Há datas e Datas!...

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010
Já escrevi tantas vezes sobre datas marcantes que até parece uma obsessão. Na verdade sempre que se aproxima um feriado vem-me esta espécie de compulsão. Não me cansarei de o fazer até ver algumas consagradas e todas, as que as que julgo interessantes, consideradas nacionais e não partidárias ou partidarizadas. Sei que há datas e datas! Mas numa coisa teremos de acertar: há datas demasiado importantes na história do país, que são da colectividade, isto é de todos, que não pode haver qualquer receio ou complexo em as assumir.
Refiro-me a algumas datas e efemérides que configuram a evolução mais recente do país na perspectiva social, política e histórica, entre outros acontecimentos que alteraram, para o bem, o rumo da relação Estado/cidadão. Neste contexto, destacam-se alguns marcos, de que o “13 de Janeiro” figura de forma distinta. Digo distinta, podia ter dito real em antinomia com artificial. Não foi determinado por “decreto” urdido nem por feito (heróico) de alguém em particular. É uma gesta de toda a Nação cabo-verdiana porque, pela primeira vez, e, repito, isto foi real e não retórico, houve o voto livre e secreto do cidadão cabo-verdiano em toda a sua abrangência para eleger os seus representantes e assim condicionar a escolha dos seus governantes. Foi nos idos de 1991. Escassos dias para a vida de um povo, de uma nação, mas muito tempo para as novas gerações. E por isso, para que não pareça que foi num “passe de mágica”, de forma “espontânea” que tudo aconteceu, pontifica o 28 de Setembro de 1990, quando se altera o artigo 4º da então Constituição do país que sustentava e defendia a existência de um único Partido político, o PAIGC, mais tarde PAICV que combatia repressivamente o direito de opinião e qualquer possibilidade de organização de qualquer outro agrupamento político e, por via disso, negava e impedia a eventualidade da alternância do poder.
Com a queda do Muro de Berlim os “revolucionários do mundo inteiro” converteram-se à “democracia”. E os ventos da História também chegaram a Cabo Verde. É assim que a 28 de Setembro de 1990, foi a vez do PAIGC/CV formalizar a sua conversão ao fazer cair o artigo 4º da Constituição deixando de ser «a força dirigente da sociedade e do Estado». Foi um passo enorme e muito significativo para o incremento do processo democrático em Cabo Verde, obviamente após a independência em 1975.
Por isso, não chocaria em absoluto se o “28 de Setembro” figurasse igualmente na galeria das datas marcantes do povo cabo-verdiano.
Infelizmente, ainda não se conseguiu isso, talvez por algum «trauma e/ou sentimento de culpa» dos que instalaram e defenderam a nova ditadura (pós-salazarista) em que a alusão ao 28 de Setembro, – uma fronteira entre a Ditadura institucional e a Democracia formal – poderá situar o PAIGC/CV numa história que quer apagar, negligenciando o facto de o ter reconhecido como algo negativo, devesse ter algum mérito. Não persistir no mal, tentando melhorar, só nos deve merecer reconhecimento.
Podia referir-me a outra data na minha opinião igualmente memorável, p.e. a que se relaciona com a “queda” da Lei da Reforma Agrária.
Note-se que falo em assinalar, não sugiro mais feriados, pois que disto já ultrapassámos o razoável. Creio que há feriados a mais num país pobre e subdesenvolvido como o nosso, em termos de mentalidade e de comportamento face ao dever e à obrigação do trabalho. Não me refiro ao PIB mas, de certa forma, ao PNB.
Ora, a novel geração, felizmente, não passou pelo facto de uma simples saída do País, para o que quer que fosse, carecer de uma autorização das autoridades. Mas conhecerá a História do seu país melhor, se a verdade – sem preconceitos ou receios, dos seus protagonistas – for registada e ainda por cima numa perspectiva de um devir evolutivo acompanhando o passo das comunidades humanas mais adiantadas.
A. Ferreira

A gramática natural (versus?) a língua escolarizada?

terça-feira, 12 de janeiro de 2010
Voltei a pensar sobre a chamada gramática natural com a chegada dos netos e a tentativa de “regularizar” – na fala deles – as formas verbais. Desde «eu fazi», corrigido: eu fiz «eu trazi», forma correcta: eu trouxe «eu sabo», corrigida: eu sei. De tudo um pouco se vai ouvindo dos mais pequenos.
Num aparte, que considero engraçado na fala dos meus netos mais novos, é a forma verbal que empregam correctamente e sem hesitar: «acabei!» que é quando querem informar que já finalizaram a refeição e que querem ser “libertados” da mesa para irem correr e brincar.
Este rememorar a fase verbal e natural da linguagem veiculada pela criança, levou-me também, aos meus filhos, quando bem pequenos, em que um deles - não interessa qual – perguntava: «…mãe, não foste tu que me nasceste?» (questionando-me se não tinha sido eu a trazê-lo ao mundo) ou ainda: «pai, se nós irmos…» (ao invés de: «se nós formos …») a “complicação” que é o verbo “Ir”, no futuro imperfeito do conjuntivo, com a configuração irregular de “for,” algo ainda ignorado na fala da criança, pois que não regida gramaticalmente. É que estas e algumas outras expressões que os nossos filhos diziam em pequenos e que agora retomam os netos – confesso que algumas delas me encantavam pela lógica que aparentavam no modo de expressão infantil – ilustraram alguma coisa sobre a fase de uma organização natural, ou de uma gramática natural da língua.
Mas afinal, este intróito é pretexto para relacionar ou tentar fazer alguma ponte com o que a seguir vem e que teve como “mote” o que li algures num texto da “net” intitulado: «Jogue sua Gramática no Lixo». Achei a frase um pouco excessiva, ou exagerada, para não dizer que percepcionei alguma “violência” nesta forma de expressão. Lido o conteúdo, apercebi-me de uma espécie de crítica do autor do escrito, aos falantes que dominam as regras gramaticais e por essa razão se julgam mais conhecedores da forma correcta de falar e de escrever de que outros não portadores dos mesmos conhecimentos.
Ora, embora concordando, por um lado, de que não é alardeando e fanfarronando conhecimentos que o “sábio” se descobre para os outros, por outro lado, não há que ter medo da gramática, da mesma forma ou similarmente, como não se deve ter medo da lei. A gramática funciona para uma língua, um pouco semelhantemente, como as leis e igualmente as normas sociais, organizam a vida em comunidade para os Homens. São regras e normas orientadoras que são úteis e funcionais para nos entendermos, ao falar e ao escrever a nossa e as outras línguas. O conhecimento do funcionamento da língua via a sua gramática, permite ao falante dominar o discurso – oral e escrito – e não ser dominado por ele. Se nos debruçarmos um pouco mais sobre a gramática, verificaremos que há uma lógica extremamente interessante, na qual ela se fundamenta. Desde a noção de algo substantivo e do adjectivo que o pode contornar e/ou modificar; passando pela ideia de principal e de acessório que acompanha as coisas e os actos, indo às causas (orações causais) e às consequências (orações consecutivas) desses mesmos actos, que oram se coordenam, (orações coordenadas) ora se integram, (orações integrantes) ora se subordinam (oração principal e subordinada) e por vezes, concedem (orações concessivas) e outras vezes, recusam e finalizam o acto (orações finais). E isto apenas para aflorar alguns aspectos dessa organização lógica e clara – que evita ambiguidades ou “ruídos” no acto de comunicação quer oral, quer escrito – que deriva da existência de regras gramaticais e que serve ao entendimento entre sujeitos falantes nos actos elocutórios que enformam e condicionam a nossa vida gregária.
Há um caminho, uma evolução que a escolarização da língua propicia ao falante, tendo como um dos meios dessa evolução, o conhecimento e o manejo das regras gramaticais.
O aprendente da sua própria língua e de outras línguas que lhe são necessárias, terá todas as vantagens em ir apreendendo e interiorizando de uma forma sistematizada e faseada no tempo e em estudos – para uma aplicação correcta nos já referidos actos elocutórios – os factores fundamentais da língua – a semântica, o léxico, a morfologia, a sintaxe, os estilos e outros mais, que constituem as normas linguísticas e gramaticais que regem a língua.
Daí reiterar que não há que recusar ou brigar com essas mesmas normas. Desde que haja oportunidade, vamos aprendê-las, o melhor que pudermos e soubermos. Só sairemos a ganhar. Nós (sujeitos falantes) e a língua (veículo de comunicação).
A gramática, alguém já o disse, é imanente à língua.
Não é por acaso que existe, creio que de há muito, uma linha pedagógica que orienta o sistema de ensino e que destaca o cuidado e o prolongamento que deve ser observado, em todas as etapas do ensino regular, no estudo da língua de ensino e veicular, como pilar indispensável para a formação e para a informação do aluno.

«Eu sabo, eu sabo...é o Pai Natal!»

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010
Esta foi a resposta – dita com muita graça – dada pelo meu neto mais novo, o Miguel de 2 anos, quando a minha filha perguntou aos filhos quem eram os pais do Menino Jesus. Sobre a mãe, uma das netas respondeu sem hesitar: «Maria», e quando foi a vez de nomear o pai, adiantou-se o «codé» com a resposta que serve de título a este escrito: «Eu sabo, eu sabo...é o Pai Natal».


Ora tudo isto vem a propósito da leitura do Editorial do número de Dezembro do Jornal «Terra Nova» assinado pelo seu director: Frei António Fidalgo de Barros. O conteúdo do referido editorial centra-se no que se pode chamar de uma espécie de deslocalização do sentido do Natal, que tem vindo a acontecer, que devia ser preenchido com o nascimento do Menino Jesus e os valores inerentes à efeméride, ao invés de o centrarmos na figura do “Pai Natal da Coca-Cola” nas palavras do autor.
A tentativa de recuperação do verdadeiro sentido do Natal não nega nem conflitua, bem pelo contrário acentua, creio eu, a ideia de festejarmos a quadra com alegria e com troca de prendas entre familiares e amigos que só demonstra afecto, embora muitas vezes não afaste tanto quanto seria desejável, o perigo de algum excesso nessas alturas, em matéria de consumismo.
Apesar de o não fazer na maior parte das vezes e dos casos, gostaria que as prendas fossem apenas simbólicas e que representassem exactamente aquilo que pretendemos, isto é, o facto de nos termos lembrado do outro próximo e de que nisso vai também um pouco da nossa amizade.

Voltando ao editorial lido, achei interessante e nem sabia que de um movimento se tratava, ter visto em Portugal – onde passei a quadra festiva – em muitas janelas e varandas de moradias, a efígie do Menino Jesus em pequenas bandeiras de ornamentação natalícia.
Afinal, alguma coisa está a “mexer-se” – essa movimentação referida no artigo do «Terra Nova» é disso prova – com a finalidade de repor os valores simbólicos do Natal que é cristão e cuja comemoração devia recordar-nos com alegria a comunhão da família, a humildade e o amor no acto de nascer de Cristo.

A Boa Vista de ontem na escrita e no romance de Germano Almeida

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010
A Ilha da Boa Vista era a ilha cujo nome diariamente se invocava nas outras Ilhas. Porquê? Porque a ilha entrava, estava e ficava em quase todas as casas, em muitos lares de Cabo Verde, tanto no seu exterior, pois era com a cal da ilha que se caiavam as casas, eram com telhas da Boa Vista que se cobriam muitas casas, como também no seu interior, sobretudo com lugar destacado, na cozinha. O atum enlatado da Fabrica Ultra muito apreciado nas mesas e do qual se podia variar a ementa caseira preparando-o de varias formas, Para além dessa iguaria, vinha da Boa Vista o binde que servia e serve para se confeccionar o cuscuz, uma espécie de bolo feito de farinha de milho que se come geralmente, ao pequeno-almoço ou no café da manhã. Hoje em dia, em vias de desaparecimento diário das mesas cabo-verdianas substituído pelo pão e pelas bolachas, produtos comprados já prontos a servir. Enquanto que a confecção cuidada do cuscuz, requeria que de véspera se deixasse o milho de molho, que era depois pilado, cochido, após o cantar do galo. Preparada a farinha, enchia-se o binde o qual se colocava em banho-maria para o cozimento do cuscuz. O ritual da sua preparação caseira, era mais adequado a um ambiente rural do que citadino.
O pote, utensílio indispensável para se conservar a água fresca, na ausência do frigorífico, vinha do barro da Boa Vista. Os moringues, as bilhas, as tagarras, largas tigelas de barro onde se colocavam as iguarias ou simples comida que depois se serviam à mesa. Os pratos de barro que durante muito tempo eram colocadas em quase todas as mesas de Cabo Verde, da mais abastada à mais pobre. Mais tarde, com a importação, mais generalizada, da chamada loiça fina da metrópole, a da Boa Vista passou a ser apenas da casa dos menos favorecidos, ou dos mais pobres. Refiro-me, como exemplo e, nomeadamente, o que sei sobre isso da ilha do Fogo, minha ilha de origem. Todas estas mercadorias distribuíam-se pelas ilhas através dos barcos que demandavam o porto de Sal-Rei em grande movimento no transporte para o comércio de cerâmica, de peles curtidas e sal que se vendiam nas outras ilhas. Por fim, desapareceu, faliu e fechou a Fábrica de Chaves de que fala o romance de Germano Almeida: «A Ilha Fantástica». Hoje, o célebre barro ou a argila da Boa Vista ficou circunscrita a trabalhos de artesanato não industrial da pequena olaria. Continuam a ser muito procurados os vasos para plantas, considerados, aliás, os mais bem acabados, mais bonitos e os que ficam bem, enfeitando, qualquer sala ou varanda da casa.
Logo, a ilha da Boa Vista esteve sempre presente outrora em quase todos os lares das ilhas.
Mas da Boa Vista vinham também as tâmaras douradas e saborosas de tal modo apreciadas que os rapazes do antigamente, para elogiarem uma rapariga diziam-lhe “a tua pele é como a tâmara passada da Boa Vista”, numa interessante metáfora para se referirem a cor e, possivelmente, ao que julgavam ser a macieza da pele da amada ou da pretendida como tal.
Considerada a Ilha mais oriental do Arquipélago, famosa também por aí “ter passado” o célebre meridiano, do Tratado de Tordesilhas, um dos marcos assinalados como divisória entre Portugal e a Espanha das novas terras achadas e por achar na época dos Descobrimentos, nos séculos XV e XVI.
Boa Vista é na actualidade uma das ilhas tomadas pelo turismo, definido nas palavras por G. Almeida «como garimpeiros de turismo que a tomaram parece que de assalto», estou a citar, para rematar que: «a Boa Vista está em vias de se transformar num grande hotel e que Deus ajude o boavistense a guardar para si, quanto mais não seja sete palmos de terra onde meter o caixão» Fim de citação.
Boa Vista é considerada, ex-aequo com a ilha Brava, a amorável pátria da morna a canção típica de Cabo Verde de que a internacional Cesária Évora é considerada das melhores interpretes. Terra de exímios rabequistas e de deliciosos violões, para além das mornas satíricas muito antigas da Boa Vista, de tal modo, a ilha era «terra sabi» que nos relatórios para os governadores, se escrevia que: «aquela gente muito folgava, muito dada as festas de muita dança e de... pouco trabalho»....
A “indolência” tornada proverbial/lendária que caracteriza o homem da Boa Vista e que faz com que os defensores da ilha, até encontrem explicações que a justificam, ao invés de a negar... o que não deixa de ser uma interessante abordagem da questão.
Permitam-me nesta sequência de evocações sobre a ilha da Boa Vista, trazer a pena de Maria Helena Spencer (1911-2005) antiga Jornalista do também antigo e já extinto «Boletim de Cabo Verde» (1949-1964) que numa soberba crónica descreve os homens (enaltecendo-os) e a ilha que apelida a «A ilha da Saudade». Numa alusão ao passado que permanece vivo, porque querido, na memória da sua gente. O que se conjugará, num belo acaso e convergência, com o que mais tarde, Germano Almeida de forma semi-ficcionada por vezes, nos transmite da sua ilha.
A ilha passou por muita penúria, ao longo do tempo. Os trabalhos quer fossem da pesca, da agricultura, ou mesmo fabril, eram regra geral sazonais para não dizer ocasionais e muito precários alias, tudo isto, aliado ao facto de o homem da Boa Vista ser muito dado à música e ao lazer e também justificados por ter muito tempo livre, e por se dedicar ao pastoreio que é, segundo alguns, uma actividade também contemplativa, e que convida a dedilhar as cordas do violão ou o arco da rabeca, ou do violino. Enfim, da “fama/lenda” não se livra o homem da Boa Vista. É quase gozo", quando se diz que, quando há necessidade de mão-de-obra para grandes obras de infra estruturação da ilha, vão-se buscar trabalhadores a outras ilhas.
O escritor G. Almeida “brinca” com isso, a seu jeito, mas vai defendendo a sua dama, dizendo que é mais lenda que ficou, do que outra coisa, essa da “preguiça” do homem da Boa Vista. Atenção, do homem, que não da mulher boavistense, pois ela é tida como trabalhadeira, empenhada e afamada cozinheira.
Boa Vista é também a ilha de artistas musicais, de intelectuais de boa pena, de oleiros, de artesãos, de pescadores, de mulheres emigrantes esforçadas e de agricultores esforçados também pois que lutam, a um tempo, com alguns adversários de peso: a areia invasora, os burros e as cabras, daninhos do plantio e das colheitas.
O romancista Germano Almeida centra boa parte da sua intriga ficcionista – na minha opinião, a mais densa, a mais profundamente trabalhada enquanto discurso literário e a melhor narrada – naturalmente, na ilha que o viu nascer.
A «Ilha Fantástica» 1994 – juntamente com a «Família Trago» 1994 – é um exemplo disso e constitui-se como memórias adolescentes da Ilha da Boa Vista, que sem deixar de lado relatos históricos, elas (as memórias) são narradas ao jeito e ao estilo satírico, mordaz e cómico do autor.

Nota actualizada: Este escrito é a introdução de uma intervenção feita na Universidade Brown de Rhode Island nos Estados Unidos. O tema explanado: “O romance cabo-verdiano contemporâneo”. Embora já com algum tempo, achei que podia figurar no «Coral Vermelho».