Não sei até que
ponto um factor de carácter linguístico, no caso, o Crioulo das ilhas de Cabo
Verde, se encaixa na definição da condição de ilhéu, ainda que seja “condição do ilhéu cabo-verdiano”.
Faço-me
entender, os Crioulos existentes no mundo e resultados de entrosamento de
línguas, geralmente com uma matriz dominante, (de base portuguesa, inglesa,
francesa, holandesa, entre outras línguas) não são apenas falares de ilhas,
são-no também de espaços geográficos que insulares não são.
Daí não
considerar que aqueles (os Crioulos) sejam exclusivos de ilhas. Aliás, bem perto de nós, temos o caso da Guiné-Bissau, com
um dos mais antigos crioulos vivos de
base portuguesa e o seu território é
fundamentalmente continental.
O Patuá ou
Papiaçam de Macau, não se originou numa ilha geograficamente falando, embora
Macau, considerada península sul da grande China, seja também formada por ilhas.
Vale dizer que Crioulo não é específico da insularidade. Embora esteja
nela mais amplamente representado.
Se recuarmos na História dos Descobrimentos
portugueses e se os situarmos no grande desenvolvimento alcançado nos séculos
XV e inícios de XVI, temos notícias de que em boa parte da costa ocidental
africana, se comunicou em língua franca, ou pidgin, ou em crioulo, por razões
comerciais. E no caso, não estaremos a falar de ilhas.
De sorte que esta
forma de comunicação foi levada também, tanto pelos portugueses (continentais),
como pelos cabo-verdiano (insulares), ora lançados, ora negreiros que
comerciavam escravos e mercadorias. Embora sem terem disso exclusividades.
Ora bem, os
temíveis e destruidores piratas e
corsários, ingleses e franceses, usaram também essa forma de comunicação - embora
com poucas palavras e mais bárbarie na actuação - os holandeses igualmente, assim se comunicaram
com alguns povos do litoral da costa
africana.
Para apenas me
cingir ao caso Costa africana.
Outro caso não
insular, é o do Crioulo de Palenque, na Colômbia “(...) ainda hoje se fala um crioulo espanhol
no qual se vêem claras influências portuguesas (...)” esclarece-nos uma
definição de Crioulos no Mundo, retirada
da Wilkipédia.
Com efeito,
Colômbia, um grande país da América do Sul, não se define por ser insular...
antes pelo contrário, é bem e muito continental. Sequer apresenta litoral.
Ainda um outro exemplo, os mouros residentes
em Portugal no século XVI, falavam um crioulo de base árabe/português.
Mais remotamente
ainda, na História das Cruzadas cristãs europeias contra o muçulmano
-comandadas inicialmente pelo rei, Luís IX da França (1214-1270) - sabemos que o
europeu usou a língua franca para se comunicar com os outros povos.
E como estes,
vários exemplos podiam ser avocados.
Portanto o Crioulo,
tendo concorrido para a criação do ser ontológico cabo-verdiano e até da
própria noção de cabo-verdianidade, não é condição, na minha
opinião, (aqui entendida como específica e distintiva) do ilhéu cabo-verdiano.
Caso outro e bem
diferente, é dizer-se que a condição de ilhéu cabo-verdiano, se expressou de
forma estruturante na sua Literatura, nas artes pictóricas, na sua lírica
cantada, entre outras formas de arte, nascidas e manifestadas aqui nas ilhas.
A tão decantada,
e por que não ? muito cantada também, “a
evasão”, o chamado evasionismo, fenómeno poético, é uma condição do ilhéu
cabo-verdiano? Sim, e é igualmente estruturante na sua poesia.
Mas poderá esse
mesmo poeta e ilhéu cabo-verdiano pretender a exclusividade disso? Não me
parece. O ilhéu açoriano também o captou
na sua lírica escrita e cantada, tal como nós. Isto apenas para exemplificar
casos que nos estão mais próximos.
Ora bem, posto
isto, vamos rodear de muita cautela interrogativa, quando espelhamos
ideias sob forma documental ou outra.
Nestes casos a expressão de dúvidas ou de mais
procuras de casos similares ao nosso, devem prevalecer sobre certezas imediatas;
estas por vezes, demonstram alguma necessidade de urgente justificação
histórica e social de factos, ainda mal estudados ou, não cabalmente
investigados.
Quando assim
acontece a nossa História apresenta-se
leve e redutora. O que será muito mau legado para a posteridade.
Infelizmente vem
acontecendo...
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