A propósito do 20 de Janeiro…

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013
 

Passou-se mais um aniversário sobre a morte de Amílcar Cabral (AC), na circunstância, o quadragésimo. As comunidades cabo-verdiana e guineense – cada uma ao seu jeito e ao seu modo – celebraram o evento nos respectivos espaços de implantação.
 
Vem sendo recorrente essas manifestações político-culturais de homenagem ao líder histórico e fundador do PAIGC. A este propósito, convém registar, ninguém sabe ao certo, quando é que o PAIGC foi fundado, mas que é ele o fundador também não há dúvidas, da mesma forma que ninguém se coíbe de enaltecer o brilhantismo da luta armada que ele e o seu partido encetaram para a independência da Guiné-Bissau.
 
De qualquer modo, Amílcar Cabral é passado; é História não só de África como universal. Assim como Marx, Engels e muitos outros o são no campo das ideias ou mesmo Lenine no da sua aplicação prática nomeadamente com o seu centralismo democrático tão bem aceite por Amílcar Cabral.
 
AC é grande. É seguramente um dos maiores do seu tempo. Mas como disse o famoso pensador espanhol do século passado Ortega y Gasset: "O homem é ele (o homem) e a sua circunstância". E eu acrescentaria, parafraseando Camões: mesmo para “aqueles que por obras valerosas se vão da lei da morte libertando”. E nesta linha, se não se conseguir fazer com que ele e a sua obra transcendam as circunstâncias do seu tempo, o que não é tarefa fácil dado o contexto em que ele as viveu densa e intensamente, a sua invocação e fixação obsessiva pouca ou nenhuma mais-valia trarão aos tempos actuais do que uma ilustríssima referência histórica podendo, eventualmente, vir a ter efeitos contrários aos pretendidos e bem diferentes dos que ele merece.
 
Amílcar Cabral é um herói que é invocado sistemática e singularmente em Cabo Verde pela altura do dia dos Heróis Nacionais, que “coincide” com o do seu assassínio, ele que, por ironia, até nem se sentia cabo-verdiano mas sim guineense. Aliás, quem o diz é ele próprio, posteriormente reiterado pelos seus mais próximos.
 
Na verdade, nascido na Guiné e filho de pais cabo-verdianos, ele só viveu em Cabo Verde dos 11 anos (1935) aos 21 (1945) idade com que partiu para Portugal para os estudos superiores, e não mais voltou a residir em Cabo Verde.
 
Mas o que estranha não é o facto de ele ser herói; nem o da afirmação e corporização desta sua condição se situar bem longe de Cabo Verde, mais precisamente nas matas da Guiné espalhando-se, é certo, por todo o mundo; mas sobretudo o de uma Nação com mais de 500 anos de existência apresentar – na sua longa História de “resistência” e de cultura – apenas um único herói. Convenhamos que é triste, redutor e desolador.
 
Efectivamente não é, nem poderá ser, verdade. Amílcar Cabral poderá sim ser o centro, mas outros seguramente existirão. O que é preciso é identificá-los… O que AC não pode ser é um instrumento manipulado pelos asteróides e meteoritos que gravitaram à volta dele sem voz nem opinião – ele pensa por nós, diziam alguns – para hoje se promoverem a iluminados e resplandecentes planetas por via da sua condição anterior.
 
Os escribas do reino têm-se preocupado em contar a História na primeira pessoa o que redunda em história ou mesmo historietas. Observe-se o caso da assinatura do acordo para a independência de Cabo Verde. Ao contrário da versão crioula, diz um importante subscritor português (transcrevo):
 
Já agora a minha opinião é que não chegou sequer a haver uma terceira ronda, com delegações de um e outro lado da mesa, para negociar o acordo que veio a ser assinado. A verdade verdadeira é que não houve delegações para se alcançar o acerto final a que se chegou.
Existi eu e existiu Pedro Pires. E fomos nós e mais ninguém que, em escassas três horas, nos pusemos de acordo e redigimos – na prática eu fui redigindo e ele foi opondo algumas discordâncias de fundo e de forma – o acordo que, no fim desse mesmo dia, foi assinado em Belém, pelo Presidente da República, por mim, por Mário Soares e por Melo Antunes, em representação de Portugal, e por Pedro Pires, em representação do PAIGC. Não me lembro de que, nesse mesmo momento, tenha sido também assinado por Amaro Alexandre da Luz e José Luis Fernandes Lopes, membros da Comissão Nacional de Cabo Verde do PAIGC, cuja assinatura veio a figurar no texto. (Fim de transcrição) in “Quase Memória” – Vol. II (pág 246) de António Almeida Santos – Edição Casa das Letras.
 
Mas não ficam por aqui as questões polémicas e intrigantes. Vejam-se a este propósito, as afirmações de Aristides Pereira – sucessor efectivo, e ao que desde então sempre se disse “natural”, de Amílcar Cabral na condução da Luta para a Independência da Guiné – nomeadamente, as em que ele refere que estava nessa luta (apenas) para a independência de Cabo Verde, razão porque não aceitou ser presidente da República da Guiné-Bissau, assim como as de outros dirigentes do PAIGC nesta mesma linha.
 
Em termos histórico/político, essas afirmações e atitudes põem em causa a então dogmática Unidade Guiné - Cabo Verde por conta da qual tanto sangue foi derramado bem como o estatuto dos cabo-verdianos no contexto da Luta Armada na Guiné.
 
Se o contributo dos cabo-verdianos na Luta para a Independência da Guiné é importante, o dos cubanos não pode ser negligenciado sobretudo pelo seu número e qualidade.
 
Urge pois, que a História da Luta para a Independência de Cabo Verde seja feita. Narrada e enquadrada em moldes mais pensados e quiçá, “despido” de algum excesso de emotividade participativa personalizada. Isto é, não apenas com a actual visão monolítica e redutiva de transposição linear e arrastamento da Luta para a Independência da Guiné-Bissau mas através de uma análise cuidada e objectiva, perspectivando, dimensionando e temporizando todos os parâmetros envolvidos – endógenos e exógenos – designadamente os que dicotomizam e autonomizam a vertente guineense da cabo-verdiana.
A. Ferreira

0 comentários:

Enviar um comentário