O Estado e o Empreiteiro na Obra Pública – Responsabilidades

quarta-feira, 2 de setembro de 2009
1. Costuma-se dizer, metaforicamente, que a diferença entre um pedreiro e um engenheiro está no custo da obra. É óbvio, que isto pressupõe que o pedreiro seja sensato, consciente das suas limitações e pelo facto queira garantir uma certa margem de segurança à obra que, quando excessiva colide desnecessariamente com o custo. A verdade é que o engenheiro procura sempre optimizar o binómio segurança–custo (pondo, por agora, de parte o conforto, entre outros), enquanto o pedreiro trata cada elemento de forma autónoma, independente.
Outra nota importante é que o pedreiro não concebe nem dimensiona, executa. Executa com base em práticas anteriores e, por força do seu empirismo onde se encontram mascarados os conhecimentos de base, tem dificuldades em extrapolar. Mas acontece que há engenheiros que também executam e conseguem por este facto as duas valências – a do engenheiro e a do pedreiro. É o empreiteiro. Individualmente, ou como organização com as inerentes e óbvias mais-valias. Como engenheiro tem a vantagem de pensar a obra, de avaliar os impactos, de a redimensionar, de propor soluções alternativas; como pedreiro limita-se a executar e no quadro estrito recomendado pelo dono da obra. A relação entre o empreiteiro e o dono da obra deve ter presente que não obstante o primeiro vise lucros para a sua sobrevivência, pois não é propriamente uma instituição de beneficência, ele tem igualmente consciência prática que a sua sustentabilidade dependerá sempre do seu bom-nome e reputação. E se pontificar este postulado não haverá grande espaço para desconfianças e suspeições que corroem e minam o clima, de entendimento e de confiança mútua, indispensável às relações de parceria e de sã “cumplicidade” que devem presidir esse relacionamento.
Enquanto tudo se passar na esfera do privado nenhum mal virá daí desde que a segurança do empreendimento e a preservação do ambiente sejam garantidas.
2. Visão diferente deve-se ter, quando se trata de uma Obra Pública, não apenas por ser paga pelos contribuintes, em que o Dono da Obra, stricto sensu, é o estado mas também pela sua natureza intrínseca. Neste caso devem ser bem avaliados os factores de risco (actividades sísmica e vulcânica, fenómenos climáticos extremos, cheias e inundações, movimentos de vertente entre outros) e os elementos em risco (população, construções, infra-estruturas, actividades económicas, valores culturais e paisagísticos, organização social, entre outros) aonde se incluem a conservação e a durabilidade do empreendimento. A avaliação implica introdução desses dados no cálculo de dimensionamento do projecto com vista a controlar os seus efeitos uma vez que não é possível, de todo, eliminá-los e garantir a funcionalidade optimizada da infra-estrutura para o período projectado da sua vida útil. E isto tem custos acrescidos que se deve ponderar. A ponderação remete-nos a um estudo estatístico das ocorrências dos factores de risco, à probabilidade da ocorrência de um fenómeno de determinada magnitude e ao período de recorrência do fenómeno. Tudo isto, com enormes implicações no custo da obra, deve ser previsto, ponderado, calculado e projectado previamente, i.e., antes da execução.
3. Pode, todavia, acontecer que a pressão exercida pela premência da construção de uma infra-estrutura, por necessidade imperiosa ou por razões políticas, não permita que ela seja conveniente e tempestivamente pensada mitigando os principais factores de risco e se tenha relegado para o plano de execução o levantamento e a minimização desses riscos. Seria uma praxis pouco ortodoxa mas nem por isso menos utilizada. Convém aqui frisar que, classicamente, há dois tipos de riscos: os naturais, que dizem respeito, ou estão ligados, a ocorrências de fenómenos naturais e os chamados tecnológicos que correspondem a ocorrência de acidentes, normalmente súbitos e não planeados, decorrentes da actividade humana. Actualmente, a interacção cada vez mais acentuada e complexa das actividades humanas com os fenómenos naturais deu origem a um terceiro tipo chamado Risco Ambiental.
4. Voltando à questão da obra pública, é evidente que quando o dono da obra não tiver feito no projecto de execução a avaliação correcta dos riscos deve, em primeiro lugar, designar técnicos competentes para, no decorrer da obra, o fazer, e disponibilizar meios financeiros para esse fim. Por outro, dada a (quase sempre) complexidade da tarefa, deve o representante de estado (Dono da Obra) ter capacidade e humildade de olhar para o empreiteiro como um parceiro indispensável na defesa dos interesses que lhes são comuns e não como um adversário que é preciso “apertar”, “castigar” e, evidentemente, com ou sem intenção, desmotivar. Do mesmo modo, o gestor do Projecto deve ter discernimento necessário e autoridade técnica e moral para agir quando o seu representante não se mostra a altura das suas responsabilidades ou exacerba as suas funções pervertendo o ambiente de permanente concertação que deve prevalecer entre todas as partes intervenientes. Numa palavra, não deve limitar-se a simples “caixa-de-correio” mas a uma caixa-de-diálogo e concertação.
5. Ocorreu-me esta reflexão porque nos encontramos na época das chuvas e estas recorrentemente provocam danos avultados no património construído, designadamente nas infra-estruturas. Danos que, na maior parte das vezes, nada têm de imprevisto, e por isso, bem podiam ser mitigados ou mesmo evitados se as relações entre o Dono da Obra e o Empreiteiro fossem mais de parceria do que de antagonismo; se se criasse um ambiente distenso de diálogo, de confiança mútua, regido por um certo pragmatismo em vez de suspeição e permanente guerrilha. Os Cadernos de Encargo (CE) são facilmente brandidos, não como uma indispensável referência mas com a infalibilidade de uma Bíblia ou Alcorão. E por via disto, regra geral, as propostas ou recomendações não encontram ambiente para uma concertação necessária e desejável. E quando não são avocados – os CE – razões de natureza economicista prevalecem sobre as de qualquer outra índole. E por isso morrem (propostas e recomendações) no silêncio dos gabinetes, quase sempre depois de profundo coma contabilístico. O incompreensível é que ao se alegar justificações de ordem financeira não se tenha, em simultâneo, a preocupação de conseguir soluções tecnicamente válidas com menores custos.
No final quem paga são os contribuintes, somos todos nós. E a culpa, como sempre, morrerá solteira.
A. Ferreira

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