Madrigal ou a beleza das coisas simples...

quarta-feira, 23 de junho de 2010
De entre os poemas que mais gosto de ler e que nunca me canso de declamar, está o poema de Jorge Barbosa, intitulado: «Madrigal».
Acho-o simplesmente belo, de uma alegria comovedora e de uma beleza eterna que me leva quase que inevitavelmente, a tecer uma comparação entre seus versos e o conteúdo da parábola bíblica transcrita em Lucas 12:22-27: glór«Olhai os lírios dos campos…nem Salomão em toda a sua glória se vestiu como um deles…».

Pois bem, o poeta Jorge Barbosa consegue revestir de uma simplicidade – envolvida numa lírica terna e profunda – os versos, a que não falta um toque de sinceridade entretecida na declaração amorosa em que está implícita de que a grandeza do seu afecto não valerá, ou então, perderá o real valor, se demonstrada através de oferendas de artefactos, por mais sublimes e naturais que estes possam ser. Pelo contrário, o tamanho e a qualidade do afecto do sujeito poético por «você» só têm um equivalente: o «silêncio» do poeta, ou seja, a hora da sua inspiração e da escrita dos seus versos.

Mas minha gente, para quê “complicar” tecendo algum comentário estético/literário sobre «Madrigal»?...nem estaria assim a interpretar a sua verdadeira natureza e a sua simbologia que apresentam em estilo imagético muitas semelhanças com a arquitectura poética que Jorge Barbosa utilizou num outro poema: «…Rumores das coisas simples da minha terra! …»
O melhor mesmo é ler o poema. Em voz alta, ou apenas com a nossa voz interior:

Madrigal

Colhi uma flor no jardim
A mais pálida e a mais bela
A que tinha o mais discreto perfume
- para você…

Apanhei uma concha
pequenina e translúcida
que as ondas trouxeram
para o cimo da praia.
Uma concha que veio
do fundo do mar
- para você…

Escrevi
O mais lírico dos meus poemas
de uma ternura sem precipitação
- para você…

Mas não lhe dei
nem a flor do jardim
nem a concha do mar
nem o meu poema
Para quê?

Se você é jovem e eu não
se você tem decisão e eu sou
tímido
Se você gosta da vida
rumorosa e variada
e eu gosto do silencio!

O meu silêncio também é
- para você!

Jorge Barbosa (1905-1971)

1 comentários:

Anónimo disse...

Nunca me esqueço das suas aulas, Dra. Ondina Ferreira! Eu fiquei apaixonada por tudo, especialmente, por este poema "Madrigal" de Jorge Barbosa.
Foi, de facto, uma paixão à primeira vista! Graças a si, eu conheci um dos poemas mais belos de Jorge Barbosa. Hoje, eu levo essa paixão comigo por onde passo!
Matilde Barbosa Tavares

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