O Professor

domingo, 27 de abril de 2025

 

 Celebrou-se recentemente o Dia do Professor Cabo-verdiano. Creio que a efeméride foi lembrada em todas as escolas do país.

Ainda bem que assim foi, pois, tornou-se já tradição, em boa hora instituída – Decreto 25/90 - publicado no Boletim Oficial nº 16, de 21 de Abril de 1990 - comemorar-se o 23 de Abril   com os seguintes objectivos: 1- “dignificar a profissão e 2- criar um espaço de reflexão sobre o ensino e a educação em Cabo Verde capaz de apelar à consciência da nação sobre o relevo da função docente”*

Como de habitual, faço vénias e apetecia-me tecer loas aos meus colegas no activo e aos colegas, que tal como eu, já estão aposentados.  

Bem hajam!

Este meu “post” já vai atrasado…

Mas antes de continuar, afirmar que a escolha da data não foi ao acaso, “uma data emblemática que carregasse algum valor simbólico humano e patriótico” * - 23 de Abril aniversário natalício do Doutor Baltazar Lopes da Silva - reiterar que melhor patrono não podíamos ter: o Professor Baltazar Lopes da Silva, (1907-1989) um dos maiores vultos da cultura cabo-verdiana do século XX. “Um símbolo da ideia de professor, votado ao Magistério, cujo exemplo merece a pena ser seguido” *

Digo isto, porque aqui nas ilhas, nem sempre os nomes dos patronos das escolas são bem escolhidos, isto é, nem sempre se coadunam com a Educação ou com algo que tivessem feito para os tornar merecedores dessa homenagem. Façam um pequeno levantamento e confirmem se é ou não, verdade.

Mas para o Dia do Professor cabo-verdiano, acertou-se em cheio!   

Daí que aproveite esta oportunidade para sugerir e recomendar aos colegas que leiam ou releiam as obras do nosso patrono, ele que foi um verdadeiro mestre na descrição dos vários “Quedam” da Língua e da cultura cabo-verdiana. Para nós um verdadeiro sábio, que orgulha qualquer cabo-verdiano.

Posto isto, em jeito de preâmbulo, vamos ao que gostaríamos de desejar aos nossos colegas que estão no activo - e que têm a nobre e missão de liderar o processo ensino/aprendizagem diariamente nas diferentes instituições de ensino no país – para eles os meus sinceros desejos de que tenham manuais capazes de atrair, de apelar os alunos para o estudo com entusiasmo e empenho, das matérias neles vazadas e que seja um material cientificamente sério e não com erros conceptuais e linguísticos, os quais, infelizmente, temos vistos em alguns manuais em uso; que os  professores tenham em cada dia, o desejo de se tornarem mais cultos, lendo muito, não só na preparação da matéria específica que leccionam, mas também que se abeirem da grande Literatura, que leiam contos, poesia, romances, ensaios, livros científicos.

 Resumindo: que se cultivem como cidadãos e como professores e assim estarão mais aptos e melhor preparados para a função docente

Fico verdadeiramente triste quando que me dizem que alguns professores não leem e nem recomendam a leitura de livros aos alunos. De facto, e infelizmente, se um professor não lê, logo, não saberá como sugerir livros a ler, e muito menos, criar o gosto pela leitura ao seu aluno. A leitura é parte importante da formação cultural do estudante.

Bem sei que alguns me dirão que hoje o processo é diferente, de que actualmente, busca-se a cultura nos meios virtuais, mas minha gente, não é suficiente!

O Papa Francisco que infelizmente já nos deixou, na sua célebre «Carta do Santo Padre sobre o papel da Literatura na Educação» editada em 2024, (vidé texto integral aqui, neste "Blog" publicado a 9 de Agosto de 2024), legou-nos uma série de boas razões para querermos ler contos, poesia, romances. Transcrevo dela (da Carta) algumas passagens elucidativas e ilustrativas das vantagens da leitura de obras literárias, diz o autor a determinada altura: Antes da omnipresença dos media, das redes sociais, dos telemóveis e de outros dispositivos, esta era uma experiência frequente, e quem a viveu sabe bem do que estou a falar. Não se trata de algo ultrapassado.

 Ao contrário dos meios audiovisuais, onde o produto é mais completo, e a margem e o tempo para “enriquecer” a narrativa ou para a interpretar são geralmente reduzidos, o leitor é muito mais ativo quando lê um livro.

E mais adiante continua, e afirma algo que se pode transformar numa valiosa ferramenta do trabalho diário do professor e do aluno:  De um ponto de vista pragmático, muitos cientistas afirmam que o hábito de ler produz muitos efeitos positivos na vida de uma pessoa: ajuda-a a adquirir um vocabulário mais vasto e, consequentemente, a desenvolver vários aspectos da sua inteligência; estimula também a imaginação e a criatividade; simultaneamente, permite que as pessoas aprendam a exprimir as suas narrativas de uma forma mais rica; melhora também a capacidade de concentração, reduz os níveis de deficit cognitivo e acalma o stress e a ansiedade.”

Lendo a Carta do saudoso Pontífice, verificámos que todo o texto está concebido para despertar o gosto pela Literatura e pelo importante papel que aquela desempenha, não só na formação e na vida de quem prega a Palavra, mas também, nas de qualquer formando e/ou docente.

Para terminar, deixo aqui expressos os votos de que os meus caros colegas no activo do seu magistério professoral, (perdoem-me a aparente pomposidade da frase) sejam cultos, e que o sejam de forma empenhada e reflectidamente; e que trabalhem com brio profissional e com alto sentido de responsabilidade que impende sobre o professor que forma e desenvolve mentes de crianças e de adolescentes, em escolarização.

 

*Frases retiradas do preâmbulo do Decreto que instituiu o Dia do Professor cabo-verdiano. Vidé: Boletim Oficial nº 16 de 23 de Abril de 1990.

Das narrativas e das percepções

quarta-feira, 9 de abril de 2025

Por Adriano Miranda Lima

Há alguns anos, a palavra narrativa começou a invadir o espaço público, designadamente no meio político, no jornalismo e no comentário televisivo. Foi como se ela de repente tivesse sido ungida pela graça da ubiquidade ao substituir-se a palavras com mais identidade semântica para as situações em que passou a ser utilizada. Consultando o Dicionário Online Priberam de Português, encontrei como significado do vocábulo narrativa: “acto de narrar”. E como sinónimos: “relatos, informações, explicações, apresentações, exposições, histórias, descrições”, etc. Acontece que esta palavra começou a pontificar com o significado de “versão dos factos”, e tanto quanto me lembro, com o ex-primeiro-ministro José Sócrates. Foi em 2013, quando, depois de ter saído do governo, o político deu a primeira entrevista na televisão (RTP 1) e explicou que o que fez cair o seu governo nada tinha a ver com certas “narrativas” que se construíram. Assim, pode dizer-se que há cerca de 12 anos este vocábulo como que foi tomado de empréstimo ao mundo literário, que é onde, na verdade, encontra a justificação mais plausível para a sua existência. Na literatura, a narrativa é precisamente o relato de acontecimentos cujo espaço de materialização é o romance, a novela, a fábula e o conto. A narrativa compõe-se dos seguintes elementos: enredo, narrador, personagens, tempo e espaço, que são essenciais para que se concretize uma narração. Fica assim esclarecido o contexto preciso que mais justifica o uso desta palavra.

Outra que entrou com inusitada frequência no discurso político e jornalístico é a palavra “percepção”, pelo menos desde há uns 8 anos. Indo à Wikipédia, encontrei que “percepção é a capacidade para captar, processar e entender a informação que os nossos sentidos recebem. É o processo cognitivo que permite interpretar o ambiente com os estímulos que recebemos através dos órgãos sensoriais.” Não podendo considerar-se que o uso desta palavra esteja a ser completamente desconectado do seu significado, a sua utilização comum tem sido, contudo, na acepção mais simplificada em que é pura expressão da subjectividade. Quando, por exemplo, se diz que o Chega tem procurado explorar politicamente a percepção por si forjada de que a criminalidade violenta está a crescer de uma forma sem precedentes em Portugal, quer isto significar que esse partido distorce deliberadamente a realidade objectiva, isto é, aquela que resulta de uma análise rigorosa e imparcial baseada em informação estatística, sem interferência de motivações espúrias como é o partidarismo ou o facciosismo. Concluindo, o uso da palavra percepção tem sido mais na sua estrita relação com a subjectividade, não se justificando aqui uma abordagem teórica do seu significado no campo da filosofia e da neurociência.

Bem, nenhum mal trará ao mundo o uso excessivo ou abusivo das palavras “narrativa” e “percepção”, excepto quando se serve da sua sonoridade retórica para mascarar a superficialidade ou o vazio do discurso político, sem preocupação de contribuir para o enriquecimento da política mediante um debate profundo, inovador e criativo. É o que acontece quando o mesmo facto ou acontecimento se torna objecto das mais diferentes interpretações subjectivas (percepções) e das mais desencontradas versões explicativas (narrativas).

Particularmente, no que concerne à palavra narrativa, o seu uso tende a superlotar o espaço onde a ideologia foi postergada e, sobretudo, onde e quando a rarefacção de ideias põe em causa a política enquanto actividade nobre e realizadora da felicidade humana, conforme a concebeu Aristóteles há 350 anos a.C. Tal degradação pode ter várias explicações, mas é sobretudo consequência de dois fenómenos que se conjugam: a erosão das ideologias e a formatação da realidade pela comunicação social em função de critérios editoriais muitas vezes não alinhados com o interesse público.

Desta forma, em vez de laboratórios para produção e ensaio de ideias, valores e princípios, as ideologias hoje em dia parecem exauridas de vitalidade, quase limitando-se a uma repetição sistemática de dogmas e estereótipos, o que é sintoma de uma estagnação da sua capacidade criativa. Há que tomar consciência do quanto isso prejudica a política e abre caminho a forças que atentam contra o que ela tem de mais valorativo, mestres que são na arte da demagogia e manipulação dos incautos. Evidências gritantes deste risco surgem, infelizmente, no seio de membros da União Europeia e, neste momento, nos Estados Unidos da América, que, sob a administração de Donald Trump, dificilmente serão o grande pilar do mundo livre que sempre foram.

Nota: este texto foi escrito conforme a anterior ortografia.

Tomar, 7 de Abril de 2025