Pobre Cabral!

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

 


Este escrito, foi-me sugerido por uma imagem altamente desafiadora, transmitida nas televisões portuguesas, aquando das manifestações ocorridas na Baixa lisboeta, por morte do homem de origem cabo-verdiana, atingido infelizmente, mortalmente por um tiro de polícia. Creio que no passado mês de Outubro, de 2024.

 O que vi interpelou-me: uma mulher, que me pareceu ser da ilha de Santiago, logo, cabo-verdiana, empunhando uma enorme bandeira de Cabo Verde e com a cara-imagem de Amílcar Cabral na “T-shirt” que envergava. Ela deliberadamente subiu uns degraus de uma estátua, ao longo da Avenida da Liberdade em Lisboa, ficando bem alta em relação aos de mais participantes da marcha, e com isso atraiu a atenção dos Repórteres e dos Fotógrafos aí presentes, que a focaram de modo intenso. Teve o seu momento de glória, parecendo sentir-se pela postura o “centro” dos acontecimentos.

Ora bem, imagem destacada que me interrogou da seguinte forma: Não seria esta imagem um paradoxo?  Uma espécie de contradição, de contrassenso, envergar de forma ostensiva e exibicionista, estes símbolos que remetem para a independência, em que tanto se empenhou Cabral para que Cabo Verde  deixasse de ser pertença de Portugal?  Exibi-los de forma reivindicativa, em pleno na Capital da antiga Metrópole colonial? Quando ela, pela lógica das coisas e da escolha feita, (a independência) deveria estar a viver tranquilamente nas ilhas? Não foram estas as premissas trazidas pela independência das ex-colónias, em que o desenvolvimento e o progresso acompanhariam os países tornados independentes há cinquenta anos? Parece paradoxal…

Afinal, a protagonista do momento, na marcha, pareceu-me pelo aspecto, tratar-se de uma jovem mulher que emigrou, após independência. E que por necessidade de vida melhor acolheu-se em Portugal, uma vez que o país dela não lhe proporcionou condições de vida. E, tal como ela, vejo centenas, senão milhares de jovens, homens e mulheres, oriundos das antigas colónias portuguesas, incluindo do Brasil, a procurar avidamente sair das suas terras para Portugal.

O interessante disto tudo é que os Activistas que por aqui andam, só descompõem e destratam o país de acolhimento, sem se lembrarem de endossar uma única crítica! Nem uma! aos governos dos seus países de origem que os fizeram demandar terras lusas. Chegou-se ao ponto de o Presidente da República Federativa do Brasil, país independente, há dois séculos, proferir em alto e bom som de que se Portugal não se acautelasse, qualquer dia haveria em Portugal e dentro de pouco tempo, mais brasileiros do que portugueses. O ilustre governante, não fez a meta semântica da sua frase…haja decoro linguístico!

Voltando à manifestação, embora pudesse entender os motivos da marcha, afinal de uma morte se tratava, já os símbolos que mostrava a participante cabo-verdiana da mesma, não me pareceram absolutamente nada adequados à circunstância.

Será que os nossos historiadores, analistas e activistas já pararam para pensar sobre os motivos e as causas que levaram  e levam à maior emigração de sempre para Portugal - note-se: após o processo das respectivas independências - de angolanos, brasileiros, cabo-verdianos, guineenses, são-tomenses e moçambicanos a tornar aquele país, também da CPLP, desejado para o seu refúgio, para uma vida melhor e para a cidadania?   

Retomando o título deste texto: Pobre Cabral! Se ele agora voltasse a este mundo nem que fosse sob forma e disfarçado de romeiro, em jeito da personagem D. João de Portugal, da obra «Frei Luís de Sousa» de Almeida Garret; ou de encoberto, à maneira de Dom Sebastião, havia de se escandalizar, incrédulo daquilo que fizeram dos seus sonhos, e das utopias por ele imaginados para a Guiné e para Cabo Verde, independentes há cinquenta anos…

Do mesmo modo, abranja-se nestes sonhos não realizados do pobre Cabral, e por extensão, também os dos independentistas/nacionalistas, de Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe e, porque não, do Brasil.

Continuando, os novos imigrantes em Portugal, quase todos eles possuem um ponto que os aproxima: que é o tempo de partida dos seus países de origem: emigraram afinal, após as independências respectivas. (para uns já há séculos, para outros, meio século) e em grande número para o antigo país colonizador,

Interessante, é que os seus activistas em terra de acolhimento, não se questionam porque é que todos eles tiveram necessidade de deixar as terras de origem para se mudarem para Portugal? Porquê que não criticam os governos respectivos que até hoje, não lhes proporcionou, saúde, boa escola, desenvolvimento, salário condigno?

Enfim, permitam-me também esta espécie de pequena reflexão sobre os “denodados" activistas oriundos das antigas colónias ou, possessões ultramarinas, e que vivem em terras lusas.

E tal como comecei, assim termino: Pobre Cabral!

 

1 comentários:

Adriano Miranda Lima disse...

Escrevi um comentário, mas como ele se sumiu, sem eu saber se foi ou não encaminhado, tenho de o tentar reescrever.
Através da televisão, vi a mesma manifestação que a Dr.ª Ondina aqui refere e o meu sentimento foi o mesmo. E creio que o dirá todo aquele que não quiser ser o rosto da hipocrisia. De facto, a imagem oferece-nos um estranho e perturbante paradoxo que devia interpelar a consciência daqueles que nem à luz crua da realidade reconhecem a flagrante queda das suas ideações.
O gesto daquela mulher cabo-verdiana foi patético, desproporcionado e completamente deslocado das circunstâncias. Porque nenhum idealista libertário, seja Amílcar Cabral ou outro, justifica ser exibido como cartaz de protesto contra a morte de qualquer cidadão africano em Portugal, a menos que a intenção seja emprestar uma oportunista motivação rácica ao acto. Aliás, se a própria memória de Amílcar Cabral já nem na sua terra natal é celebrada com o empolgamento revolucionário de outrora, seria ele o primeiro a sentir o desconforto do que a Dr.ª Ondina Ferreira aqui denuncia: os que ele quis libertar afinal querem refugiar-se no país opressor.

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