Ah! A Boa Escola!...

terça-feira, 7 de dezembro de 2021

 


Entrando logo no assunto a que hoje me propus, sempre vou  dizendo que soube há bem pouco tempo, por um aluno da Escola Portuguesa da Praia, que a referida escola tem na hora actual, cerca de 900 (novecentos alunos) e que possui uma extensa ou igual lista de espera -  Quando ouvimos isso, alguém ao meu lado comentou: “Ainda bem, que estão aí tantos alunos. São eles que irão conservar a Língua portuguesa neste Arquipélago. Bem haja a escola portuguesa!”

Fiquei com curiosidade e com vontade de me abeirar da Escola em apreço, para saber, através de dados fiáveis do número de procura de lugares e da proveniência e do perfil socio-económico dos alunos que a frequentam.

E o interessante é que já se distinguem os alunos da escola em referência, pois que na rua, ou quando estão juntos, falam português uns com os outros.

Pensei comigo: “ Que contraste! Ao que chegou a escola  pública no meu país! É certo que de há muito, se previa a sua derrocada, mas não na dimensão a que esta se deu. Foi preciso ser implantada entre nós a escola Portuguesa (em boa hora chegou) para se redimir o ensino da Língua portuguesa, nossa de pleno direito, e que era ensinada com precioso cuidado aos nossos alunos há poucas décadas, por professores cabo-verdianos que a dignificavam. Mas hoje, e infelizmente, para mal dos nossos pecados, já nem o professor cabo-verdiano da disciplina, sustenta - com proficiência linguística - uma conversação em português. Enfim, uma derrocada gigantesca do ensino público!”.

Veio-me à memória - igualmente por contraste -  a conversa havida, há já algum tempo, com um antigo Faroleiro do farol de D. Maria Pia da Praia, que ao ser-lhe notado que ele se expressava bem em português, ele respondeu de pronto: “Minha senhora, eu fiz a 4ª Classe da Instrução Primária, no tempo em que se completava a escola Primária aqui em Cabo Verde, a saber falar, a contar e a escrever em português!” (Sic).

Pois bem, voltando à escola portuguesa, os pais que podem economicamente e que cuidam duma escolarização de melhor qualidade para os seus  descendentes, procuram com afã, um lugar para o filho ou para o neto na Escola Portuguesa. O que está bem. Ninguém condena. Antes, pelo contrário, uma vez que a escola pública em Cabo Verde anda pelas “ruas da amargura”  em termos de qualidade de ensino, infelizmente. E assim sendo, torna-se normal, que esses mesmos país procurem - entre a oferta escolar existente e disponível - a melhor.

Não possuo dados para definir o perfil das famílias cujos filhos frequentam a referida escola, mas não corro muito o risco de errar se eu disser que elas pertencem à classe social mais instruída e mais capaz financeiramente. O que faz sentido e tem lógica.

Apenas uma nota irónica, (que não belisca e não tem nada a ver com o bem enorme que foi criar-se a Escola Portuguesa nas cidades da Praia e do Mindelo); se calhar, alguns desses pais e avós pertencem ao grupo que quer impor o Crioulo nas escolas públicas. Os chamados crioulistas. Numa atitude que alguém já definiu e bem, como de um egoísmo atroz. Ou seja: “eu já domino a Língua portuguesa  e outras Língua globais e os meus filhos e netos vão pelo mesmo caminho. Ponto final. Não quero saber dos outros que frequentam a escola pública. Para estes, basta o Crioulo.” Adivinhem quem são esses “outros”?...

Quando hoje, mais do que nunca, devemos estar  todos, e empenhadamente, a defender o ensino desta Língua global (definida pela Unesco) que é nossa também, a Língua portuguesa, e, ao mesmo tempo, defender uma melhor escola pública no país, uma vez que é na escola que os filhos e netos da camada social menos favorecida (...os tais "outros") procuram o chamado “elevador social” que lhes trará melhor futuro. É na escola, através da leitura, do escutar o professor, e no decorrer do processo de aprendizagem que o aluno se socializa com a Língua portuguesa, veiculo, por excelência, de transmissão de conceitos científicos, tecnológicos, literários e filosóficos, insertos nos programas e nos manuais escolares.

Uma boa escola é fundamental, em todo o percurso de vida da criança, do adolescente e do jovem na sua formação para o trabalho e para a sociedade.

E falando em boa escola e na qualidade do  seu ensino, trago à colação, um excerto do livro: «Os Meus Compatriotas» de Luís Valente de Oliveira, editora Gradiva, 2021. O livro, como o próprio título indica, incide sobre os portugueses enquanto povo antigo e o modo como se adaptam, em contextos e em culturas diferentes. O interessante é o excerto escolhido pois que se refere à educação formal e àquilo que se espera que a escola faça. Um pouco na linha da questão, que deve fazer a escola? .

Segundo o autor, a escola deve apelar: “a) ao conhecimento rigoroso e à análise racional dos problemas, por oposição ao palpite e às imagens impressionísticas; b) à reflexão amadurecida, por oposição à primeira ideia que nos vem à cabeça; c) ao método e à persistência na acção, por oposição à improvisação e à indiferença; d)ao espírito crítico construtivo por oposição à maledicência; e) à cooperação e à generosidade, por oposição ao individualismo egoísta; e) a que vejamos no sucesso alheio um estímulo e não uma fonte de inveja. Propõe-nos, em suma, um código de conduta, um guião para a cidadania responsável. No fundo, para merecermos o bem de viver em democracia e em paz, cabe-nos a todos e a cada um a responsabilidade de sermos cada dia melhores cidadãos.”  Luís Valente de Oliveira OS MEUS COMPATRIOTAS Gradiva, 216 pp. – Fim de transcrição.

Será que nos dias que correm, a escola pública cabo-verdiana, se reconhece em alguma alínea aqui transcrita?

Será que a nossa escola –na pessoa do professor - estará a cuidar do desenvolvimento do raciocínio cognitivo, lógico e dedutivo do aluno? Que é um dos fundamentos do ensino?

Será que ainda existe entre nós, no sistema de ensino, a inspecção pedagógica para os diferentes níveis do ensino, para se aquilatar do saber e do saber fazer do professor?

  Será que estamos a criar um fosso social ainda maior?... em quase tudo, semelhante ao que aconteceu no Haiti? Quando os socorristas  internacionais (europeus e falando francês)  não se entenderam  - linguisticamente - com os naturais, na entrega de géneros alimentícios e de medicamentos, aquando do último terramoto? E foi o caos. Porquê? A escola e outros meios de comunicação, do Haiti, por lei nacional, haviam sido desapossados de uma Língua global, o francês. Claro que os haitianos, a minoria com posses, colocou os filhos nas escolas privadas francesas. Em flagrante diferença, a significativa maioria pobre e socialmente desfavorecida, ficou apenas com o “Créolo” haitiano na escola pública.

Não sei se por esta altura, já terão emendado a situação.

 Será que é isso que queremos para este nosso Arquipélago pobre e em tudo dependente da ajuda internacional para o seu desenvolvimento?

Custa-me acreditar...

Para onde caminha o ensino em Cabo Verde?

Bem, creio que este meu escrito para “post” já vai longo e cabe-me pôr um ponto final, Se não, corro o risco (agora sim) de sequer, ele ser lido pelo leitor do «Blog».

3 comentários:

José Fortes Lopes disse...

Excelente. O meu comentário é que concord integralmente com o conteúdo do seu texto Drª Ondina: aminha opinião é oincidente com a sua e revejo-me integralmente no seu texto. A minha posição sobre a matéria é mais do que pública , pelo que dispenso aqui argumentar mais uma vez. Estamos todos apreensivos em relação ao próximo passo rumo ao irreversível. Que Deus acude Cabo Verde

Rendall disse...

Boa noite Doutora Ondina Ferreira, minha professora de português e francês na década de 70 no Sal.

Caríssima Dra. Li com agrado e atenção o seu post, fui e sou seu admirador, sobretudo pelo seu "style" de escrever. Todavia no aludido post que por sinal li no EI, fiquei só com uma dúvida. A senhora é contra ou a favor da oficialização da língua caboverdiana!? Quanto às restantes constatações, estou plenamente de acordo consigo e, eu também gostaria de saber a origem socioeconómicas desses alunos das escolas portuguesas.
Muito agradecido pelo seu elucidativo post. Saúde sempre. Mcp
Luiz Rendall Évora elkantre59@gmail.com

Ondina Ferreira disse...

Uma correcção devida. A Escola Portuguesa situada na Cidade da Praia, é registada e denominada: Escola Portuguesa de Cabo Verde e não Escola Portuguesa da Praia, com incorrectamente escrevi no texto. A observação foi-me feita em boa hora, pelo amigo, (amigo de infância do meu filho) Eng. João Pedro Lisboa Ramos a quem envio um agradecimento e um abraço.

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