O perfil actual do candidato universitário

terça-feira, 14 de agosto de 2018


Há dias escutando um debate televisivo, um dos intervenientes , o  Prof. Marçal Grilo, a propósito da Educação, dizia ele que antigamente quando se ia para a escola das primeiras coisas que o professor ensinava aos alunos era saber sentar-se e, levantar-se quando entrava uma visita na sala de aula.
Acontece é que os professores traziam isso na sua bagagem social, cultural, hoje os nossos professores, a maioria, não conhece regras, desconhece valores. Logo, não as poderá transmitir.
Aqui e agora refiro-me já à escola cabo-verdiana que infelizmente hoje está em colapso. Em quase tudo. Na transmissão científica de conhecimentos, na língua veicular do ensino, enfim em toda a edificação do saber, que é a dimensão primeira do ensino, obrigação transcendente da escola. Tudo isso  se encontra em derrocada total em Cabo Verde.
Li recentemente, num artigo no Jornal «Público» de 6/08/18 - intitulado: «Os Professores dos nossos netos» - assinado por João Cerejeira e Miguel Portela, um conceito de escola/ensino/aprendizagem sobremaneira interessante e fundamental. Dizia o seguinte: “... É reconhecido que nenhum sistema de ensino pode ser melhor do que os seus professores. (...) Quanto maior for a capacidade cognitiva do professor, melhor será a capacidade cognitiva dos alunos, nomeadamente para alunos oriundos de meios mais desfavorecidos para os quais o contexto familiar não compensa eventuais falhas obtidas na escola. É, pois, necessário planear o acesso à profissão docente, de forma a garantir a existência de muitos bons professores, porque deles depende o futuro da educação, enquanto base do desenvolvimento social e económico”. (...) O declínio do reconhecimento e da imagem social dos docentes enfraquece as aprendizagens, o ensino e a sociedade. (...) É, pois, claro que o reforço do prestígio e da cultura profissional docentes tem impacto na melhoria das aprendizagens, não só nos alunos actuais, mas também nos alunos futuros. Para ter bons professores, é preciso atrair os melhores alunos para a profissão.” Fim de transcrição.
O artigo referenciado, aludia ainda ao facto, para exemplo, de que deviam ser previstas entrevistas com os responsáveis para se aquilatar a motivação, a adequação dos candidatos à docência. A não realização deste rito, é à partida, uma falha, para se intuir de um futuro bom ou mau docente.
Pois bem, voltando ao que se passa entre nós, um dos assuntos mais controversos actualmente, andará à volta do perfil dos candidatos que Cabo Verde selecciona para  as vagas universitárias em Portugal.
Regra geral, são seleccionados os alunos com as melhores classificações - note-se: não são os melhores alunos de facto. São os que têm maior média de notas, estas por sua vez, altamente inflaccionadas, e dadas por professores, na maior parte, medíocres, tanto na formação, como na transmissão de conhecimentos. Esta é a realidade crua e dura por que passa  nos dias que correm o  ensino/escola/aprendizagem aqui nas ilhas.
Efectivamente, os alunos, candidatos com o 12º Ano do ensino secundário e com maiores classificações,  têm  preferência para as vagas  em Portugal, colocadas à disposição do Governo de Cabo Verde, nas universidades e nos institutos politécnicos. São as preferidas. As mais concorridas. Há uma grande procura. É natural, percebe-se a opção. Trata-se regra geral, de uma boa formação em país de língua e cultura muito comuns. Relativamente perto geograficamente. Quase todos, têm lá parentes e algum apoio, o que dá conforto. Tudo isso é entendível, perfeitamente compreensível para a procura competitiva de vagas para cursos superiores em Portugal. É um facto.
Só que nesta demanda, não são salvaguardados os aspectos essenciais para um razoável sucesso do aluno. A saber: se o aluno se expressa em língua portuguesa, se o aluno a fala e a escreve com o nível adequado aos anos de escolaridade, no pressuposto de a ter tido como língua veicular do ensino; se o aluno tem saber firmado do 12º ano das disciplinas científicas, e específicas para o curso para o qual se candidatou à vaga em Portugal.
Mas mais, a não salvaguarda desses factores essenciais, vem concorrendo para o enorme “desaire” dos nossos formandos em Portugal.  Um mau exemplo: narra-se que muitos dos estudantes enviados para os pólos de engenharia de uma cidade no interior de Portugal, dos melhores do país, mal-sucedidos nos primeiros anos, concorrem para bombeiros ou para empregos  bem precários. Enfim, à semelhança do que se passa nos pólos daquela cidade, o mesmo sucede noutras instituições universitárias portuguesas.
E assim temos jovens que acabam por entrar na chamada emigração clandestina.  Não regressam. Mas disso não há estatística. Resultado:  projecto inacabado. Compromete-se o futuro. Perde o formando. Perde Cabo Verde. Para além da eventualidade, do risco, de nos serem recusadas no futuro, vagas nas instituições de ensino superior no país de acolhimento.
Infelizmente, a situação que se desenha é esta: o galopante insucesso que tem havido com os estudantes cabo-verdianos nos últimos anos, pode contribuir para desaparecer também, essa boa oportunidade de formação no exterior para os nossos jovens.
Abro aqui um parêntesis para dizer o seguinte: pouco ou nada sei sobre o que se passa actualmente no Brasil, com os nossos estudantes que para lá vão. Creio - não tenho a certeza disso - correm rumores de que o Brasil resolveu  nos últimos anos, parte do problema, criando cursos, tipo “terceiro-mundo”, especificamente dirigidos aos mal preparados alunos cabo-verdianos. Será assim?? Dito isto assim, não estou a culpar o Brasil. Fecho o parêntesis, mas não a minha profunda tristeza!
Mas minha gente, recuemos um pouco no tempo. Após a independência, os nossos formandos demandaram também para estudos universitários,  países como a Espanha, a França, a Rússia, a Alemanha, entre outros, e em todos eles, aprenderam a respectiva língua veicular do ensino e formaram-se.
É imperativo que se repare que eles outrora levavam na sua bagagem académica, para além de conhecimentos científicos adequados ao curso almejado, haviam interiorizado, através da leitura e da escrita, uma sólida e rica estrutura linguística - a Língua portuguesa – para alguns casos de origens semelhantes (Latim) às línguas dos países para onde foram estudar.  O facto de saberem o português, tê-los-á na certa, ajudado na integração no meio académico estrangeiro.  Igualmente tinham do Liceu, o Francês e o Inglês.  
Para mal dos nossos pecados, tais pressupostos já não se verificam hodiernamente, com o saber e a consistência de então.
Não vá sem acrescentar a má notícia ouvida de que as ilhas Canárias, aqui ao lado, declinaram o acolhimento de estudantes cabo-verdianos, justificando-se com a incapacidade destes em aprender a Língua espanhola (?) possivelmente também ao lado da má preparação científica, que levam das escolas secundárias cabo-verdianas. Ao que isto chegou!
Com efeito, se bem ensinados estivessem na Língua portuguesa, se bem capacitados estivessem nos fundamentos científicos de cada disciplina, estudados em livros escritos em português – era o que acontecia ainda, há sensivelmente duas décadas  atrás – seriam portadores de uma boa e sólida estrutura linguística, cognitiva, capaz de fazê-los apreender com relativa facilidade a outra língua.
Tanto mais tratando-se de duas línguas próximas uma da outra. Ambas filhas do Latim em hiper - estratos etimológicos, e com outros semelhantes substratos e adstratos etimológicos vindos do grego, árabe, entre outros, que formataram tanto o espanhol como o português. Infelizmente, sejamos realistas e directos: mais uma vez, aqui se revelam a grande falta, os enormes estragos e os rombos causados e devidos ao mau ensino ou, ao não ensino de todo, da língua segunda e oficial do país, na preparação da vida futura dos estudantes cabo-verdianos.
Uma autêntica erosão cultural, uma calamidade! Um empobrecimento! E acima de tudo: um retrocesso!
Para amenizar esta tragédia, narro aqui uma situação, no mínimo caricata, vivida ainda recentemente por uma colega professora que embora já das mais antigas, ainda se encontra no activo. Contou-me ela que estando na Biblioteca Nacional, na cidade da Praia, foi-lhe pedido - pela funcionária da sala de leitura - se podia ajudar um grupo de alunos em apuros para encontrar uma obra de consulta em matéria antropológica, cultural.  Encontrado o livro, ela dispôs-se a ajudá-los e, quando começou a explicar um pouco da matéria sobre a qual eles indagavam, foi abruptamente interrompida por um deles, que disse em crioulo: “Explique-nos isso em crioulo, pois em português não  a entendemos.”  Admirada, interrogou a minha colega: “...Espera aí! vocês são alunos de que ano?” Responderam: “Somos do 1º Ano do Curso, Estudos Portugueses e Cabo-verdianos da Universidade de Cabo Verde.”  Ela indignada, já ao rubro (subiu-lhe à face o “lume vulcânico” como me disse) ripostou: “Francamente! O que os vossos professores e vocês estão a precisar é de cadeia!! Imagine-se! Futuros professores de português, já em formação! Com o 12º ano feitos! E nem percebem uma explicação dada na língua veicular do ensino? ..."  Foi um momento e tanto! Desabafou a minha amiga.
 Note-se que  tudo isto vem sendo o quotidiano do ensino, a rotina instalada nas nossas escolas.
Quando é que paramos para reflectir sobre isso? O fingir que isto não está a acontecer, é escandaloso e em nada ajuda.
Assim procedendo, estamos a cavar despudoramente o nosso retrocesso em termos de quadros e de recursos humanos capazes, tanto para a realização pessoal dos próprios jovens escolarizados, como para o desenvolvimento do país.






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