A ORALIDADE DA LÍNGUA PORTUGUESA EM CABO VERDE

sábado, 31 de março de 2018

A malévola intenção de “erradicar” a oralidade em Língua portuguesa do falante cabo-verdiano...
Porquê esta sanha?

A maior parte dela, se não a totalidade, de estranho entendimento e de justificação bem bizarra para os dias que correm. Mas, infelizmente, de um facto se trata. E creio  que disso, ninguém  já duvida.

Para além do mais trata-se de um processo que vem decorrendo ao longo de anos, com a finalidade por vezes bem expressa em palavras, actos e também em omissões de responsáveis, todos eles, numa tentativa explícita ou implícita  de aniquilar aqui nas Ilhas a Língua portuguesa entre nós.

Para mal dos nossos pecados, vimos a isso assistindo, com verdadeira dor de alma e terá culminado recentemente no triste episódio com Angola, aquando do alegado envio, em regime de cooperação, de professores cabo-verdianos.

As redes sociais demonstraram à saciedade, em alguns casos, de forma cruel e ofensiva − sem deixar de ser verdade − a forma como muitos angolanos classificaram e repudiaram essa tentativa de cooperação.

Comentando com algumas antigas colegas o triste acontecido, afirmei também convicta de que no nosso tempo de professores no activo, e bem antes de nós, (os nossos professores cabo-verdianos) tais comentários da parte de angolanos seriam impensáveis, porquanto profissionais do ensino, tínhamos orgulho, dedicação e empenho, não só em bem expressar a língua veicular do sistema da educação, mas também em bem saber, o específico e o didáctico da disciplina que ministrávamos. 

Infelizmente, hoje em dia não se verificam, como regra, estes pressupostos culturais e profissionais no nosso meio académico/escolar.

Excepções? Sim, vamos encontrando. Apenas isso...

Enfim, tentei compreender o ponto de vista dos angolanos (falantes de português) e no meio disso verifiquei também o nosso retrocesso... tempos outros.

Narro aqui alguns pequenos casos, curiosamente demonstrativos do que vem acontecendo.

Aqui há tempos fui à Cidade Velha, com um casal amigo, que visitava pela primeira vez estas ilhas. Chegados ao Forte São Filipe, tratei de comprar os bilhetes de acesso ao seu interior. A jovem que me atendeu, vendeu os 3 bilhetes por 500$00, (não me pediu identificação) quando, para o nacional, o preço é de 300$00. E para o estrangeiro é que é de 500$00. Reclamei de imediato o preço do meu bilhete e, eis que, para o meu espanto, retorquiu-me ela: “a senhora falou em português, pensei que fosse turista também” (sic). Claro que ela foi logo ali confrontada com a questão que levantei e que foi a seguinte: se ela estava ao serviço do património cultural era porque no mínimo, fizera a escolarização básica, e se assim foi, os livros em que ela havia estudado, escritos estavam em língua portuguesa e que os professores na sala de aula, de certeza que usaram a língua de escolarização. Se ela na escola considerou a língua veicular, a portuguesa, língua de estudo que a permitiu estar onde estava; ou se ela a considerou então, apenas língua de turistas que nos visitam? E se ela não achava que o português era também a nossa língua?... enfim, não me calava tal era a minha indignação! Se calhar a pobre funcionária do Forte da Cidade Velha, nem tem nisso grande culpa. A reacção dela mais não foi do que produto do ambiente que se gerou entre nós e, para mal dos nossos pecados, à volta da Língua portuguesa.

Outro facto, quiçá mais grave dado o nível dos protagonistas e o enquadramento da ocorrência: estávamos num programa radiofónico comemorativo do Dia da Língua Portuguesa (5 de Maio) a convite do seu produtor/realizador.  Éramos uma meia dúzia de participantes avisados e sabidos de antemão, sobre o conteúdo do painel que visava abordar a LP sob vários aspectos da sua expansão, da sua globalização e, naturalmente, da sua pertença e estádio em Cabo Verde.

Ora bem, tudo claro e, previamente definido. O tema era a Língua da CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa). Não é que o primeiro participante interrogado pelo Jornalista, abriu o debate dizendo: “eu não venho aqui a este programa para falar da Língua portuguesa” (??! ) Reparem bem neste “estratagema”, “fuga” ou “deriva” que já se tornou comum e recorrente entre gente dita letrada das ilhas que deliberadamente foge a discutir, a debater, a situação actual, da Língua portuguesa nas escolas, entre os falantes, nas instituições académicas, entre outros meios em que circulava a Língua, dita segunda.  Fazem-no já de forma sistemática, (até parece “serviços combinados”) para lançar confusão (Claro! que felizmente, há excepções no meio desta balbúrdia).

 O mais das vezes, alguns querem logo debater questões sobre o crioulo versus português − quando o foco é o português − que nem ao caso vinham, como era o conteúdo do painel radiofónico referido. Mas isto tudo, apenas e tão somente, com o objectivo de fugir à questão, que é:  não se debater o português, entre nós.   

Repare-se que me estou a referir aos nossos considerados intelectuais!  Fantástico!

E ainda mais um caso, e este também ligeiramente bizarro: recebo um telefonema de uma jovem inquiridora ao serviço de uma empresa de sondagens. De uma maneira geral, disponibilizo-me sempre para responder aos inquéritos com que sou confrontada, pois que, para além de outras razões, os efeitos estatísticos visados serão provavelmente úteis.

Pois bem, iniciada a conversa em crioulo, da parte dela, eu respondi em português que uso naturalmente.  E quando ela chega à parte das perguntas do inquérito - note-se: escritas em português -  ela estava a ler o documento e a traduzir para o Crioulo, pedi licença para a interromper e disse-lhe: “minha senhora, está a ler o documento escrito em língua portuguesa? (o que ela confirmou) Então? eu estou a responder-lhe em português, não acha escusado este esforço todo de tradução para esta inquirida?...” Bom, aí ela mudou o veículo de comunicação.
Podem-me dizer que neste caso, poderá ter falhado também da parte da jovem, minha interlocutora, o tal raciocínio lógico e dedutivo, cujo treino está hoje em dia tão ausente e cada vez mais a rarear no processo de escolarização dos nossos estudantes. Bem podia ter sido o caso.
Enfim, não sairíamos daqui. Por mais que se queira considerar episódicos os factos narrados não se consegue dada a sua frequência  e dada a seriedade e a complexidade da matéria, que os torna gritantes  no momento actual, no nosso panorama linguístico.

Urge, e já é mais do que tempo, que as mais altas instâncias governativas, com especial realce para o sector da educação, chamem a si, tomem entre mãos este problema muito importante que é o da Língua portuguesa em Cabo Verde.

Faço-me entender, a situação, o estado actual da Língua portuguesa em Cabo Verde.

Que seja lançado um debate público sobre o que está escandalosamente a acontecer: o aniquilamento, a tentativa de fazer desaparecer do mapa linguístico das ilhas a Língua portuguesa e tudo isto, com o silêncio e, quem sabe! a cumplicidade de todos os responsáveis que disso estão cientes e nada vêm fazendo para inverter a situação.

Estamos a desbaratar, um autêntico tesouro de séculos, um legado soberbo, uma riqueza e um penhor do nosso desenvolvimento cognitivo, do nosso progresso intelectual e da nossa cidadania. 

Trata-se tão simplesmente da língua mais antiga e igualmente nossa − ao lado do crioulo − que estas ilhas escutaram e nela se aculturaram e se desenvolveram.

 É notícia proclamada, que Cabo Verde ocupará brevemente a presidência rotativa, é certo, da CPLP (Comunidade de Países de Língua portuguesa).

Sabemos nós, que o “cimento” da comunidade é exactamente a Língua portuguesa, a sua prática, a sua defesa e a sua permanente expansão.

Quando subirmos à tribuna (em Julho próximo) seremos capazes de − em sã consciência − afirmar que a Língua portuguesa está de boa saúde em Cabo Verde?

Está-se a cometer um verdadeiro crime cultural! (sem aspas).

Felizmente, o nosso Presidente da República é alguém empenhado na defesa na preservação e na expansão da língua comum entre nós. Creio que o mesmo, ou similar, poderei dizer quanto ao Ministro dos Negócios Estrangeiros.

Citei estas duas entidades, pois serão elas as anfitriãs da próxima Cimeira no Sal. 

Ainda bem que assim é. Costuma-se dizer que os bons exemplos devem vir de cima. Espero que deles venha mais incentivo à causa da Língua comum, pois não gostaria de terminar este escrito, e relembrar o que aconteceu ao Haiti, (este mau exemplo devia servir-nos de reflexão) quando decidiu banir a Língua francesa do seu universo linguístico de comunicação. Claro! Que ficou muito mais pobre.

No nosso caso, um país de emigração, bem pequeno, sem riqueza, e de grande dependência da comunidade internacional com destaque para a comunidade europeia que vem ajudando e apoiando o nosso desenvolvimento, fecharmo-nos na concha do crioulo, desprezando o português, é caminho certo para aquilo que infelizmente aconteceu no Haiti, quando excluiu o francês.




A conferência sobre regionalização realizada em S. Vicente

quarta-feira, 21 de março de 2018

      Tive oportunidade, através de um vídeo, de assistir à conferência realizada em S. Vicente sobre o tema da regionalização. Em primeiro lugar, felicito muito sinceramente o Governo por uma iniciativa, que, penso, tenciona replicar em outras ilhas, proporcionando a sua visualização, com recurso às modernas tecnologias, a todos os cidadãos interessados, vivam no país ou fora dele.  
     O conferencista, Francisco Tavares, fez uma exposição assertiva, fluente e coerente com os dados de que foi munido. Com grande poder de comunicação e visível esforço de empatia, procurou fazer passar a sua mensagem dentro das balizas que lhe foram estabelecidas ou impôs a si próprio. Mas são balizas que não fazem parte do meu jogo, e passo a explicar porquê.
      Desde que eu e outros cabo-verdianos, na sua maioria naturais de S. Vicente, nos mobilizámos em torno da temática da regionalização, agimos na convicção segura de que a nossa ilha era a principal vítima do centralismo político e da concentração maciça do aparelho do Estado na ilha de Santiago, designadamente na cidade capital. Vítima pelas razões que fomos tornando públicas e referenciam uma nítida desvalorização social e económica da ilha, impedida, por mero critério político, de continuar a ser um importante pilar do desenvolvimento nacional. Sublinho em particular esta última condição, já que para nós o aproveitamento judicioso das potencialidades da ilha não se destina a satisfazer egos ou interesses pessoais dos que nela vivem, mas a servir Cabo Verde e os cabo-verdianos de todas as ilhas. Tal como foi no passado e que a memória dos que a não perderam regista com apreço e gratidão.
      Contudo, depois de ouvir a exposição do conferencista, concluí, defraudado, que eu e os meus companheiros de reflexão andámos o tempo todo equivocados, porque afinal de contas S. Vicente enfileira com Santiago Sul, Sal e Boavista no rol das mais privilegiadas regiões do país, sendo a principal vítima do centralismo, espante-se, Santiago Norte. Antes de mais, é impossível não confessar que me desiludiu a conferência. Não pela qualidade intelectual do conferencista mas pelo conteúdo do que foi exposto. Estava à espera de uma abordagem com objectividade científica ao tema concreto da regionalização, focalizada na análise intrínseca do modelo perfilhado pelo governo, na explicitação das suas virtudes em detrimento de outras alternativas, nos custos da sua implementação e na forma de os compensar com outras medidas reformistas que importa empreender, focalizada também na solução para a coabitação política e institucional dos poderes regional e municipal no mesmo escasso território das ilhas uni-municipais, com especial acuidade em algumas, bem como na forma como ilhas exíguas, de baixa demografia e destituídas de massa crítica podem colher benefícios institucionais do poder regional, progredir e transformar a sua fisionomia social, etc., etc. Em vez disso, e ao longo de mais de 1 hora, o conferencista explicou com exaustão, mas com eficácia, apenas aquilo que toda a gente já sabe há muito e forçou o governo a aprovar a regionalização do país: que há assimetrias regionais e é preciso corrigi-las com medidas de descentralização de competências administrativas e transferências sociais. Para isso, o conferencista apresentou e analisou dados estatísticos cuidadosamente organizados sobre demografia, desemprego, PIB e outros, elementos genericamente conhecidos, mas que, na exposição, me pareceram não reflectir toda a realidade objectiva do país. 
      A estatística permite a leitura e a interpretação da realidade, mas o seu valor científico varia com o rigor, a isenção e a objectividade do uso que lhe é dado. Muitas vezes, para fins políticos, de propaganda ou jornalísticos, os seus dados são manipulados, por omissão ou realce do que for mais conveniente, por truncagem ou descontextualização deste ou daquele dado ou valor. Portanto, pode induzir conclusões para manipular ou mistificar a realidade e também produzir a mitificação, ou seja, o esvaziamento do conteúdo dos objectos transformando-os em formas vazias, conforme explica Roland Barthes. Não tenciono pôr em causa o rigor intelectual do conferencista, sequer a linearidade do seu raciocínio atinente aos factos da sua exposição. Mas não concordo com algumas extrapolações que ele faz sobre a realidade, como se verá a seguir.
      Ao interpretar as taxas de desemprego, concluiu, para meu espanto, que a Brava tem a menor taxa do país e, em contraponto, Santiago Sul a maior. Se estes dois indicadores servem para apontar quem deve beneficiar do esforço de solidariedade interterritorial, depreende-se que, na linha do raciocínio do conferencista, em primeiro lugar estará Santiago Sul, a parcela do território nacional que, pelo contrário, tem sido a principal beneficiária do investimento nacional e o centro das maiores prioridades, detendo a primazia, entre outras, de acolher a quase totalidade do aparelho do Estado. Tenho dúvidas sobre a verdade da taxa imputada a Santiago Sul, quando as taxas mais gravosas de desemprego o próprio governo as tem identificado em S. Vicente. Mas vamos supor que essa taxa é verdadeira. Se Santiago Sul/Praia apresenta semelhantes valores, é sinal de que atrai população, extravasando os seus próprios limites naturais de acomodação demográfica. Tal significa que, em virtude dos privilégios que a política centralista e concentracionária conferiu ao longo do tempo a essa região do país, ela comporta em si uma superior oferta de trabalho, bastante acima da média nacional. Daí o efeito centrípeto produzido sobre o território da periferia, inclusivamente dentro da própria ilha (Santiago Norte), sugando recursos humanos e reduzindo consideravelmente massa crítica a outras parcelas. Desta forma, é natural que haja continuamente filas de espera nos centros de emprego de Santiago Sul, já que, por mais postos de trabalho que a região gere, nunca os haverá para todos os que a demandam. Assim, temos de convir que a interpretação da realidade é aqui deturpada, viciada, segmentada. Em vez de pôr em evidência todos os indicadores favoráveis a Santiago Sul e que lhe conferem privilégio sobre as demais regiões do país, o conferencista preferiu um raciocínio que induz a conclusão de que, tendo uma taxa de desemprego a mais elevada, aquela região do país é a principal vítima das políticas centralistas, e deste modo requerendo medidas correctivas à custa de outras regiões supostamente privilegiadas. Não o verbalizou de forma explícita, mas deixou-o nas entrelinhas. Perante este absurdo, ou corrosiva ironia, questionei-me sobre o rigor intelectual minimamente exigível a quem, sem pestanejar, confunde desta maneira a opinião pública.
      Vejamos agora o caso da Brava, citada como detentora da mais baixa taxa de desemprego em Cabo Verde. Não sei se sim ou não, mas tudo leva a crer que, para o conferencista, e baseando-me no propósito que o levou a esta extrapolação, esta ilha estará então entre as mais privilegiadas do país e, portanto, relegável a uma ínfima prioridade na política de correcção de assimetrias. Ora, a Brava pode ter uma taxa baixa de desemprego em resultado da sua escassa população e de possuir uma economia de escala equilibrada e contida na sua restrita realidade interna, já que os postos de trabalho disponíveis encaixam com as necessidades da sua população. No entanto, como se sabe, a ilha padece de graves problemas relacionados com os transportes marítimos, afectando os seus abastecimentos internos, e as infra-estruturas que possui estão dimensionadas à sua pequenez territorial e demográfica. Assim, parece-me que não tem qualquer relevância científica extrapolar sobre a baixa taxa de desemprego na Brava. 
      O Outro indicador analisado foi o da taxa do crescimento demográfico desde 1940, com intenção de a considerar por si só sinalizadora de progresso e desenvolvimento, deslocada de tudo o resto. E nesse sentido o conferencista dividiu o país desta maneira: de um lado, as ilhas que têm crescido demograficamente porque atraem mão-de-obra, logo, consequência de terem progredido economicamente (ilhas atractivas): Santiago Sul, S. Vicente, Sal e Boa Vista. De outro lado, as que têm perdido população: S. Antão, S. Nicolau, Fogo, Maio, Brava (ilhas repulsivas), quadro apontado como indicador de subdesenvolvimento. Considero simplista e tendencioso o quadro apresentado, na medida em que há uma descontextualização das circunstâncias sociais que estão subjacentes ou determinaram o fenómeno demográfico analisado. Por exemplo, concluir que o crescimento populacional de S. Vicente tem uma relação causal directa com um desenvolvimento que se lhe injectou, não colhe de forma alguma. A população da ilha aumentou à custa da migração da ilha vizinha, porque era o destino mais próximo, como sempre o fora; a transfusão demográfica de S. Antão para S. Vicente é um facto incontestável mas não significa necessariamente o progresso da segunda ilha. As estatísticas têm denunciado altas taxas de desemprego em S. Vicente, porque a ilha regista precisamente um superavit migratório de populações de S. Antão, não obstante ter o seu desenvolvimento estagnado e em recessão devido a escassez de investimento estatal, incapaz, por isso, de garantir emprego satisfatório aos que a demandam. E releve-se que só recorre a Vicente a mão-de-obra menos qualificada, oferecida por gente pobre, porque a outra, de pessoal escolarizado e quadros técnicos, tem como destinatária preferencial Santiago Sul, onde é mais provável o emprego, as mais das vezes à sombra protectora do Estado.
      Fico-me apenas por estes dois indicadores, mas oportunamente, numa próxima intervenção, poderei tecer outras mais considerações porque este tema oferece pano para muita manga. Para já, fique explícita a minha opinião, salvo outra melhor avalizada, de que a exposição do conferencista não atacou a substância concreta do problema da regionalização, como atrás referi. Abordou o que está a montante, ou seja, o quadro de razões que determina a criação de regiões administrativas, que já conhecemos bem e de longa data. E mesmo aí cometeu o pecado de passar ao lado, não creio que inadvertidamente, daquilo que é a mega causa das assimetrias regionais e das desigualdades no país: o Estado centralizado e concentrado na Praia, originando uma capital macrocéfala que absorve o resto do país funcionando numa lógica de autofagismo sobre o organismo nacional. Chega a ser irónico que Santiago Norte seja apontado como vítima do centralismo quando pertence à mesma ilha que, no seu conjunto, com as estruturas aparelho do Estado concentrado que integra e com os nove municípios criados artificialmente no seu território, absorve cerca de 80% do OGE. Está, pois, em causa a gestão enviesada e à margem dos princípios da racionalidade em que incorreu a política do Estado. Também merece reparo que não se realce que as ilhas do Sal e da Boavista cresceram graças ao empreendedorismo privado e não à custa do orçamento do Estado, como aconteceu com Santiago. Ocorre lembrar que no passado também a ilha de S. Vicente se tornou no que foi por mor do empreendedorismo privado e de dinâmicas sociais próprias desencadeadas na ilha.
      Ansiamos por que a temática da regionalização seja abordada e explicada de uma forma que não denuncie receio de ir ao cerne do problema: desconstruir o Estado central para se poder edificar um novo Estado. Até agora, nenhum conferencista pôs verdadeiramente o dedo na ferida, não esclarecendo convenientemente a nação, antes deixando-a interrogativa sobre muitas questões de real pertinência. 
Tenciono voltar a este tema.

Adriano Miranda Lima