Por Sara Almeida**
Assiste-se recorrentemente em Cabo Verde a algo, a meu ver, pernicioso e aflitivo: a romantização da pobreza. Uma romantização que vem de todos os quadrantes políticos, todas as classes sócio-económicas e todos os níveis de intelectualidade.
Ora, a pobreza de romântico não tem nada. É algo mau, ponto final. A pobreza tolhe a vida de quem toca. A pobreza mata.
E toda a gente sabe isso, e o país tenta e retenta lutar contra a pobreza (a eficácia da luta seria outra discussão), mas depois, volta e meia, lá vem essa romantização. E às vezes de pessoas que até parecem, no geral, querer combatê-la…
Geralmente, essa romantização até é feita com a melhor das intenções e ligada a merecidos elogios. Por exemplo, quando se elogia o espírito lutador de alguém que singrou na vida graças à sua força de vontade e espírito de sacrifício, há um princípio válido de admiração. Mas não se pode tentar normalizar a excepção, e enquanto houver essas histórias é porque muitas vezes há também um certo falhanço colectivo, dos Estados, portanto.
Não quero alongar-me em casos particulares de romantização, mas esta questão voltou à ribalta com a publicação, certamente com a melhor das intenções e baseada numa genuína admiração, de Olavo Correia. O ministro publicou nas redes sociais um caso inspirador, mas no qual se denotam falhas sistémicas no acesso à educação.
A questão tinha sido também politicamente levantada (num caso de contornos diferentes) quando a então Ministra do Emprego do governo PAICV, Janira Hoppfer Almada, sugeriu aos desempregados que vendessem pastel e canja para driblar a pobreza.
Engraçado ver que muitos dos que criticaram um, não criticam o outro, quando o problema base é o mesmo: romantizar a pobreza e desresponsabilizar o Estado.
O sucesso tem ou deve ser um processo par e passo individual – de esforço pessoal – e colectivo – de oportunidades. E um Estado que não serve as pessoas, não serve para nada.
As romantizações e falácias são várias. A meritocracia, apesar de ainda ser o sistema menos mau, é uma falácia pois as condições de partida são demasiado desiguais para a sua concretização real. O empreendedorismo, à partida também algo positivo é, quando elevado ao grau uma pessoa-um empresário, uma forma de desresponsabilização dos governos de gerar empregos.
E, uma outra “romantização” que ultrapassa o Estado. Temos uma resma de pessoas, muitas das quais até intelectuais bem críticos, a defender o direito de “ganhar o pão de cada dia” e a informalidade e criticando as medidas de formalização da economia. Ora, uma pessoa não deve viver para ganhar o “pão de cada dia”, deve viver tendo o pão garantido todos os dias. A informalidade – que, verdade seja dita, o governo tem tentado combater –, não satisfaz ninguém. Não ajuda a colectividade que é o Estado, nem dá segurança ou garantias a quem nela, individualmente, vive. Políticos e intelectuais a defendê-la sem serem criticados (às vezes até são elogiados…), de facto só é possível num país que romantiza a pobreza.
Salvaguarde-se, porém, que, apesar das muitas críticas politicamente tendenciosas nas redes sociais, e dos intelectuais à informalidade, surgem também, cada vez mais, críticas construtivas que quebram essa romantização. Esperemos que estas continuem a aumentar.
Que nos livremos da pobreza e a sua romantização viva só na literatura…
*In “Expresso das Ilhas “
**Jornalista
0 comentários:
Enviar um comentário