Ultimamente
tenho ouvido, assistido e partilhado cenas hilariantes algumas, surreais outras,
e confrangedoras quase todas, ocorridas à chegada de nacionais nos aeroportos
do país.
Tudo isso se tem passado nos nossos aeroportos, com a polícia
de fronteira, à chegada de passageiros, sobretudo de cabo-verdianos que
trabalham no estrangeiro e que vêm de visita à
terra. Diga-se em abono da verdade, que de uma maneira geral, essa mesma
polícia acolhe-nos com uma sobranceria tal, que nos leva a questionar porque será?
É como se estivessem a fazer um frete e nós fôssemos os culpados. Isto tudo
depois de longas, desorganizadas, demoradas e penosas filas, para o carimbar
dos passaportes. E para quem vem estafado e desgastado de viagem, por vezes
longa, e que só almeja chegar à casa ou ao hotel para descansar, convenhamos
que não é propriamente a melhor recepção. E isso tem sido bastante notório
recorrentemente, nos tempos recentes,
melhor dito, ultimamente.
A propósito disto
tudo, a par de muitas histórias das quais tenho conhecimento, não resisto
contar esta que se passou com uma das minhas sobrinhas, filha do meu irmão, que
veio este ano de férias com os filhos a quem queria mostrar a terra natal, a
sua ilha, o Sal. Chegados à fronteira, o
atendimento da agente policial não foi de modos, teimava categoricamente com a
minha sobrinha que ela não poderia ser cabo-verdiana, porque era, cito:
“branca, loira e de olhos azuis”. Imaginem o argumento? Nem sequer a agente
teve o bom senso e o discernimento mínimo de verificar a gratuidade da sua
atitude agressiva e antipática, incompatível com as funções que exerce de
anfitrião – admitindo que ela não fosse cabo-verdiana – de um país que tem no
turismo uma das suas grandes fontes de receita. A elegância e a simpatia não
significam menor firmeza nem menor rigor no cumprimento das suas funções.
Mas
vamos por partes, a minha sobrinha é cabo-verdiana dos quatro costados como sói
dizer-se, a mãe é de São Nicolau e o pai do Fogo. A sua ascendência (avós e bisavós)
remontam às ilhas de São Nicolau, Santo Antão, Fogo e São Vicente. Por sinal,
tenho organizada a nossa àrvore genealógica.
Mas
que vem a ser isso? Um acto de racismo? De xenofobia? Ou de puro
desconhecimento do fenótipo diverso do mestiço?
Os
tipos cabo-verdianos, e graças à nossa bela mestiçagem, podem variar do negro
ao branco, passando pelo mulato, pelo mestiço de tez mais clara, ou mais
escura, de olhos claros, ou não, de cabelos lisos ou crespos, já que a cor do cabelo pode ser artificial. Todos
estes tipos, acontecem entre nós. As misturas dão tudo isso. Ou a senhora
Agente não aprendeu isso?
Bem
a troca de palavras chegou a tal ponto com a recusa da agente em considerar cabo-verdiana
a minha sobrinha, que a determinada altura esta se desfez em lágrimas, porque
se sentiu vexada e humilhada frente aos filhos, ao
ser alvo de um acto de racismo e de discriminação totalmente gratuito.
Terá sido pouca sorte
ter sido atendida por uma desconhecedora do fenótipo cabo-verdiano? Ou são
procedimentos ditados pela falta de informação/formação profissional? É que para quem trabalha na polícia e,
sobretudo, na fronteira o conhecimento do fenótipo cabo-verdiano é básico e
elementar. Isto é, o aspecto visível, resultante da combinação entre os nossos
traços hereditários e as condições do meio ambiente em que vivemos... E nesta
conformidade o cabo-verdiano é portador de uma fenotopologia diversa. De Santo
Antão à Brava passámos por todos os tipos. Sempre tivemos e continuamos a ter, diversos
tipos, as autoridades - por dever de ofício - deviam ser as primeiras a
reconhecê-los.
Portanto, definir o cabo-verdiano, de forma definitiva e
acabada pelo seu aspecto é um risco que só deve ser corrido com muita cautela e
prudência para não ferir gratuitamente susceptibilidades.
Vou ainda contar de forma muito breve uma história que se
passou com uma antiga aluna minha e boa amiga, natural da Praia; passada no
aeroporto da Praia. Havia saído da sua cidade, um mês antes para férias nos
Estado Unidos; regressada ao país foi também atendida por uma agente. Esta
ter-lhe-ia questionado se ela era cabo-verdiana, ao que a minha jovem amiga retorquiu
com humor para disfarçar a ira que queria tomar conta dela: “Senhora Agente,
sou cabo-verdiana desde 1460... e acrescentou-me ela com graça: “...resta saber
se ela percebeu o que eu quis dizer”. Como nota, adito que essa minha antiga
aluna e amiga é uma mestiça de tez clara e cabelos lisos…
Comigo
tem-se passado também algo estranho, saio e entro com frequência no aeroporto
da Praia e ultimamente, invariavelmente, de cada vez que entro, apresentado o
passaporte cabo-verdiano, sou perguntada há quanto tempo vivo na Praia. E a
minha resposta tem sido: “há cinquenta anos e a senhora agente se calhar nem
era nascida...”
Brincadeira,
humor e indignação à parte, vamos instruir seriamente os
nossos agentes que o cabo-verdiano é mestiço, e como tal pode-se encontrar um
largo espectro de fenótipos, com diferentes tonalidades de tez, cabelos e cor
de olhos. Assim feito, evitam-se situações que não só possam ferir
susceptilidades na abordagem ao ser cabo-verdiano ou não, mas também configurar
atitudes racistas, xenófobas ou de desconhecimento da sua própria História e da
sua cultura.
Posso
afirmar - da minha experiência - que nunca antes havia acontecido com tamanha
frequência como agora, essas cenas na fronteira aeroportuária. De tal modo
frequentes, que chego a questionar se será uma orientação recebida? um figurino
a seguir? Não, não creio...
Ninguém
está a pedir que os agentes tenham sempre um sorriso rasgado no atendimento de
cada passageiro. Não. Não se trata
disso. O que solicitamos
encarecidamente, é que haja atendimento profissional - cortês, correcto,
demonstrando conhecimentos - e não esta triste e inútil demonstração de
falta de conhecimentos elementares.
Será que a leitura do nosso documento de identificação de
viagem – o passaporte – não diz nada ???...
Ora
bem, há que encarar isso com espírito pedagógico. Isto é, precisamos de
fornecer aos nossos agentes policiais, atendentes nos postos fronteiriços dos
aeroportos nacionais, formação e informação sobre as origens e o cruzamento de
raças que originaram o cabo-verdiano, mestiço na sua fenotopologia e mestiço na
sua cultura. Esses são os nossos traços naturais.
Queremos
e desejamos ter sempre a máxima consideração para com a nossa polícia
fronteiriça para que ela possa com segurança
– possuidora de informação e de
conhecimento – desempenhar eficazmente, a nobre missão de
que está imbuída.
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