A Ofensiva dos “Melhores Filhos” e a Cumplicidade dos “Filhos Pródigos” e “Adoptivos”

segunda-feira, 28 de janeiro de 2019



O respeito pela dignidade, pela diferença, pelas instituições e pelo primado da lei são indicadores essenciais para uma primeira abordagem sobre a saúde de uma democracia.
Hoje proliferam as chamadas “fake news” (notícias falsas). Alguns estudiosos sobre este assunto dizem que não existem “fake news” e que as situações a que dão esse nome deviam ser designadas por “misinformation” (desinformação), o que é bem diferente.
Há quase três décadas que o período de 13 a 20 de Janeiro é marcado no nosso calendário político recorrentemente por uma narrativa histórica efabulada e hiperbolizada que de forma calculada, estudada, visa efeitos bem definidos, ao fugir deliberadamente da verdade dos factos e se situar no domínio, não das “fake news” mas das “misinformations”, da manipulação da informação, com a intenção expressa de reescrever uma suposta História “gloriosa” do nosso País, curiosamente, vivida e ocorrida na Guiné- Bissau, como se de acerca de um corpo expedicionário, devidamente mandatado, se tratasse.
Amílcar Cabral (AC), o centro nevrálgico de toda a narrativa, a trave mestra de toda a trama, o instrumento necessário e indispensável para a credibilização da narrativa, é, bizarramente elevado ao estatuto de fundador de uma nação – a nossa – que já existia uns séculos antes do seu nascimento. Ele que, por razões tácticas, estratégicas ou outras, nunca se considerou cabo-verdiano, não obstante ter usufruído durante toda a sua vida académica de uma bolsa de estudo destinada aos “naturais da Província de Cabo Verde”, pelos vistos “indevidamente”. (Vide Daniel dos Santos in Amílcar Cabral – Um Outro Olhar).
Considerar AC o fundador da nacionalidade cabo-verdiana seria (ou é), de uma certa forma, como se alguém tivesse a ideia patética e estapafúrdia de considerar Ben Gurion o fundador da nacionalidade judaica. O mesmo não acontece com a Guiné-Bissau em que, por via da luta para a independência se deu início a um processo liderado por AC de formação de uma única Nação através da unificação das quase três dezenas de nações (Vide Ruth Benedict – Padrões de Cultura) existentes no território, aliás, um dos parâmetros conducentes a considerar a “luta da Independência”, sobretudo em África, também um acto de cultura.
E nesta obsessão de fazer de Amílcar Cabral o fundador da nacionalidade e para dar alguma consistência a este desiderato, chega-se a forjar a sua própria naturalidade, como se esta – a naturalidade – fosse algo que se outorga ou se herda.
Abrindo um pequeno parêntese clarificador, convém aqui referir que Amílcar Cabral, natural de Bafatá - Guiné, viveu apenas dez anos em Cabo Verde: três (2 + 1) anos na Praia, terra da mãe – Iva Pinhel Évora – e sete no Mindelo, para onde a mãe se mudara para o acompanhar nos seus sete anos do Liceu Gil Eanes. Depois de terminar o curso em Portugal, na viagem para a Guiné com escala na Praia, sequer saiu do barco para se encontrar com familiares e eventuais amigos, tendo preferido ficar a bordo onde recebeu a visita do Dr. Arnaldo França, seu antigo condiscípulo do liceu.
Fechando o parêntese e retomando o assunto, a gravidade da questão não reside apenas na exaltação da figura de AC que é apenas um meio, mas na investida de impor a sociedade cabo-verdiana uma História que não é a sua e ao Estado uma ideologia (que a Constituição proíbe), com recomendações várias de a alargar e perenizar através das nossas escolas e de todo o sistema educativo. Não tem faltado incursões pelas Escolas e produções literárias de cariz paigcista panegíricas.
Este ano de 2019 foi particularmente prenhe de ofensivas feitas pelo PAIGC cabo-verdiano de consolidação da sua estratégia de fagocitar o “novo” MpD e dominar todo o aparelho do Estado impondo a sua idiossincrasia política, a sua ideologia.
A ofensiva paigciana chegou ao desplante de assumir, em alguns casos, a paternidade do 13 de Janeiro – data da nossa autodeterminação, isto é, da conquista da nossa liberdade e da nossa democracia – considerando-o uma ocorrência menor, e subordinando-o à “nossa” independência sob a égide de um Partido que não foi só autoritário e repressivo como foi manifestamente hostil à uma importante parte da nação cabo-verdiana – a emigração – que tratou de a ampliar com a criação de uma verdadeira diáspora política.
O 13 de Janeiro, ao contrário, é uma data de liberdade e de democracia de todos os cabo-verdianos – dentro e fora do País – e não apenas de alguns, de uma parte, de um Partido restrito a um pequeno território.
Mas tudo vem sendo possível graças ao “Pacto da Cidade Velha” que impôs o silêncio sobre a Ditadura do Partido Único ao mesmo tempo que facilita e promove a reelaboração – reconfigurando-a – de uma História com base nela.
Nesta movimentação não faltou a cumplicidade de importantes figuras do Estado e da sociedade política que tendo sido outrora maltratadas e escorraçadas do seio dos “melhores filhos” para eles regressam hoje quais “filhos pródigos” na ânsia de recuperar um lugar na História reconfigurada e reescrita na qual vêm participando activamente.
A vontade de agradar e de se subordinar é tanta que hoje, de entre outras coisas, determinados actos particulares e partidários da esfera do PAIGC ou de inspiração paigciana foram trasvestidos, com pompa e circunstância, em cerimónias e celebrações de Estado.
Encontram-se ainda em várias Repartições e, ao que se diz, até no Palácio, retratos de Amílcar Cabral. E a verdade é que ele não consta em nenhuma linha ou página da nossa Constituição. Em suma: Ele não é figura do Estado, o que não quer dizer que não seja da História…
Por este andar, com a manipulação, a formatação e a subordinação do Sistema Educativo bem como um certo desleixo ou desconhecimento de alguma comunicação social, não tarda muito que tenhamos uma espécie de “União Nacional” como metáfora de partido único a comandar os nossos destinos.
O que se está a passar na nossa sociedade política é simplesmente inqualificável. Mas que ninguém tenha dúvidas: Conseguido o objectivo o “Pacto” será desfeito.

2 comentários:

valdemar pereira disse...

Bravo !!!
Tiro o mau chapéu alto e baixo por este artigo que faltava.
Regozijo-me imensamente ver no papel o que muitos murmuram mas não dizem.
Com efeito, vivemos o momento mais ousado dos governantes em matéria de arbitrariedades, desenvolturas e desrespeito para com o prôprio povo ilhéu depois de terem decretado o boicote da Diàspora.
Espero que acabem com uma camada do povo acabe com "congresso dos despressivos", que o autor seja o arauto e que demais corajosos apareçam para acalmar a fuga dos impulsivos.

John Matos disse...

Excelente artigo! Tentei comentar o artigo no jornal online Expresso, mas por uma razão qualquer não consegui,pelo que vim à fonte original do artigo deixar um comentário. Tanto mais, que não li comentários em lado nenhum sobre este artigo o que é estranho. Dito isto, parabéns ao eng Armindo e bem-vindo à "familia" porque estou há vários anos a defender a tese do seu artigo e ainda por ocasião do que se chama Semana da República, voltei à carga escrevendo uma série de posts nas redes sociais, desde o dia 30 de janeiro noContraditorium, por exemplo. Passo a citar-me 'Mas há factos que ninguém pode escamotear! Cabral, nasceu na Guiné Bissau, e foi ele mesmo, que rejeitou a sua condição de crioulo. Cabral, disse ou não disse que não havia "caboverdianos em Cabo Verde, mas sim, africanos, levados para as Ilhas?". A. Pereira afirma na sua entrevista/memória que Amilcar via-se mais como guineense que caboverdiano.O resto é História propagandística e Manipulação mental.

Sim, isto ficou patológico. Leiam!

Falava-vos num anterior post de Inteligência Artificial,
de Ciência Cognitiva, do cérebro, da Neurobiologia...

Aqui têm pois o mais recente livro do francês, L Alexandre,
quentinho, já devorado, porque conheço toda a obra
deste neurobiólogo (faz-me lembrar João Varela, poeta maior, e cientista de Neurobiologia e as nossas falas).

Agora eis a Guerra de Inteligências, um tema que já tratei
várias vezes; o que outros e eu chamamos Guerra Cognitiva.

Quem não conhece mais ou menos o funcionamento do cérebro, bases de neurofisiologia celular, ou Inteligência artificial e robôs,
não vale a pena aventurar-se nestas leituras.

Ah! não gosto nada destes marxistas que adoraram a URSS
e seus génios do Mal, Lenine, Staline e Trotsky. Ainda continuam a mandar no Mundo escondidos atrás do manto do dinheiro dos
poderosos de Wall Street, Globalistas da ONU e toda essa rede de comilões, que sugam o sangue dos ricos, dos burgueses, como dizia o copiador da expressão "revolucionarios profissionais" !

Eles ainda pensam que aquilo é coutada do
guineense Amilcar Cabral, adepto da violência
revolucionária leninista e duma Unidade que só
existia na cabeça dele e dos fanáticos seguidores
porque não conheciam e não conhecem a
psicologia profunda do caboverdiano!!!

Os portugueses negros nascidos em Portugal,
filhos de caboverdianos, angolanos e guineenses,
nunca serão PAIS da Nação Portuguesa ou
da Nacionalidade lusa, por razões óbvias.

Porque é que então o guineense Cabral, nascido em Bafatá, tem de ser Pai da Nação ou da Nacionalidade de Cabo Verde? Para uns sim! Para outros, como eu, Não, porque eu sei pensar com a minha cabeça, frase que não é de Cabral, como continuam a repetir por ignorância e incultura!"--- Ja agora sobre fake news gtem um artigo que escrevi no meu blog, onde pode encontrarr igualmente, um desenvolvimento psiquiatrico sobre a tematica deste seu artigo. Obrigado---PS Como pode ver vou muito mais longe do que o Sr Eng---https://montecarainfo.wordpress.com/2019/02/08/traumas-psiquiatricas-da-guerra/

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