Por Adriano Miranda Lima[i]
Embora a arte da
comunicação seja um instrumento importante para a conquista e preservação do
poder nas sociedades democráticas, torna-se cada vez mais evidente que a
política se transformou num espectáculo mediático deslocado do seu lugar
legítimo. O parlamento deixou de ser o palco por excelência para a visibilidade
da política desde que as televisões a transformaram num espectáculo e num dos
principais produtos da sua agenda comercial. Tudo seria razoavelmente tolerado
se não houvesse uma relação incestuosa entre a televisão e o sistema político.
Ora, os canais de televisão contratam para o comentário político antigos
líderes e figuras de relevo dos aparelhos partidários, enquanto promovem os
seus próprios comentadores internos criando condições para a sua futura
ascensão ao mundo da política. E, neste contexto, era inevitável que as
escolhas dos canais televisivos se identificassem criteriosamente com as
ideologias mais favoráveis à lógica do negócio privado, vinculando-se a
interesses e lobbies que pouco ou nada têm a ver com o primado do bem
público.
Temos assim a redução da
vida política à expressão televisiva partidária, num círculo vicioso em que a
televisão se torna feudo do comentário partidarizado e os políticos e os
partidos ficam reféns da televisão para poderem ter visibilidade. E é nestas circunstâncias
que a valorização da televisão como palco da política tem como contraponto a
desvalorização da acção política parlamentar. A mais evidente constatação deste
fenómeno se oferece quando os debates parlamentares são frequentemente
sobrepostos pelas intervenções dos comentadores televisivos, que interrompem ou
truncam as emissões em directo a seu bel-prazer e em função de um critério
partidário, pelo que ao espectador o que chega é uma visão partidariamente
influenciada do que se passa no parlamento. É por isso que desde há muito
utilizo o canal próprio do Parlamento para assistir aos debates políticos, pois
assim são recebidos na sua integridade, sem qualquer manipulação de um agente
exterior.
A verdade é que a
política tem um lado que é tributário da representação e da teatralidade, da
retórica balofa e sem conteúdo substantivo, do histrionismo e da gesticulação
próprios dos chamados vendedores de banha de cobra; digamos que é a política na
sua versão mais indigente, terreno privilegiado de simples actores da cena
política em detrimento de mentores da realidade política no que ela tem de
nobre e edificante. Os actores da política são fáceis de identificar e
infelizmente tendem a sobrepor-se quantitativamente e cada vez mais aos
mentores da política. A diferença entre os actores e os mentores é que os
primeiros são de cultura fácil e primam pela aparência e pelo estilo, ao passo
que os segundos possuem a ciência e o saber concretos e indispensáveis à
realização da política no seu sentido aristotélico (associada à moral e à
promoção da virtude tendo em vista o bem da comunidade), mesmo que não dominem
a técnica da retórica e a arte da representação. O termo “mentor” vem do grego
e refere-se à figura mítica de Mentor, amigo e conselheiro de Telémaco, que o
apoiou enquanto o pai esteve ausente na guerra de Tróia. Foi assim que o termo
“mentor” se tornou sinónimo de alguém que possui sabedoria, experiência e
conhecimento e se predispõe a partilhá-los com outrem ou a colocá-los ao
serviço da colectividade.
As recentes eleições
europeias revelaram dois casos que considero paradigmáticos de uma tendência
que se desenha na cena política e da comunicação e que devia merecer uma
atitude crítica ao cidadão comum. O caso mais recente, e bem flagrante, da
promoção de um candidato ao mister da política é o do comentador da CNN
Sebastião Bugalho, cabeça de lista que foi da AD para as eleições europeias. No
pólo oposto, o caso do embaixador António Tânger Correia, que foi cabeça de
lista do Chega para as mesmas eleições. As diferenças entre um e outro são
abismais, como passo a explicar numa análise completamente desligada de uma
visão partidária. O Sebastião Bugalho foi considerado pelos comentadores das
televisões uma escolha partidária promissora, num juízo subordinado mais aos
seus talentos comunicacionais do que a qualquer evidência dos seus méritos
políticos. De facto, para lá dos atributos que já demonstrou como comentador, a
sua pouca idade não lhe permitiu ainda qualquer prova real de capacidade na
área política ou em qualquer outra. O seu único trunfo é a habilidade retórica
e o discurso fluente. Pelo contrário, o embaixador Tânger Correia foi
considerado pelos mesmos comentadores televisivos um erro de “casting” cometido
pelo Chega e o provável responsável pela queda eleitoral do seu partido. Fiquei
perplexo ao ouvir semelhante explicação, mas perfeitamente ciente da lógica que
subliminarmente a sustenta.
Está visto que estamos
perante um actor e um mentor da política.
É natural que os
comentadores televisivos, fazendo jus à lealdade corporativa, enalteçam um dos
seus que transita do cenáculo televisivo para o mundo da política. Nada lhes
diz um embaixador de 72 anos, com provas dadas ao longo de toda uma vida
diplomática variada e intensa, mas que é desprovido de talentos
comunicacionais, como ficou patente nos debates eleitorais, em que se lhe notou
uma aparente despreocupação com a retórica e o palavreado supérfluo,
prescindindo até dos habituais malabarismos verbais para minimizar ou anular o
seu interlocutor. No entanto, tudo indica que ele poderá ser de uma utilidade
efectiva nas funções para que foi eleito, só lamentando que tenha posto a sua
experiência ao serviço de um partido de ideologia radical e populista e inimigo
do nosso sistema político.
Que sirva esta análise
para nos ajudar a reflectir sobre as inconveniências do espectáculo em que se
converteu a política, com os meios de comunicação social a promoverem a
teatralização e o sensacionalismo à volta do fenómeno político, mais
interessados em atrair audiências ou leitores do que em informar com isenção,
rigor e objectividade, tendo em vista o interesse público. O leitor ajuizará se
isto terá alguma coisa a ver com o crescente desinteresse dos cidadãos para com
a política
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