Mário Fonseca e a Poética do Amor Futuro...

terça-feira, 29 de setembro de 2009
Porque a morte surpreende sempre e dolorosamente; e porque hoje ao evocar Mário Fonseca que recentemente nos deixou, gostaria de fazê-lo através da sua poesia, a sua maior herança a todos nós deixada; venho aqui neste curto e parco texto realçar, em palavras breves, a parte mor e larga que coube à temática do Amor, eterno mote que emoldurou e acompanhou muitos versos deste poeta os quais num outro escrito chamei de «Poética do amor e da rebeldia».
A parte “rebelde” da sua poesia, mais distinta na poesia dedicada ao «nacionalismo combatente» marcou indelevelmente a sua escrita e ficará certamente como uma espécie de “ex-libris” do seu estilo poético, mas para nós também que conhecemos o homem, como uma forma de estar na vida de quem nunca “dobrou a cerviz”.
Esta introdução é minha homenagem à memória afectuosa que guardarei do poeta Mário Fonseca.
Voltando ao tema que deu o título a este escrito, ora o amor na poesia de Mário Fonseca é também vária, é igualmente cósmica e abarca um colectivo. Muitas vezes é avassalador, de tal modo o é, que o poeta ao “deitar contas” à vida, eis senão que descobre e lhe assoma claramente, a dolorosa consciência – mas sem qualquer ressentimento, antes pelo contrário, numa atitude fraterna – de “se ter dado” aos outros, de ter posto e disponibilizado a sua poesia ao serviço da “vida” – que não exactamente a sua, mas – ”a que os outros terão, mesmo se dentro de séculos
As palavras de Arménio Vieira, assinalaram e bem que Mário Fonseca pertence «à estirpe dos poetas que demandam o Ideal, esse lugar que nenhum mapa assinala» e que talvez se situe «num país distante chamado Utopia»
Mas o poeta acreditava nesse futuro perfeito que dependeria do querer e da vontade do Homem, daí que ele não teve receio em, ao defendê-lo, fazê-lo através da conjugação do verbo Amar:
Aqui tendes / O meu coração / Aberto / A todo o querer / Conjugai comigo / O verbo amar / O mais belo / O mais fácil / De conjugar / Eu amo a vida / E o pão / Partilhado / Na mesa de todos // (…) TU amas a vida / E o leite / Mungido / No úbere / Do amor // (…) ELE ama a vida / na paz merecida / dum comum caminhar / NÓS amamos a vida / E o quinhão / Que nos cabe / Porque bem / Trabalhamos / Na terra de todos / Por todos querida // (…) Se a morte vier / Em hora / importuna / Que importa / Morrer / Se é por amar /A vida / Se a semente semeada /Na terra / De todos / Germinará / Amanhã // (...)”
Mário Fonseca, in: Se a Luz é para Todos, 1998.
Por outro lado, o amor no poeta é também individualizado, sentido e dirigido. Nesta linha também está a sua “Força di Cretcheu:
Pudesse ela ressuscitar /Não queria acreditar / Que ainda vive aquele amor / Que é amor de um mesmo amar / Nascido de um mero olhar.”
Porque a natureza e os limites deste escrito o não permitem, os excertos transcritos são apenas pequeníssimos exemplos dos muitos e variados poemas que Mário Fonseca escreveu sobre o tema.
É o próprio poeta que reconheceu que a sua poesia não era – e nem ele queria que ela fosse – unívoca. Não, ela não está munida apenas de tom “vociferante e acusador.” Ora isto permite-lhe sobreviver e perdurar consistentemente como texto poético. A sua rebeldia poética vai ao ponto de ter cantado o amor em tempo de guerra.
Podia acrescentar que são múltiplas, variadas e plurissignificativas, as vozes poéticas que lhe pediram, em simultâneo, licença para se expressarem. Vale dizer, que uma das riquezas da poética de Mário Fonseca residiu exactamente no facto de ele ter dado vez e voz a todas elas.
Ora se ele assim as entendeu – as vozes poéticas – melhor as expressou em ricos poemas que hão-de de permanecer no grande texto poético cabo-verdiano como símbolos de uma pujança cultural, histórica, social e igualmente lírica e rítmica que distinguem a poesia de Mário Fonseca.

As nossas Alegrias

Ultimamente e nesta etapa de vida comummente chamada de terceira idade, e já no limiar dela, apanho-me com alguma frequência, a reflectir sobre as prioridades a definir ou já definidas a levar a cabo exactamente nestes anos que hão-de de me encontrar (faço votos que sim!) em boa, ou no mínimo, razoável sanidade física e mental.
E o que sobressai de entre as minhas prioridades, que ao fim e ao cabo trazem sempre no topo a família; destaco as alegrias que os nossos netos nos têm dado. Eles funcionam como uma verdadeira bênção dos céus! E são-no de facto!
Daí chamá-los «As nossas alegrias».
Tudo é relativo. Não é? E se calhar em quase tudo semelhante a outros tantos avós deste mundo. Pois é, para nós o máximo é quando a Inês, a mais velha das netas telefona para comunicar aos avós que entrou no quadro de excelência da escola dela, ou que acabou de ler um livro com umas centenas de páginas, ou quando a Margarida, a segunda da lista dos netos, e muito dada a passatempos, às revistas e às disciplinas em que se configuram alguns conhecimentos científicos sobre a natureza e sobre o Homem, nos expressa de “cor e salteado” o nome dos ossos que formam o corpo humano.
Dos nossos dois netos, mais novos na sequência – ambos esbanjando energia – o Diego que nos seus lindíssimos três anos, faz-nos verdadeiros “recontos dramatizados” com pose das personagens dos contos que ele “lê” através das imagens dos livros e dos DVD. Outra graça: efabula maravilhosamente bem quando se lhe pergunta como foi o seu dia no Jardim.
Por último – e este último entenda-se apenas na fila por ordem etária – vem o nosso Miguel o «traquinas falador» por enquanto o «benjamin» dos netos e a querer fazer tudo o que as irmãs e o primo mais velhos fazem. A típica fase da imitação e que nele assenta com muita graça pois que os actos pretendidos, por vezes ultrapassam a capacidade dos seus dois anitos. Já agora não vá sem acrescentar a já célebre e irreverente expressão que ele terá ouvido e fixado e que gosta de repetir, diga-se em abono da verdade com alguma oportunidade por vezes e para quem o irrita: «cala a boca pá!» embora muito censurado, e bem, pelos progenitores, não deixa no entanto de provocar sonoras gargalhadas ao avô.
Tê-los todos cá em casa pelo Natal constitui para nós, os avós, o ponto alto do ano. Embora correndo o risco de utilizar lugares-comuns, diria que eles “enchem-nos” a casa de alegria e de barulho e quando partem, após a quadra festiva, o silêncio dos primeiros dias fica completamente preenchido pela saudade. Olhámos um para o outro, como a querer dizer: «Valem a pena! Eles são de facto as nossas alegrias!»

O Estado e o Empreiteiro na Obra Pública – Responsabilidades

quarta-feira, 2 de setembro de 2009
1. Costuma-se dizer, metaforicamente, que a diferença entre um pedreiro e um engenheiro está no custo da obra. É óbvio, que isto pressupõe que o pedreiro seja sensato, consciente das suas limitações e pelo facto queira garantir uma certa margem de segurança à obra que, quando excessiva colide desnecessariamente com o custo. A verdade é que o engenheiro procura sempre optimizar o binómio segurança–custo (pondo, por agora, de parte o conforto, entre outros), enquanto o pedreiro trata cada elemento de forma autónoma, independente.
Outra nota importante é que o pedreiro não concebe nem dimensiona, executa. Executa com base em práticas anteriores e, por força do seu empirismo onde se encontram mascarados os conhecimentos de base, tem dificuldades em extrapolar. Mas acontece que há engenheiros que também executam e conseguem por este facto as duas valências – a do engenheiro e a do pedreiro. É o empreiteiro. Individualmente, ou como organização com as inerentes e óbvias mais-valias. Como engenheiro tem a vantagem de pensar a obra, de avaliar os impactos, de a redimensionar, de propor soluções alternativas; como pedreiro limita-se a executar e no quadro estrito recomendado pelo dono da obra. A relação entre o empreiteiro e o dono da obra deve ter presente que não obstante o primeiro vise lucros para a sua sobrevivência, pois não é propriamente uma instituição de beneficência, ele tem igualmente consciência prática que a sua sustentabilidade dependerá sempre do seu bom-nome e reputação. E se pontificar este postulado não haverá grande espaço para desconfianças e suspeições que corroem e minam o clima, de entendimento e de confiança mútua, indispensável às relações de parceria e de sã “cumplicidade” que devem presidir esse relacionamento.
Enquanto tudo se passar na esfera do privado nenhum mal virá daí desde que a segurança do empreendimento e a preservação do ambiente sejam garantidas.
2. Visão diferente deve-se ter, quando se trata de uma Obra Pública, não apenas por ser paga pelos contribuintes, em que o Dono da Obra, stricto sensu, é o estado mas também pela sua natureza intrínseca. Neste caso devem ser bem avaliados os factores de risco (actividades sísmica e vulcânica, fenómenos climáticos extremos, cheias e inundações, movimentos de vertente entre outros) e os elementos em risco (população, construções, infra-estruturas, actividades económicas, valores culturais e paisagísticos, organização social, entre outros) aonde se incluem a conservação e a durabilidade do empreendimento. A avaliação implica introdução desses dados no cálculo de dimensionamento do projecto com vista a controlar os seus efeitos uma vez que não é possível, de todo, eliminá-los e garantir a funcionalidade optimizada da infra-estrutura para o período projectado da sua vida útil. E isto tem custos acrescidos que se deve ponderar. A ponderação remete-nos a um estudo estatístico das ocorrências dos factores de risco, à probabilidade da ocorrência de um fenómeno de determinada magnitude e ao período de recorrência do fenómeno. Tudo isto, com enormes implicações no custo da obra, deve ser previsto, ponderado, calculado e projectado previamente, i.e., antes da execução.
3. Pode, todavia, acontecer que a pressão exercida pela premência da construção de uma infra-estrutura, por necessidade imperiosa ou por razões políticas, não permita que ela seja conveniente e tempestivamente pensada mitigando os principais factores de risco e se tenha relegado para o plano de execução o levantamento e a minimização desses riscos. Seria uma praxis pouco ortodoxa mas nem por isso menos utilizada. Convém aqui frisar que, classicamente, há dois tipos de riscos: os naturais, que dizem respeito, ou estão ligados, a ocorrências de fenómenos naturais e os chamados tecnológicos que correspondem a ocorrência de acidentes, normalmente súbitos e não planeados, decorrentes da actividade humana. Actualmente, a interacção cada vez mais acentuada e complexa das actividades humanas com os fenómenos naturais deu origem a um terceiro tipo chamado Risco Ambiental.
4. Voltando à questão da obra pública, é evidente que quando o dono da obra não tiver feito no projecto de execução a avaliação correcta dos riscos deve, em primeiro lugar, designar técnicos competentes para, no decorrer da obra, o fazer, e disponibilizar meios financeiros para esse fim. Por outro, dada a (quase sempre) complexidade da tarefa, deve o representante de estado (Dono da Obra) ter capacidade e humildade de olhar para o empreiteiro como um parceiro indispensável na defesa dos interesses que lhes são comuns e não como um adversário que é preciso “apertar”, “castigar” e, evidentemente, com ou sem intenção, desmotivar. Do mesmo modo, o gestor do Projecto deve ter discernimento necessário e autoridade técnica e moral para agir quando o seu representante não se mostra a altura das suas responsabilidades ou exacerba as suas funções pervertendo o ambiente de permanente concertação que deve prevalecer entre todas as partes intervenientes. Numa palavra, não deve limitar-se a simples “caixa-de-correio” mas a uma caixa-de-diálogo e concertação.
5. Ocorreu-me esta reflexão porque nos encontramos na época das chuvas e estas recorrentemente provocam danos avultados no património construído, designadamente nas infra-estruturas. Danos que, na maior parte das vezes, nada têm de imprevisto, e por isso, bem podiam ser mitigados ou mesmo evitados se as relações entre o Dono da Obra e o Empreiteiro fossem mais de parceria do que de antagonismo; se se criasse um ambiente distenso de diálogo, de confiança mútua, regido por um certo pragmatismo em vez de suspeição e permanente guerrilha. Os Cadernos de Encargo (CE) são facilmente brandidos, não como uma indispensável referência mas com a infalibilidade de uma Bíblia ou Alcorão. E por via disto, regra geral, as propostas ou recomendações não encontram ambiente para uma concertação necessária e desejável. E quando não são avocados – os CE – razões de natureza economicista prevalecem sobre as de qualquer outra índole. E por isso morrem (propostas e recomendações) no silêncio dos gabinetes, quase sempre depois de profundo coma contabilístico. O incompreensível é que ao se alegar justificações de ordem financeira não se tenha, em simultâneo, a preocupação de conseguir soluções tecnicamente válidas com menores custos.
No final quem paga são os contribuintes, somos todos nós. E a culpa, como sempre, morrerá solteira.
A. Ferreira