quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

 

Para que a (co-)oficialização da língua cabo-verdiana ocorra, é necessário que ela seja considerada e assumida como parte integrante de um projecto político mais vasto”, Dulce Lush

Entrevistada por António Monteiro[i]

Colóquios, conferências, workshops, conversas abertas, encontros com estudantes e professores assinalaram um pouco por todo o país mais um Dia Internacional da Língua Materna. Em conversa com o Expresso das Ilhas, a antiga professora e autora de vários artigos sobre a problemática linguística em Cabo Verde analisa os vários discursos proferidos por experts, académicos e políticos durante estes dias para concluir que houve uma certa babelização do debate. “Enquanto cidadã, a minha percepção é que sistematicamente é-nos apresentada uma opção binária: a favor ou contra a (co-)oficialização da língua cabo-verdiana, o alfabeto cabo-verdiano, a língua cabo-verdiana como língua de ensino, etc”. Na sua opinião, um tal debate é redutor e impede-nos de levar em conta toda a complexidade da realidade linguística. “O próprio vocabulário, utilizado por entidades políticas ou académicas, mas também pelo público, é um indicador: luta ou combate”, aponta.

 

Aquando das celebrações de mais um Dia Internacional da Língua Materna, foram feitas várias declarações. Destacaria alguma delas em particular?

Autorizo-me um trocadilho para lhe responder que o que mais reteve a minha atenção foi uma certa "babelização" do debate. Enquanto cidadã, a minha percepção é que, sistematicamente, é-nos apresentada uma opção binária a favor ou contra a (co-)oficialização da língua cabo-verdiana, o alfabeto cabo-verdiano, a língua cabo-verdiana como língua de ensino, etc. 

“Eu não falaria de problemas ligados à língua materna porque esta goza de boa saúde e não tem problemas.”

Um tal debate é redutor e impede-nos de levar em conta toda a complexidade da realidade linguística. Aliás, parece que esta problemática serve, muitas vezes, de álibi para a defesa de modelos culturais não necessariamente partilhados pelo conjunto da população. O próprio vocabulário, utilizado por entidades políticas ou académicas, mas também pelo público, é um indicador: “luta” ou “combate”; referências a “raças” diferentes, que corresponderiam às línguas cabo-verdiana e portuguesa e, até, uma surpreendente e anacrónica ideia de “consolidação da independência de Cabo Verde”. Acabo por perguntar, afinal, o que é que está em discussão, realmente?

Mas pensa que a oficialização do crioulo irá resolver todos os problemas ligados à língua materna?

Eu não falaria de problemas ligados à língua materna porque esta goza de boa saúde e não tem problemas. Penso que haverá problemas ligados, sim, à co-oficialização da língua cabo-verdiana. Para que esta ocorra, é necessário que ela seja considerada e assumida como parte integrante de um projecto político mais vasto. Este, por sua vez, deve poder contar com uma expertise plural e multidisciplinar e com pontos de vista divergentes, que possam esclarecer o poder político para a tomada de decisões. Isto é importante porque a política é um espaço onde se tomam decisões a serem partilhadas por todos e não pode ser transformada num espaço onde se aplica, directamente, a ciência. Relativamente à língua materna, eu penso, ainda, na questão da escrita, ou melhor, no papel central que ela ocupa no nosso sistema político e cultural. A norma escrita é, não só o modo de comunicação privilegiado da administração pública, mas

“a Língua Cabo-verdiana é constitucionalizada, em 1999, é quando se ouvem as maiores reivindicações e denúncias de uma suposta “falta de dignificação” e da sua “inferiorização”. Quando ela não era sequer considerada juridicamente, ou seja, nos primeiros 25 anos da República, não se ouvia esse tipo de acusações. “

 também, é um dos fundamentos da república. Logo, passar de um Estado unilingue para um estado bilingue é uma transformação profunda, que diz respeito aos alicerces de todo o edifício. E o que, a meu ver, subjaz ao artigo 9º da Constituição da República: o processo tem que ser encaminhado de modo a que todos, o aparelho do Estado e os cidadãos partilhem o mesmo sistema linguístico, constituído este por duas línguas. O processo encontra-se, ainda, num estádio em que a LCV não dispõe de uma “ortografia estável”, o que não poderá deixar de ser feito.

Então, a oficialização pressupõe a padronização da língua cabo-verdiana. Esta poderá ser um factor de divisão?

Bem, eu não vou entrar em questões técnicas, dado que estas dispõem do seu espaço próprio. Mas vou considerar a situação em que cada um de nós fala e continuará a falar a sua variante própria e em que não é de todo viável que cada um escreva “como fala”. Um exemplo simples: qual é a forma correcta de escrever o nome dos numerais 2, 3 ou 24". Ora, não produzimos os mesmos sons quando pronunciamos tais palavras e se escrevermos como pronunciamos, o

“A norma escrita é, não só o modo de comunicação privilegiado da administração pública, mas também é um dos fundamentos da república.”

 resultado será uma grande diversidade de formas. Pode-se imaginar que as crianças aprendam a escrever conforme a variante utilizada? Ou que a declaração de impostos seja escrita de formas diferentes, conforme a variante que o contribuinte utiliza?

Trata-se de uma fraqueza do alfabeto fonológico?

Não propriamente do alfabeto fonológico, mas uma fraqueza, creio, da forma como o processo tem decorrido. Faltam esclarecimentos e pedagogia. É indispensável saber o que se vai fazer e como se vai fazer; com que meios; quais os objectivos e que resultados se podem esperar. Penso que existe um desfasamento entre a retórica e as decisões políticas, o que acaba por confundir as pessoas. E o que me leva a questionar se o problema não tem que ver com a incapacidade das instituições em responder às demandas da sociedade e às exigências de uma sociedade mais harmoniosa.

O ministro da Cultura considerou que a problemática das variantes do crioulo é uma falsa questão. Podia comentar?

A partir do momento em que a população tem dúvidas sobre o que está a ser feito e carece de esclarecimentos, parece-me que que se trata de uma verdadeira questão. Aliás, é o próprio Ministério da Cultura que publica um texto com a seguinte afirmação nu tem nove variantes pa nove ilhas pamodi sima nu ta papia na nôs ilha é si ki nu ta skrebi. Deve-se compreender que é a variante do Ministério da Cultura e das Indústrias Criativas a utilizada na redacção? A pergunta que se seguirá, provavelmente, será “Então, e a variante da minha ilha?" Temos, aqui, a demonstração de como se alimentam dúvidas e tensões no seio da população.

O Presidente da República numa entrevista a esta Jornal, na semana passada, refere-se, repetidamente, às “nossas duas línguas nacionais´. Que sinais estará a emitir?

Interpreto a afirmação do Presidente da República como uma tomada de posição, tanto mais importante que ela não é condicente com a Constituição da República, a qual determina que “É língua oficial o Português”. Ora, a não-coincidência entre o que defende o Presidente da República e a Constituição da República, na melhor das hipóteses, causa perplexidade. Mas leio também um paradoxo, o qual se tem manifestado de forma cada vez mais visível: a partir do momento em que a Língua Cabo-verdiana é constitucionalizada, em 1999, é quando se ouvem as maiores reivindicações e denúncias de uma suposta “falta de dignificação” e da sua

“A não coincidência entre o que defende o Presidente da República e a Constituição da República, na melhor das hipóteses, causa perplexidade.”

“inferiorização”. Quando ela não era sequer considerada juridicamente, ou seja, nos primeiros 25 anos da República, não se ouvia esse tipo de acusações. Talvez seja o sentido da declaração que o PR fez em Novembro, quando disse que estará “na linha da frente no combate para a língua materna” (cito de memória). Creio que os contornos desse “combate" deveriam ser melhor definidos, pois, é um desafio democrático, o de partilharmos os mesmos princípios e valores fundadores da Nação. Aqui, eu recordaria que, em 1985, por altura da mesa-redonda “Identidade Cultural Cabo-verdiana”, o então ministro da Educação e Cultura, Corsino Tolentino, defendia a utilização do “instrumento (a língua portuguesa) que temos e que é tão nosso como o crioulo”. Por altura do 10° aniversario da independência, e quando ainda se podia esperar uma maior necessidade de afirmação cultural, a questão parecia resolvida, com o mesmo ministro a admitir “a existência de uma identidade cultural sem se fazer uso de uma 

“Acabo por perguntar, afinal, o que é que está em discussão, realmente"

língua exclusiva”. Que, hoje, voltemos a essas questões, levam-me a perguntar em que momento nos desviamos do caminho e se não se impõe uma “recaboverdianização dos espíritos”, como forma de superar essa tensão que se quer instalar. Quanto à ideia de “o crioulo ser a forma de expressarmos melhor os nossos afectos” defendida pelo PR, eu concluiria parafraseando a cantora Diva, pois cada um sabe como há-de dizer I love you, sem que tal determine o grau de cabo-verdianidade das pessoas.



[i] In Expresso das Ilhas de 23.02.22

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

 

Do valor da(s) língua(s) materna(s) e da diversidade linguística

Opinião de Margarita Correia[i]

Celebra-se hoje o Dia Internacional da Língua Materna, proclamado pela Conferência Geral da UNESCO em 1999. A proclamação visou o reconhecimento de que as línguas e o multilinguismo podem promover a inclusão. A UNESCO acredita que a educação, baseada na primeira língua ou língua materna, deve ter início logo nos primeiros anos de vida das crianças, uma vez que os cuidados infantis e a educação básica são fundamentais para o desenvolvimento da aprendizagem. Enquanto linguista e cidadã, não posso estar mais de acordo.

Apesar de benéfico para as crianças, promover o ensino em língua materna pode esbarrar com obstáculos dificilmente transponíveis por comunidades que falam línguas minoritárias, menorizadas e até em risco de extinção, distintas das oficiais ou oficializadas dos Estados a que pertencem, e geralmente pobres.

Para promover a educação em uma dessas línguas são necessárias três conquistas, cujos efeitos são basilares. Por um lado, a comunidade que a fala tem que resistir ao entorno adverso e valorizar a sua língua, cultura e identidade, reconhecendo a importância da educação dos seus filhos na sua própria língua, reforçando o seu amor-próprio e acesso à cidadania plena. Por outro, a língua deverá ter alguma forma de representação escrita estável, descrições do seu funcionamento e (meios para criar) material didáctico. Por fim, a cultura dominante, expressa na língua oficial, deve cultivar valores democráticos e respeito pela diversidade.

Forçoso é, neste contexto, lembrar alguns países de língua oficial portuguesa, por serem países de enorme diversidade linguística, mas em que apenas uma, a exógena, é língua de poder, como Angola, Guiné-Bissau, Moçambique ou Timor-Leste. A verdade, porém, é que todos os países da CPLP são multilingues, pela manutenção das línguas autóctones, pelo desenvolvimento de crioulos, línguas gestuais ou de sinais e pelos imigrantes, que trazem consigo as suas línguas e culturas – e. g. o Brasil, além das suas línguas indígenas (talvez mais de 160 – foram muitas mais e ainda não se avaliaram os efeitos da presente pandemia), da língua brasileira de sinais e dos registos de fronteira (portunhol), conta com muitas línguas de imigração em uso (e. g. alemão, japonês, italiano ou pomerano, língua baixo-saxónica, do grupo das faladas na região do Báltico, provavelmente extinta na Europa após a II Guerra Mundial, mas falada em Estados como Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Espírito Santo).

Também Portugal é um país cada vez mais multilingue (e multivarietal), embora a sociedade não se tenha ainda capacitado da riqueza que essa diversidade lhe traz. Além de português, mirandês, língua gestual portuguesa e línguas dos países de língua portuguesa, importa realçar as muitas línguas que fazem hoje parte do nosso panorama linguístico, fruto da imigração e do acolhimento de refugiados. Uma prova do impacto desta diversidade linguística foi a entrada da disciplina de Português Língua Não Materna (PLNM) no currículo nacional, no início do século, e as suas novas regras de funcionamento, publicadas a 16 de Fevereiro, com o objectivo de tornar a escola mais inclusiva.

Possibilitar o desenvolvimento da(s) língua(s) materna(s) e a exposição precoce a outras línguas é um dos mais importantes patrimónios que podemos legar às futuras gerações, que se tornarão assim mais preparadas e tolerantes. As nossas crianças apenas têm a ganhar em conhecer outras formas de ver o mundo e outras formas de o expressar. De resto, todos nós também.

 



[i] Professora e investigadora, coordenadora do Portal da Língua Portuguesa - In DN de 21.01.22.

Era só o que nos faltava!...

O texto que se segue foi  aqui publicado,  a 22/02/2022. Repesquei-o e volto a (re) publicá-lo,  O texto que se segue foi  aqui publicado,  a 22/02/2022. Repesquei-o e volto a (re) publicá-lo, porque  o assunto é sério e é trágico -  a Excisão - infelizmente, não perde actualidade e é tremendamente inquietante e tenebroso, para a condição humana, com particular incidência para a condição da mulher.

E  mais grave para mim se torna quando vejo que  a sociedade cabo-verdiana se tornou responsável e mais diria, quase cúmplice também, deste que hoje é - internacionalmente - considerado crime: a excisão. 

Refira-se  o facto de aparecer a nacionalidade cabo-verdiana -  contabilizada, registada e denunciada por alguns  hospitais portugueses, no meio de mulheres, guineenses senegalesas, nigerianas, entre outros países africanos, emigrantes e residentes em Portugal  -  como tendo também excisadas. 



Tenho lido e ouvido notícias, através da imprensa portuguesa, sobre mulheres excisadas, oriundas de África residentes e/ou imigradas em Portugal, e que são denunciadas - pelos hospitais portugueses, ou através das consultas de ginecologia, ou, através dos partos feitos nas maternidades - à justiça portuguesa, uma vez que em Portugal a excisão está classificada como crime.

Mas dizia eu, tenho lido e escutado essas notícias e, com muita surpresa e não menos preocupação, leio também, pois que vêm mencionadas, mulheres de nacionalidade cabo-verdiana, entre mulheres guineenses, nigerianas, quenianas e de outras nacionalidades africanas, excisadas.

Terei escutado bem? Mulheres cabo-verdianas excisadas? Desde quando? Meu Deus!... Esta coisa abominável, não pode estar a acontecer na nossa comunidade!

 Só no ano de 2021, foram registadas nos hospitais portugueses perto de três centenas de jovens mulheres africanas excisadas.

 Segunda a Agência Lusa: “ Estima-se que vivem em Portugal, 6.500 mulheres excisadas, a maior parte oriunda da Guiné-Bissau.”

Trata-se de estatísticas hospitalares de mulheres e nelas se incluíram mulheres de nacionalidade cabo-verdiana em Portugal, que acedem também aos hospitais, para consultas de ginecologia; para os partos e algumas, apresentam-se com a ablação do clitóris.

Acontece que em Portugal, nos hospitais mais frequentados por mulheres de origem africana, existe actualmente, uma comissão fiscalizadora, constituída por pessoal da saúde, destinada a descobrir e a denunciar este horror perpetrado no corpo feminino das islamizadas, de algumas etnias guineenses e mulheres de outras outros países africanos, sobretudo, as da África ocidental, imigradas naquele país europeu.

A propósito disso, tomei a liberdade de transcrever o Artigo de Ana Meireles, do Jornal Diário de Notícias de 5 de Maio de 2022:

“A 6 de Fevereiro celebrou-se o Dia Internacional da Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina, prática que em Portugal considerada crime autónomo desde 2015, punido com pena de prisão de dois a dez anos.

O grupo do Amadora-Sintra foi criado precisamente em 2015. Actualmente é constituído por três enfermeiras especialistas em saúde materna e obstetrícia e uma médica obstetra, oriunda da Guiné-Bissau. Desde a sua criação até 2021, este grupo já identificou naquele hospital 217 mulheres vítimas de mutilação genital feminina, sendo que nenhuma das práticas terá sido efectuada em Portugal. Este ano já foram identificados mais cinco casos. "Temos mulheres da Guiné-Bissau, da Guiné-Conacri, da Nigéria, do Senegal, da Gâmbia e de Cabo Verde. A média de idades é 29 anos e a maioria das mulheres não se lembra quando é que foi feita esta mutilação. Nós supomos que foi numa altura mais de infância"” Ana Meireles. Diário de Notícias de 5/02/2022

Mas o que significa este claro retrocesso na dignidade e no respeito do corpo feminino, já agora, da mulher cabo-verdiana?

Nunca houve essa prática funesta nestas ilhas cristãs! O que se terá passado para que este horrendo atentado ao corpo e ao psíquico da mulher tenha migrado para as ilhas? Excisar algumas das nossas meninas? Abrenúncio! Que eu esteja completamente enganada! – é tudo o que desejo! – Só de pensar que tal acto é muitas vezes feito, sem quaisquer cuidados e nem preocupações sanitárias, é arrepiante!    

Questiono angustiada e espantada, as organizações e as associações cabo-verdianas, para a defesa e para a dignidade do ser humano, no caso das mulheres, aqui, e em Portugal, se alguma tem conhecimento - deste autêntico martírio infligido por uma prática religiosa/cultural que nos é completamente alheia, culturalmente falando, - a nossa matriz é cristã - e que também nada tem a ver com a forma de ser e de viver da sociedade, cabo-verdiana? Que é, reitero, de matriz cristã!

Ou, então, este fenómeno terá sido resultado, da emigração dos continentais africanos - que a praticam - para Cabo Verde, que aqui têm as filhas (registadas com nacionalidade cabo-verdiana, naturalmente) e que depois emigram para Portugal. Assim sendo, o registo delas nos hospitais portugueses traz a nacionalidade, adquirida por nascimento. Se assim for, é nossa obrigação defender também essas meninas, filhas de guineenses, mas aqui nascidas. Defendê-las desta prática criminosa.

 As Organizações mundiais que tratam de questões ligadas à dignidade da mulher, há muito que estão de alerta contra a mutilação genital feminina.

O pior é que já têm possivelmente registo deste pequeno Arquipélago, como sendo um dos países em  que se pratica este crime hediondo no corpo da mulher.

 E nós? O que estaremos a fazer neste sentido, para deplorar e tentar acabar com tal prática?

Embora tradicional na comunidade islamizada guineense que aqui vive, não deixa de ser nefasta à saúde das meninas, que de tenra idade, sofrem tal horror, pelo que deve ser contrariada veementemente.

Um dado que é importante é que em Portugal existem já muitas Associações guineenses que defendem: “o abandono dessas práticas tradicionais na Guiné-Bissau e que pedem que poupem a novel geração feminina, já nascida em solo português”. Também sei que, na Guiné-Bissau, já se movimentam algumas organizações da sociedade civil, no sentido de se pôr cobro a tal prática.

De novo me dirijo às Organizações de Mulheres, às Associações cívicas, ao Ministério da Família, aos Deputados, ao Governo e às instituições de Saúde deste meu país, pedindo que nos esclareçam sobre o que de facto se passa em Portugal com algumas mulheres de nacionalidade cabo-verdiana, que já estão contabilizadas nas estatísticas de excisadas, dos hospitais portugueses?

Por favor! Não vamos permitir que esta prática monstruosa se introduza e se pratique em Cabo Verde. E muito menos, permitir que Cabo Verde figure nessas tristes e vergonhosas estatísticas, actualmente execradas e condenadas, um pouco por todo o mundo, dos países que praticam a excisão.

 Era só o que nos faltava! Já não nos chegavam outros males sociais, agora mais este, bárbaro e violento ao corpo da mulher, e que era há pouco anos, completamente desconhecido na sociedade cabo-verdiana.

O assunto é sério e trágico!

Vamos pôr cobro a isto!

 

 

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

 

 

Por ter achado actual e interessante, a perspectiva da entrevistada, a eurodeputada belga, Assita Kanko, aqui se publica, o texto transcrito do Jornal Diário de Notícias de 17/02/2022. O texto foca temas como a incapacidade e a rapacidade de muitos Líderes africanos, no que toca ao desenvolvimento e ao bem-estar dos respectivos países e povos; o perigo do Jihadismo violento, que grassa e destrói o Continente africano; e a culpa dos governos africanos no que respeita às vagas de deslocados, e da emigração clandestina de africanos para a Europa neste século. 

Finalmente, o reparo maior da Deputada europeia de origem africana, vai para a Europa que  continua a errar na ajuda ao desenvolvimento dos países africanos, dando dinheiro, dinheiro esse, que vai quase que directamente, para "bolsos errados." 

 

 

Assita Kanko

“A Europa está 60 anos atrasada em África”

Eurodeputada belga, que cresceu no Burkina Faso, critica “mentalidade do passado”, numa Europa que perde “oportunidades” em África, insistindo no “remédio errado”.

Entrevista conduzida por JOÃO FRANCISCO GUERREIRO, Bruxelas [i]

Assita Kanko foi eleita pelo partido nacionalista flamengo N-VA e senta-se no grupo dos Conservadores e Reformistas Europeus.

Que expectativas tem sobre a cimeira UE-África?  Não é tarde para travar a influência de outros actores como Rússia ou mesmo Turquia?

 A Europa ainda não acordou. Há um pouco de sonambulismo no caos. O jihadismo tem progredido, especialmente no sul de África. A região foi tomada pelos jihadistas e pelos autocratas da Rússia, enquanto Erdogan anda a circular para falar sobre negócios com a Turquia.

A Europa está a falhar?

Falhamos porque temos uma abordagem muito conservadora na relação com a África. Apenas queremos ajudar, em vez de trabalhar com África. É uma escola muito antiga dos anos 1960. Mas, hoje estamos em 2022. Então a Europa está 60 anos atrasada em África. A Europa pensa que o que tem que ver com a África é para a África, mas na verdade também é para a Europa. Tem de ser uma parceria vantajosa para ambos. A Europa está a perder influência e oportunidades. A cimeira foi adiada. E agora, podíamos esperar algo de novo. Mas o que aconteceu? A presidente da Comissão foi para a África e fez exactamente o mesmo circo que veio a ser repetido por antigos líderes europeus.

Refere-se ao anúncio de 150 mil milhões de investimento nos próximos sete anos?

Sim. Falamos de milhares de milhões. Mas eu acredito no sector privado, na economia. Agimos como se fôssemos fazer o trabalho dos presidentes africanos. E qual é o trabalho deles então? Não acredito nessa solução. Ir lá e acenar com dinheiro nunca funcionou. Estou muito céptica porque o cenário é o mesmo e para mim é um déjà vu. Não fico só triste, mas também furiosa. É uma enorme falta de respeito pelo potencial humano e falta de consciência da realidade. Quando analisamos, o dinheiro aumenta e vemos a segurança a diminuir e a responsabilidade dos líderes a diminuir. E isto não faz soar alarmes na Europa. Nunca vi outro cenário. Nasci e cresci em África, no Burkina Faso. Vi líderes europeus que vieram com cheques. Sabe o que mudou na minha vida de jovem em África? Absolutamente nada. A única coisa é que o presidente tinha mais dinheiro para nos intimidar como estudantes. E é tudo. E, dinheiro europeu.

O plano que vai ser apresentado na cimeira envolve condicionalidades nos direitos humanos, direitos das mulheres, saúde sexual e reprodutiva, governança, valores e outras áreas. Vê em África a vontade de responder a estes compromissos?

Haverá sempre resposta. Se formos para a praça pedir às pessoas que digam o que queremos ouvir, dermos um cheque, as pessoas vão concordar. Não é o plano que está fundamentalmente errado. É o controlo e a prestação de contas.

O que pode ser feito?

Os jovens africanos são fortes, inteligentes e motivados. Eles não são indefesos. Não estão sentados à espera de que a Europa venha salvá-los. Antes de ingressar na política, no sector privado vi como é difícil estruturar uma operação bancária com alguns países africanos. Precisamos de ouvir os bancos, quais são os problemas com que se deparam. A segunda questão que enfrentei foi a da contabilidade das PME. Para muitas PME, em África, não se consegue a contabilidade deles ou não é centralizada. Há empresas que têm muito potencial, que têm muito dinheiro, mas que não têm estrutura legal, como aqui, onde se pode simplesmente ir ao Banco Central e avaliar o potencial de uma empresa. Em África não. A dívida do país também nunca é boa por causa da burocracia ou por causa dos maus hábitos. E tudo isso não é levado em consideração. O que a Europa está a fazer é a dar o remédio errado a um paciente que ainda não está doente. Dando o remédio, o paciente fica doente porque quer aquele remédio, quer aquele dinheiro, quer o dinheiro grátis.

Mencionou os jovens. Todos os anos há milhares que chegam à Europa. As migrações são um dos temas da cimeira. Como deve ser tratado pelos governos da UE e de África?

A grande, grande questão é que os líderes africanos precisam de ser líderes dos seus próprios países e fazer o próprio trabalho, ajudar os seus povos, amparar os jovens e procurar ambientes seguros para eles e para as empresas. Os países são independentes desde os anos 1960. Porque é que o relacionamento ainda é baseado no velho paradigma? Se a mentalidade não mudar, os mesmos erros produzirão os mesmos resultados. Em segundo, a crise migratória não é apenas por razões económicas, mas também por razões de segurança. Se vir como os jihadistas incendiaram países como Burkina Faso, Níger, Mali... Mas quando o islamismo começou a invadir a religião, o que fizemos como comunidade internacional? Fechámos os olhos. E agora 1,5 milhões de pessoas estão deslocadas no Burkina Faso por causa do islamismo e dos criminosos russos que estão lá com o grupo Wagner.

Falou numa mentalidade do passado e em déjà vu...

Tinha 7 anos quando vi o primeiro golpe de Estado no Burkina Faso. E algumas pessoas estavam a dançar nas ruas e algumas também estavam a chorar. E ouvia os meus pais: tens de te deitar. Porque nunca se sabe o que pode acontecer. E, na verdade, depois, ouvimos a Europa a apelar ao regresso da ordem constitucional. Mas que ordem constitucional? Também não havia antes. Sempre foi o mesmo presidente. E mudou a Constituição para permanecer presidente. Pedir para voltar à ordem constitucional mostra quão pouco é o conhecimento da Europa. Então achamos que o dinheiro vai resolver os problemas. Nós damos o dinheiro, o dinheiro vai para os bolsos errados e é usado. Isso está a ajudar ditaduras e a intimidar pessoas comuns.

O seu trabalho na área dos direitos das mulheres é conhecido. Têm existido avanços neste campo?

Vejo algum progresso, um progresso não muito forte, mas algum que vem das próprias mulheres.

 



[i] In Diário de Notícias de 17.02.22

«Ao Correr da Memória – pequenas Histórias da Minha Vida» Autor: Diogo Freitas do Amaral

domingo, 13 de fevereiro de 2022



- Uma Leitura -  

O autor, Diogo Freitas do Amaral, dispensa apresentação. Possuidor de um vasto curriculum académico e político; regista neste livro, as suas memórias. Não só as de grandes acontecimentos políticos, mas também, memórias sociais, pessoais e afectivas.

Mas antes de entrar no livro propriamente dito, vamos conhecer um pouco a vida do seu autor. Uma breve biografia:

Diogo Freitas do Amaral nasceu em 1941 na Póvoa de Varzim e faleceu em Lisboa em 2019. Formado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, aí se doutorou em 1967 e foi Professor catedrático da mesma Faculdade. Reputado especialista em Direito Público, com vasta obra escrita nesse domínio. Foi co fundador da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa e seu primeiro Director.

Distinguiu-se igualmente como Político, foi um dos fundadores do Partido CDS (Centro Democrático Cristão), depois do 25 de Abril de 1974. Várias vezes membro de Governo, em sucessivos governos de aliança democrata.

Foi Presidente da Assembleia-Geral das Nações Unidas, cargo desempenhado entre 1995 e 1996.

Das suas ideias políticas, destaca-se aquela que era para Freitas do Amaral, fundamental: ele defendia para Portugal um modelo político de democracia cristã de matriz europeia.

Escritor, dramaturgo, autor da famosa peça: «O Magnífico Reitor», entre outras peças teatrais.

Igualmente temos em Freitas do Amaral, um investigador probo da História portuguesa. Sobre isso, ele legou-nos um vasto acervo escrito que abarca também figuras e personalidades relevantes que marcaram a História do seu país. A par disso, escreveu dezenas de livros sobre Direito Administrativo.

Uma nota pessoal - Tive o prazer de o conhecer, creio eu que da última vez que ele esteve em Cabo Verde, mais concretamente em 2013, em Mindelo, na ilha de São Vicente, quando ele foi o padrinho do antigo e saudoso Presidente da República, António Mascarenhas Monteiro, na cerimónia de Doutor «Honoris Causa» deste último, realizada pela Universidade de Mindelo.

Falámos de Literatura… sobre os Contos de Eça de Queiroz e impressionada fiquei com a reprodução memorizada que ele fez das palavras, dos diálogos de alguns Contos, com destaque para o conto: «José Matias».

E à colação, trouxemos para a nossa conversa, a velha questão de se desenvolver a memória nos alunos, desde os inícios da escolaridade, das vantagens disso e o grande adjuvante que é, a boa memória, para a nossa inteligência. Falámos disso como colegas de profissão, professores, cada um no seu nível, e ambos, defensores de uma boa exercitação da memória em tempo de escolarização.

O interessante também, é que percebi nele, uma verdadeira admiração de leitor, pelo filho, o escritor Domingos Amaral e a este propósito, comentámos o belo livro: «Enquanto Salazar Dormia».

Freitas do Amaral, uma simpatia em pessoa, portador de uma cultura elevada e levada sem ostentação, à naturalidade da sua conversação. São estas as impressões que guardei e guardo do Professor Freitas do Amaral. Fecho a nota pessoal.

Posta esta já longa introdução, mas que aquém ficou da vasta biografia de Freitas do Amaral, passemos então ao livro «Ao Correr da Memória».

O livro como referi no início deste escrito, é composto de várias pequenas (uma página, meia-página) crónicas, dispostas cronologicamente. Assim temos o capítulo da Infância e da Juventude em que o autor, através de quadros/crónicas, retrata cenas dessa fase de vida marcante. A começar em casa paterna com o seu baptismo e o ambiente familiar, passando pelo Liceu, e pela Faculdade de Direito, em socialização com colegas e amigos, retratando também aspectos peculiares dos professores que foi tendo ao longo da sua vida escolar.

A seguir o leitor é convidado a acompanhar, a vida adulta, profissional e social do autor, curiosamente não apenas, através de textos pessoalizados, mas sobretudo, através de eventos e de personalidades destacadas da vida política do Estado Novo e igualmente de famosos do depois do 25 de Abril de 1974, altura em que o próprio autor é membro fundador e Líder do Partido, o CDS. Freitas do Amaral foi Vice -Primeiro Ministro no Governo de coligação chefiado por Sá Carneiro. Participou também no governo socialista, chefiado por José Sócrates, como Ministro dos Negócios Estrangeiros.

Assim sendo, o livro, «Ao Correr da Memória» também prolonga a memória (pessoal) do autor, entrosando-a num fundo histórico que ao longo dos textos perspectiva para o leitor e o situa ora durante o Estado Novo, ora após a revolução de Abril de 1974.

Das peripécias, dos acontecimentos e das viagens acontecidas ao longo das então quase quatro décadas após a revolução dos cravos, presenciadas e participadas pelo autor de «Ao Correr da Memória – Pequenas Histórias da Minha Vida» Bertrand Editora, 2003, o leitor encontrará plasmadas em meia página e numa página, com um poder de síntese extraordinário, descrições e narrações, vivas e vividas de uma forma evolvente pelo autor que nisso implica também o leitor.

Não resisto a transcrever aqui, para exemplificar, o resultado da viagem feita a Cabo Verde em 1980 - na comitiva do então Presidente da República Portuguesa, Ramalho Eanes - ainda em regime de Partido Único (pág. 58-59).

Pois bem o texto diz o seguinte:

A República de Cabo Verde, em 1980, era um regime político marxista, de partido único, governado em ditadura. Mas era uma ditadura “soft,” sem presos políticos, e com traços curiosos.

Quando visitei o país nesse ano, acompanhando o Presidente Ramalho Eanes, ouvi com a maior surpresa declarações como estas: - O Ministro dos Negócios Estrangeiros apresentou-me um pedido oficial de ajuda financeira de Portugal para restaurar a catedral da Cidade Velha, pois tinham grande interesse nela, porque aí tinha feito sermão o Padre António Vieira, a caminho do Brasil…;

- O Primeiro-Ministro informou-me que, no recente Congresso do PAIGC, tinha sido decidido substituir a qualificação de Cabo Verde como «Estado Revolucionário» pela de «Estado de Direito». «Quais as consequências práticas?» perguntei: «A principal, respondeu, «consiste no seguinte: dos actos administrativos dos Ministros que lesem ilegalmente direitos de particulares só se podia recorrer para o Conselho de Ministros; agora, o recurso é para o Supremo Tribunal de Justiça, que pode anulá-los»;

- O Ministro da Justiça, com quem pedi para me avistar a sós, contou-me que, aquando da transformação acabada de referir, propôs que o recurso contencioso dos actos ministeriais fosse interposto para um Supremo Tribunal Administrativo, como em Portugal. A proposta não foi aceite porque Cabo Verde não tinha dinheiro para sustentar dois Supremos Tribunais, duplicando instalações, presidentes, número de juízes, etc. E comentou: «mas ficámos com muitas dúvidas: porque estávamos a contrariar frontalmente os ensinamentos do Prof. Marcello Caetano – que para nós são uma bíblia!»

Fiquei, de facto, abismado: o regime cabo-verdiano não tinha quase nada de marxista-leninista; era sobretudo um produto luso-tropical da civilização dos brandos costumes.” Fim de Transcrição.

É de pequenos textos como este, que se preenchem os nove capítulos que constituem o livro.

De entre eles, distingo também o capítulo VI, «Alguns Grandes do Mundo» no qual o autor traçou o perfil político, social e humano de grandes ou de famosas figuras europeias do século XX. De Churchill a Helmut Kohl, passando por Adolfo Suárez, indo a Mário Soares e a Francisco Sá Carneiro; o autor de «Ao Correr da Memória» faz um precioso retrato de cada um deles, e naquilo que mais os distinguiu na História recente da Europa, na dos seus respectivos países e na da construção da União Europeia.

Termino esta leitura, dizendo que não é fácil sintetizar um livro como este, que embora pequeno em dimensão, é muito rico, pela variedade de temas nele contido. E mais, é de boa leitura, pois o leitor apercebe-se que a obra foi elaborada, através de uma pena culta e de uma reflexão profunda do seu autor.

 

 

 

 

 

A nossa Capital rural!?...

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

 


Isto é  cenário de um meio urbano com saneamento e com defesa da saúde pública?*

Aludindo ao que vem escrito como legenda da fotografia, volto a questionar: será isto um meio urbano? E o que se entende por um espaço urbano?

Não meus senhores, um espaço urbano é um espaço com saneamento, com defesa da higiene pública, com segurança efectiva dos seus moradores, com  as ruas e os passeios seguros e limpos, para a circulação dos transeuntes, com mercados municipais adequados para venda de produtos, com estética, com alinhamento, com espaços verdes e embelezamento, enfim, será tudo isso, e será também o oposto do que mostra a imagem acima na página.

A capital do País, a cidade da Praia nunca mais ganha um semblante urbano, um ar de verdadeira cidade, não só por culpa dos seus edis, mas também por culpa dos seus munícipes. 

Se não, vejamos: encontramos na parte central da cidade, também chamada, parte nobre da cidade, onde se situam as principais artérias da urbe, e nos bairros residenciais, vendedores de rua, ambulantes ou fixos, sentados em bancos ou pedras, ou a deambular, a vender artigos vários incluindo géneros alimentícios. Sobre estes últimos, o que vemos diariamente, no meu entender, é simplesmente preocupante. É que a fruta, as verduras, o peixe, de entre outros produtos, são manuseados sem qualquer cuidado higiénico, sem qualquer controlo, sem se saber do seu estado de conservação, expostos, muitas vezes, às moscas ou, a outros insectos, voadores ou rastejantes, enfim, um autêntico e despudorado atentado à saúde pública. E tudo isto em completa impunidade.

Mas minha gente, para quê se construíram os mercados da Praia?

Porque se encontram  tantas vendedeiras e vendedores na rua? Por vezes são tão, ou mais numerosos do que aqueles que estão dentro do mercado Municipal. Estes últimos, com os seus produtos seguramente mais cuidados, e se calhar ainda isentos das taxas de ocupação. 

Aliás, não será difícil a Câmara Municipal encontrar uma solução para essa constrangedora e confrangedora situação de venda nas ruas da capital. Uma hipótese entre outras, para exemplificar, é identificar um espaço onde instalar as vendedeiras de rua, sem lhes cobrar qualquer taxa tirando-lhes o argumento de que não podem pagar. Seria um excelente serviço que a autarquia nos prestava. 

Na minha opinião, o que vem acontecendo é um autêntico atentado à saúde pública. Interessante é que este fenómeno de vendas em pleno passeio público na cidade da Praia, já conheceu algum progresso na sua interdição, mas infelizmente, voltou em força, com todos os perigos que isso acarreta para a nossa alimentação e para a nossa saúde.

Não me digam que são “coitados” (o termo usado sempre como justificação de  situações de incumprimento de normas instituídas) para justificar a actividade, sem se pensar no perigo que se corre na aquisição de produtos alimentares na rua.

“Coitados” serão também aqueles e aquelas que vendem no interior do Mercado Municipal, “mães de filhos” como elas gostam de se apresentar. E no entanto, elas e eles, quando estão no interior do Mercado, estão a cumprir e  bem, uma das mais importantes posturas municipais, isto é, a de proibição de venda na rua.

Infelizmente a ajuntar à pouca higiene dos produtos, temos os cães vadios  que infestam as ruas de toda a grande Praia, em número quase aproximado dos seus habitantes, – até poderá ser uma caricatura da situação, mas são tantos que faz pensar isso – à volta dos cestos e caixas das vendedeiras, à procura de desperdícios para se alimentarem.

Porquê esse recuo civilizacional na nossa Capital? O cenário é verdadeiramente degradante e indigno de uma  cidade, mormente da cidade que é a capital do país.

Nessa inexplicável tolerância de permitir a venda na rua de géneros alimentícios, faz-nos pensar também que se está a retirar importância à cidade da Praia, enquanto espaço urbano, e a fazer pouco da saúde do seu munícipe.

Não me vou alongar muito neste assunto, o qual, há muito que vem sendo questionado, a bem da higiene da cidade da Praia e a bem da saúde dos seus residentes, mas apenas pedir:

Pela nossa rica saúde! Tirem as vendedeiras de géneros alimentícios da rua! É deprimente a situação! Cuidemos da saúde dos munícipes e da higiene da cidade-capital.

 

* Nota Final - Ao autor da fotografia, o meu agradecimento pela bem ilustrativa imagem  do assunto aqui aludido…

 

O Genocídio Ocultado – O tráfico negreiro árabo-muçulmano

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

 


Uma breve impressão de leitura

Tenho lido muitos livros sobre a escravatura. Uns, abordando o tema de forma directa e concisa – os ensaios; e outros, romanceando-a, umas vezes priorizando-a como temática principal e outras envolvendo-a em narrativas de vária ordem em que surge como assunto colateral. A constante é sempre a violência sob várias formas que a tornam naquilo que é: abominável, execrável, cruel, impiedosa, desumana e outros adjectivos que não permitem graus.

Isto, para dizer tão simplesmente que as várias formas de escravatura não se comparam. Enquadram-se todas nos adjectivos atrás referidos. E não é por acaso que ela constitui, consensualmente, a maior mancha, a maior vergonha, da História da humanidade. 

Aliás, não é só a literatura que a expõe de forma quantiosa. Também o cinema, o teatro, a pintura e demais manifestações artísticas apresentam-na exuberantemente como denúncia de uma condição e situação que não se quer que se repita nunca mais na História da humanidade.  E em todas essas manifestações tem ganhado ênfase, especial atenção, sobretudo pública e publicitada, o tráfico negreiro transatlântico, quiçá por ser aquele que foi de longe o mais estudado, por abundância de dados registados (escritos) e de testemunhos orais, e também precisamente por ser a que, no seu próprio tempo, gerou alguma controvérsia e polémica entre os seus praticantes.

Embora se tente sempre associá-la – a escravatura – quase que exclusivamente ao racismo, ela na sua essência e no seu fundamento teve sempre muito mais a ver com o poder e um pouco menos, absolutamente não despiciendo, com a raça, como se verá adiante.  O próprio termo «escravo» veio do latim «slavus,», para designar eslavo, caucasiano da Europa Central e Oriental que era traficado pelos próprios europeus cristãos que os considerava pagãos excomungados e capturados maciçamente – sobretudo durante a dinastia Carolíngia – para serem vendidos aos árabes e turcos para os haréns, entre outros serviços. Com a conversão paulatina desses “pagãos excomungados” ao cristianismo foi escasseando o mercado europeu dando lugar à procura de outros mercados de escravos desencadeando uma transição do tráfico transeuropeu para o transariano e oriental (árabo-muçulmano).

A própria Roma de Júlio César chegou a ter mais de três milhões de escravos na sua quase totalidade caucasianos. Quem não se lembra da célebre revolta de escravos chefiada por “Spartacus” protagonizado na tela por Kirk Douglas? Com a campanha de África surgiriam com alguma relevância os núbios.

Sem querer entrar em matéria mais complexa e extensa, convém aqui registar que a concepção de “escravo” não é unívoca em todas as civilizações nem em todas as sociedades. Em África, antes da chegada do “Islamismo”, ela tinha contornos mais de servidão do que de escravatura. Aliás, em muitas comunidades africanas a propriedade privada nem sequer existia, pelo menos como a vemos hoje. O poder e a riqueza estavam nas mulheres e servos que ajudavam no trabalho agrícola ao darem uma parte estipulada do seu tempo. Conservavam algum respeito e dignidade e até podiam casar e constituir família.

Antes e depois do Tráfico Negreiro Transatlântico, o mundo fingiu ignorar o maquiavélico e não menos cruel e impiedoso tráfico negreiro árabo-muçulmano feito em nome do Islamismo que se iniciara no século VII, mais precisamente “no ano 652 quando o general árabe Abdallah ben Saïd impôs aos sudaneses um bakht (acordo) que os obrigava a entregar todos os anos centenas de escravos.” (contracapa do livro)

É sobre este último assunto que li, há bem pouco tempo, um livro – O Genocídio Ocultado – investigação histórica sobre o Tráfico Negreiro Árabo-Muçulmano” de Tidiane N’Diaye, editado em Portugal pela Gradiva numa 1ª edição em 2019 e que já vai na 5ª e cujo título original é “Le Génocide Voilé – Enquête Historique” – Editions Gallimard, 2008 – que gostaria de aqui deixar umas muito, muito breves impressões.

O livro é constituído por nove capítulos, dos quais destaco aqui três – o 6º - “Bestialização, Razias, Perseguições, ou África a Ferro e Fogo”, o 8º - “Extinção Étnica Programada por Castração Maciça” e o 9º - “«Síndrome de Estocolmo à Africana», ou a Amnésia por Solidariedade Religiosa” e Anexos onde saliento o intitulado “Versículos do Alcorão que encorajam a escravização dos não muçulmanos pelos muçulmanos”.

Trata-se de um livro que se lê com muito interesse dadas as valiosas informações sobre os vários aspectos do tráfico negreiro – o transariano e oriental e o transatlântico –, mas uma leitura pouco prazerosa pela extrema violência inerente à temática bem como pela crueza da narração.

O autor começa por nos dizer, cito: “A extensão desta tragédia [Escravatura árabo-muçulmana] inaugurada pelos árabes é, a este respeito, única: corresponde a uma forma inédita de escravatura, pela sua intensidade, pela sua natureza, mas sobretudo pela sua duração – 13 séculos – e pelo número de sociedades que a praticaram. Este empreendimento gigantesco poderia ter levado ao desaparecimento total os povos negros do continente africano. Tudo isto para satisfazer as necessidades expansionistas, mercantis, e «domésticas» das nações árabo-muçulmanas. (p. 14)

Tenhamos presente que a escravatura só foi abolida «oficialmente» na Arábia Saudita em 1962 e na Mauritânia em 1980 e que (cito) Em Abril de 1996, o enviado especial das Nações Unidas ao Sudão já testemunhava um «aumento assustador do esclavagismo, do comércio de escravos e do trabalho forçado no Sudão»” e entre outras considerações pertinentes o parágrafo fecha com: Decididamente, do Darfur do século VII ao Darfur do seculo XXI, o horror continua, desta vez com a agravante da limpeza étnica”. Acresce, ainda sobre a Mauritânia que (transcrevo) em Junho de 1994, a Associação Americana pela Luta contra a Escravidão e a Amnistia Internacional recordavam que este país contava com 90 mil escravos negros que continuavam a ter proprietários. (p.54)

Não quero, nem me parece curial, comparar o tráfico negreiro “Transariano e Oriental” com o “Transatlântico”, embora grandes diferenças de procedimentos, modus operandi, naturalmente existam, dada a geografia, a natureza e a abrangência dos objectivos perseguidos entre outros factores não desprezáveis e muito menos desprezíveis como as religiões. Um parâmetro é, contudo, comparável – a sua extensão: 13 séculos de transariana e oriental (árabo-muçulmana) contra os longos 4 de transatlântica (cristã e europeia); e, com alguma condescendência, também podemos aceitar a comparação para o número estimado de escravos que parece consensual – 17 milhões (9 do Transariano e 8 do Oriental) contra 12 milhões do transatlântico.

Quem não se coíbe de fazer a comparação é o autor do livro quando diz, cito: Porém, embora não existam graus de horror nem monopólio da crueldade, podemos afirmar, sem risco de equívoco que o comércio negreiro e as expedições guerreiras lançadas pelos árabes muçulmanos foram, para a África Negra e ao longo dos séculos, muito mais devastadores do que o tráfico transatlântico” (p.186). E acrescenta mais adiante:Para se ter uma ideia do mal, é preciso saber que esses mesmos observadores tinham estimado que, para caçar e raptar 500 mil indivíduos por ano, era necessário que morressem quase dois milhões (resistentes ou fugitivos)”. (p.186)

O autor, ao longo do livro, faz um historial do desenvolvimento da escravatura, antes e durante a expansão árabe no Continente africano e do papel da islamização na alteração da postura da população e sobretudo dos grandes chefes africanos – príncipes, reis e imperadores entre outros – que ao se converterem tornaram-se eles próprios negreiros. Fala dos conflitos fratricidas, interétnicos, gerados pela chegada dos árabes com vista a raptos de mulheres, crianças e homens para vender.  Descreve com alguma minúcia as torturas, as atrocidades, as crueldades, as razias de populações inteiras de determinadas aldeias consideradas infiéis, fazendo, na sua fúria destruidora, quase sempre, tábua rasa dos negros convertidos, escravizando-os também.

Descreve a terrível e inclemente travessia do Sahara durante dias e dias acorrentados, com uma alimentação racionada e sem água fazendo desse Deserto um autêntico cemitério pois um número muito significativo de homens, mulheres e crianças sucumbia durante o trajecto – mapeado pelos cadáveres que se estendiam ao longo dele – por cansaço, falta de água e outras privações. Muito poucos resistiam à caminhada (cito): Estes seres miseráveis percorrem 23 graus de latitude a pé, nus, sob um sol abrasador, com a sobrevivência assegurada por uma quantidade ínfima de água e um punhado de milho de 12 em 12 horas. Ao longo do trajecto de 14 dias necessários para ir de Tukkru a Djahuda, não se encontra uma gota de água, e a caravana prossegue a sua esgotante viagem dependente das cabaças abastecidas nos poços de Tukkru.»(p.143).

Ao contrário do tráfico transatlântico em que desde o início vozes se levantaram contra a escravatura – os quakers, através de George Fox, em 1670 – diz-nos o autor, relativamente ao tráfico transariano e oriental, que nenhuma voz se ouviu no mundo árabe contrariando a escravidão, visando desta forma, principalmente os mais famosos intelectuais, designadamente os do século XI – o mais brilhante da civilização árabo-muçulmana. Bem ao contrário, alguns até a sustentavam baseando-se no preconceito da inferioridade rácica dos africanos alegando a sua condição de “animal” como afirmou (cito) o “erudito Al-Dimeshkri «…a sua mentalidade não está distante da dos animais» e o historiador Ibn Khaldum escrevia (transcrevo): Os únicos povos a aceitar a escravidão são os negros, devido a um grau inferior de humanidade que os põe próximos do estádio animal.” E, ainda, segundo o autor, este foi e é o pensamento que orientou os árabes ao longo destes 13 séculos. E quanto à denúncia, a única menção é atribuída pelo autor ao (cito):“historiador marroquino do século XIX Ahmad ibn Khalid al Nasiri (1834-1897) [que] reconhecia a legalidade da escravatura na lei muçulmana, mas denunciava a sua aplicação.

No que diz respeito aos maus tratos, à crueldade e à desumanidade, o autor relata os procedimentos e lembra que o escravo mais cotado no mercado árabo-muçulmano é o eunuco. E descreve com alguma crueza os procedimentos para obtenção do eunuco. A mutilação genital obedecia a procedimentos rudimentares que provocavam uma elevadíssima taxa de mortalidade – cerca de 80%. Diziam respeito a dois tipos de mutilação: a dos testículos e a da totalidade dos órgãos genitais. E refere o autor: Assim, distinguiam-se aqueles que tinham sofrido a ablação dos testículos e aqueles a quem fora removida a totalidade dos órgãos genitais. Apenas os da segunda categoria eram destinados à guarda dos haréns, pois os outros conservavam uma capacidade de erecção que, segundo os rumores públicos, tinha efeitos desastrosos nos haréns. (p. 173).

O que o autor não frisa é que a castração não foi uma prática exclusiva dos árabo-muçulmanos. Também os europeus-cristãos a praticaram no tráfico transeuropeu para fornecimento de escravas e eunucos aos haréns árabes e turcos.

O autor não esquece os poucos escravos “bem-sucedidos” que acabaram por ocupar posições de destaque em algumas profissões em que eram amestrados, com particular realce nos exércitos em que muitos foram incorporados e alguns, até na administração geral e na do território, apesar do racismo, pela sua inquestionável competência.

Igualmente fala das resistências várias que chegaram a incorporar unidades totalmente constituídas por mulheres, designadamente uma de Daomé, que, após algumas vitórias, acabaram por sucumbir perante a superioridade em armamento e contingente dos Negreiros árabes, de forma digna e honrada preferindo a morte colectiva à entrega.

Também houve resistência pela via pacífica, esta fazendo interface com o colonialismo, no auge da escravidão transariana e oriental quando a “Lei de Abolição do Comércio de Escravos” foi decretada (24 de Junho de 1806) pelas duas Câmaras do Parlamento da Inglaterra submetendo o Atlântico a uma apertada vigilância enquanto tolerava no Continente africano as acções do tráfico negreiro árabo-muçulmano devido aos interesses mercantis europeus particularmente dos ingleses e franceses. A doutrina da resistência pacífica teve no senegalês Ahmadou Bamba, um dos seus principais mentores e, quiçá fundador, através de uma interpretação moldada e adaptada do Islamismo, criando, segundo o autor, uma religião – o mouridismo – que ele definia como (cito) “ainda que de inspiração islâmica, é a primeira grande religião negro-africana – transcendendo as barreiras étnicas – que contém desde a origem, na sua própria essência, uma forma de resistência espiritual e militante contra qualquer tentativa de alienação vinda do exterior. Tratava-se de uma renovação islâmica, vivificadora da identidade negro-africana e que acabaria por irritar seriamente as autoridades coloniais.  Era a primeira religião interétnica de raiz africana, que apelava a uma resistência pacífica do tipo de Gandhi na Índia, sendo por isto, a sua antecessora, como deixa entender o ensaísta.

Também assinalou [o autor] a revolta bem-sucedida dos escravos designada pelos árabes de «a terrível guerra dos zenjs» que se instalaram num território bem definido, organizaram um Estado com uma administração e tribunais que aplicavam a pena de talião aos prisioneiros indo até a cunhagem da sua própria moeda; e chegou a ter, obviamente, um bem organizado exército que infligiu pesadas derrotas aos árabes. Após 14 anos de existência foi primeiro asfixiado na sua interacção com os vizinhos e depois esmagado por um poderoso e organizado exército árabe.

O autor, Tidiane N’Daye, um antropólogo e economista de renome, trabalha no INSEE (Instituto Nacional de Estatística e Estudos Económicos francês), autor de livros, numerosos estudos e publicações científicas (contracapa) visa com o livro a denúncia da escravatura árabo-muçulmana que considera ter sido ocultada ao longo dos séculos e di-lo de forma explícita (cito): Foi assim, que cruelmente se caçou, bestializou, mutilou e desonrou a dignidade humana de seres dinâmicos que só queriam viver e ser felizes. Assim, apesar das massas enormes de populações africanas importadas, só uma minoria pôde deixar uma descendência no mundo árabo-muçulmano. Era este o objectivo desde o início: evitar que se reproduzissem. É certo que o racismo, o desprezo, as condições desumanas de exploração, o infanticídio e a pratica generalizada de castração são os principais factores deste quase desaparecimento. E os raros sobreviventes que asseguraram uma descendência – essencialmente filhos de concubinas negras – hoje são discretamente marginalizadas nessas sociedades. (p.184)

Tidiane N’Diaye baseia a sua tese de genocídio, principalmente, na diminuta população negra descendente de escravos existente no mundo árabe quando comparada com a dos descendentes do tráfico transatlântico, isto é, nas Américas e Caraíbas face ao número de escravos traficados em cada das regiões. E conclui (transcrevo): Neste sentido é difícil não qualificar este tráfico como um genocídio de povos negros através de massacres, razias sanguinárias e castrações maciças. Não deixa de ser curioso, no entanto, que haja muitos a desejar vê-lo para sempre ocultado pelo véu do esquecimento, frequentemente em nome de uma certa solidariedade religiosa, senão mesmo ideológica. É na verdade, um pacto virtual, selado entre os descendentes das vítimas e os descendentes dos carrascos, que resulta nesta negação. Semelhante pacto é virtual, mas a conspiração é bem real. Numa espécie de «síndrome de Estocolmo à africana», toda esta gente se põe de acordo para responsabilizar o Ocidente. Tudo se passa como se os descendentes das vítimas se tivessem tornado devedores, amigos e solidários dos descendentes dos carrascos, a respeito dos quais decidem nada dizer (p. 201)

Para terminar estes apontamentos, uma curiosidade: na minha juventude surgiu nos EUA na comunidade negra, uma corrente político-religiosa em que famosos negros americanos, dos quais destaco dois que a minha memória neste momento solta – o pugilista Cassius Clay e o activista político Malcom X – se convertiam ao Islão, alegando o facto do cristianismo ser uma religião de brancos e de escravatura. Com a conversão, mudavam, consequentemente, de nome. Estes dois famosos passaram a chamar-se, respectivamente, Mohamed Ali e Malik el-Shabaz. Tudo leva a crer que não conheciam o processo de islamização do continente africano, muito anterior ao da cristianização dos europeus, nem a dimensão e natureza da escravatura árabo-muçulmano; e tão pouco relacionaram a origem e os fundadores das duas religiões: ambas oriundas do mesmo Patriarca – Abraão; e ambos – Jesus Cristo e o Profeta Maomé – semitas da mesma região – Médio Oriente.

Ao fim e ao cabo trata-se – o Tráfico negreiro Transariano e Oriental – de uma tese polémica de um assunto mal conhecido, que tem que ser estudado e tratado com a mesma atenção que se tem concentrado no Tráfico Transatlântico, eludindo o silêncio que nos leva a concluir, como diz o autor, que os descendentes das vítimas padecem da “síndrome de Estocolmo” ou, então, de uma “cumplicidade religiosa”.

A.   Ferreira