada e totalmente dessincronizada com o país real. E é sabido que não há verdadeira democracia sem uma oposição forte.
O apoio, no meu ponto de vista, precipitado, agora dado para as presidenciais a um independente em detrimento de um fiel, leal, diligente, “disciplinado”, pelos vistos, em demasia, e notável militante, com um curriculum político e de dedicação ao partido invejáveis (Presidente de Câmara, Ministro dos Negócios Estrangeiros, Deputado da Nação, Presidente da Assembleia Nacional) não só não é curial como reflecte um partido sem norte, que menospreza os seus valores, facilmente manipulável e seguramente negligente.
Nas circunstâncias actuais um partido com a dimensão e o estatuto do MpD só apoia um independente se não tiver o seu próprio candidato; se ninguém no seu interior com perfil adequado se dispuser a fazê-lo. E se tiver de o fazer deve evitar fazê-lo de forma ligeira, precipitada, imprudente, sem um rastreio prévio dos seus potenciais candidatos e sem um estudo sério que salvaguarde a sua mensagem e garanta a concepção do exercício da função presidencial que defende. O apoio dado a um independente, por um grande partido na oposição, realço ‘grande partido na oposição’, é uma declaração explícita de falência ou de total falta de ambição. E não me venham com a lengalenga da despartidarização ou apartidarização das eleições presidenciais que desde há algum tempo é apenas semântica e que não passa por aí.

9. Estou profundamente preocupado com o espectro de uma eventual mexicanização do nosso regime político. E a minha preocupação é tanto maior quanto mais olho para a oposição que temos que desperdiça oportunidades cruciais de união, de concertação, de clarificação da sua mensagem que, vê-se, não tem passado para se condicionar a compromissos e projectos pessoais sem uma serena meditação sobre o efectivo interesse da sua comunidade política.

10. A nossa jovem democracia encontra-se numa encruzilhada que requer uma profunda reflexão e tomada urgente de medidas sob pena de voltarmos “democraticamente” para um regime não de partido único mas de um só partido.
Até lá, até que a oposição tome consciência do fosso em que se encontra e da efectiva urgência de dali sair, apraz-me parafrasear, porque pertinente, o poeta Carlos Drummond de Andrade no poema parcialmente transcrito no início deste texto:

E agora José? / … / José, para onde?

A. Ferreira

Construir conhecimento...

quinta-feira, 10 de março de 2011
Há dias falando com um amigo e colega do antigo ISE (Instituto Superior de Educação) hoje departamento da Universidade de Cabo Verde, dizia-me ele – meio indignado e ainda estupefacto – que uma das inovações introduzida em alguns dos cursos de formação de professores havia sido a dispensa ou, a eliminação no currículo formativo dos alunos, da elaboração e da defesa oral da chamada monografia ou melhor, do trabalho de fim de curso.
Tal como o meu antigo colega fiquei perplexa, pois entendemos ambos que o trabalho exigido ao aluno no último ano da sua formação para a docência reflectirá ou, deverá reflectir, uma ou várias das facetas dos conhecimentos adquiridos ao longo dos quatro anos do curso. Que simbólico e afinal real também, esse trabalho elaborado pelo finalista e submetido a um júri para apreciação, avaliação e classificação, é uma forma de iniciação e de treino do estudante para pesquisas mais amplas e profundas com que necessariamente se terá de confrontar na vida profissional, já que estamos a falar de professor, até mesmo de futuro investigador e/ou de futuro ensaísta.
Para além disso, é nosso entendimento de que a tese de final do curso é um grande primeiro momento – de forma autónoma – de “construção de conhecimento,” sobretudo se ajudada por uma pesquisa orientada para a prática e pela teoria acumulada durante o curso.
Daí a sua validade e a sua importância como um corolário dos estudos feitos numa determinada área científica e didáctica e que na mesma linha, não deixa de ser uma “ferramenta de trabalho” útil ao futuro professor.
Ora, a ser verdade que vem a caminho a eliminação, a supressão, do currículo formativo do futuro docente da dissertação final – permitam-me esta abordagem – a um tempo expositiva e argumentativa que é o seu trabalho de fim do curso. É minha opinião que se está certamente a empobrecer, a reduzir “o saber” para a docência, para a pesquisa e a subestimar uma oportunidade, que diria excelente de o formando, agora com alguma autonomia científica, de poder ele próprio, formando – construir conhecimento.
Espero que este não seja mais um daqueles momentos em que o nosso processo nacional de ensino/aprendizagem, “ganhe” algum ou mais um traço de menos valia...