DA IDEOLOGIA E OUTRA ORDEM DE PRINCÍPIOS

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

                    

     As ideologias podem definir-se grosso modo como sistemas de pensamento abstracto concebidos para interpretar a realidade social e encontrar soluções para os problemas das comunidades humanas. Os partidos políticos organizam-se em função de uma ideologia, que, em princípio, deverá pautar a sua concepção sobre a sociedade e a governação da coisa pública.

     Mas, nos tempos que correm, há quem pense que a ideologia está a ser substituída por ideias feitas produzidas por uma determinada corrente da economia. Ou seja, por uma visão monolítica veiculada por uma globalização de cariz neoliberal, pouco aberta a encarar variantes de pensamento racional no seu seio. É certo que todo o sistema económico é legítimo detentor de uma ideologia, mas o problema é quando ele se julga inatacável nas suas razões, nos seus propósitos e nos seus fins. Em boa verdade, esse monolitismo, salvaguardadas as diferenças, tende a ser do mesmo jaez do que caracterizava a ideologia marxista-leninista, que se subordina rigidamente às relações de dominação entre as classes sociais, pouca margem de maleabilidade consentindo na sua dialéctica.

    Estando a ideologia marxista-leninista aparentemente na mó de baixo, a palavra de ordem vem agora de uma ideologia de sentido contrário, e de coloração única, em que o credo do mercado sob a égide do capitalismo liberal mais ortodoxo se impõe em toda a linha condicionando a vida dos povos.

     E qual é o resultado desta evidência? Desde logo, uma vez induzida uma única visão da realidade, a Ideologia, na sua pluralidade, deixa de catalisar a discussão e o confronto político, ficando assim coarctada a liberdade de pensar, criar e inovar. E a democracia é praticamente assassinada porque só um livre escrutínio eleitoral pode ditar a escolha maioritária da ideologia vencedora ou dos acordos políticos gerados pelo confronto de pensamentos diferentes ou opostos. Só nessa condição a Ideologia é trave mestra na definição dos parâmetros orientadores das soluções governativas. Ora, se falece essa possibilidade, ou se estiola a virtude que lhe está subjacente, cai-se na alienação e na consagração de um pensamento único, via aberta para a autocracia.

     De facto, a ausência da discussão e do confronto de visões distintas abre caminho para a aridez mental que propicia a manipulação de consciências. Por trás, instalam-se então de pedra e cal poderes invisíveis que se obstinam nos seus processos e nos fins a atingir. No nosso país como em outros mais, os instrumentos dilectos da sua estratégia de manipulação são órgãos de comunicação e políticos domesticados e desprovidos de ideologia.

     Sim, políticos domesticados e desprovidos de ideologia, disse eu. Infelizmente, é o que mais abunda nas pseudo democracias da actualidade. Políticos que nunca se sentiram tocados por um lampejo do ideal de servir a comunidade e que apenas ingressaram numa formação partidária para assegurar um modo de vida cómodo que nunca almejariam mercê das suas capacidades profissionais e competindo no mundo do trabalho.

     Muitos deles se diziam da extrema-esquerda na sua juventude para mais tarde se metamorfosearem hipocritamente em sociais-democratas ou liberais, como ilustram vários exemplos. Mas em todos os casos sem um verdadeiro substrato ideológico enraizado no seu espírito. São dos tais que mudam de partido como quem muda de casaca ou que abdicam de cargos políticos para que foram eleitos mal vejam o aceno de um lugar privilegiado numa superestrutura supranacional ou a oferta de um cargo bem estipendiado no tal mercado que hoje manipula e tutela as nossas vidas. De resto, para eles o cargo político é apenas um trampolim para outros voos. Sem ideologia propriamente dita na ossatura do seu pensamento ou nas fímbrias da sua consciência, desconhecem o significado da palavra Ética e espezinham a palavra Moral se algo de incómodo surge no trajecto das suas conveniências pessoais.

     A União Europeia foi outrora um paradigma de valores e princípios que outros povos gostariam de emular. Hoje, o seu destino parece estar nas mãos de gente sem ideias, pouco escrupulosa e de escassas virtudes.

    

 
Tomar, 23 de Setembro de 2016

Adriano Miranda Lima

 

 

 

 

 

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