Da Cultura mediatizada à «Civilização do Espectáculo - Uma leitura -
terça-feira, 7 de outubro de 2014
O escritor peruano e Nobel da Literatura, Mário Vargas Llosa, descreve de forma magnífica – analisa e polemiza profundamente – no seu livro: «A Civilização do Espectáculo» (edição Quetzal, 2012) o modo como se alteraram, se baralharam e se transtornaram, nos dias de hoje, as noções, os conceitos de cultura, de literatura, das artes, e da política.
Em linhas gerais, e de acordo com o autor, esses conceitos são hoje entendidos como entretenimento. Apenas isso. Para além de ocuparem na escala hierárquica dos media, patamares inferiores, desde que não sejam espectáculos como é o caso do tratamento da política que só vale neste século enquanto espectáculo.
Numa análise extraordinária, o autor demonstra como por exemplo, o “inconformismo” contra os poderes instituídos, gerou na Europa e por reflexo, no resto do mundo, a base da liberdade que é uma marca da cultura ocidental e a criação de condições para o surgimento de uma civilização sustentada no “questionamento”.
Sobre isso transcrevo do livro:
“ (…) Porque, na verdade, a tradição mais viva e criadora da cultura ocidental não foi nada conformista, precisamente o contrário: um questionamento incessante de tudo o que existe. Ela foi, sim, inconformada, crítica tenaz do estabelecido e, de Sócrates a Marx, de Platão a Freud, passando por pensadores e escritores como Shakespeare, Kant, Dostoiévski, Joyce, Nietzsche, Kafka, elaborou ao longo da História mundos artísticos e sistemas de ideias que se opunham radicalmente a todos os poderes instaurados. Se fôssemos apenas as linguagens que o poder impõe sobre nós nunca teria nascido a liberdade, nem teria havido evolução histórica e a originalidade literária e artística nunca teria brotado.” Fim de transcrição. (pág. 84/85).
Enfim, o livro pede-nos leituras e mais leituras. É um convite muito sério à reflexão sobre aquilo em que se tornaram os pilares fundamentais da sociedade, ou melhor, os fundamentos da civilização mundial, pois que se fala do mundo globalizado.
Seguindo o ensaio de Vargas Llosa, diz ele que tudo, mas tudo se transformou, nos dias que correm, em espectáculo lúdico para entreter e di-lo de forma monumental, através dos vários exemplos e das definições que apresenta ao longo do livro. De tal sorte, que sem esse carimbo infelizmente, ninguém lhes prestará atenção.
Assim, destarte, o ponto que o autor acentua o seu enfoque (no meu entender de leitora) é na situação em que vive a cultura contemporânea, de forma pindérica e deprimente. Segundo ele, e entre as várias razões e causas que vai apresentando ao leitor e que conduziram ao que actualmente chegou a cultura, figuram: a “invasão” e o facilitismo das redes sociais; a pressa da difusão dos acontecimentos; os atropelos à ética cometida pela imprensa, e pelo jornalismo deste espectáculo; a confusão e o “forçar a igualização” de um Investigador e de um “Chefe gourmet”; de um Compositor e de um “Discjockey” – “DJ”; sendo que os primeiros sujeitos das duas comparações, de acordo com o livro de Vargas Llosa, têm menos importância, nesta civilização do espectáculo, em que tudo é diversão…
Na verdade, trata-se de um olhar, a um tempo, exaustivo, crítico, interrogativo, assustado, e triste do autor, perante o estado a que chegou hodiernamente, o entendimento da cultura, da literatura e das artes.
Não me furto a também transcrever: “ (…) A raiz do fenómeno está na cultura. Melhor dizendo, na banalização lúdica da cultura reinante, em que o valor supremo é agora divertir-se e divertir, acima de qualquer outra forma de conhecimento ou ideal. As pessoas abrem um jornal, vão ao cinema, ligam a televisão ou compram um livro para passar o tempo, no sentido mais ligeiro do termo (…) A imprensa sensacionalista não corrompe ninguém; nasce corrompida por uma cultura que, em vez de rejeitar as intromissões grosseiras na vida privada das pessoas, reclama-as (…) Na civilização do espectáculo talvez os papéis mais vexatórios sejam os que os meios de comunicação reservam aos políticos. E esta é outra das razões pelas quais no mundo contemporâneo há tão poucos dirigentes e estadistas exemplares – como Nelson Mandela e uma Aung Sam Suu Kyi – que mereçam admiração universal. (…)” Pág. 132
E remata de forma superior:
“ (…) A cultura contemporânea faz com que tudo isto, em vez de mobilizar o espírito crítico da sociedade e a sua vontade de o combater, seja encarado e vivido pelo grande público com a resignação e o fatalismo com que se aceitam os fenómenos naturais – os terramotos e os tsunamis – e como uma representação teatral que, ainda que trágica e sangrenta, causa emoções fortes e emulsiona a vida quotidiana”. Pág. 134. Fim de transcrição.
Enfim, só mesmo a leitura da obra, isto é, a comunicação estabelecida com o seu conteúdo é que o leitor se envolverá no valor informativo e formativo do livro: «A Civilização do Espectáculo» de Mário Vargas Llosa.
Estamos perante uma obra que nos interpela e que nos inquieta.
Vale a pena lê-lo!
P. S. Aqui há dias li e vi (num canal televisivo) a passar em rodapé a notícia do casamento, note-se: do casamento, do actor George Clooney, como parte do bloco noticioso, sob epígrafe: “Cultura.” Ao que se chegou! Um acto da vida privada de um actor, por mais famoso que ele seja, é uma notícia mundana, mas nunca um acto de cultura! Convenhamos! Como Mário Vargas Llosa tem razão!
1 comentários:
Fiquei rendido às reflexões lúcidas do Prémio Nobel e à sua aplicabilidade a esta nossa Tapadinha. Gostaria de ler o livro e proponho, para isso, uma troca-empréstimo.
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