quinta-feira, 29 de abril de 2021

 

Salvé o Dia da Cidade da Praia!

- 29 de Abril -

Em boa hora se regressou à História que nos conforma enquanto comunidade, e se repôs a data comemorativa da elevação da Vila de Santa Maria à Cidade da Praia. Tudo aconteceu neste dia, 29 de Abril, mas do ano de 1858.

 Mas recuemos três anos, em 2018, quando a edilidade da Praia numa feliz iniciativa, comemorou a data de 29 de Abril, em intenção do 29 de Abril de 1858, e os 160 anos da cidade, capital do país, escrevi aqui um texto a propósito da figura do Marquês de Sá da Bandeira.

E porque vem a propósito, passo a transcrever excertos do aludido Artigo que também foi publicado num número do Jornal, «Expresso das Ilhas»

Mas antes,convinha também lembrar, que não foi só por esse acto que Sá da Bandeira ganhou merecido relevo na História de Cabo Verde. Ele foi protagonista em vários actos fundadores, ou fundantes, quer da Administração, quer da Educação destas ilhas.

Eis os excertos do texto então publicado: 

“ (...) Pois bem, será exactamente na função de Primeiro – Ministro, tanto de D. Maria II, como do rei D. Luís – e Sá da Bandeira exerceu o cargo por várias vezes, com intervalos - que a cidade da Praia em particular e Cabo Verde no seu todo, devem lembrar o perfil desse estadista.

Vamos aos factos, é Sá da Bandeira quem assina o decreto régio em Abril de 1858, que eleva a Vila de Santa Maria à categoria de cidade, Cidade da Praia.

É também ele, Sá da Bandeira quem assina o decreto régio de 1869, que instituiu  em todas as partes do império português, a abolição da escravatura.

Não admira pois, que a cidade da Praia, logo que erigida a tal, lhe houvesse atribuído o nome, à artéria principal da urbe - rua Sá da Bandeira - que os moradores da cidade bem se recordam antes da independência. Hoje avenida Amílcar Cabral. Embora cause estranheza que a Câmara e a Assembleia Municipais da Praia nos anos noventa do século XX, - as primeiras eleitas, por votos dos munícipes -  ao recolocarem os nomes antigos das artérias da cidade da Praia, não  tivessem recolocado o nome de Sá da Bandeira, em nenhuma rua ou avenida da cidade, capital de um Arquipélago,  pelo qual, ele teve um cuidado especial que adiante referirei.

Mas minha gente, nunca é tarde para uma boa reparação, a altura é propícia para que a toponímia das artérias da cidade da Praia, agora nas comemorações dos seus venerandos 160 anos como cidade, retorne a Sá da Bandeira o que merece Sá da Bandeira, isto é, o seu nome numa nova e boa artéria da urbe praense ou, porque não, num refrescante jardim ou espaço verde, de que tanto necessita a nossa cidade?!

Creio que a cidade do Mindelo guarda um busto de Sá da Bandeira, numa das praças da cidade... terei de perguntar isso ao Historiador Joaquim Saial que é quem melhor conhece e quem mais estudou a estatuária pública de Cabo Verde.

Para exemplificar o que atrás disse sobre o cuidado especial que Sá da Bandeira teve com Cabo Verde, transcrevo uma nota interessante, encontrada no romance histórico «Mulheres de Pano Preto» de A. Ferreira, edição de 2015, página 172, e que diz o seguinte: “ (...) Já no século XIX, o abolucionista Sá da Bandeira, em 1836, advoga para Cabo Verde um estatuto (diferenciado) de “distrito administrativo” que fora ignorado, ao que na altura se justificou, por questões meramente financeiras (...)”.

Convém igualmente recordar que a assinatura de Sá da Bandeira esteve presente nos actos fundantes ou fundadores e mesmo nos actos das primeiras reformas da Instrução Pública nas ilhas de Cabo Verde; e até no da criação do célebre e prestigiado, Seminário-Liceu da ilha de São Nicolau, em 1865, a funcionar a partir de 1866. Isto é notável.

Ora bem, a primeira grande remodelação ou ampliação do sistema  do ensino público nas ilhas, aconteceu em 1869 - sendo Sá da Bandeira, Primeiro-Ministro do reino – com a criação do ensino secundário, cujo programa integrava o estudo do Latim, Francês, Inglês, Filosofia Racional, Matemática e Rudimentos Naúticos. É também dessa data a criação do Liceu da Praia.

Por tudo isto, a cidade da Praia agora vetusta (160 anos) a comemorá-los e bem, com actividades, culturais e recreativas para marcar o dia da cidade, (29 de Abril) vai a tempo de reparar esta grande falta de reconhecimento a este homem, Sá da Bandeira, que tanto fez para que a então Vila de Santa Maria, alçasse à Cidade da Praia.” Fim de transcrição.

Torna-se interessante, aproveitar esta ocasião para  também aqui publicar o comentário feito na ocasião, pelo Historiador Joaquim Saial, alguém que muito estudou e quem melhor conhece, a estatuária pública das ilhas de Cabo Verde. Disse ele o seguinte:

“Excelente artigo de Ondina Ferreira (mais uma vez), onde foca a figura deste grande militar liberal, a quem Cabo Verde tanto deve. Tenho nos últimos tempos lido (e divulgado) muita da legislação assinada por ele, referente às ilhas, e verifiquei que a sua acção não se desenrolou apenas no capítulo do abolicionismo mas que foi igualmente benéfica ao arquipélago em muitos outros aspectos, pelo que é justo que sem complexos a sua memória seja divulgada e respeitada em Cabo Verde, tal como o é em Portugal.

  Acerca do busto do Mindelo, deixo aqui uma adaptação do texto que escrevi para a revista "Convocarte" da Faculdade de Belas Artes de Lisboa (/Setembro.2016) e para o jornal "Terra Nova" (Maio-Novembro.2017):

(…) Na mesma praça [antiga de Serpa Pinto, hoje de Amílcar Cabral, para sempre Praça Nova], provavelmente [inaugurado] em data próxima [o memorial a Luís de Camões foi-o em 10 de Junho de 1942] e talvez de idêntica autoria [desconhecida, no entanto], ergueu-se um busto também em pedra do militar abolicionista Sá da Bandeira. Foi ele quem mudou o extravagante nome da cidade de Leopoldina para Mindelo, em memória do desembarque liberal durante a guerra civil de 1828-34. De factura semelhante e pedestal idêntico, tem na base o escudo das quinas, à semelhança do livro do vizinho Camões. Não passou o facto despercebido a Henrique Teixeira de Sousa [o apeamento destes bustos no pós 25 de Abril] que os relatou no romance "Entre duas bandeiras" (…). Recuperados e restaurados, foram anos mais tarde repostos nos mesmos locais. (…)

Por fim, segue um braça para a autora.

Joaquim Saial”

 

Termino este escrito reiterando as saudações à cidade da Praia no seu dia comemorativo, e com a esperança também  de que o nome: Sá da Bandeira, volte a denominar uma nova e digna artéria desta urbe.

quarta-feira, 28 de abril de 2021

 

Investigação e pesquisa são hoje necessárias nestas Ilhas

Creio que para Cabo Verde e sobre Cabo Verde estão registados historicamente, dois grandes momentos em que um grupo de personalidades e de especialistas, cultos e com preocupações históricas e sociais, se debruçaram sobre o Homem cabo-verdiano.

1-Mesa redonda sobre o Homem cabo-verdiano. Mindelo 1956

2- Colóquios cabo-verdianos. Lisboa 1959

O primeiro momento aconteceu em Mindelo, em 1956 - Mesa Redonda sobre o Homem Cabo-verdiano - com debates no antigo Grémio recreativo do Mindelo, coordenados pelo Prof. Almerindo Lessa, que era à data, investigador da Junta de Investigação do Ultramar, sedeada em Lisboa.

Na esteira da Mesa Redonda de Mindelo, resultou um ensaio com o título «Seroantroplogia das ilhas de Cabo Verde» de autoria de Almerindo Lessa e de  Jacques Ruffié, publicado pela já citada, Junta de Investigação do Ultramar.

A Mesa redonda sobre o Homem cabo-verdiano foi dividida em 6 sessões. Coube a cada sessão um tema para discussão.

 Assim tivemos: tema 1. “Existe uma civilização cabo-verdiana?” o clima, as fomes o desemprego (...) foi o mote que deu lugar a diversas intervenções. Tema 2 – A sensualidade do Homem cabo-verdiano. Sendo a sensualidade uma das razões da criação artística (...).

Tema 3 –“A indolência cabo-verdiana, é fruto do clima e do tipo de alimentação, ou consequência de uma doença de vontade?”

 Tema 4 – “A língua crioula é um idioma de poupança e de adaptação regional, com a riqueza fonética e a plasticidade de um verdadeiro idioma ou é apenas um «falar útil», bom como instrumento de comunicação, mas incapaz para outras realizações intelectuais?” Nota interessante: neste painel, brilhou Baltazar Lopes da Silva. Ele foi o protagonista. Tendo o moderador do debate, Almerindo Lessa, afirmado, com alguma graça no final do debate, de que uma das razões que o havia  levado a escolher o tema do Crioulo, foi justamente por já ter conhecido os excelentes trabalhos a propósito e da autoria  do eminente filólogo e  Linguista cabo-verdiano, Baltazar Lopes da Silva.

Tema 5 – “As formas elementares da cultura da terra são consequència de um fatalismo, de falta de meios materiais ou da impreparação técnica dos agricultores?”

Tema 6 – “Se existe um complexo de inferioridade respeitante ás doenças de negro? Que se sabe a respeito de tristeosa?”

Com efeito, os temas debatidos, à volta do Homem cabo-verdiano, nesta Mesa redonda foram discutidos de forma substantiva, capazes de resultarem em autênticas teses. .

De realçar que os intervenientes no debate foram individualidades  prestigiadas no meio, à época, e quase todas cabo-verdianas. A saber:

Baltazar Lopes da Silva, Daniel Tavares, António Aurélio Gonçalves, Augusto Miranda, Júlio Monteiro, Henrique Teixeira de Sousa, Henrique Santa Rita Vieira, João Morais, Jorge Barbosa, Aníbal Lopes da Silva. Foram, entre outras, as proeminentes personalidades que intervieram directamente na discussão dos temas aqui referidos. Estamos perante uma plêiade de escritores, poetas, médicos, juristas, professores que pensavam o Arquipélago e que sobre ele pesquisavam e estudavam-no com seriedade e com profundidade.

Creio que não seria demais, sugerir aos nosso investigadores, Linguistas, Historiadores, Críticos literários e estudiosos da problemática social cabo-verdiana, que lessem estes documentos, que, na minha opinião, conservam muita actualidade e fornecem  bases sérias sobre o passado deste Arquipélago.

Nota com interesse: as sessões da Mesa redonda sobre o Homem cabo-verdiano, encontram-se publicadas na íntegra, no antigo «Boletim Cabo Verde» nos números deste periódico que se situam entre Dezembro de 1957 e Maio de 1958.

O segundo momento em que autores e estudiosos cabo-verdianos e portugueses estiveram voltados para as ilhas, aconteceu em 1959, com os «Colóquios cabo-verdianos», organizados em Lisboa. Vale dizer que os mentores daquele fórum foram os escritores: Manuel Ferreira e Nuno de Miranda, como na altura foram definidos: “o primeiro cabo-verdiano de coração, o segundo, cabo-verdiano de origem” (Prof. Jorge Dias in «Cabo Verde» Boletim de Propaganda e de Informação, nº 112, Fev. de 1959).

Neste Encontro, ouviram-se intervenções de Gabriel Mariano,”Do Funco ao sobrado, ou o mundo que o mulato criou” tese  cara ao autor, em que procurou demonstrar que o verdadeiro artífice e o real estruturador da sociedade cabo-verdiana foi o mulato e a  sua cultura mestiça. Terá sido o mulato o “verdadeiro mestre da sociedade crioula”. De Manuel Lopes, “Reflexões sobre a moderna Literatura cabo-verdiana, ou universalismo literário nos meios pequenos”; de Manuel Ferreira, “ Em torno dos instrumentos de expressão literária do cabo-verdiano”; de Nuno Miranda,”Problemas de educação e de ensino. Alguns aspectos em Cabo Verde;”  de Luís Terry “o problema da emigração cabo-verdiana” ;de Silva Teixeira “A agricultura em Cabo Verde”; entre outros oradores.

Presentes e intervenientes estiveram também o Prof. Almerindo Lessa, o Prof. Jorge Dias, o Eng. Humberto Duarte Fonseca. 

Interessante a nota registada em como estiveram a assistir, estudantes universitários cabo-verdianos que à época, (1959) prosseguiam os estudos superiores em Portugal.

Foram estes os momentos altos e mais abrangentes alguma vez  feitos, sobre a terra e a gente das ilhas.

Note-se ironicamente, que actualmente, o país, Cabo Verde conta com mais de uma centena de mestres e de doutorados e não vislumbramos nisso, infelizmente, qualquer alargamento e/ou  inovação científica e social, e nem mesmo, o aparecimento de uma comunidade que se possa chamar minimamente, de comunidade científica cabo-verdiana a debruçar-se sobre temas candentes desta comunidade.

Continuarei o tema (expresso no título) num próximo escrito. Por agora, deixo aqui registados estes momentos históricos em que houve de facto, um perscrutar atento e com cariz científico, social e literário, sobre Cabo Verde.

Afinal, tudo isto foi escrito a pensar e a desejar também que deixem de existir entre nós, as confrangedoras e as redutoras intervenções a que temos assistimos, numa espécie de aventureirismo intelectual - dotado também, à mistura, de algum oportunismo inócuo -  sobre a História  de Cabo Verde, que não começou em 1975, como alguns teimam em fazer crer.

É bom revisitar de vez em quando a nossa História. Sim, a História da nação que hoje continuamos nestas ilhas, tem já muitos séculos, e todos merecem a nossa atenção, numa leitura policromada, versátil, objectiva e situada no seu tempo..

 

 

 

domingo, 25 de abril de 2021

 


E porque hoje se comemora mais um aniversário do 25 de Abril; e também porque o «Coral Vermelho» comunga do espírito e dos propósitos que o 25 de Abril de 1974 trouxe para os cidadãos e para a comunidade falante da Língua portuguesa; fui repescar um texto que apresentei numa sessão comemorativa no Centro Cultural Português e a convite do então Embaixador de Portugal em Cabo Verde. Trata-se de um escrito que, na minha opinião, conserva alguma actualidade de sempre do 25 de Abril. 

Termino esta nota breve com o poema de Sopia de Mello Breyner Andresen, inspirado no evento de que hoje se assinala mais uma data.

"Esta é a madrugada que eu esperava

o dia inicial inteiro e limpo

Onde emergimos da noite e do silêncio

E livres habitamos a substância do tempo"

Sophia de Mello Breyner Andresen, 1974



“25 de Abril” Sempre!

 

Passados quarenta e (sete) anos…

Chamei o meu texto breve de: “25 de Abril” Sempre! Embora já muito dito e mantendo alguma subjectividade, reconheço que a data significa para mim um ponto de partida e que, na mesma dimensão representou também um ponto de chegada. Isto é, o 25 de Abril reflecte e carrega um sinal e um significado, histórico e simbólico estruturantes.

Igualmente, o 25 de Abril de 1974 foi para a minha geração ou, pelo menos, para parte significativa dela, a percepção de se estar a viver o futuro dentro do presente, sem limites ou barreiras que projectam a distinção entre estas duas dimensões da nossa temporalidade vital.

O processo do 25 de Abril já foi também chamado de “o regresso das naus,” numa alusão metafórica, ao desfecho do processo colonial.

Se é certo que o “25 de Abril,” aconteceu-me numa fase de vida, em que uma revolução dessa natureza e grandiosidade, a chamada revolução dos cravos tende a ser, e foi recebida com o amplexo generoso e romântico, sobretudo da juventude;

Também não é menos certo, passadas quatro décadas, poder afirmar sem qualquer hesitação que o “25 de Abril,” Valeu a pena! Com todos os seus excessos, mal-entendidos, dramas, confusões e limados os pontos mais agrestes desse momento de ruptura, poder afirmar que – repito – valeu a pena!

Tal como eu, estou certa que muita gente da minha geração continua a considerá-lo como um momento histórico único, ímpar na nossa trajectória de vida.

Por isso saudemos o “25 de Abril” pelo seu efeito epistemologicamente transformador, de reposição de direitos e de dignidade na relação entre os povos que têm em comum a língua portuguesa. Hoje, somos uma comunidade, a CPLP, mas tal não seria possível se – parafraseando o poeta – “não fossem as portas que Abril abriu” e que fizeram convergir e não apartaram os países e as comunidades que a conformam

Infelizmente, entre nós, e sem explicação racionalizada, a data não tem sido dignamente assinalada, não é evocada com a importância que devia ter, até para se entender melhor a nossa história recente.

De facto o “25 de Abril” é data que na minha opinião, teimámos em ignorar. Esquecemos a liberdade e a descompressão social e psicológica que trouxe e os enormes sacrifícios que poupou na caminhada para a Independência. Comemoramos contudo, outras datas que lhe são derivadas no contexto da luta para a Independência. Até aqui, tudo bem, só que nos esquecemos de que não seriam possíveis nos mesmos pontos de um referencial temporo-espacial, se não fosse o “25 de Abril” de 1974.

Fico por vezes com a impressão que este procedimento se assemelha ao da avestruz, isto é, metemos a cabeça na areia e fizemos de conta que o “25 de Abril” nunca existiu e que não tínhamos nada a ver com ele. Mas como podemos hoje fazer de conta da explosão de alegria, de contentamento e de esperança que ele gerou e que percorreu o Arquipélago de lés a lés permitindo o calar das armas, na Guiné, em Angola e em Moçambique, a libertação dos presos políticos do Tarrafal e de outras prisões e dando liberdade de acção para a participação massiva e entusiástica que culminou com a Independência Nacional?

Reconhecer o “25 de Abril” como um marco importante da História recente da nossa Nação não desvalorizará a penosa caminhada do povo destas Ilhas, bem pelo contrário, a dignificará e a honrará por que ele, o “25 de Abril”, é digno, é honroso, é saudavelmente libertário e é também nosso por direito próprio.

Celebrar, não é feriar. É destacar, assinalar.

Reconhecer o “25 de Abril” não diminuirá a gesta, mesmo daqueles que por atitudes e subtilezas verbais reclamam, em privado, o estatuto de únicos obreiros da Independência e vêm resistindo a esse reconhecimento, quiçá por julgá-lo concorrente? contra-argumentário?...

Com ou sem o “25 de Abril” a Independência seria um facto. Discutível, mas tomámo-lo por adquirido. Não o polemizamos. O problema é saber-se quando, e quantas vidas, dissabores, sofrimentos e sacrifícios se pouparam...

Ignorar o “25 de Abril” é ignorar a história do povo destas ilhas e não reconhecer a quebra da cadeia que nos ligava ao colonialismo por via de uma pesada ditadura, quebra essa para a qual também contribuímos.

Imaginemos por momentos como seria o nosso processo de independência, acoplada ao da Guiné – Bissau, sem os diálogos, sem as negociações, sem os acordos que o “espírito” do 25 de Abril permitiu? E que a todos tocou?

Imaginemos por uns segundos o que seria dos milhares de angolanos, de moçambicanos, posteriormente de guineenses, que se refugiaram “no Portugal do 25 de Abril,” com os complexos, dramáticos e traumatizantes problemas que isso trouxe a uns e a outros, uma vez que logo a seguir ao processo das independências, os seus países mergulharam numa guerra fratricida, sangrenta, cruel; numa guerra civil devastadora? Sim, o que seriam hoje, muitas crianças e jovens de então, dos aludidos países privados de escolas e de quase tudo se não fossem as oportunidades que Abril gerou num Portugal já sem colónias? E que o tornou tão mestiço por via disso?

A data de 25 de Abril não devia ser um número abstracto. A ela estão ligados acontecimentos importantes do passado que nos permitem reconstituir o itinerário para o presente e compreendê-lo. Deve, pois, revestir-se entre nós, de uma certa dignidade, não podendo ser malbaratada ao sabor de preconceitos, olvidada por concepções redutoras da nossa História. Deve ser bastamente explicada para que seja assumida por todos sem quaisquer complexos.

Com a vossa permissão, citaria nesta oportunidade e como forma também de evocar os “Capitães de Abril,” as hoje, quase proféticas palavras de um dos seus mais insignes homens, o Capitão Salgueiro Maia, que em vésperas de morrer terá proferido, passo a citar: “Não se preocupem com o local onde sepultar o meu corpo. Preocupem-se é com aqueles que querem sepultar o que ajudei a construir.” Fim de citação.

Pois é, o 25 de Abril, foi também e, sobretudo, um acto de edificação dos pilares que conduziram e vêm conduzindo o processo de democratização e de desenvolvimento da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (neste contexto, eventualmente retiraria o Brasil se ignorasse as relações de contacto que sempre as há).

Volvidos quarenta anos, estou convicta de que a maturidade, a análise mais objectiva, mais intelectualizada da nossa gente sobre os fenómenos e os eventos históricos que nos acompanharam e nos trouxeram até ao presente e, sobretudo através de uma espécie de “descomplexização” histórica; tudo isso contribuirá para o equilíbrio desse reconhecimento, do papel e do significado que também tem o “25 de Abril” para o povo cabo-verdiano.

Para finalizar este minha singela evocação do 25 de Abril, vou transcrever alguns versos do poema “Corpo renascido” de Manuel Alegre, o poeta da liberdade e que nestes versos, e numa interessante alegoria poética, quis simbolizar a dimensão cosmogónica e solidária, do 25 Abril.

“Corpo renascido (…) Canção (…) Coração perpendicular ao tempo (…) Cantando é como se dissesse: estou aqui!

Na multidão que está dentro de mim (…)

 Canção casa do mundo

Viagem de homem para homem

 Meu pedaço de pão rosa de Maio

Criança a rir na madrugada

Cavalos correm nos teus campos, crinas ao vento

 São os cavalos indomáveis que te levam

  Aos quatro cantos do mundo 

Lá onde um homem tiver sede

 Levarás teus cântaros/

Lá onde um homem tiver fome

 Levarás teu pão

Lá onde a liberdade foi assassinada

 Os teus cavalos livres levarão

  A espada refulgente

 Levarás o teu sol canção

 Folha a folha desfolhada

 Folha a folha renascida

 Assim tu és canção:

 Viagem de homem para homem.”

Manuel Alegre – País de Abril – Antologia

 

 

 

 

quinta-feira, 22 de abril de 2021

 

Por me parecer com interesse para o leitor, aqui se transcreve o texto do Historiador português, Rui Tavares, sobre o Uruguai e a Língua portuguesa.

 

Um Facto Histórico pouco conhecido

Por Rui Tavares

Ai, Uruguai...

Passo pelo centro da cidade e vejo de repente, em plena Praça do Comércio, a bandeira da Guiné Equatorial. Lá estava ela ao lado das outras oito da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Para nos lembrar como os interesses petrolíferos levaram à CPLP uma ditadura brutal onde há uma suposta moratória à pena de morte (que ninguém verifica), e onde o ditador rouba os recursos naturais do país para que o seu filho seja um colecionador de carros de luxo que não podem andar nas poucas estradas asfaltadas daquela desventurada terra.

Não que faltem razões históricas para uma relação com o povo da Guiné Equatorial, por onde os portugueses também andaram e onde há ainda quem fale um dialeto de base portuguesa na ilha de Ano Bom. Mas se essas fossem razões suficientes para entrar um país na CPLP, eu preferiria ter visto outro na frente da fila: O URUGUAI.

Antes que alguém diga: “MAS O URUGUAI tem como língua oficial o espanhol!” — interrompo para responder que não tem. O URUGUAI não tem idioma oficial. E isso não acontece por acaso, mas pela razão histórica de que a República Oriental do Uruguai, como é seu nome constitucional, foi criada como uma espécie de Bélgica da América do Sul, ou seja, para servir de tampão entre o Brasil e a Argentina, sucessores do império português e do império espanhol.

Por isso foi deixada propositadamente sem língua oficial, nem português nem espanhol, num esforço de neutralidade.

Muita gente já ouviu falar da uruguaia /Colónia do Sacramento/, que foi a mais meridional das cidades portuguesas e se situa mesmo em frente a Buenos Aires, na margem uruguaia do Rio da Prata. Esta cidade foi intermitentemente portuguesa e espanhola durante século e meio, e serviu de moeda de troca nas negociações pela posse do território das Missões, no atual estado brasileiro do Rio Grande do Sul.

Mas há menos quem saiba que todo O URUGUAI foi, no início do século XIX, PARTE DO REINO UNIDO DE PORTUGAL, DO BRASIL E DOS ALGARVES, com o nome DE PROVíNCIA CISPLATINA. Após 1822, O URUGUAI passou a fazer parte do Império Brasileiro. Em 1825, O URUGUAI tornou-se independente, não – como muita gente pensa – do império espanhol, mas sim do império brasileiro.

Este é um caso único na América de língua espanhola – MAS O URUGUAI é também, embora minoritariamente, de língua portuguesa. Há cidades de fronteira com o Brasil, onde o português é língua materna. O “portunhol riverense”, também chamado de “fronteiriço”, é um dialeto de base portuguesa reconhecido pelo estado uruguaio. /E //a língua //portuguesa/ é de ensino obrigatório nas escolas do país.

Para mais, O URUGUAI é um país democrático e respeitador dos direitos humanos. A pena de morte foi abolida em 1907. Foi um dos primeiros países na América a reconhecer o casamento gay e um dos primeiros no mundo a legalizar as drogas leves. E — esta é a melhor — já pediu e repetiu o pedido para ser observador na CPLP. Se tivéssemos sido um pouco mais ativos ainda poderíamos ter tido José “Pepe” Mujica nas cimeiras da LUsoFONIA.

É por isso que, de cada vez que eu passar pelas bandeiras da CPLP e lá vir a da Guiné Equatorial terei de suspirar e pensar: mal por mal, preferia O URUGUAI...

segunda-feira, 19 de abril de 2021

 

O texto que se segue é uma interessante e abrangente análise sobre o compêndio de História e Geografia de Cabo Verde destinado ao 6º Ano de escolaridade.

Trata-se de uma  edição do Ministério da Educação, 2018. Autores: Carlos Emanuel Sousa Santos, Daniel de Brito, Francisca Pires e Marina Soares.

 José Tomaz Wahnon Carvalho Veiga, autor dos comentários, fez um aturado e crítico levantamento de erros grosseiros, de omissões e de louvações inadequadas, encontradas no dito compêndio - note-se: trata-se de um manual didáctico de História e de Geografia para crianças de 11/12 anos.

 

COMENTÁRIOS SOBRE O LIVRO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA DE CABO VERDE, 6º ANO

Por José Tomaz Veiga

É impressionante a forma como o MPD se rendeu ideologicamente ao PAIGC. Primeiro, na década de noventa, apesar de estar no poder, permitiu que a ideologia paigcvista ficasse intacta, não lhe deu luta, pelo contrário, permitiu que essa mesma ideologia permeasse todo o ensino nos níveis básico e secundário. O exemplo mais paradigmático é a forma como nos livros de ciências, sim ciências, se fazia a apologia do regime ditatorial, sim ditatorial, que vingou em Cabo Verde nos 15 primeiros anos de Independência. Encontrou-se uma expressão engraçada para caracterizar esses anos de repressão e brutalidade “Construção do Estado”. Ao mesmo tempo, nesses manuais, os anos 90 desapareceram, não existiram, eram um parêntesis na maravilhosa história da ditadura paicevista, um mero acidente na marcha gloriosa do paigc/cv, que retomou o curso normal despois de 2001.

Deixámos que isso acontecesse, não tentámos minimamente desmontar as falácias e a mentira da “construção do Estado”. Entretanto, o Paigv aproveitou a deixa e investiu nas escolas, pregando a sua verdade, o angelismo dos combatentes que passaram todos a ser anjos imaculados, grandes guerreiros, mesmo os que nunca viram uma pistola. Passaram todos a ser grandes heróis e exemplos para os jovens. Todos passaram a ser grandes e imaculados heróis.

O segundo acto está a acontecer agora, sim agora. É só ver o culto dos heróis nacionais, os nossos dirigentes submissos perante os principais responsáveis da ditadura, sim DITADURA do partido único, a atribuição de nomes de avenidas e aeroportos ao primeiro presidente da ditadura do partido único (desconfio que a Guiné Conacry não terá nenhuma rua com o nome de Sekou Touré….), as consultas à Associação dos Combatentes da Liberdade da Pátria, um reduto dos paigecistas mais ferrenhos, a ponto de transformar essa associação paicevista em conselheira sobre assuntos regionais africanos…….entre outras manifestações que me parecem de subserviência e de lavagem de imagem.

O nosso sistema de ensino está a ser alvo directo da investida paicevista. E não é por acaso. Quanto mais cedo se torce o pepino…. Pois, quanto mais cedo se inculcam na cabeça das crianças em idade escolar os mitos paigcvistas, maior é a garantia da perenidade da sua superioridade, sim superioridade e hegemonia ideológica neste país, agora e para sempre…

Vejamos o livro do 6º ano de História e Geografia de Cabo Verde. Começa na capa, onde aparece uma imagem de Amílcar Cabral e as bandeiras antiga e actual de Cabo Verde. Onde é que isso já se viu? Um Manual oficial em que se apresentam duas bandeiras? Chamo a isso SUBMISSÃO. Amílcar Cabral na capa do manual de história e geografia de Cabo Verde? Porquê?  A história de Cabo Verde é várias vezes centenária, não começou com o PAIGC nem com Amílcar Cabral. Ao propor essa capa, estamos a aceitar essa tese absurda de que AC é o pai da nacionalidade. Podem dizer, se quiserem, que AC é o pai da Independência, mas a nossa nacionalidade cabo-verdiana foi construída ao longo de centenas de anos e não esperou por AC e o Paigc para se constituir e manifestar.

A capa do manual dá o tom ao conteúdo. A história de Cabo Verde começa …. Com a criação do PAIGC e a luta de libertação nacional (ou de submissão nacional, talvez), na página 34. Nas páginas anteriores, fala-se de literatura, música, cantigas, festas etc. De história de Cabo Verde, NADA. Podem dizer que no manual do ano anterior esta parte da nossa história foi tratada. Pode ser. Mas ao menos uma síntese, um enquadramento. A descolonização é apresentada praticamente como o ponto de partida da nossa história. Curiosamente o manual omite qualquer referência à inexistência do Paigc como organização em Cabo Verde antes do 25 de Abril. Algumas pessoas diziam-se do Paigc, mas sem qualquer implantação ou impacto em Cabo Verde. A única referência feita é a de que a luta armada não teve lugar em Cabo Verde devido ao aspecto geográfico de Cabo Verde (página 39). Na verdade, o Paigv até pensou enviar uma equipa para lançar a luta de guerrilha em Cabo verde, na esteira das teorias do Foco de Che Guevara, mas teve o bom senso de pôr de lado essa iniciativa. A verdade é que o Paigc não tinha peso nenhum em Cabo Verde aquando o 25 de Abril, mas isso não é dito, para poder manter a auréola dos combatentes que libertaram a Guiné e Cabo Verde.

Na página 40 procura-se dar ainda maior relevo à luta na Guiné dizendo, no capítulo Em Síntese que ..”o Paigc desencadeou a luta armada de libertação, travada durante duas décadas…. “Duas décadas, vinte anos! É só fazer as contas. Que nome se dá a isso? Desinformação, falsidade, não vejo outro.

De seguida são dedicadas 13 páginas ao PAIGC e à primeira República, seguidas de 5 páginas sobre a segunda Repúblicas. O tratamento é totalmente desequilibrado, totalmente enfeudado. E a forma como a segunda República é introduzida é um absurdo completo e sobretudo uma falsidade impressionante. As teses revisionistas do Paicv são retomadas ipsis verbis.

Pergunta-se, qual é a lógica disso? Porque razão se acha necessário descrever com todo o detalhe os símbolos da primeira república, mas não se acha minimamente necessário dizer aos jovens deste país qual foi a verdadeira natureza deste regime! Nem uma palavra sobre a ditadura, a repressão, os abusos, e a tirania do partido único. NADA! E no entanto, o manual estende-se alegremente sobre os grandes heróis que nos deram a liberdade (amordaçados, torturados, vigiados, impossibilitados de expressar opiniões livremente…etc). Nem uma palavra sobre as execuções sumárias que o grande Paigc fez na Guiné logo que tomou o poder, sob responsabilidade de Aristides Pereira, Luis Cabral e seus companheiros de liberdade. Nem as execuções sumárias de centenas de guineenses aquando do assassinato de AC. Curiosamente, quando se fala do assassinato de AC (página 36) , nem uma palavra sobre o facto dos conspiradores serem do …Paigc, a força, luz e guia do nosso povo, etc.

De facto, este manual é um desastre completo. Falsifica a história de Cabo Verde, como se a nossa história tivesse começado em 1956 com a criação do Paigc (esta data de criação do Paigc é contestada de forma fundamentada por Daniel Santos no seu livro, até aí os autores estão cegos pela sua preferência ideológica).  É como se os 15 anos de ditadura e totalitarismo paigcvista não tivessem existido em Cabo Verde. E estamos a falar de manuais produzidos pelo actual Governo de Cabo Verde. Shame on us! Falsifica a nossa história recente por omissão. Nem uma palavra sobre a criação do partido que derrubou, sim derrubou o Paicv; atribui a abertura política à boa vontade do paicv, omitindo completamente a força da movimentação popular que esteve realmente na origem deste processo, entre outras falsificações, distorções e omissões.

Vejamos alguns exemplos das distorções, falsificações e omissões que o Manual apresenta.

Na página 35, Fundação do Paigc. Há dúvidas legítimas sobre a data referida.

Página 36 – Definição de luta armada. Quantas lutas armadas foram feitas para outros fins que não a conquista da independência?

Página 36 – Assassinato de AC. Omissão dos autores do assassinato que eram membros do Paigc. Nem uma palavra sobre a repressão e o fuzilamento de centenas de guineenses que eram do Paigc. É claro que dizer isso iria esmorecer um pouco a coroa de glória do Paigc, por isso, prefere-se mentir por omissão a dizer a verdade.

 Página 37 – diz-se que a “independência de Cabo Verde foi o resultado de um processo longo, marcado pela luta armada, liderada por Amílcar Cabral e pela Revolução dos cravos…” . Para a mente de uma criança de 11 anos, a ideia que fica é que houve luta armada em Cabo Verde, o que é, evidentemente, falso. Aliás, o Paigc praticamente não existia em Cabo Verde como organização minimamente estruturada, mas isso não se pode dizer porque faz mossa ao prestígio dos combatentes.

Nas páginas 42 e 43 discorre-se sobre a LOPE, passa-se sobre brasas sobre as razões que levaram à não aprovação da Constituição em 3 meses, como previsto, aproveita-se para definir de forma errada a República (se fosse a definição indicada na página 42, então Cabo Verde não era uma República porque em 1975 não elegeu livremente e por voto secreto nenhum chefe de Estado), corre ainda mais depressa sobre o famoso artigo 4º da Constituição de 1980, e nada diz sobre a natureza do regime. Não diz que foi uma ditadura do partido único e dos seus dirigentes, não diz que não havia liberdade de imprensa, nem liberdade de criar partidos, nem liberdade de exprimir opiniões livremente, não diz que existia uma polícia política que vigiava os cidadãos, não diz que os tribunais eram dominados por juízes camaradas e que os juízes eram membros do paigc/cv e não havia independência da justiça, etc. A ideia que um jovem de 11 anos fica ao ler o manual é que estava tudo muito bem, a primeira república era uma maravilha.

Na página seguinte fala-se da União Guiné-Cabo Verde de uma forma totalmente acrítica. Nem uma única referência às críticas a este conceito, nem uma palavra sobre as dúvidas dos próprios dirigentes do Paigc (Abílio Duarte, Osvaldo Lopes da Silva, e muitos outros). A unidade Guiné Cabo Verde nunca teve qualquer suporte histórico, sanguíneo, geográfico ou demográfico. Foi um expediente político, genial, é certo, para associar Cabo Verde à luta na Guiné e garantir a presença de um punhado de quadros cabo-verdianos indispensáveis ao prosseguimento da luta armada. Se as razões apresentadas fossem de facto reais, como se explica que em 5 anos tudo tenha ido por água abaixo e com tanta facilidade? Nem uma palavra sobre as enormes tensões entre guineenses e cabo-verdianos dentro do Paigc, que culminaram com o assassinato de Cabral e que estão na origem do golpe de Estado de Nino. A forma como se fala do golpe na mesma página é como se o golpe tivesse surgido do nada. Nada se diz sobre as críticas dos guineenses ao facto de a constituição da GB prever pena de morte mas a de CV não, nem à ocupação dos principais lugares de chefia por cabo-verdianos, nem ao facto de Aristides Pereira o chefe máximo do Paigc residir na Praia como Presidente de Cabo Verde, mas supervisionar do alto a Guiné como chefe do Paigc, e do facto de o presidente da Guiné ser um Cabo-verdiano (Luis Cabral). Nada, apenas que houve golpe. A criança de 11 anos fica esclarecida.

Na página seguinte colocam-se as fotos dos três principais responsáveis do Estado da primeira República com grande destaque. Mas já quando se trata dos principais responsáveis iniciais da segunda república, as fotos não têm a mesma projecção e o Presidente da Assembleia Nacional… desaparece, não existe, não tem cara.

Toda uma página (46) é dedicada ao hino antigo. Metade da página é dedicada à explicação da bandeira.

Em contraste, apenas dois parágrafos são dedicados a explicar o significado da bandeira nacional actual (a bandeira do Estado de Cabo Verde).

Página 47 e seguintes sobre a segunda república. Ao ler esta parte não se encontra nenhuma referência ao MpD como o movimento que conduziu o processo de contestação do qual resultaram as primeiras eleições livres. Ninguém fica a conhecer os principais dirigentes do MpD, nem a importância da movimentação popular que obrigou o Paicv a ceder. Fala-se em atitude reformista do Paicv, mas isso é pura inverdade. Em Fevereiro de 1990 o Paicv, fazendo a leitura do que estava para vir e da pressão interna já existente na altura, declarou-se disponível para algumas reformas que NÃO ENVOLVIAM A ACEITAÇÃO DE PARTIDOS POLÍTICOS, mas apenas associações cívicas ou como se quisessem chamar, nem previa eleições pluripartidárias nos cinco anos seguintes. Foi a pressão do MpD e a movimentação popular que este liderou que obrigou o Paicv a aceitar a realização de eleições na data em que ocorreram. O aluno de 11 anos ficará sem saber que as coisas se passaram desta maneira, porque a cortina de fumo que se lança é demasiado espessa.

O que se passa com este manual não é mais do que a ponta do iceberg, como aliás recentemente denunciou Armindo Ferreira.

E é o Governo do MpD que produz esta magnífica peça de desinformação de crianças de 11 e 12 anos.

Estamos de parabéns.

 

A interacção da Linguagem e do QI médio da população humana

sábado, 17 de abril de 2021

 

O autor Christophe Clavé apresenta-nos neste texto, algumas das causas do empobrecimento da nossa linguagem. Uma delas, a “diminuição do conhecimento lexical” e o enfraquecimento na “formulação de pensamentos complexos”. Um curto e assertivo exercício que interpela professores que estão obrigados pelo seu ofício, a desenvolver a linguagem dos aprendentes.

Vale a pena ler o escrito.

 

 

O QI médio da população mundial  - que vinha aumentando desde o

pós II Guerra até o final dos anos 90 - diminuiu nos últimos vinte anos.

É a inversão do efeito Flynn.

Parece que o nível de inteligência medido pelos testes diminui nos países mais desenvolvidos. Pode haver muitas causas para esse fenómeno e uma delas pode ser o empobrecimento da linguagem.

Na verdade, vários estudos mostram que a diminuição do conhecimento lexical e o empobrecimento da linguagem, não se fica apenas pela redução do vocabulário utilizado, mas também, provoca o desaparecimento das subtilezas linguísticas que permitem elaborar e formular pensamentos complexos.

Com efeito, o desaparecimento gradual dos tempos (conjuntivo, imperfeito, formas compostas do futuro,do particípio passado) dá origem a um pensamento quase sempre no presente, limitado ao momento, e incapaz de projeções no tempo.

Atente-se na simplificação dos tutoriais,(= acções, ferramentas, que o professor pode utilizar no ensino da Língua, da sua gramática e do seu léxico) no desaparecimento das letras maiúsculas e da pontuação, são exemplos de "golpes mortais" na precisão e na variedade de expressão.

Apenas um exemplo: eliminar a palavra "senhorinha" (agora obsoleta) não significa apenas abrir mão da estética de uma palavra, é também, promover involuntariamente a ideia de que entre uma menina e uma mulher não existem fases intermediárias.

Quanto menos palavras utilizadas e menos verbos conjugados, significam menos capacidade de expressar emoções e menos capacidade de processar um pensamento. Estudos têm mostrado que parte da violência nas esferas pública e privada, decorre diretamente da incapacidade de descrever as emoções em palavras.

 Sem palavras para construir um argumento, o pensamento complexo torna-se impossível. Quanto mais pobre a linguagem, mais o pensamento desaparece.

 A história está cheia de exemplos e muitos livros (Georges Orwell - "1984"; Ray Bradbury - "Fahrenheit 451") contam como todos os regimes totalitários perturbaram sempre  o pensamento, reduzindo o número e o significado das palavras.

Se não houver pensamentos, não há pensamentos críticos. E não há pensamento sem palavras.

 Como construir um pensamento hipotético-dedutivo sem o condicional?

Como pensar o futuro sem uma conjugação com o futuro?

Como é possível captar uma temporalidade, uma sucessão de elementos no tempo, passado ou futuro, e a sua duração relativa, sem uma linguagem que distinga entre o que poderia ter sido, o que foi, o que é, o que poderia ser, e o que será depois do que pode ter acontecido, realmente aconteceu?

 Caros pais e professores: Façamos com que os nossos filhos,os nossos alunos falem, leiam e escrevam. É dever nosso ensinar e praticar o idioma nas suas mais diversas formas. Mesmo que pareça complicado. Sobretudo se for complicado. Porque nesse esforço existe liberdade.

Aqueles que afirmam a necessidade de simplificar a grafia, de descartar a linguagem dos seus "defeitos", de abolir  os géneros, os tempos, as nuances. Afinal, tudo que cria complexidade, são os verdadeiros arquitectos do empobrecimento da mente humana.

Não há liberdade sem necessidade. Não há beleza sem o pensamento da beleza.

 

Autor: Christophe Clavé 

 

https://dasculturas.com/2020/12/20/o-qi-medio-da-populacao-mundial-diminuiu-nos-ultimos-vinte-anos-christophe-clave/

 

 

 

 

quarta-feira, 7 de abril de 2021

 

A pobreza vocabular...

Este escrito surgiu na sequência da leitura de um texto de Paulo Rónai, “Uma geração Sem Palavras” que me foi enviado por uma amiga, igualmente preocupada com a situação do ensino e da aprendizagem em Cabo Verde

 E a propósito dessa situação, convém frisar que grande parte das insuficiências conceptuais de que são portadores os nossos alunos, e até uma boa parte dos actuais técnicos superiores nacionais, deriva directamente da Escola, quer básica, quer secundária, quer ainda universitária nacional.

Faço-me entender, tenho escutado e ouvido, alguns dos nossos alunos dos anos terminais,  e também alguns  dos actuais Técnicos Superiores nacionais (via TV, rádio e Jornais) e reparo, com muita tristeza que, salvo raríssimas excepções, quase todos eles são portadores de um vocabulário pobre, rudimentar, diminuto em sinónimos e com demais insuficiências vocabulares, o que deixa subentender que não interiorizaram ao longo da formação, conceitos fundamentais que os ajudariam agora, a melhor transmitir a mensagem técnica ou sociológica que pretendem fazer chegar àqueles que os escutam. Exactamente porque  não entenderam os conceitos durante a formação académica, e logo, não souberam descodificar os seus significados.

 Posto isto, teremos de mencionar e de trazer para a “boca de cena,” o professor  que nas escolas secundárias e no ensino superior debita a matéria; grande parte desses docentes não possui  a competente linguagem, substantivamente rica e variada no léxico, que é norma saber-se e saber utilizá-la na sala de aula.

Só assim é que os formandos vão gradualmente tecendo a linguagem conceptualmente elaborada e, deste modo, eles atingem a linguagem dita abstracta e/ou filosófica, que é a etapa linguística a que deve ter acesso o aluno dos anos terminais da escola secundária e durante a frequência do ensino superior.

Na mesma linha, um outro assunto deveras preocupante é a falta de leitura, do conhecimento dos livros que os actuais alunos destas ilhas demonstram e já não são infelizmente,  regra geral - há-de haver excepções -  para isso ( a leitura) incentivados pelos professores.

Torna-se confrangedor - a mim causa-me uma tristeza imensa! - quando os vemos e sabemos deles a frequentar a Universidade e o Politécnico em Portugal.

 Para além da má preparação que daqui levam da língua comum e veicular do nosso sistema de ensino, o português; são também portadores de insuficiências científicas e culturais básicas, não realizadas em etapas graduais de escolarização. 

Resultado: muitos desistem do curso. E assim se desfazem projectos de vida. Uma boa parte já não regressa a Cabo Verde, fica por lá, de empregos precários a desempregado e, a engrossar a imigração, dita clandestina. E não são poucos. Trata-se de um fenómeno que nos últimos dez, quinze anos vem aumentando de ano para ano.

A propósito, abro aqui um pequeno parêntesis para narrar algo que sucedeu comigo. Aqui há tempos, solicitei – via e-mail -  ao Ministério da Educação uma  estatística sobre os alunos cabo-verdianos em Portugal e se sabiam quantos alunos permaneceram nos cursos para que foram destinados e quantos deles desistiram nos dois últimos anos. Uma Técnica gentilmente respondeu-me dizendo que iriam averiguar e que depois me dariam a resposta. Não me enviaram os dados pedidos. Acredito que até nem foi por indelicadeza de não responder, mas sim, porque não fazem ideia da quantidade de formandos nossos que desistiram de prosseguir os estudos superiores em Portugal.  Distingui Portugal pois que é o país que disponibiliza mais vagas para os estudantes cabo-verdianos. Só no ano lectivo 2020/21, a decorrer, seguiram para Portugal mais de 500 (quinhentos) estudantes nossos. Fecho o parêntesis.

Na minha opinião a grande culpa recai no professor, que não vem cuidando e não  tem zelado por uma boa e mais perfeita transmissão de conhecimentos, das matérias e da disciplina que lecciona. A escola cabo-verdiana vem empobrecendo infelizmente o saber, e o saber transmitir conhecimentos.

E se a Educação está numa espécie de derrocada no seu âmago - a escola - muito mal vai o nosso Presente e pior ainda será o nosso Futuro.

Urge reflectir sobre isso!