Apresentação das colectâneas de Jorge Barbosa – «Arquipélago», «Ambiente» e «Caderno de um Ilhéu».

terça-feira, 4 de julho de 2017

Ilha do Sal, Maio, 22/24/2017 – Semana do Poeta

Mais uma vez aqui convosco, neste ambiente de cultura que a Câmara Municipal organizou, a partilhar a apresentação de três importantes colectâneas de poemas de Jorge Barbosa, sob forma fac-símile, a saber:   «Arquipélago» 1935,   «Ambiente», 1941 e «Caderno de um Ilhéu», 1956,  em boa e sempre oportuna ocasião reeditadas pela Livraria editora «Pedro Cardoso», que desta forma, não só, coloca à disposição de leitores interessados, de estudiosos, obras de há muito desaparecidas no mercado livreiro nacional mas também, e sobretudo, estará a contribuir de forma enriquecidora, para que parte importante e essencial  de um dos maiores, dos mais completos e dos mais autênticos monumentos poéticos, inspirados e criados nestas ilhas atlânticas do Arquipélago de Cabo Verde, não seja votado ao esquecimento, mas bem pelo contrário, seja lido e fruído pela geração actual, sobretudo por aqueles que apreciam a boa poesia. As minhas felicitações à livraria editora, Pedro Cardoso, por mais este excelente empreendimento, nas pessoas do Dr. Mário Silva e do Dr. João Pedro Spencer.
Outrossim, torna-se extremamente interessante verificar que quando a parceria entre a administração local e a produção editorial funciona e creio que estamos perante este facto, a comunidade visada, – nesta circunstância a da ilha do Sal – ganha, e ganhará com isso. Os leitores interessados, os estudantes, os professores, dispõem de meios mais adequados e acessíveis para lerem e usufruírem estudando, a grande poesia de um dos mais importantes poetas islenhos;  de estarem mais informados; de se tornarem mais conhecedores da poética nacional e também mais sabedores, o que no fundo, complementa a vida intelectual e apoia o exercício de cidadania das pessoas, porque alicerçada numa “praxis” cultural, como expressão de um ponto alto de bem-estar e, consequentemente, de uma espiritualidade mais rica.
Hoje falamos da poesia de Jorge Barbosa e perguntamos porquê que isso está a acontecer? A resposta mais óbvia é, certamente, porque se trata de uma poesia intemporal, de uma poesia que continua viva, que continua entre nós. “Dentro de nós” diria, se calhar, algum poeta.
 A sua leitura, – da obra de Jorge Barbosa – provoca-nos ainda ondas de emoção de um certo gozo estético/lírico reflexos da sua inquietação (do poeta) pois que nela nos reconhecemos ainda, e com ela nos identificámos. Reconhecemo-nos e identificamo-nos afinal, porque o poeta soube captar e reelaborar em versos de forma, diria, acabada e sublime, a cultura partilhada, bela e mestiça, de que resultou afinal a cabo-verdianidade. E essa cabo-verdianidade como força motriz, fundadora e construtora da poética barbosiana, permite-lhe, ainda hoje, estabelecer com o leitor uma certa intimidade, uma proximidade identificativa que lhe garante alguma perenidade e actualidade.
Mas atenção, devemos sempre salvaguardar, ressalvar e perceber as marcas da temporalidade que conferiram circunstancialidade histórica, contexto social e humano, muito específicos da época vivida e vivenciada pelo poeta e que o terá inspirado, naturalmente.
Assim explicitado, o leitor entenderá – na linha do pensamento de Ortega y Gasset (1883 -1955) que o “homem, é o homem e a sua circunstância”
Acrescenta-se a este conceito, aquilo que disse o Prof. Vitorino Nemésio, “o Homem é também ele e a sua geografia”.
Ora bem, ambos os conceitos, aplicam-se ao caso de Jorge Barbosa para pudermos bem entender a temática dos seus poemas.
Não me canso de repetir para que a geração de hoje saiba, esteja informada de que Jorge Barbosa, tal como Osvaldo Alcântara, (Baltazar Lopes da Silva), Manuel Lopes, António Aurélio Gonçalves, entre outros, todos eles, cedo conheceram o respeito, a admiração das gentes das ilhas, como homens do saber – os sábios das ilhas. Constituíam a nossa aristocracia; distinguiam-se do comum dos seus conterrâneos. Eram reconhecidos nas ruas e nos sítios por onde passavam, muito estimados e quase venerados por aquilo que representavam para estas ilhas.
Nós – a minha geração – então crianças, adolescentes, ouvíamos falar, em casa e na escola, desses nomes ilustres que os adultos, pais e professores admiravam.
Mas já antes deles, nomes como Eugénio Tavares, José Lopes, Pedro Cardoso, poetas, escritores e compositores eram afamados e reconhecidos nas ilhas, pelo seu alto valor intelectual. E isto fazia parte de um passado de Cabo Verde, em que era considerado cidadão com valor, aquele que, para além da sua conduta moral irrepreensível, era portador de boa literacia, capaz de transcender a pequenez do meio pelo seu saber, e constituir o orgulho e a referência do seu concidadão.
Posto isto, passemos ao que aqui nos traz. Costuma-se dizer, e já o disse mais do que uma vez, que a Literatura é um lugar sagrado e a poesia um dos seus altares.
É sobre este altar sagrado de Jorge Barbosa, inserto e configurado com mestria, em «Arquipélago», em «Ambiente» e em «Caderno de Um Ilhéu» que me proponho dizer-vos, ainda que de forma pouco profunda e breve dado que o tempo me condiciona, algumas palavras.
Vamos por partes: a publicação de «Arquipélago» em 1935, está já registada na historiografia poética de Cabo Verde, como sendo o verdadeiro marco, a baliza, que separa a antiga e a moderna poesia cabo-verdiana, esta última iniciada exactamente com a publicação desta primeira colectânea de Jorge Barbosa. O que fazia a diferença afinal com a poesia anterior? É que em «Arquipélago» se inscreveu pela primeira vez, e de forma indelével, a geografia humana de Cabo Verde. Era então jovem, o poeta Jorge Barbosa, mas já com um trabalho poético assinalável e publicado, anos antes, de forma dispersa, em revistas e jornais portugueses de cariz literário e cultural. Como, para exemplo, as prestigiadas revistas: «Seara Nova». «Presença», «Jornal de Europa», «Suplemento Literário» do Jornal Diário de Notícias. Curiosamente, Jorge Barbosa teve como companheiro das ilhas, naquelas publicações, o então também jovem poeta, Osvaldo Alcântara. Tudo isto aconteceu uns anos antes de 1935. Um período que pudemos delimitar ou situar, entre 1929 e 1934.
Convém igualmente destacar que nesta colectânea de 14 poemas, encontramos três dos mais emblemáticos poemas deste autor, e são eles: “Panorama” pág. 9, “Rumores” pág. 25 e “O Mar”, pág. 34, os quais, ainda hoje são considerados como poemas “ex-libris”, de Jorge Barbosa.
Seis anos passados, em 1941 foi publicada a colectânea «Ambiente», numa configuração de 20 poemas. Se em Arquipélago» o poeta descrevera a envolvência física das ilhas em que sobressaía a perspectiva espacial – a ilha – aqui tomada como centro onde, ora em dicotomia com o mar, ora como metonímia do Arquipélago, e ora ainda como “habitat” gerador da condição de ilhéu que a poesia de Jorge Barbosa tão bem soube prefigurar.
A sua escrita, – de Jorge Barbosa – como ele próprio a definiu numa das muitas cartas trocadas com o escritor e também poeta, Manuel Lopes – é límpida e sem malabarismos retóricos. Escreveu então Jorge Barbosa, para Manuel Lopes, numa espécie de “aviso à navegação”, o seguinte: “Eu nunca fui eloquente e ia dizer-te felizmente. A eloquência, é certo, é uma importante defesa para os que tiram sonâncias e músicas das palavras, porque lhes preenche o vazio do pensamento e porque deixa no público, embora quando esse público circunscreve-se à nossa convivência, arrepios sensacionais de seguro efeito. Quando escrevo ou quando falo, sou naturalmente um reflexo da minha interioridade, procuro transcrever-me, descrever as ideias que possa ter; nunca me malabariso em verbosidades ocas e lantejouladas, tão fáceis de resto”. Fim de citação.
É através dessa escrita, assim esculpida, assim fixada pelo poeta como “reflexo da sua interioridade” que vamos continuar a ler em «Ambiente», colectânea, como já referi, composta por 20 poemas. Se em «Arquipélago» o protagonista ou o sujeito poético era a ilha/arquipélago, a origem, a representação da sua geografia quase física, embora com os elementos humanos que a povoaram e que lhe trouxeram movimentação humana; em «Ambiente», os sujeitos poéticos são em primeiro lugar, o “irmão-caboverdiano-anónimo”, na sua busca incessante de sobrevivência, devido às secas e às estiagens que o fustigam. Também o mar é elemento primordial e transversal em toda a poesia de Jorge Barbosa. O mar/grade/prisão; o mar que convida à libertação; á evasão da ilha /cerco/espaço fechado. Veja-se “Poema do Mar” pág. 29.
Como mais ilustrativo desta colectânea, convido-vos a folhearem o vosso exemplar de «Ambiente» e regressarem  à  pág. 17. Trata-se do poema-proposição de Jorge Barbosa, «Irmão». Nele exarou o que doravante seria a sua mais relevante marca poética. Uma leitura. (ler o poema)
A vez, em 1956 de «Caderno de um Ilhéu». Aqui o poeta atinge uma certa plenitude na sua escrita, uma grandeza madura na sua estética, no seu estilo. Há nitidamente uma linha evolutiva na construção e na fixação da sua poesia.  O poeta como que já se sente mais senhor do “seu destino poético” mais profundo, mais sabedor. De facto, com «Caderno de um Ilhéu, Jorge Barbosa atingiu um cume na poesia cabo-verdiana.  Trata-se de um conjunto magnificamente estruturado de 39 poemas, que enfatiza agora, os temas que lhe são mais caros com uma mestria ímpar, que definitivamente projecta o ideário da “poesis” inscrita por Jorge Barbosa, nas Letras cabo-verdianas.  
E, como sempre, com a humilde e a natural simplicidade que o caracterizam, Jorge Barbosa faz a sua apresentação no poema homónimo “Apresentação” com que inicia a Colectânea. (ler o poema)
Interessante, é que «Caderno de um Ilhéu teve desde o seu aparecimento, uma aceitação e uma crítica muito auspiciosas, tanto aqui nas ilhas, como em Portugal e com ecos no Brasil. Assim vamos ler da pena de poetas e críticos conhecidos em Portugal, como Jorge de Sena, Artur Portela Filho, Amândio César, João Gaspar Simões, David Mourão-Ferreira e o nosso conhecido Manuel Ferreira, entre outros, os quais, quer em Jornais quer em revistas da época, quase todos, não pouparam elogios à nova obra de Jorge Barbosa. Também no Brasil, chegam novas de como alguns poetas leram a nova colectânea do poeta-irmão, como o designou Ribeiro Couto. Lembrar que é em «Caderno de um Ilhéu» que encontrámos os poemas que simbolizam o afecto, a identificação que Jorge Barbosa estabelece entre Cabo Verde e Brasil. Leiam os poemas, «Cartas para o Brasil» e «Você Brasil».

Para finalizar, gostaria de reiterar que o poeta Jorge Barbosa inaugurou para a literatura cabo-verdiana, um autêntico tratado poético, com novos temas, nova métrica e uma tremenda e imensa poesia em versos soltos, ora curtos ora longos, numa métrica muito própria e então original, em que o silêncio, a magia encantatória dos seus versos respigaram intimismo e interioridade.

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