Há já algum tempo, numa rotineira troca de e-mail com um antigo colega de liceu e mais tarde do Instituto Superior Técnico (IST) – ele estava mais adiantado – que vive na Madeira, ele comunicou-me que alguém lhe tinha dito (tout court) que eu era contra túneis.
Ele, que é muito meu amigo e me conhece bem, ficara admirado sabendo que sou engenheiro de minas; e eu incomodado e irritado pela tremenda calúnia que, pelos vistos, tinha já entrado num circuito e produzido os seus perversos efeitos pois não sabia quantas pessoas mais tinham tido a mesma informação e dessa forma.
Nunca lhe perguntei a fonte – nem achei que o devesse fazer – e não me preocupei em dar-lhe mais explicações do que o contexto e as circunstâncias em que havia feito tais declarações públicas. E para quem era, não era preciso mais…
Mas porque polémica tem havido sobre esta questão com alguma ressonância e ecos nos media e não só, sou levado a explicar-me e a reiterar a minha posição.
Há túneis e túneis!...
Túnel para ligar duas localidades importantes (normalmente túneis ferroviários); túnel como alternativa construtiva de uma via de circulação (túneis rodoviários); ou ainda túnel como solução para descongestionamento de trânsito urbano (túneis urbanos – rodoviários e, por vezes, ferroviários) ou, no mesmo contexto, túnel como salvaguarda de um direito ou mais-valia de superfície. São todas coisas diferentemente iguais. E a linha de separação (ligeiríssima) que apresento é apenas na finalidade.
O que é importante aqui registar é que a opção por túneis rodoviários, não é política. É normalmente técnico-económica da responsabilidade dos projectistas das vias de circulação (rodo ou ferroviárias). E não está em causa o factor tecnológico quando é sabido que grandes túneis com mais de meia centena de quilómetros de extensão foram já construídos sob água. E outros estão sendo projectados como o que poderá vir a ligar América à Ásia através do Estreito de Béring. Mas são onerosos quando comparados com as obras de superfície. Por vezes, muito onerosos mesmo.
Por isso é que a opção por túneis exige sempre um aturado estudo económico sopesando todos os factores – endógenos e exógenos – incluindo obviamente o impacto ambiental e as externalidades. Não é igual construir um túnel de 5 Km ou construir 25 túneis de 200 metros. O comprimento total é o mesmo mas a relação não é linear nem os propósitos serão os mesmos, como se calculará. Os problemas de ventilação, da iluminação, de combate aos incêndios, da segurança, das galerias de emergência e até da própria secção desse túnel – citando apenas alguns factores – que irão pesar muito não só na execução como na posterior manutenção não podem ser iguais. Daí que nenhum dos grandes túneis mundiais é rodoviário.
O maior túnel rodoviário da Península Ibérica será o de Marão, que terminará em 2011 e que terá apenas 5,6 Km. Mesmo no imenso Brasil com uma fabulosa rede de estradas o maior túnel rodoviário não chega a 4 Km.
É nesta linha que quando me disseram que alguém tinha aventado a hipótese de se construir um túnel rodoviário que ligasse Porto Novo a Povoação de Ribeira Grande, separados por uma estrada de montanha de cerca 35 Km que passa por muitas localidades e permite usufruir de uma paisagem única, pensei logo: seguramente essa pessoa não é engenheiro nem economista e muito menos está ligado ao turismo. Não sabe fazer contas nem tirar proveito das potencialidades turísticas da região. Ou então é um político pouco honesto ou mal assessorado. Essas tomadas públicas de posição, totalmente desprotegidas de palavras cautelares e sem qualquer base técnica, são uma ligeireza e uma leviandade de todo o tamanho.
Que se faria com os escassos minutos que se ganhariam com o túnel? Qual o fluxo de viaturas, de passageiros e de mercadorias que justificariam tal investimento? Que turista havia de preferir viajar através de um túnel tendo uma estrada de montanha a cortar a Ilha ou do litoral a beijar o mar? A onerosíssima manutenção quem é que a pagaria? Muitas questões poderiam aqui ser levantadas sem qualquer resposta. As mesmas que quando se lançou igual hipótese para ligar Tarrafal a Vila Ribeira Brava.
Presumo que a ideia tenha vindo da Madeira onde um grandioso programa, lançado em 1989, de construir 136 Km de vias rápidas conduziu à construção de muitas dezenas de túneis, em que o túnel mais oneroso, de mais ou menos 2 Km, teria custado 26 milhões de euros por cada quilómetro, cerca 2.900 contos cabo-verdianos cada metro. Todo o programa, que se concluiu em 2000, custou cerca de 1815 milhões de euros, mais de 200 milhões de contos cabo-verdianos. Os túneis estavam na moda!...
A Madeira tinha “três” orçamentos: o do Arquipélago, o do Continente (Portugal) e o da União Europeia (Região ultraperiférica). Extrapolar a infra-estruturação da Madeira ou das Canárias para Cabo Verde exige muita ponderação, muita sensatez e muito realismo. Ou então muita demagogia e fantasia. E como é fácil acreditar-se naquilo que se deseja, muita gente acreditou…
Dizer que sou contra túneis é uma imensa calúnia! E a calúnia como diz o povo, é como o carvão – quando não queima, suja.
Não sou nem a favor nem contra túneis. Nem podia ser de outro modo. Os túneis são “sempre” exequíveis. E a opção para a sua execução assenta, como já disse atrás, num estudo técnico-económico quase sempre alternativo.
Mas não é visionário quem hoje, e muito menos ontem, defende ou defendeu a construção de um túnel que ligue Porto Novo a Povoação de Ribeira Grande quando há outras alternativas bem mais acessíveis economicamente e com vantagens outras. Ele é precisamente o inverso – lunático no sentido literal do termo: com os pés (ou cabeça) na Lua e não na Terra.
As transacções comerciais conhecidas e projectadas entre os dois povoados incluindo S. Vicente são irrisórias para um investimento global (estimado) dessa envergadura – um túnel rodoviário de alguns quilómetros.
Contudo, ligar Covoada a Fajã através de um túnel de umas centenas de metros poderá ser a solução de pôr Covoada em comunicação com o resto de S. Nicolau. A alternativa é uma relativamente extensa (4-5Km), sinuosa e alcantilada estrada que partirá de Estância Brás. A opção definitiva deverá obrigatoriamente envolver um estudo técnico-económico das duas alternativas.
Túneis, viadutos, pontes são opções meramente técnicas dos projectistas das vias de comunicação. A ordem de execução poderá ser política pois dirá respeito à via de circulação como um todo.
É por isso que eu defendo que as grandes obras devem ter o parecer de um Conselho das Obras Públicas formado na base de competências e não da cor partidária. Mesmo pagando a esse conselho sairia mais económico para o País pois evitar-se-iam alguns “elefantes brancos" eleitoralistas, certas aberrações que temos visto por aí e que teremos de pagar mais tarde com juros, sobretudo sociais, elevados.
Já é tempo de deixarem os técnicos decidirem e falarem das opções técnicas, justificando-as publicamente, se necessário.
É importante infra-estruturar. Mas infra-estruturar não é construir a torto e a direito e a qualquer preço. Exige enquadramento, programas e critérios bem definidos e transparentes.
De outro modo, acontece-nos o que já se verificou num país, muito amigo, da União Europeia: Tem a maior rede de auto-estradas por habitante da Europa, e vive hoje uma grave crise (passe a redundância) económica e social, em grande parte motivada pela sua dívida pública, que o obriga a tomar medidas draconianas porque tem o FMI e o Fundo Europeu à porta.
A. Ferreira
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