Será o Crioulo uma condição do ilhéu cabo-verdiano?...

domingo, 22 de setembro de 2019


Não sei até que ponto um factor de carácter linguístico, no caso, o Crioulo das ilhas de Cabo Verde, se encaixa na definição da condição de ilhéu, ainda que  seja “condição do ilhéu cabo-verdiano”.
Faço-me entender, os Crioulos existentes no mundo e resultados de entrosamento de línguas, geralmente com uma matriz dominante, (de base portuguesa, inglesa, francesa, holandesa, entre outras línguas) não são apenas falares de ilhas, são-no também de espaços geográficos que insulares não são.
Daí não considerar que aqueles (os Crioulos) sejam exclusivos de ilhas. Aliás, bem perto de nós, temos o caso da Guiné-Bissau, com um dos mais antigos crioulos  vivos de base portuguesa e o  seu território é fundamentalmente continental.
O Patuá ou Papiaçam de Macau, não se originou numa ilha geograficamente falando, embora Macau, considerada península sul da grande China, seja também formada por ilhas.
 Vale dizer que Crioulo não é específico da insularidade. Embora esteja nela mais amplamente representado.
 Se recuarmos na História dos Descobrimentos portugueses e se os situarmos no grande desenvolvimento alcançado nos séculos XV e inícios de XVI, temos notícias de que em boa parte da costa ocidental africana, se comunicou em língua franca, ou pidgin, ou em crioulo, por razões comerciais. E no caso, não estaremos a falar de ilhas.
De sorte que esta forma de comunicação foi levada também, tanto pelos portugueses (continentais), como pelos cabo-verdiano (insulares), ora lançados, ora negreiros que comerciavam escravos e mercadorias. Embora sem terem disso exclusividades.
Ora bem, os temíveis e destruidores piratas  e corsários, ingleses e franceses, usaram também essa forma de comunicação - embora com poucas palavras e mais bárbarie na actuação -  os holandeses igualmente, assim se comunicaram com alguns povos  do litoral da costa africana.
Para apenas me cingir ao caso Costa africana.
Outro caso não insular, é o do Crioulo de Palenque, na Colômbia  “(...) ainda hoje se fala um crioulo espanhol no qual se vêem claras influências portuguesas (...)” esclarece-nos uma definição de  Crioulos no Mundo, retirada da Wilkipédia.
Com efeito, Colômbia, um grande país da América do Sul, não se define por ser insular... antes pelo contrário, é bem e muito continental. Sequer apresenta litoral.
 Ainda um outro exemplo, os mouros residentes em Portugal no século XVI, falavam um crioulo de base árabe/português.
Mais remotamente ainda, na História das Cruzadas cristãs europeias contra o muçulmano -comandadas inicialmente pelo rei, Luís IX da França (1214-1270) - sabemos que o europeu usou a língua franca para se comunicar com os outros povos.
E como estes, vários exemplos podiam ser avocados.
Portanto o Crioulo, tendo concorrido para a criação do ser ontológico cabo-verdiano e até da própria  noção de  cabo-verdianidade, não é condição, na minha opinião, (aqui entendida como  específica e distintiva) do ilhéu cabo-verdiano.
Caso outro e bem diferente, é dizer-se que a condição de ilhéu cabo-verdiano, se expressou de forma estruturante na sua Literatura, nas artes pictóricas, na sua lírica cantada, entre outras formas de arte, nascidas e manifestadas aqui nas ilhas.
A tão decantada, e por que não ? muito  cantada também, “a evasão”, o chamado evasionismo, fenómeno poético, é uma condição do ilhéu cabo-verdiano? Sim, e é igualmente estruturante na sua poesia.
Mas poderá esse mesmo poeta e ilhéu cabo-verdiano pretender a exclusividade disso? Não me parece.  O ilhéu açoriano também o captou na sua lírica escrita e cantada, tal como nós. Isto apenas para exemplificar casos que nos estão mais próximos.
Ora bem, posto isto, vamos rodear de muita cautela interrogativa, quando espelhamos ideias sob forma documental ou outra.
 Nestes casos a expressão de dúvidas ou de mais procuras de casos similares ao nosso, devem prevalecer sobre certezas imediatas; estas por vezes, demonstram alguma necessidade de urgente justificação histórica e social de factos, ainda mal estudados ou, não cabalmente investigados.
Quando assim acontece a nossa  História apresenta-se leve e redutora. O que será muito mau legado para a posteridade.
Infelizmente vem acontecendo...

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