Agustina Bessa-Luís – uma Autora de peso…

terça-feira, 29 de novembro de 2011
Ler Agustina Bessa-Luís é sempre um prazer renovado.

Isto dito assim, serve-me de pretexto, não para falar do último livro desta imensa e excelente autora portuguesa – de uma escrita profundamente reflectida e filosófica – mas sim, para trazer aqui o que me fica da revisitação feita, volta que não volta, aos romances dela.

Desta feita a vez coube ao «O Princípio da Incerteza – Jóia de Família» editada em 2001.

Um fabuloso enredo, um luxo de recriação sociológica da região e da cidade do Porto, e uma extraordinária capacitação psicológica conseguida na construção comportamental das personagens que a intriga do livro comporta e que deixa o leitor extasiado.

A verdade é que a tensão, a polifonia e a dramaticidade desta narrativa adensa-se, aprofunda-se também, à medida que se dão os encontros e o conhecimento mais completos do leitor com toda a panóplia bem urdida das acções e das personagens do livro.

Um pouco na esteira daquilo de que ela mune muitos dos seus romances, a autora reconstituiu também neste, memórias – ficcionando-as é certo – memórias de um tempo histórico em que o passado ganha maior espaço, num Porto cheio de brios, de tradições, de secretismos, do insinuado (nas falas das personagens) mais do que o enunciado; dos seus sítios, das suas quintas e dos altos muros que protegem a sua gente. Alguma, de ascendência afidalgada; outra parte, burguesa abastada em vinhas e em culturas agrícolas; outra ainda, industrial e industriosa, de fábricas prósperas algumas e também dona de algumas decadentes; e também de homens e de mulheres do povo pobres do Douro imenso, em que alguns destes últimos reconhecem e distinguem nos seus patrões aqueles que são ou não, possuidores daquilo que definem como uma alma cívica e de valores (…).

Sobre a cidade informa-nos o narrador do romance: «Conhecer o Porto não é coisa de agências de viagens. Nem de escritores também, Camilo Castelo Branco fez muito mal ao Porto mostrando-o como uma fortaleza de brasileiros e um alegrete de mulheres vestidas de seda cor de pulga e apaixonadas por uma sobrecasaca. Não é assim…O Porto teve cidadelas, bairros, demarcações e verdadeiros círculos de cultura (…)»

Trata-se de uma história de “procura de caminhos na vida,” de maldição, de expiação, de redenção, de amor/desamor/ódio, de paixões, de vícios, de lealdade por vezes canina, por que passam as diversas personagens que encarnam as diferentes franjas sociais da cidade e dos seus arredores.

A família como esteio social mais forte, para o bem e para o mal, da sociedade nortenha no geral, e portuense em particular, simboliza quase sempre na obra de Agustina e com muita acuidade em «O Princípio da Incerteza – Jóia de Família» – tal como o fora em «Os Meninos de Ouro» «A Corte do Norte», «Vale Abraão» ou, mesmo anteriormente, em «Sibila» – o que de mais telúrico, de mais permanente e de mais transcendente, urde e cimenta a narrativa desta autora.

E muitas vezes, são elas, as famílias, as verdadeiras detentoras de poder na sua globalidade e do Poder na sua especificidade político/económico.

Tanto assim é, que mais do que o protagonismo singularizado nas personagens: António Clara, Camila, Vanessa, Touro Azul, ou na perspicaz governanta Celsa Adelaide. É o colectivo familiar de cada uma delas (os Matos Albergaria, os Roper, os Aurelianos) é que, de facto, protagoniza o romance.

Para além disso, e sobre tudo o resto, Agustina sabe contar história (s) de forma enleada, entretecida em sequências que prendem, seduzem e encantam o seu leitor.

No fundo, os livros de Agustina Bessa-Luís “assumem” em pleno, “a atitude narrativa” - como caracteriza Maria Alzira Seixo, conhecida ensaísta portuguesa – da verdadeira história ficcional.

Foi desta plena e assumida atitude e construção narrativa que emergiu: «O Princípio da Incerteza – Jóia de Família» o livro de Bessa-Luís que voltei a ler com redobrado prazer.

O Parlamento do nosso Descontentamento

quarta-feira, 23 de novembro de 2011
Ontem o nosso Parlamento deu-nos mais uma boa oportunidade de maldizer legitimamente a classe política. E, por favor, não apontem o dedo apenas ao deputado do MpD que com clareza e veemência saiu em defesa do seu líder. Foi excessivo. Mas não foi menos indigno, deselegante e vil o líder parlamentar do PAICV que em reacção e defesa do seu presidente de partido, o atacou. E que dizer do PM que espoletou o problema, quiçá como intencional manobra de diversão (que lhe teria resvalado) para desviar o cerne da questão – discussão do Orçamento do Estado?

É neste contexto mais do que em qualquer outro que se insere a conhecida citação de Bertholt Brecht: "Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento. Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem" o que na Física significa tão-somente que a qualquer acção corresponde uma reacção de sentido contrário e, na política, acrescente-se, de intensidade proporcional à natureza do telhado (vidro, betão ou outro material) do ignitor da acção.

E foi assim. O PM é useiro e vezeiro em dirigir insultos aos adversários. É um hábito que mantém e que lhe vem dos tempos em que era oposição (vide actas da Assembleia e jornais da época). E quando se confronta com uma resposta a altura, encolhe-se, faz-se de vítima e recolhe à sua “concha” apresentando-se logo como o paradigma do político brando, tolerante, impoluto, honesto, ingénuo e puro. E as pessoas que o rodeiam absoluta e selectivamente amnésicas, ávidas de mostrar serviço, saem em sua defesa qual alcateia ferida.

Não sou, nem de perto nem de longe, defensor de incursões pela vida privada de quem quer que seja. Mas o “homem público” não o é só quando está em actividade efectiva, em algumas horas do dia. A sua conduta deve ser em todos os momentos uma referência da ética e da moral vigentes para toda a sociedade e um exemplo para os jovens.

Se é certo que o que se passou no nosso Parlamento é condenável não é menos certo que não é singular nem invulgar em Parlamentos de países com muito mais tradição democrática, como o são p.e. o inglês, o italiano e muitos outros da Europa, da Ásia e das Américas. E não nos armemos em virgens puras como se fosse a primeira vez. Dirigentes e deputados do PAICV na oposição, muitas vezes ultrapassaram a barreira do pessoal para entrar na esfera directa da família o que foi, é e será sempre simplesmente execrável. Como disse Agustina Bessa-Luis “as palavras voam, o que não é escrito é perdido”. Felizmente está tudo escrito e registado.

Mas será que o deputado do MpD faltou à verdade? Se assim foi, ele deve com toda a hombridade e coragem que inegavelmente demonstrou, levantar a sua imunidade parlamentar e submeter-se à justiça. É grave a acusação que fez e fere a imagem, o prestígio e o carácter de um governante digno desse nome. E aqui depende se o PM tem verdadeiramente moral para o incriminar. É é nisto é que está o busílis. Não é na retórica que se seguiu nem no eventualmente, sublinho, eventualmente, politicamente “incorrecto”. Costuma-se dizer que “quem não quer ser lobo que não lhe vista a pele”.

Há uns tempos atrás o PM falava muito pomposamente dos seus pergaminhos da defesa da “família”. A ser sustentável a acusação, (ninguém a contradisse) será que ele tem mesmo moral para falar de família? A acusação não é de poligamia que, quer se goste ou não, (embora ilegal no nosso País) quando institucional assenta numa certa concepção de família solidária. É "multigamia" (não sei se o termo existe) que é como diz, ter muitas famílias com diferentes mulheres, uma perversão da família estruturada e solidária como a conhecemos na cultura cristã.

Já que insistimos e gostamos tanto de fazer comparações com outros países, será que o nosso PM com a sua dita serôdia volubilidade – não se trata de uma desculpável, distante e esquecida “tara” de juventude – teria alguma pequeníssima hipótese de ser político nos Estados Unidos?

Há dias vi um filme de Michael Douglas (já não me lembro do título) que versava sobre um problema de assédio sexual. O protagonista (Michael Douglas) queixava-se de ser alvo de assédio sexual por parte da sua chefe mas não sabia como apresentar isto em tribunal uma vez que se entende como tal, apenas do homem para a mulher e nunca no sentido contrário. Perante o facto, a advogada depois de o ouvir, respondeu-lhe peremptoriamente: vamos avançar com o caso. O assédio sexual não reside no sexo mas na autoridade de quem o faz. E ganhou a causa. E isto em altas esferas de uma grande instituição. Meditemos!...

Pois não deixa de ser intrigante o momento a partir do qual a pessoa do PM ganhou a fama de “garanhão”.

A. Ferreira

Ah! A D. Crise!...

sábado, 19 de novembro de 2011
Crise, crise, crise, deve ser a palavra mais ouvida, escutada e escrita, nos últimos tempos. Ela está aí na grande ordem da nossa vida.
E nem é necessário ser-se economista ou afim, para se perceber como, e de que forma, a crise se instalou entre nós.
A dona-de-casa mais atenta ou, minimamente perspicaz, apercebe-se disso no seu cabaz diário ou semanal das compras para a satisfação das necessidades domésticas.
Não há ninguém que não tenha verificado, que aquilo que comparava, há uns tempos atrás, com um determinado montante, diminuiu em muito e, algumas vezes, até para metade. O que significa que os produtos encareceram extraordinariamente.
Para além do mais, as prateleiras dos nossos super-mercados e mercearias de bairro, uma vez terminado o último exemplar da caixa, do pacote ou do frasco, o «stock» do produto terminado, não é reposto com a mesma prontidão, ou mesmo, já não é reposto de todo. O que poderá significar – continuando com a perspectiva de dona-de-casa consumidora – que o comerciante ou empresário, não está a importar em ritmo normal devido à crise instalada e quiçá também por causa do cada vez mais baixo poder de compra do seu cliente.
Note-se, não se trata de produtos “supérfluos,” ou de menor procura. Não, não se trata disso. Está a acontecer com os produtos ditos básicos, tipo: leite, bolachas, farinhas, entre outros do mesmo género, para a nossa alimentação.
Se isso não é crise, que outro nome dar-lhe?
O bom senso e a lógica das coisas levam-nos a pensar que se a crise chegou aos países europeus da grande economia em relação a nós, mormente a uma nano-economia, como é a deste pequenino país que pouco ou nada produz?
Para terminar e tal como comecei, a crise está aí, sem disfarces, a preocupar e a apoquentar – de forma directa ou indirecta – a vida de cada cidadão.

Imprevistos agradáveis…

domingo, 13 de novembro de 2011
Recentemente na ilha do Fogo, mais exactamente na Vila da Igreja (peço desculpas, mas custa-me mesmo chamá-la “cidade”) nos Mosteiros, decidi oferecer um conjunto de livros a uma turma do 12º Ano e cujo professor da disciplina de Literatura cabo-verdiana que fora antigo aluno meu e muito estimado – aliás, são-no todos os meus antigos alunos pois que assim os recordo – no ISE, me havia convidado para que também conversasse um pouco com os seus alunos sobre a modernidade literária nacional.
Dirigi-me à Escola Secundária no Laranjo para cumprir a agradável missão e eis que me é comunicado que os planos haviam sido alterados. Em vez de estar à conversa com uma turma de vinte alunos apenas e oferecer a cada um deles um livro, os professores das restantes turmas do 12º ano - de que também fazia parte um outro antigo aluno - do (extinto) Instituto Superior da Educação, mas que eu não estava a par. Daí ter sido igualmente bom revê-lo - quiseram do mesmo modo que os seus alunos participassem da espécie de palestra não prevista e convidaram-me para falar para duas audiências - dividida em turma e meia para cada hora e meia - na sala maior que a escola possuía.
E mais, também haviam decidido que os livros seriam para “premiar” os alunos que melhores notas obtivessem nos próximos testes de literatura.
Claro que a tudo anuí e dispus-me a aceder a totalidade do pedido de todo inesperado.
E foi assim que passei essa tarde quase toda com os estudantes do 12º Ano da Escola Secundária dos Mosteiros a falar-lhes sobre os temas que haviam escolhido e que calhou naquilo que corresponderá a um modernismo e a um post-modernismo da nossa escrita literária.
Mas mais do que falar de literatura, foram as pequenas e muito agradáveis descobertas que fui fazendo ao longo das horas que aí estive. Desde da aluna do 8º Ano que bate à porta e pede timidamente para assistir à aula, segundo ela, especial, e que posteriormente me confessa que havia lido numa semana, a colectânea: «Elas Contam» no exemplar da Biblioteca da escola, passando pelo aluno que me perguntou se os temas para a poesia cabo-verdiana se haviam esgotado actualmente e que ao mesmo tempo me ofereceu um texto poético por ele feito recentemente, para a celebração do dia Mundial da Água indo até – e esta foi a melhor de todas as descobertas da tarde – verificar que alguns alunos gostavam de ler mais do que muito de nós, os da velha geração, julgam e criticam-nos por lerem tão pouco.
Por fim, os aplausos e os abraços e muitas fotografias com as máquinas dos próprios alunos que entenderam desta forma registar a agradável tarde passada. Para mim foi de facto, bem agradável.
Tive ainda a oportunidade de fazer uma rápida passagem pela Biblioteca da escola. Achei-a muito insuficientemente apetrechada.
Daí que, e para finalizar, tomo a liberdade de fazer um pedido dirigido não só a foguenses, mas a todos os que puderem que contribuam com livros para a Biblioteca da Escola Secundária (bem periférica) dos Mosteiros, na ilha do Fogo.

Pequeno-almoço Comemorativo…

segunda-feira, 7 de novembro de 2011
A propósito de mais um aniversário do Instituto Internacional da Língua Portuguesa – IILP, recentemente comemorado, foi pretexto para o seu actual Presidente oferecer um simpático Pequeno-almoço ou um Café da manhã, que foi igualmente ocasião para, à volta da mesa, os convivas conversarem e, dialogarem sobre o passado e o presente do IILP.
Para mim, sobressaiu desde logo, a notícia – que achei muito interessante – de que se está a criar algum consenso entre os Estados membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, igualmente países integrantes do IILP, de denominarem as línguas escritas e faladas em cada um dos países com um registo nacional.
Assim, serão Línguas angolanas, o português, o Umbundu, o Kimbundo, entre outras línguas vivas angolanas. Situação idêntica para o Brasil, ao chamar os seus idiomas (que se descobriram numerosos, a par do português) de Línguas brasileiras. Em Portugal já se sabia que o português e o mirandês são línguas nacionais.
Na mesma linha, fomos informados de que Cabo Verde pretende passar a denominar o português e o crioulo como Línguas cabo-verdianas.
Creio que esta solução é sensata e que servirá talvez melhor os interesses dos seus falantes. Para além de – acredito – apaziguar muitas das polémicas e dos constrangimentos de vária ordem que têm surgido em matéria de definir a língua nacional, a(s) língua(s) materna(s), a língua oficial, quer nas Constituições de cada Estado, quer em outros documentos especializados dos países falantes “oficial” da língua portuguesa.
Refiro-me particularmente e sobretudo, às dificuldades nesta matéria, dos países do chamado PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa) os quais conheceram novas e, por vezes, complexas situações linguísticas após a independência, e que querem preservar e consagrar esse imenso património linguístico encontrado.
É minha convicção também de que a Língua Portuguesa continuará a ser a língua de união e a língua fundamental para se veicular o ensino aos cidadãos da CPLP.
Parabéns ao IILP, por mais um ano de funcionamento, de percurso algo trabalhoso e por vezes mal compreendido, mas também de afirmação paulatina e positiva em prol da língua comum.

Com que então blindados contra crise?!...

sexta-feira, 4 de novembro de 2011
Há já algum tempo alguém com muita responsabilidade na governação, dizia, não me lembro já em que contexto, que Cabo Verde estava blindado (o termo é dessa pessoa) contra a crise.

Fiquei surpreendido porque a afirmação provinha de uma pessoa por quem nutria (e ainda nutro) muito apreço; e também um pouco apreensivo porque a conclusão não coincidia com a percepção que eu tinha (e ainda tenho) da realidade cabo-verdiana e da fragilidade dos seus sistemas económico e financeiro. Na expectativa, em vez de me posicionar como S. Tomé – “ver para crer” – fui obrigado por força das circunstâncias a postar-me como um jogador de póquer – “pago para ver”. E há muito que venho pagando bem caro esta minha curiosidade.

Mas o grave é que, se calhar, é esta posição que deu asas aos disparates e devaneios megalómanos do PM e às suas insensatas promessas. Tinha respaldo…

O caricato agora da situação é a proposta repentina do PM de "reunir consenso para o combate à crise" quando se esperava da parte do Governo, em primeiro lugar, um pedido de desculpa formal e público pelo tremendo e grave logro em que nos fez cair e acreditar. É que a crise não é de hoje e os nossos défices orçamentais continuam a apontar de forma sistemática para o despesismo pondo em perigo o Acordo Cambial com o Euro.

Como nunca é tarde, cá estamos nós prontos a sacrificarmos, pelas imprudências e imprevidências, ou mesmo incompetência, deste governo. Mas o governo se quer austeridade e contenção tem que dar exemplo. E este exemplo passa pela racionalização das suas instituições, a começar pela estrutura do governo.

Assim como ficou provado que o Ministério do Desenvolvimento Social e Família foi um “job for a boy”, portanto dispensável e consequentemente inútil como tal, poder-se-á encontrar ainda outros porque também criados com o mesmo propósito – satisfazer a clientela.

Serão mesmo necessários 3 (três) ministérios para tratar da nossa Educação, Ensino e Cultura? Não estará a mais o Ministério das Comunidades, cujo conteúdo funcional foi sempre assumido pelo Ministério dos Estrangeiros? E quantas direcções gerais têm como dirigente apenas o director-geral? E os vários conselhos de administração com administradores “fantasmas” que só aparecem para receber os salários (normalmente são depositados na conta dispensando as suas presenças) e pôr a cruzinha (assinatura) duas ou três vezes por ano nos “programas”, “orçamentos” e “relatório e contas”?

Comece já por aí porque amanhã poderá ser tarde, Senhor Primeiro-Ministro, e nós então acreditaremos que na realidade quer combater a crise…

AF