O INSUCESSO UNIVERSITÁRIO HOJE DA GRANDE MAIORIA DOS ALUNOS CABO-VERDIANOS EM PORTUGAL

quarta-feira, 25 de julho de 2018


Mas antes de entrar no assunto inscrito no título, vamos um pouco, ao para-texto, neste caso, do assunto em contexto.
Aqui há tempos fui visitar duas boas amigas recém-chegadas do Fogo e que se encontravam hospedadas numa residencial da cidade. Nisto, junta-se a nós um velho amigo delas - antigo Faroleiro, ou antigo responsável do farol do istmo, ou da ponta, onde se encontra o Seminário de São José, na cidade da Praia - há muito reformado, quem também as havia ido cumprimentar.
 Durante o agradável encontro, o que atraiu a minha atenção auditiva foi o facto daquele senhor, faroleiro, se expressar num correcto e escorreito português ao falar connosco. Afinal, ele possuía apenas a antiga 4ª classe da instrução primária. E com ufania a alardeava! No entanto, mantinha com naturalidade fluente e sem titubear, a conversação em língua portuguesa.
Dias passados, uma cunhada minha arquitecta, que está a trabalhar num projecto de novo cemitério para a ilha do Sal, contou-me que procurou para troca de impressões, o antigo responsável do cemitério de Santa Maria, ou melhor dito, também antigo coveiro. Surpreendida com o que escutou, disse-me ela: “Ondina, o senhor falou comigo num português correctíssimo! Que eu fiquei boquiaberta!”
 Reparem os dois casos ilustrados. Trata-se de antigos agentes da base, ou do escalão mais baixo da administração pública  cabo-verdiana, portadores da antiga 4ª Classe da Instrução Primária – Faroleiro e Coveiro .
Comparativamente, expressam-se muito melhor em língua portuguesa do que muitos dos actualíssimos alunos do 12º Ano do secundário.
Alguns, para exemplo, recentemente se me dirigiram na rua - a propósito de um peditório para actividades dos finalistas de determinada escola secundária urbana -  em crioulo, porque não sabiam expressar-se em português, mesmo eu falando com eles na língua portuguesa e dizendo-lhes que fora antiga professora e que ao menos comigo se expressassem em português; motivei-os para tal, até a propósito, de um deles com boa média, querer tentar, segundo ele, uma vaga para prosseguir estudos superiores em Portugal. 
Mas mesmo assim verifiquei que de entre eles, ainda que o tivesse tentado, não conseguiram, tiveram enorme dificuldade em manter o diálogo comigo em  português...
E são estes perfis de alunos que demandam os Politécnicos e as Universidades portuguesas! 
Depois não se admirem de os ir encontrar infelizmente, mais tarde em Portugal. Numa espécie de emigração clandestina, com vergonha de retornar ao país.
Ou então, a trabalhar como ajudantes de mecânicos, sem garantias, em  pequenas oficinas (encontrei nestas condições dois jovens, que tinham ido – com altas médias - para seguir curso de engenharia.  Mas por não terem nível capaz, nem de língua portuguesa, nem das cadeiras científicas específicas para prosseguir o curso que gostariam de fazer e, para o qual lhes fora concedidas vagas ou bolsas de mérito, acabaram assim... Triste! Não é?
Estamos a falar de alunos com o 12º ano do ensino e com altas classificações locais...
Que ninguém se admire da entrevista dada (recomendo a leitura) no Jornal Expresso das Ilhas das Ilhas, de 18 Julho de 2018, pelo Professor e Investigador Filipe Themudo Barata da Universidade de Évora, que sintetiza numa frase que nos devia interpelar, pais, professores e responsáveis da Educação: “os alunos que só sabem crioulo, o resultado é o isolamento” referia-se ele a uma das causa para os mal sucedidos alunos cabo-verdianos (o que já se tornou regra nos últimos anos e não excepções) que demandam formação superior em Portugal?

Infelizmente esta situação vem piorando e deteriorando-se a cada ano que passa, sem que sem veja qualquer medida para inverter esta autêntica catástrofe nacional que é a de permitir que alunos cabo-verdianos partam - sem estarem capacitados a escrever e a falar na nossa Língua oficial, a língua veicular do ensino - para as instituições académicas portuguesas que doravante passarão a frequentar com a finalidade de  preparar técnica e academicamente, o futuro deles e o de Cabo Verde.
Creio que no caso presente, podemos falar de um autêntico abandono escolar no nível universitário de muitos alunos cabo-verdianos; de uma autêntica e caótica situação vivida pelos estudantes, nas trocas constantes de cursos sem sucesso, porque sem bases na Língua portuguesa e agora também sem bases capazes, nas disciplinas científicas.

Atenção: estes factores e estas causas, com estragos profundos, não estão sendo  devidamente avaliados, contabilizados, nem económica, nem socialmente para os jovens e para estas pobres ilhas.

Afinal, só são “bem sucedidos” aqueles estudantes que prosseguem cursos post-secundários na Praia ou no Mindelo, e que curiosamente, são os que têm a média mínima, entenda-se: a mais baixa do 12º para o prosseguimento de estudos universitários. Desta leva, sairão os mestres e os doutores que vamos tendo no país. 
Imagine-se o nível científico e cultural!

Acontece que hoje em dia, e escolarmente falando, estamos cada vez mais mal preparados. 
Contava-me há dias escandalizada, uma antiga colega e amiga, avó, que se dirigiu à escola que a neta frequentou para obter informações sobre a educanda, qual não foi o seu espanto quando se apercebeu de que o professor de geografia não se expressava capazmente em português, o mesmo sucedia - espantem-se! - com a Directora pedagógica da dita escola. E ela que se apanhou a pensar: “coitada da minha neta a levar com professores destes!
Sucede também  que a neta da minha amiga, como a minha e como a de outros com  alguma literacia, se escutam na escola “mau português,” terão a possibilidade  de reverter a situação linguística, sem grandes prejuízos futuros, pois que ouvirão em casa, a língua veicular do ensino bem expressa. Conseguem arrepiar caminho atempadamente...
Agora, imaginem as centenas de alunos, sim, centenas de alunos, oriundos de famílias que não usam a língua portuguesa, só falam crioulo, e que mandam os filhos à escola, para também contactarem e aprenderem o português, para fazer o salto qualitativo social; o que será deles? Sim, meus senhores, qual o resultado que eles terão no processo ensino/aprendizagem? O que adquirirão em termos de entendimento científico, da leitura e da interpretação de livros, de aquisição de conceitos sociais, tecnológicos e outros sem o suporte da língua veicular, na sala de aula? 
Porque a “partida” de mau gosto que estão a fazer aos indefesos alunos – para estes, a escola é ainda fundamental e o principal meio de aquisição do saber -  é que os professores no activo (excepções salvaguardadas, mas que, infelizmente, não deixam de ser excepções) explicam-se e expressam-se muito mal em Língua portuguesa, ou não se expressam de todo, com graves reflexos no processo escolar, na transmissão dos conteúdos programáticos das disciplinas curiculares! Os livros, os manuais escolares, as perguntas nos testes de avaliação, estão escritos em língua portuguesa e ainda bem que assim é! Se os professores não os interpretarem com correcção, que conhecimentos transmitirão aos alunos?

Para nós, este fenómeno era impensável há três ou duas décadas e meia atrás. Ainda que aqui e ali existissem casos. Aliás, casos, sempre os houve, mas nunca com carácter tão generalizado e tão alarmante como actualmente.
Portanto, pi-o-ra-mos! Chamemos as coisas pelos nomes que merecem, sem adornos e sem subterfúgios eufemísticos.

O que estará a acontecer nas escolas destas ilhas, algumas delas, tão brilhantes que foram outrora? E até num passado relativamente recente?

Tenho pena sincera; causa-me uma dor real, verificar que centenas de adolescentes e de jovens cabo-verdianos – sobretudo os provenientes da larga faixa populacional mais vulnerável e cujos pais e família  ainda acreditam na escola - que terminam a etapa de 12 anos de escolarização (o mais longo ciclo de aprendizagem para muitos) demonstrarem uma chocante ignorância científica, uma terrível ignorância literária, pois que desprovidos  de capacidade de entendimento lógico e dedutivo, sem hábitos de leitura, sem exercitar a análise, entre outras insuficiências e incompetências que são - dever e obrigação - tarefas da escola colmatar, reverter e facultar-lhes pistas e instrumentos - ao longo do processo e das etapas de escolarização.

E finalizo, questionando: o que significa hoje - na segunda década do século XXI -  ter o 12º ano de escolaridade das escolas secundárias cabo-verdianas, nestas condições?...  semi-alfabetizados? É isso que o país está a produzir?! É isso que a família e a sociedade gostariam de ver e de ter?

Simplesmente chocante e revoltante!

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