A
(ir)responsabilidade da Gestão de Topo da nossa Administração
O Serviço Público é uma responsabilidade do
Estado. Visa servir os cidadãos em toda a sua extensão. A natureza da ideologia
reinante num determinado momento poderá determinar os caminhos, o trajecto, as
vias, mas nunca poderá pôr em causa a sua efectiva realização. Poderá o Estado realizá-lo
directamente ou concessioná-lo a privados mediante contratos que assegurem o
seu pleno cumprimento. Em qualquer dos casos é ele, o Estado, através das suas
estruturas permanentes, dos seus órgãos eleitos ou nomeados quem responde
perante os cidadãos porque lhe compete a satisfação de todas as suas necessidades.
Para o efeito é indispensável uma Administração Pública, latu sensu, capaz e eficiente. É ela sem dúvida o espelho da
governação e o reflexo da imagem interna do País.
Hoje, salvo raras e bem conhecidas excepções,
prepondera uma certa liberalização económica, uma economia de mercado e como
bem afirma o seu teorizador/precursor, Adam Smith (1723- 1790) em
“A riqueza das Nações” – Quando pessoas
do mesmo ramo de negócios se encontram, mesmo que para se divertirem, a
conversa quase sempre termina numa conspiração contra o público ou em algum
artifício para elevar os preços” – isto, traduzido na prática, significa que a
busca para a cartelização é uma obsessão do capitalismo.
A cartelização, o conluio, movidos
normalmente para o controlo do mercado pervertendo a concorrência e a
competitividade podem ser gerados em qualquer actividade mercantil. Consistem na
combinação de preços, limites de produção, uniformização de parâmetros
concorrenciais, combinação de regras procedimentais, designadamente nos
serviços, etc. etc..
Esta apetência conspirativa do empresariado urdida
nos bastidores do negócio chamou Adam Smith a ”mão invisível do mercado”. É intuitivo
que quanto mais reduzido for o mercado mais se acentua essa tendência e mais se
faz sentir a necessidade de uma “mão visível do Estado”. Daí que qualquer que seja
a natureza do regime impõe-se a criação de entidades de supervisão e regulação
com meios e poderes suficientes para cumprir cabalmente as suas funções com
vista a complementar e completar o Estado na defesa do cliente, do consumidor.
Infelizmente, e isto acontece em muitos
países, essas entidades reguladoras e de supervisão não passam – é obvio que há
excepções – de uma maneira geral, por um lado, de fachadas porque são tão-somente
prateleiras para a alocação das clientelas políticas, isto é, de protegidas
figuras politico-partidárias; e por outro, de pura formalidade, como apenas
resposta às exigências das entidades, financeiras e outras, internacionais. Ademais,
muitas vezes manietadas por um estatuto de competências limitativo, redutor.
Daí a inépcia e a inoperância com que nesses
países e nessas situações actuam, – essas entidades de regulação e supervisão –
negligenciando em absoluto a sua independência face aos Governos que as nomeiam
ou as poderão destituir, sacrificando ou mesmo ignorando a defesa dos
interesses da população e do Estado para a qual foram criadas, alinhando com
algum servilismo no exercício de determinadas praticas governamentais condenáveis
ou corrompendo-se, fazendo «vista grossa» das irregularidades perante as
entidades reguladas.
É certo que para que tudo funcione com absoluta
normalidade e para que o Estado desempenhe cabalmente o seu papel não basta apenas
que a administração pública seja eficiente, nem que as instituições reguladoras
sejam portadoras efectivas de autoridade na área da sua intervenção e a exerçam
em conformidade.
Não,
o que sobretudo é importante e prioritário é que a Justiça, o garante do Estado
de direito democrático, opere de forma efectiva e discreta, pronta, célere, sem
qualquer agenda política, isenta, destemida e firme perante os interesses
instalados, eficaz e útil.
Voltemos à Administração Pública: Alguns
esforços, de louvar, foram feitos, sobretudo na área da informatização e do
tratamento de dados, mas praticamente sem qualquer reflexo na melhoria do
efectivo atendimento, da satisfação do utente. Continuamos ainda a ter falhas
básicas como chegar a uma repartição da função pública ou de entidades estatais
independentes, de horário contínuo, p.e. às 13 horas, querer tratar de um
assunto e receber como resposta: venha às 14 e 30 porque o funcionário que
trata do assunto foi almoçar, ou volte amanhã porque o funcionário já não
volta. Não, não é um caso isolado. É uma prática. A par desta existem
outras despropositadas e inexplicáveis burocracias como uma Repartição exigir, para
completar um processo, que lhe seja entregue um documento em que é ela própria
a emiti-lo; e até mesmo em algumas diligências não é infrequente a resposta: “não
temos rede! Venha depois!” mesmo antes que a pessoa diga ao que vai. E deste
modo, sem a procura de alternativas por vezes fáceis (já não há livros, já
não há canetas?), a informatização torna-se um empecilho e não uma vantagem
para situações bem simples como o pagamento de uma factura, o registo de um
assunto, o pedido de um documento ou mesmo, de uma informação…
Mas o mais grave é a gestão de topo. Não
decide! Grassa a
irresponsabilidade na maior parte da nossa chefia – intermédia e alta. A
baixa, até se compreende. Muito poucos respondem pelas funções que exercem. É uma
prática corrente. Não é invulgar… aliás, é muito frequente que perante uma
exposição, um requerimento ou outra solicitação se tenha como resposta um
parecer técnico. Isto é, é enviado ao exponente/requerente um parecer técnico
endossando a responsabilidade da decisão não ao chefe, nem à instituição, mas ao
técnico (ou técnicos) que elaborou a informação/parecer transmitindo a sua opinião
“pessoal” – embora baseada normalmente em pressupostos técnicos – sobre o assunto.
E se forem questões melindrosas de respostas antipáticas, o gestor de topo ou chefe,
imediatamente sacode, como sói dizer-se, “a água do capote” escondendo-se atrás
do técnico a quem covardemente atribui toda a responsabilidade da decisão que
devia ser sua. E ninguém diz a esses chefes, à essa gestão de topo, de que uma informação/parecer
só é um documento final para aquele, e só aquele, que a tiver directa e
explicitamente solicitado.
Outrossim, o parecer técnico, ou a informação,
não passa de um documento de circulação interna que poderá, ou não, sustentar
uma decisão. Não vincula a instituição se um despacho de assumpção, não for
sobre ele exarado. Apenas os seus autores. E não é por acaso que normalmente estes
se defendem com: “salvo melhor opinião”, “salvo opinião expressa em contrário”,
“melhormente decidirá” entre outras expressões que identificam a natureza não
vinculativa e, acima de tudo, não decisória do documento.
Também não é invulgar que uma exposição/requerimento
permaneça ad eternum sem um despacho,
por vezes, por pura negligência. Para pôr termo a este procedimento bastaria estender
o deferimento tácito passados, p. e.,
30 dias a todas as situações. As
chefias seriam obrigadas a produzir um despacho para deferir sob condições (se
for o caso) ou indeferir e permitir ao exponente/requerente o recurso
fundamentado a instâncias superiores.
Não resisto a contar um episódio
paradigmático, primeiro, do desprezo e desconsideração que certos bancos de
capital
maioritariamente estrangeiro e de executivos também eles estrangeiros têm pelo
cliente cabo-verdiano[1];
segundo, pela ineficácia e incompetência do regulador financeiro. Ei-lo, de
forma muito abreviada: Entre 2017 e 2018, o Banco Interatlântico resolveu
unilateralmente reduzir a taxa de juro de um depósito a prazo de 3,5% ao ano
para 1,55% sem absolutamente nada comunicar ao cliente. Este depara-se com um
“facto consumado” e reclama exigindo a compensação pela diferença. O Banco
Interatlântico não colhe a reclamação porque, obviamente acha – seu manual de
procedimentos para Cabo Verde – que não tem essa obrigação de comunicar ao cliente
a alteração da taxa de juro; e, nos termos de uma norma que cita, reencaminha o
cliente para eventual recurso ao BCV, obviamente como “árbitro”. E o resultado
da “arbitragem” vem de um Departamento do BCV como “decisão”, através de uma informação/parecer
favorável ao cliente contendo a sacrossanta expressão: “salvo melhor opinião”.
O Banco Interatlântico numa conversa com o cliente, aludindo ao parecer,
diz-lhe que não dialoga com departamentos do BCV… E, perante o impasse, em vez
de “quem não concordar com a arbitragem se dirigir aos tribunais” é o cliente que
terá que se dirigir à Justiça uma vez que o Banco Interatlântico mantém-se teimosa
e impunemente na sua posição de confrontação com a do BCV.
É apenas um exemplo que mostra a ineficácia e
a incompetência dos nossos reguladores, a prepotência e os abusos das
instituições bancárias que parece operarem em absoluta roda-livre, só acolhendo
as recomendações ou deliberações que os beneficiam fazendo tábua rasa às outras.
Não há dúvida que estamos mesmo entregues à
bicharada!!! Quem nos acudirá?!
A.
Ferreira
[1] Não, não é xenofobia nem
estar contra o investimento estrangeiro no País! Os investidores e os gestores estrangeiros
de qualidade, são muito bem-vindos, mas é um facto, a dualidade de critérios e
de comportamento face ao cliente e ao regulador para as mesmas situações: um,
no país de origem e outro, em Cabo Verde.
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