Ainda e à volta do Acordo (?) Ortográfico
quarta-feira, 13 de junho de 2012
Na minha opinião, pois que com alguma frequência venho pensando no enorme desconcerto trazido com o já polémico Acordo Ortográfico, acho que ele não vai vingar. Ainda que com ratificações já feitas pela maior parte dos parlamentos que falam português. E digo isto porquê? É basta ler, escutar o que diariamente ou quase isso, tem vindo a lume, nos meios de comunicação social, em teses e textos publicados e difundidos na “Net,” em petições e abaixo-assinados a circular pelos nossos computadores sobre esta matéria, para se aquilatar o grau de descontentamento e de desacordo que pairam sobre a mesma.
A última que li foi a notícia de uma providência cautelar interposta pela Academia brasileira de Letras, creio eu – não conheço o texto – para suster os efeitos do dito Acordo Ortográfico.
Se a hipótese de alguma “bondade” havia ou houve no seu objectivo inicial e último, que seria o de harmonizar, o de aproximar ou tornar igual, a escrita de determinadas palavras nos dois países, Portugal (“mátria” primeira da Língua portuguesa) e o Brasil (maior número de falantes da mesma) para tornar mais igual as duas variantes da nossa Língua comum; essa hipótese inicial que depois se alargou e abarcou os outros países que falam o português, acabou por ruir, por não se ter concretizado e ainda por cima tem encontrado fortíssimas rejeições de ambos os lados, (Brasil e Portugal) e porque não dizê-lo também, resistências e recusas de numerosos falantes da língua portuguesa, oriundos dos países da CPLP. (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa). Veja-se o caso de Angola.
Eu continuo a chamá-lo de: “o Acordo do nosso desacordo.”
A Língua portuguesa possui uma identidade visual, estética e histórica na sua representação escrita que a torna única, legível e reconhecida por nós, ou melhor, para cada de nós, seus falantes/utentes. E isto nas suas diversas variantes. Essa identidade visual e estética da escrita em língua portuguesa firma-se e afirma-se em bases etimológicas, fonéticas e gráficas, que cada aprendente ou falante materno vai interiorizando, memorizando, automatizando em anos e anos de prática.
Com isto, não quero dizer que a língua não evolua, não se modifique. Não, ela passou, passa e continuará a passar, por inúmeras transformações e inovações como organismo vivo que é e como património socializado por comunidades que a vão modificando ao longo do tempo.
Vamos chamar a isto, um processo natural. Há também a convencionalidade que surge pelo meio desse processo “natural” com uma lógica de necessidade que os falantes aceitam e absorvem para o enriquecimento ou para a inovação da língua. Tudo isto é válido para a Língua portuguesa.
Ora bem, uma das questões que quase torna “caricata” (releve-se esta classificação talvez um pouco exagerada…) a alteração mais visível do actual Acordo Ortográfico situa-se à volta da queda, da supressão na escrita, das chamadas consoantes mudas inter-vocálicas.
Vou exemplificar: eu escrevo e/ou pronuncio directo, director, espectador, excepção, recepção, actor, actriz, óptima e por aí fora… os exemplos seriam infindáveis. Em todas estas palavras eu abro a vogal, a que precede a consoante c exactamente por causa dela. Ao abrir a vogal faço a diferença e sei por que a faço. Eu recuso-me a dizer: “espetador” que me parece vir mais (semanticamente) de “espeto” ou mesmo de “espetar” e que nada tem a ver com espectador, aquele que assiste a um espectáculo (em que também “abro” a vogal).
Mas até aqui, até poderia ser contrariada com o argumento de que a regra para a supressão das consoantes ditas mudas, seria igual e geral para todas as variantes da Língua portuguesa. Contrariada embora, teria de aceitar. Mas nada disso aconteceu. Vejamos um pequeno exemplo: a variante do Brasil escreve e pronuncia o p da palavra recepção, continuará a fazê-lo com a permissão e a consagração do Acordo.
Nós, que escrevemos na variante do português europeu teremos de suprimir as ditas consoantes, ainda que pronunciemos bem abertas as palavras que as contém e por causa delas. Vejo nisso algum contra-senso…
É certo que na nossa variante, continuaremos a escrever e a pronunciar facto, sinónimo de caso, de uma realidade, e não fato, que para nós significa conjunto de peças de vestuário. Enquanto que para o falante brasileiro, não se põe, a ambiguidade fonética/semântica com o mesmo vocábulo.
Mas o que já está a acontecer com os alunos em início de escrita da nossa variante, e até já aparece em legendas de rodapé, é a confusão da representação gráfica do vocábulo facto com a do vocábulo fato.
E como estes, outros exemplos existirão, que justificam e agora sim, o enorme desacordo que sucede com este Acordo Ortográfico.
Volto a repetir, veja-se o caso de Angola, que é bem ilustrativo de uma firme recusa em aderir, ou em ratificar semelhante “desaire” da escrita da Língua comum.
Para finalizar, devo acrescentar que alguma opinião aqui expressa, até pode ser tomada ou interpretada como problema de geração. Aceito-a e acrescento e porque não?...A minha geração tem também valores muito interessantes, a preservar. (risos)
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