Uma língua também ao serviço da paz[i]

quinta-feira, 5 de maio de 2022

 Por João Ribeiro de Almeida[ii]

Festejar uma Língua, na passagem de mais um 5 de maio, Dia Mundial da Língua Portuguesa (DMLP), é também refletir sobre a melhor forma de a potenciar, divulgar e ensinar e de a pôr, cada vez mais, ao serviço das comunidades, seja daquele grupo já de si com ligações ao universo da lusofonia, os portugueses e lusodescendentes espalhados pelo mundo ou os cidadãos da CPLP, seja disponibilizando ferramentas adequadas e suficientes para todos aqueles que dela se acercam pela primeira vez ou que a queiram estudar de forma mais estruturada e profunda, nos diversos níveis e modalidades de ensino. E hoje, o português é já ensinado em 76 países, em cinco continentes.

Tendo o Camões – Instituto da Cooperação e da Língua (Camões I.P.) como um dos vetores da sua missão a promoção em sentido amplo da Língua Portuguesa (LP) no plano externo, em articulação com as nossas redes diplomáticas e consulares e com o concurso ativo das diferentes estruturas do Camões I.P. no mundo, nomeadamente, das coordenações de ensino (11 em 18 países), dos centros culturais (19), dos leitorados (51), das cátedras (perfizemos no final de 2021 as 60 em todo o mundo), dos centros de LP (83) e da rede de docentes por nós apoiados em 303 universidades espalhadas pelo mundo, é com júbilo, mas também com especial responsabilidade, que vemos chegar esta data de 5 de maio, dedicada pela UNESCO (em finais de 2019) ao nosso idioma, consagrando-lhe um Dia Mundial.

Tratou-se da primeira vez, nunca será demais referi-lo, que o sistema das Nações Unidas aceitou “atribuir” um dia mundial a uma língua que não é (ainda) idioma oficial do organismo, se bem que o português já seja língua de trabalho em diversas instituições onusianas.

Por outro lado, é absolutamente necessário que multipliquemos esforços conjuntos com todos os parceiros da CPLP para melhor otimizar a nossa língua em cada canto do mundo e para melhor cooperarmos em países terceiros em prol do nosso idioma. Foi precisamente a circunstância de falarmos um idioma comum que esteve na génese da criação desta comunidade e esse deve constituir motivo para nos organizarmos para melhor a promover, fomentar e salvaguardar. Como língua pluricêntrica que é, o português está em especiais condições, até geoestratégicas, para contribuir para os consensos, para a construção de pontes e assim estar ao serviço do diálogo e da paz, sobretudo nos conturbados e preocupantes momentos por que passamos.

Se observarmos bem, não existe qualquer continuidade territorial entre cada um dos estados-membros da CPLP, ou seja, não há fronteiras terrestres entre países desta comunidade, pelo que foi o mar que levou a língua a todos e a cada um desses territórios (todos eles, por sua vez, também costeiros) e foi esse ativo comum que depois nos uniu. Esse mar que faz parte do nosso código genético e que foi absolutamente determinante na difusão e multiplicação da LP. Refiro isto a dois meses da realização em Portugal de uma importante Conferência dos Oceanos das Nações Unidas, sabendo quanto os oceanos foram instrumentais para a difusão da nossa língua, como foram aliás determinantes para moldar a nossa vida coletiva em muitas outras vertentes.

E aqui chegamos a um ponto que julgo de suma importância: tornar a LP cada vez mais uma língua de ciência e de conhecimento, de investigação e de saber. Numa altura em que, por exemplo, a produção e a publicação científica estão, de sobremaneira, dominadas pela língua inglesa (e, lamentavelmente, tenho de o dizer, alguns estabelecimentos de ensino superior do universo CPLP contribuem para isso, impondo muitas vezes essa língua aos seus estudantes, graduados ou doutorandos para os seus trabalhos), cabe-nos a todos refletir sobre a melhor forma de potenciar a LP neste importante e muito competitivo universo do conhecimento. São aí importantes todos os contributos destinados a reforçar a presença da LP em publicações internacionais de referência e em revistas científicas de alcance global e acesso aberto, do mesmo modo que o são aqueles que se destinem a reforçar a presença da LP na internet (onde já é a mais falada no hemisfério sul, pelo que temos pergaminhos nessa matéria). Uma e outra constituem áreas indispensáveis, até para construirmos (ou pelo menos contribuirmos) para um mundo melhor. Formar melhores e mais bem informados cidadãos também é uma prioridade dos agentes de divulgação de qualquer língua e o português tem de estar ao serviço da cidadania e, portanto, num combate permanente contra o obscurantismo, lutando contra todos os tipos de populismos e intolerância. Infelizmente, uma língua também poderá ser instrumento de disseminação destas realidades.

A Língua Portuguesa é um ativo global. Os indicadores são conhecidos: é uma língua hoje falada por mais de 260 milhões de pessoas nos cinco continentes (em 2100 serão mais de 500 milhões, segundo estimativas das próprias Nações Unidas, com um crescimento impressionante em África), o que equivale a 3,7% da população mundial.

Uma língua ao serviço dos cidadãos. Uma língua dinâmica, para aproximar povos e comunidades (hoje já é língua oficial e/ou de trabalho em 32 organizações internacionais e está num crescendo também nesta vertente, reflexo igualmente do primado do multilateralismo nas nossas relações internacionais), sem esquecer nunca a interação fundamental com as comunidades portuguesas e lusodescendentes, sobretudo na Europa, América e África.

A Língua Portuguesa é um ativo global. Os indicadores são conhecidos: é uma língua hoje falada por mais de 260 milhões de pessoas nos cinco continentes (em 2100 serão mais de 500 milhões, segundo estimativas das próprias Nações Unidas, com um crescimento impressionante em África), o que equivale a 3,7% da população mundial. As nove economias da CPLP, em conjunto, valem cerca de 2,7 biliões de euros, o que faria deste grupo a sexta maior economia mundial, se se tratasse de um só país (FMI). Os países com idioma oficial português representam 3,6% da riqueza total do mundo, 5,48% do global das plataformas marítimas, 16,3% de disponibilidade global de reservas de água doce (10.8 milhões de km2) e isto são apenas alguns dados que espelham bem como a LP pode também ser um instrumento de paz em sentido amplo que inclua vertentes incontornáveis como a proteção ambiental, a árdua luta contra as alterações climáticas (somos todos, os de língua portuguesa, países costeiros e alguns insulares, portanto bem mais vulneráveis ao aumento do nível do mar, por exemplo), a favor da economia circular e cada vez mais verde, etc.

Temos, pois, como desígnio comum cuidar cada vez mais da nossa língua e da sua internacionalização. Todos somos chamados a cumpri-lo e não apenas o Camões IP e/ou a CPLP. Cada um de nós, no nosso dia a dia, pode estar ao serviço desse objetivo pelo simples facto de falar, de comunicar, de escrever, de criar e reforçar sociabilidades que nela assentem, seja nas relações interpessoais, seja no plano digital.

E é isso que importa continuar a fazer. A tornar a língua portuguesa uma grande língua de comunicação internacional, com a qual o mundo conta para se construir e se reinventar de uma forma positiva e inclusiva.

 



[i] In “Diário de Notícias” de 05.Maio.2022

[ii] Embaixador

Presidente do Conselho Diretivo do Camões IP – Instituto da Cooperação e da Língua

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