Se o título interrogativo deste escrito estiver certo, o saber improvisar quando se fala em público e para o público, para além de ser uma arte, poderá ser também um dom, reservado a alguns. Infelizmente, é mesmo assim: reservado a alguns. Acrescente-se que a arte e o dom não se excluem mutuamente. Antes se associam, uma vez que a arte, não obstante exigir trabalho, traz sempre consigo uma forte componente vocacional.
O “improviso” é, por definição, «tudo aquilo que é dito ou feito sem preparação, sem ensaio prévio». Por isso, o verdadeiro improviso é aquele que surge em circunstâncias inesperadas, repentinas, que obriga o actor, o protagonista, o comunicador, a fazer intervenções impreparadas e, normalmente, sem grandes profundidades, a menos que sejam situações recorrentes em que só o contexto é circunstancial.
Daí que, em cerimónias formais e institucionais, previamente datadas, em que os oradores são conhecidos, não se espera que nenhum deles faça um verdadeiro improviso sob pena de mostrar um menor respeito pelo público-alvo. Sabemos contudo, que muitos políticos experientes, inteligentes e astutos recorrem ao “improviso” previamente ensaiado com vista a levar o público a pensar que se trata de alguém eloquente cujas palavras são sinceras porque saídas de forma espontânea e directamente do coração, da alma, sem qualquer reserva mental. Aqui o “improviso” ganha os contornos de um “marketing” político.
Sabe-se, por exemplo, e ele não é seguramente, nem de perto nem de longe, o único, que Charles De Gaulle (antigo PR da França) levava horas e horas sem conta defronte a um espelho a preparar os seus “improvisos” em que todos os seus gestos e palavras, designadamente o tom, eram meticulosamente estudados.
Por isso, atenção! O “improviso” não é para todos os oradores. Requer informação, conhecimento e capacidade (dom) de comunicação quando é autêntico, e muita memória e muita arte de representação quando é teatralizado. Em qualquer dos casos deve ter, sobretudo, substância, ir ao encontro do fundamental.
Mandam a prudência, o senso-comum e a consideração que merecem as pessoas que se previna sempre, com o clássico “papelinho” bem escrito ou, no mínimo, com os tópicos, para não cometer “gaffes” e honrar e prezar devidamente a audição (a capacidade de escuta) de cada um.
A palavra escrita disse (não era preciso ser ele a dizê-lo…) um nobel da literatura «tem possibilidades de calar mais fundo na análise dos problemas, de chegar mais longe na descrição da realidade social, política e moral e, numa palavra, de dizer a verdade».
Afinal, todo este arrazoado, vem a propósito de ouvir com alguma frequência, altos responsáveis políticos e figuras públicas destas ilhas falarem − atabalhoadamente (perdoem-me a franqueza) e muitas vezes com pouco nexo − de improviso para os seus concidadãos e em presença de estrangeiros, o que constitui não só uma temeridade, como também, por vezes, deixa subentender, por um lado, a impressão de uma inadmissível negligência, por outro, desconsideração e falta de respeito por aquele que o escuta.
Mas o que verdadeiramente preocupa é que parece estar a configurar-se algum modismo. E se a moda pega!...
A este propósito, recordamos o constrangimento, ou mesmo vergonha, usando as suas palavras, por que passou alguém amigo, ao ter de escutar, perante um público da mais alta literacia, porque de professores e de reitores universitários (alguns convidados estrangeiros) se tratavam, na apresentação, pública, há já alguns anitos, da então novel Universidade de Cabo Verde, em que um altíssimo dirigente do país, resolveu falar de improviso no discurso que encerrava a cerimónia desse acto público. Sem dom de orador, sem papel e sem preparação prévia, o discurso foi um autêntico fiasco − atabalhoado, desorganizado e sem substância. Enfim, terá sido mesmo constrangedor, ainda segundo a nossa fonte, para quem o escutou, deixando a todos, ou quase todos, os seus concidadãos presentes no acto, envergonhados pela má prestação.
Um político com a experiência que então esse tinha, devia ter tido mais cuidado, ser mais avisado, por maior que fosse a sua presunção. Evitaria dessa forma o que acabou por ser uma vexatória exposição.
Na realidade, o que conta é o conteúdo, a organização mental, a comunicação. O modo como é veiculado – de improviso ou escrito − por si só, não valoriza mas pode diminuir e comprometer.
Nestes casos convém ter sempre presente a velha máxima: “Mais vale prevenir do que remediar!” E não esquecer que «o seguro morreu de velho!...»
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