As Autárquicas em Cabo Verde – uma abordagem

terça-feira, 19 de junho de 2012
É absolutamente pacífico que um dos maiores ganhos do advento da democracia é a criação de autarquias, isto é, da administração local autónoma. Pena é que o Governo do PAICV na sua ânsia de ganhar votos, e não de governar, em vez de se preocupar com a criação e implantação de autarquias infra-municipais, demagogicamente e por uma certa abulia, optou por “instalação” de mais municípios chegando ao absurdo de atribuir categoria de cidade a todas as capitais de município, pervertendo e corrompendo os parâmetros-base definidores do conceito de cidade. Com esta inversão – mais municípios em vez de freguesias – perdem-se seguramente as sinergias, dissipam-se meios humanos e materiais e reduzem-se a descentralização e as possibilidades de desconcentração administrativas sem outra vantagem se não o jogo partidário que se mede em número de municípios que cada um exibe. E neste jogo perverso e inconsequente, Praia, São Lourenço dos Órgãos e Santa Catarina do Fogo, p. e., têm todos o mesmo peso.
Normalmente não se dá muita atenção às eleições autárquicas. Mas elas são, ao que parece, muito mais importantes do que se mostram. Representam na realidade uma muito maior aproximação àqueles que nos “governam” directamente, condicionando, relativamente, muito mais o nosso dia-a-dia do que as legislativas ou as presidenciais sem beliscar a supremacia e o estatuto destas duas últimas com a sua abrangência nacional e carácter supra-territorial, uma vez que se dirigem também à nossa emigração.
Mas as autárquicas também têm particularidades que lhes garantem uma ampla representatividade no espaço da sua jurisdição pelo facto do universo dos seus eleitores englobarem os estrangeiros residentes, obviamente, dentro de determinados - compreensíveis - condicionalismos. Por outro lado, permitem a existência de candidaturas não partidárias, de cidadãos-eleitores, tal como as presidenciais e ao contrário das legislativas, abrindo o leque à efectiva participação de toda a sociedade civil.
A experiência tem demonstrado que, quer por uma questão de capacidade organizativa, quer por falta de meios financeiros, quer, ainda, pelo chamado “voto útil” poucas são, ou foram, as listas de independentes que tiveram sucesso sem o respaldo de um dos dois grandes partidos políticos.
Por aquilo que se disse, as eleições autárquicas acabam por se revestir, quase sempre, de um cunho fortemente partidário, seja pelo engajamento dos partidos políticos nas campanhas, seja no voto no candidato que é conduzido, quase sempre, mais com base na fidelidade político-partidária do que por convicções ou interesses comunitários, prescindindo-se desta forma da condição de munícipe em benefício da de militante partidário ou mesmo simpatizante, quando fanático.
É neste quadro dominado e sufocado pelos partidos políticos que se torna difícil encontrar candidatos verdadeiramente independentes e, quando aparecem, é marcadamente reduzida a sua taxa de sucesso. De uma maneira geral nascem, directa ou indirectamente, dentro da sua própria organização político-partidária por desavenças ou amuos e raramente como verdadeiros movimentos de cidadãos-munícipes.
Retomemos o empenhamento dos partidos políticos nas eleições autárquicas. Ao contrário do que muitas vezes se quer fazer crer, os municípios não podem ter todos o mesmo peso político. Praia, S. Vicente, Sal e Santa Catarina de Santiago apesar da fragmentação que se operou no mapa autárquico, são ainda aqueles que pela sua dimensão populacional e interesse económico mais importância têm no contexto nacional.
Daí que se esperava que os partidos políticos jogassem nesses principais municípios, com especial ênfase para a capital do País, os seus pesos pesados, isto é, aqueles que se destacaram quer na esfera governamental pelo seu desempenho quer na esfera partidária pelo seu posicionamento e actividades desenvolvidas quer na sociedade pela sua postura moral – decoro, honestidade, integridade e seriedade. Não é uma questão meramente institucional mas de reconhecimento do trabalho feito, de protagonismo político e de imagem pública. Até por uma questão de respeito e consideração por esses munícipes.
Com o mesmo integral respeito que tenho por todos os candidatos não me parece que o PAICV e o MpD dispensem sempre a esses municípios os seus políticos de topo que possuam cumulativamente o perfil que atrás referi. Infelizmente, salvo raras excepções, os políticos de topo na oposição autárquica vêem nas câmaras emblemáticas mais um crematório político – devido ao confronto directo e personalizado – que procuram evitar a todo o custo, do que um posto de prestígio e de honroso e benéfico exercício de cidadania no confronto de ideias e programas e uma oportunidade de servir (não servir-se). Têm medo do sufrágio popular e do jogo democrático no qual só se submetem quando as hipóteses de ganhar são elevadas. E, por isso, a função de presidente de câmara não é suficientemente prestigiada embora muito desejada...
Não incluo UCID e o PTS nesta análise porque não só não são partidos da área da governação como ainda têm um carácter vincadamente “regional” e a sua presença fora do seu “habitat natural” é apenas um ensaio para um futuro alargamento do seu território político.
Compreendo que para aqueles que se recandidatam e tenham trabalho feito – qualidade e quantidade função do tempo – os critérios sejam algo diferentes mas não é por isso que as minhas observações perdem validade.
Uma outra perspectiva é a que diz respeito aos dinossauros, aqueles que se querem eternizar no poder com a vã vaidade de se julgarem missionados ou sobredotados. Democracia significa competência, mérito, mas significa também alternância. E nenhuma estrutura pública que não tenha a capacidade de se renovar poderá avançar. E muitos desses dinossáurios – felizmente que é uma espécie em extinção – têm-se mostrado esgotados na sua criatividade, arrogantes na sua postura e demasiado modestos e ineficazes na procura das verdadeiras soluções de que padecem os seus municípios. Move-lhes apenas o apego ao poder. Acomodam-se, rotinam-se e transformam-se em verdadeiros funcionários públicos (no mau sentido) esquecendo-se que a vereação é uma função política e não uma profissão. E o mais grave, é que são acompanhados neste seu exercício de egocentrismo delirante pelos seus próprios partidos que não se acautelam e se mostram incapazes de uma visão estratégica que permita a preparação atempada dos seus substitutos por um programado e cirúrgico rejuvenescimento das listas e um “contrato” de apoio.
Por último a questão do “voto útil”. É um conceito polémico e subjectivo. Não votar por convicção mas para evitar um mal maior. É um voto baseado em conjecturas e num cálculo de probabilidades sobre elas que normalmente não tem consistência. Não é um fenómeno apenas cabo-verdiano mas global e tem como uma das consequências a bipolarização política. Felizmente que não é muito usual nas autárquicas.
Esperemos, que todos aqueles que não são militantes de partidos políticos, que não tenham obrigações partidárias, e é, felizmente, a grande maioria, que votem em consciência, no candidato que lhes ofereça garantia de dedicação e muito trabalho numa gestão urbana que assegure o progresso do município e a melhoria do bem-estar dos munícipes.
A. Ferreira

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