Esta vai para a minha querida amiga Dulce Irene crioulista estudiosa e investigadora séria e quem a entenderá melhor…
Há coisas que só se podem contar a partir da chamada terceira idade, a idade da sabedoria, da calmaria, e de outras “sagesses” que esta fase de vida traz aos seus portadores.
Pois bem, a historieta que me proponho contar passou-se aqui há alguns anitos…
Estava eu num aeroporto internacional, à espera da chegada de um familiar. Tudo acontecido. Recepção feita, eis que me preparo para regressar ao carro, quando oiço alguém gritar por mim, da seguinte maneira: “Ondina! Nha cretcheu!” Tradução literal para nós falantes do Crioulo: “Ondina! Meu amor”!
Mas aqui e entre nós, “cretcheu” significa o amor que une os namorados, o casal, “Nha cretcheu” significa também a especificação da amada ou do amado escolhido e pertencido. Logo, com um contexto e significado reservado ao par/casal, de todo conhecido e identificado, por nós falantes das variantes do Crioulo das ilhas de Cabo Verde.
Pois bem, saio do carro parto em direcção a essa voz, que reconheci vinda de um amigo e colega de profissão, também professor, a quem já não via há largos anos. Cumprimentámo-nos efusivamente, como é natural, entre pessoas amigas e que há muito não se viam.
Eis que volto ao carro, encontro a minha cara-metade com uma expressão facial, a revelar contrariedade e que sentado ao volante e ainda antes de arrancar me interpela claramente enciumado (pareceu-me…): “ouve lá, este teu amigo, chama-te de “nha cretcheu>?” Onde é que ele arranjou esta intimidade?”...
Abreviando, com esse chamamento, o meu amigo (que é anglófono) quis mostrar-me que tinha aprendido, ou estaria a aprender o crioulo de Cabo Verde
Conversa troca conversa, a minha cara-metade, já mais racional, como costuma ser, chegou à conclusão de que o crioulo do professor do meu colega é que seria eventualmente o culpado pelo equívoco do “nha cretcheu” alargado a todos os contextos amigos. Afinal, ele podia ter dito também em crioulo: “Ondina, nha querida! (minha querida, my dear) Porque neste caso até se subentendia “querida amiga”. Agora “nha cretcheu”!!??
Enfim, perante este equívoco, “sofrido na pele”, como sói dizer-se, fica o alerta e o aviso aos que ensinam crioulo aos não falantes da Língua cabo-verdiana. Existe a expressão em crioulo “nha querida”, que pode ser empregada em contextos de fala entre amigos. Agora, “nha cretcheu” é que é somente e exclusivamente, tratamento de namorados.
Vamos lá fazer esta destrinça…não vá o Diabo tecê-las! …
P. S. Este post sciptum é dirigido ao leitor não falante do Crioulo da Cabo Verde. A palavra “Cretcheu” (comum a todas as variantes do crioulo das ilhas) resultou da aglutinação de: “cre”= querer e “tcheu”= Muito (cheio, pleno). A tradução em contexto, será a de amar, de gostar muito,de querer bem e de bem querer.
0 comentários:
Enviar um comentário