Entrando
logo no assunto a que hoje me propus, sempre vou dizendo que soube há bem pouco tempo, por um
aluno da Escola Portuguesa da Praia, que a referida escola tem na hora actual,
cerca de 900 (novecentos alunos) e que possui uma extensa ou igual lista de
espera - Quando ouvimos isso, alguém ao
meu lado comentou: “Ainda bem, que estão
aí tantos alunos. São eles que irão conservar a Língua portuguesa neste
Arquipélago. Bem haja a escola portuguesa!”
Fiquei
com curiosidade e com vontade de me abeirar da Escola em apreço, para saber, através
de dados fiáveis do número de procura de lugares e da proveniência e do perfil
socio-económico dos alunos que a frequentam.
E o
interessante é que já se distinguem os alunos da escola em referência, pois que
na rua, ou quando estão juntos, falam português uns com os outros.
Pensei
comigo: “ Que contraste! Ao que chegou a
escola pública no meu país! É certo que
de há muito, se previa a sua derrocada, mas não na dimensão a que esta se deu.
Foi preciso ser implantada entre nós a escola Portuguesa (em boa hora chegou)
para se redimir o ensino da Língua portuguesa, nossa de pleno direito, e que era
ensinada com precioso cuidado aos nossos alunos há poucas décadas, por
professores cabo-verdianos que a dignificavam. Mas hoje, e infelizmente, para
mal dos nossos pecados, já nem o professor cabo-verdiano da disciplina,
sustenta - com proficiência linguística - uma conversação em português. Enfim,
uma derrocada gigantesca do ensino público!”.
Veio-me à memória - igualmente por contraste - a
conversa havida, há já algum tempo, com um antigo Faroleiro do farol de D.
Maria Pia da Praia, que ao ser-lhe notado que ele se expressava bem em
português, ele respondeu de pronto: “Minha
senhora, eu fiz a 4ª Classe da Instrução Primária, no tempo em que se
completava a escola Primária aqui em Cabo Verde, a saber falar, a contar e a
escrever em português!” (Sic).
Pois
bem, voltando à escola portuguesa, os pais que podem economicamente e que
cuidam duma escolarização de melhor qualidade para os seus descendentes, procuram com afã, um lugar para
o filho ou para o neto na Escola Portuguesa. O que está bem. Ninguém condena.
Antes, pelo contrário, uma vez que a escola pública em Cabo Verde anda pelas
“ruas da amargura” em termos de qualidade de ensino, infelizmente. E assim sendo, torna-se normal, que esses mesmos país procurem - entre a oferta escolar existente e disponível - a melhor.
Não
possuo dados para definir o perfil das famílias cujos filhos frequentam a
referida escola, mas não corro muito o risco de errar se eu disser que elas
pertencem à classe social mais instruída e mais capaz financeiramente. O que
faz sentido e tem lógica.
Apenas
uma nota irónica, (que não belisca e não tem nada a ver com o bem enorme que
foi criar-se a Escola Portuguesa nas cidades da Praia e do Mindelo); se calhar, alguns
desses pais e avós pertencem ao grupo que quer impor o Crioulo nas escolas
públicas. Os chamados crioulistas. Numa atitude que alguém já definiu e bem,
como de um egoísmo atroz. Ou seja: “eu já domino a Língua portuguesa e outras Língua globais e os meus filhos e
netos vão pelo mesmo caminho. Ponto final. Não quero saber dos outros que
frequentam a escola pública. Para estes, basta o Crioulo.” Adivinhem quem são
esses “outros”?...
Quando
hoje, mais do que nunca, devemos estar todos, e empenhadamente, a defender o ensino desta Língua global
(definida pela Unesco) que é nossa também, a Língua portuguesa, e, ao mesmo
tempo, defender uma melhor escola pública no país, uma vez que é na escola que
os filhos e netos da camada social menos favorecida (...os tais "outros") procuram o chamado “elevador
social” que lhes trará melhor futuro. É na escola, através da leitura, do
escutar o professor, e no decorrer do processo de aprendizagem que o aluno se
socializa com a Língua portuguesa, veiculo, por excelência, de transmissão de
conceitos científicos, tecnológicos, literários e filosóficos, insertos nos
programas e nos manuais escolares.
Uma
boa escola é fundamental, em todo o percurso de vida da criança, do adolescente
e do jovem na sua formação para o trabalho e para a sociedade.
E
falando em boa escola e na qualidade do seu ensino, trago à colação, um excerto do
livro: «Os Meus Compatriotas» de Luís Valente de Oliveira, editora Gradiva,
2021. O livro, como o próprio título indica, incide sobre os portugueses
enquanto povo antigo e o modo como se adaptam, em contextos e em culturas
diferentes. O interessante é o excerto escolhido pois que se refere à educação
formal e àquilo que se espera que a escola faça. Um pouco na linha da questão,
que deve fazer a escola? .
Segundo
o autor, a escola deve apelar: “a) ao
conhecimento rigoroso e à análise racional dos problemas, por oposição ao
palpite e às imagens impressionísticas; b) à reflexão amadurecida, por oposição
à primeira ideia que nos vem à cabeça; c) ao método e à persistência na acção,
por oposição à improvisação e à indiferença; d)ao espírito crítico construtivo
por oposição à maledicência; e) à cooperação e à generosidade, por oposição ao
individualismo egoísta; e) a que vejamos no sucesso alheio um estímulo e não
uma fonte de inveja. Propõe-nos, em suma, um código de conduta, um guião para a
cidadania responsável. No fundo, para merecermos o bem de viver em democracia e
em paz, cabe-nos a todos e a cada um a responsabilidade de sermos cada dia
melhores cidadãos.” Luís Valente de
Oliveira OS MEUS COMPATRIOTAS Gradiva, 216 pp. – Fim de transcrição.
Será
que nos dias que correm, a escola pública cabo-verdiana, se reconhece em alguma
alínea aqui transcrita?
Será
que a nossa escola –na pessoa do professor - estará a cuidar do desenvolvimento
do raciocínio cognitivo, lógico e dedutivo do aluno? Que é um dos fundamentos
do ensino?
Será
que ainda existe entre nós, no sistema de ensino, a inspecção pedagógica para os
diferentes níveis do ensino, para se aquilatar do saber e do saber fazer do professor?
Será
que estamos a criar um fosso social ainda maior?... em quase tudo, semelhante
ao que aconteceu no Haiti? Quando os socorristas internacionais (europeus e falando francês) não se entenderam - linguisticamente - com os naturais, na
entrega de géneros alimentícios e de medicamentos, aquando do último terramoto?
E foi o caos. Porquê? A escola e outros meios de comunicação, do Haiti, por lei
nacional, haviam sido desapossados de uma Língua global, o francês. Claro que
os haitianos, a minoria com posses, colocou os filhos nas escolas privadas
francesas. Em flagrante diferença, a significativa maioria pobre e socialmente
desfavorecida, ficou apenas com o “Créolo” haitiano na escola pública.
Não
sei se por esta altura, já terão emendado a situação.
Será que é isso que queremos para este nosso
Arquipélago pobre e em tudo dependente da ajuda internacional para o seu
desenvolvimento?
Custa-me
acreditar...
Para
onde caminha o ensino em Cabo Verde?
Bem,
creio que este meu escrito para “post” já vai longo e cabe-me pôr um ponto
final, Se não, corro o risco (agora sim) de sequer, ele ser lido pelo leitor do
«Blog».
3 comentários:
Excelente. O meu comentário é que concord integralmente com o conteúdo do seu texto Drª Ondina: aminha opinião é oincidente com a sua e revejo-me integralmente no seu texto. A minha posição sobre a matéria é mais do que pública , pelo que dispenso aqui argumentar mais uma vez. Estamos todos apreensivos em relação ao próximo passo rumo ao irreversível. Que Deus acude Cabo Verde
Boa noite Doutora Ondina Ferreira, minha professora de português e francês na década de 70 no Sal.
Caríssima Dra. Li com agrado e atenção o seu post, fui e sou seu admirador, sobretudo pelo seu "style" de escrever. Todavia no aludido post que por sinal li no EI, fiquei só com uma dúvida. A senhora é contra ou a favor da oficialização da língua caboverdiana!? Quanto às restantes constatações, estou plenamente de acordo consigo e, eu também gostaria de saber a origem socioeconómicas desses alunos das escolas portuguesas.
Muito agradecido pelo seu elucidativo post. Saúde sempre. Mcp
Luiz Rendall Évora elkantre59@gmail.com
Uma correcção devida. A Escola Portuguesa situada na Cidade da Praia, é registada e denominada: Escola Portuguesa de Cabo Verde e não Escola Portuguesa da Praia, com incorrectamente escrevi no texto. A observação foi-me feita em boa hora, pelo amigo, (amigo de infância do meu filho) Eng. João Pedro Lisboa Ramos a quem envio um agradecimento e um abraço.
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