O Romance Histórico em Teixeira de Sousa

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Se há uma narrativa – dentro do panorama da moderna Literatura cabo-verdiana – que se aproxima do chamado Romance Histórico é, sem grandes margens de erro, o romance: Entre Duas Bandeiras de Teixeira de Sousa.
Recordemos que a obra foi publicada em 1994 pela editora de sempre do escritor, a Europa/América, vinte anos após os acontecimentos nela narrados e quatro anos depois da instauração em Cabo Verde do regime democrático.
Tratou-se de um projecto audacioso do seu autor e entendam-me este “audacioso” como um desvio consciente e experimentalista do escritor do molde até então seguido em matéria de temática ficcional, embora o estilo e o poder criativo de Teixeira de Sousa se mantenham neste romance, em tudo semelhante aos dos seus romances anteriores e posteriores a este. É que o tema agora é político, observado e narrado sob um formato que se diria carnavalesco e sobreposto em várias dimensões.
Mas antes de entrarmos no universo romanesco propriamente dito, fixemos o espaço e o tempo histórico de Entre Duas Bandeiras. O cenário é a cidade do Mindelo e o tempo medeia entre o período histórico/político vivido em Cabo Verde, imediatamente a seguir ao 25 de Abril de 1974 (queda do regime salazarista) e o período antes do 5 de Julho de 1975 (data da independência de Cabo Verde).
O livro de Teixeira de Sousa – que vale a pena ser lido para quem ainda o não tenha feito – descreve-o de uma forma que prende o leitor até à última página do romance. Existe, e agora retomo o interior da acção, um tom satírico que perpassa o romance através do seu veio mais brando que é o humor. Como disse mais acima, o enredo parece formatado dentro de vários Carnavais. O Carnaval de Fevereiro, festa rija dos mindelenses, com os seus desfiles, os bailes animados e os prémios aos blocos; o Carnaval político com os seus comícios a toda a hora, com mil e um pretextos para manifestações de rua e palavras de ordem gritadas em megafones para os ouvidos dos transeuntes; os insultos e as provocações constantes dos ditos revolucionários; a dicotomia entre os auto proclamados «melhores filhos» gerados pelo PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde) e os filhos ilustres da terra que a tudo assistiam, uns aterrorizados, outros atónitos, pois que eram mimoseados com a classificação de «cachorro de dois pés» entre outros epítetos e, finalmente, o Carnaval individual da personagem Gaudêncio Pereira, cuja maior aspiração em termos de vida social era poder entrar como sócio no famoso Grémio Recreativo de Mindelo. Mas há outros Carnavais dentro da urdidura novelesca que sem serem secundários, gozarão de menos estatuto do que os acabados de apontar. Gostaria de destacar a célebre «invasão e tomada da Rádio Barlavento» com a justificação de que era uma rádio que transmitia “demasiados comunicados da UDC” (União Democrática cabo-verdiana) ao invés de só transmitir “os comunicados do PAIGC”, culminando a história (de novo a ambiguidade entre o real e a ficção) com a prisão e o embarque para a cadeia política do Tarrafal dos membros da UDC, este último evento em tom sério porque trágico afinal num tempo que devia ser de liberdade. De tudo isto – e de forma aparentemente romanceada em que subjaz uma verdadeira crónica histórica – nos dá conta o livro: Entre Duas Bandeiras.
Dito por outras palavras, assistimos no desenrolar da narrativa a uma espécie de aliança, entre a História e a ficção de forma criativa e empolgante.
Finalizando, e tal como havia dito no início, a filiação deste romance, cuja leitura recomendo, deverá ser procurada na linha do romance histórico, pois que se trata também de uma grande reportagem (ficcionada embora) de um tempo histórico vivenciado pelos Mindelenses.

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