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terça-feira, 8 de julho de 2014



Aqui há dias assisti na Biblioteca Nacional da nossa capital, um Fórum sobre a “Morna na sociedade cabo-verdiana” (uma achega à sua candidatura a património imaterial da Humanidade). Devo informar que o Fórum foi organizado pelo Orfeão da Praia. Trata-se de uma Instituição privada que tem feito um trabalho deveras interessante sobre a nossa música, ênfase para a morna, através de espectáculos e de eventos musicais pelas ilhas e fora do país, sob a batuta do Maestro e musicólogo, Eutrópio Lima da Cruz.
Desafiada pelo convite da minha querida amiga e colega Maria Cândida Gonçalves, infatigável, diligente e entusiástico elemento do Orfeão da Praia, lá fui. Fui e confesso: gostei. Gostei do que escutei dos conferencistas da mesa e gostei igualmente de algumas intervenções havidas e saídas da plateia, que foram acrescentos, mais-valias, ao tema em debate. Dessas intervenções, o «Coral Vermelho» já registou uma, por amabilidade do seu autor, Carlos Filipe Gonçalves.

Ora bem, daquilo que escutei dos oradores da mesa e dos músicos que da plateia assistiam e participavam no fórum, alguns temas prenderam a minha atenção, que aqui vou abordar sem quais quer preâmbulos:

1-O meio-tom da estrutura básica da morna: Sobre o tal “meio-tom” no compasso da morna, cuja existência se vem atribuindo ao longo do tempo, ao genial B. Léza, esclareceu-nos Henrique Oliveira, o nosso Djick, que não há autoria para tal. Isto é, o chamado meio-tom da morna, ou tom de passagem, é uma exigência do próprio ouvido humano. Logo, não se trata de descoberta alguma de qualquer compositor. E exemplificou: já muito antes, na Brava, as mornas de Eugénio Tavares, na dupla, letra do poeta e música de José Medina, esse compasso já lá estava. Mais acrescentou Henrique Oliveira, Djick, que a distinção de B. Léza, neste particular, é que ele praticou com a mestria que se lhe conhece, usando e, por vezes; “abusando” com frequência e excelência do meio-tom, cujo exemplo máximo é a morna «Talvez». Lindíssima, mas também de difícil interpretação vocalizada, exactamente, por causa dos muitos “meios-tons” que a melodia comporta.

2-O desaparecimento da coreografia O desaparecimento da coreografia que acompanhava a morna dançada, no “antigamente da vida” que hoje já não se vê nos bailes que, aliás, Carlos Filipe Gonçalves, no texto aqui publicado, tão bem explicou. No entanto, sempre acrescentarei das minhas memórias da juventude que, quando num baile se tocava a morna, esta, era a dança reservada aos “crectcheus.“ Isto é, o par masculino, ía logo à procura da sua dama querida, noiva ou namorada, ou ainda, pretendida. Para a «pôr ao peito». Porque a dança da morna supõe alguma intimidade, algum deleite poético, acrescentado pela proximidade dos corpos do par. Pois é, parece que actualmente já não vigora nas festas. Aliás, questiono se ainda se dançará a morna(?) entre nós…

E a propósito do modo de dançar da morna, o Djick, contou-me uma historieta muito engraçada que se terá passado na ilha Brava e que ele presenciou.
Regressado em férias, à ilha natal, vindo de S. Vicente, onde estudava, foi levado por um tio a uma festa em Nova Sintra. Entrados na sala do baile, no momento em que se tocava uma morna (um conjunto de violino, viola braguesa, violão, e cavaquinho - era música ao vivo - notaram ambos, um par jovem, estudantes, igualmente regressados de Mindelo que ocupavam um largo espaço da sala, fazendo ele e ela, uma estranha coreografia ao dançar a morna. Um misto de “rock and roll” e de foxstrot” como que para mostrarem aos locais, que eles sim, eles sabiam outras danças aprendidas em S. Vicente, a ilha mais “adiantada” e cosmopolita, com cinema, vapores na baía, estrangeiros em terra e tudo que a Brava não possuía…
Passados uns segundos, o Djick, vê o tio zangado, a dirigir-se ao par. Tomou a dama, “pô-la ao peito” e mostrou ao jovem, falando e exemplificando numa lição de passos, como se devia realmente dançar a morna. A lição de dança foi dada em crioulo: “um pé diante, um pé trás, trá pé, pô pé, pára pé, deixa’l fica la mé” e assim por diante… numa tentativa de impor algum respeito pela coreografia da dança da morna ao dito par, que acabou por acatar o saber do mais velho.
3 – As três toadas: Outra questão trazida aos participantes do Fórum foi as três toadas distintas da morna e já aceites pelos músicos nacionais. A saber: a toada da Boa Vista, a toada da Brava e a toada de S. Vicente.
O músico Eutrópio Lima da Cruz, que na minha modesta e quase ignorante opinião (apenas canto em casa, claro! mornas antigas) tem vindo num refinamento e numa sofisticação, percebe-se isso no canto do orfeão da Praia, a aproximar as mornas que executam a um tom de música considerada clássica. Explicou ele que a morna sofreu uma evolução notável. Terá feito uma espécie de “caminhada” musical, vindo de melopeia ou de melopeias, passando por várias fases e atingindo a fase de melodia dita clássica, tal como nós hoje, a conhecemos.

3-S. Vicente e os seus músicos: Humberto Bettencourt Santos, o nosso Humbertona, conhecido e apreciado violão, trouxe a questão da música desenvolvida em S. Vicente, destacando os grandes músicos de um tempo passado e falando sobre a influência da música brasileira na época (anos 40 e 50 do séc. XX) em Mindelo. Claro, que as referências ao incontornável B. Léza, não faltaram.
Sobre o caso particular do músico, Luiz Rendall, afirmou Humberto Santos que se ele é conhecido e se tornou mestre no violão, foi por causa dos seus célebres “choros” de violão muito ao compasso e numa linha de interpretação, ao estilo do “choro” brasileiro. Claro, com a adequação, a adaptação e a já originalidade, do grande violão que foi Luiz Rendall.

4 – Unanimidade: A unanimidade das intervenções recaiu na questão do grande “trabalho de casa” que terá de ser feito em Cabo Verde, para que a morna atinja o tão almejado reconhecimento. Todos, ou quase todos os intervenientes, lamentaram que as nossas rádios e televisões, passem ou transmitam muito pouco, a morna! Que a nova geração não tenha sido educada musicalmente no gosto pela morna! Quase que a não ouvem em solo nacional!
Enfim, foram apresentadas muitas e boas achegas à causa da morna para a sua candidatura a património imaterial da humanidade.

1 comentários:

Unknown disse...

Perdoe esta intromissão da minha pobre verbe na sua seara de erudição, mas ler sobre mornas da Brava - especialmente as de Tatai - me tira do sério, como se diz lá nas terras de Santa Cruz...Eu adoro a Brava (até com uma bravense casei, já lá vão 57 anos) em Nova Sintra descobri que também sabia cantar e ali fiz a minha tarimba em serenatas inolvidáveis nos anos de todâs as inocências...Se se quizer dar a esse trabalho, há no YouTube sob o nome de zito azevedo, um video com cinco morninhas que são o meu preito à minha segunda Pátria ou a outra metade de uma única...
Bem haja pelas lindas palavras que tem deixado no meu arroz preferido...
Amigo reverente,
Zito Azevedo

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