É deveras notável o maniqueísmo do acto elocutório e perlocutório, isto é, da
organização mental e da consequente articulação vocal de qualquer projecto
argumentativo do nosso nacional, sobretudo daquele que se julga ilustrado, e que até
faz opinião.
Por norma, a tese a demonstrar do assunto em discussão raramente
foge do esquema, ou é preto ou é branco
e ponto final!. É óbvio que me refiro à regra geral e não às excepções que
sempre existem.
Não pretendo ser azeda. Longe de mim tal intento!... apenas
noto e anoto factos que venho observando.
Então, vamos a dois deles que me parecem significativos para
o contexto actual da nossa sociedade.
Por exemplo, os Linguistas da nossa praça ou similares,
quando falam da importância do Crioulo nas ilhas e ao quererem demonstrar o seu
indesmentível apego ao mesmo, só o conseguem demonstrar, deitando abaixo de
seguida o português. Interessante é que a língua que lhes serve entretanto de
veículo para transmitir esse mesmo mal-querer, ser exactamente, a língua
portuguesa. Fantástico! Mas não deixa de ser bizarro.
As investidas bélicas sobre a Língua segunda, vão desde de
tentativas de retirá-la dos seus ambientes naturais, como sejam a Escola e o
meio académico no geral, passando pela agressão gratuita da mesma, enquanto
veículo linguístico de ensino, indo até ao ponto de afectar negativamente os
aprendentes da língua portuguesa.
Tudo isto, tem vindo a acontecer em Cabo Verde, numa suprema
incongruência.
E, para agravar a situação, tal cenário, tem gerado entre
nós, um séquito de acólitos mal preparados. Ávidos de protagonismo. Ansiosos
por palco ou por holofotes, configurando-se ainda mais fundamentalistas do que
os ditos “mestres” e que se prestam logo a difundir, a confundir e a espalhar o mal nas mentes dos mais jovens
falantes em fase de escolarização.
Pois bem, o mau resultado está á vista de todos. Basta
pensarmos na má preparação escolar que levam os nossos alunos do 12º ano de
escolaridade, do insucesso visível quando, na prossecução de estudos
superiores, demandam universidades de Língua portuguesa, com destaque para
Portugal.
O insucesso académico tem sido, para mal dos nossos pecados,
visível para muitos estudantes, com consequentes e por vezes, irreversíveis
danos ao projecto de vida.
Voltando ao tema proposto neste escrito, os nossos
argumentadores não se limitam a louvar o Crioulo. Não, para o fazer têm de “abater”
a língua portuguesa, esquecendo-se até de “quem é filho de quem...” fazem logo
fogo cruzado à matriz da língua cabo-verdiana.
Enfim, de incoerência em incoerência, assim falam os nossos
“opinion makers” ou, dito em português: os fazedores de opinião sobre uma
determinada matéria.
Outro exemplo, vem de alguns políticos, ou candidatos a tal,
os quais, para elogiarem o africanismo – o negro – que nos completa mas que
querem transformar num absoluto para o cabo-verdiano, desatam a destratar o
outro lado – o branco – ignorando a nossa mestiçagem.
E é assim que se ouve de gente com responsabilidade, e
convencida de que não está a ser escutada (nos dias de hoje, num mundo de redes
sociais, tudo se sabe num instante e, em todo o lado) a não ser pelos que o
rodeiam na ocasião, a desancar na parte europeia contribuidora igualmente
para a construção do nosso ser
ontológico e, finalmente, para a nossa identidade também.
Que triste sina, a nossa! Ter de levar com isto !… É caso
para se perguntar: “Quo vadis” Cabo Verde com gente com esta (não) preparação e
esta forma de (não) pensar a nossa História e a nossa cultura mestiças?
De facto, chega a ser mais do que maniqueísta esta postura.
Trata-se se calhar, de uma incapacidade analítica que afecta entre nós, os
comentadores e os políticos no geral. Uma incapacidade de discorrer mais
demorada e profundamente (falta de dados? Falta de algum estudo e de boa
preparação sobre a matéria em análise?) sobre o assunto, sem “saltar” e fazer
derivas precipitadas e as mais das vezes, mal fundamentadas que nada
acrescentam ao tema em discussão. Muito pelo contrário, criam perturbações e
equívocos desnecessários.
Ora bem, percebe-se que não estão aptos a fazer uma análise
intrínseca do problema em si (o caso já aqui citado, o da Língua portuguesa). Ao
invés, o que fazem é uma comparação imediata com outro (no caso, com o Crioulo)
seja porque lhes convém retirar daí proveito imediato, seja porque não
reflectiram com seriedade, não só sobre a importância do português na
escolarização da criança cabo-verdiana, mas também sobre o efeito devastador que o abandono da
compreensão e da oralidade em língua portuguesa nas escolas, tem tido na
escrita, na interpretação de conceitos, na leitura, entre outros efeitos perversos que esta situação vem provocando nos alunos e nos Quadros
cabo-verdianos.
Em síntese, e para mal dos nossos pecados, o país já há muito
que vem dando mostras evidentes de uma derrapagem calamitosa em termos de poder
erigir uma capacidade, uma intelligensia
local que contribua para o desenvolvimento das ilhas, quer do ponto de vista económico, quer social, quer
ainda cultural ou, mais ainda, da criação de uma sociedade cidadã e com opinião,
demonstradora de conhecimentos e de saber.
Infelizmente, nada disso tem acontecido.
Para nós, torna-se altamente perturbador pensar que a
realidade das ilhas vem sendo assim. Mas ainda mais confrangedora, é enunciá-la.
(o que me está a acontecer com este escrito).
Mas atenção, esta forma de pensamento dual, do dito
intelectual cabo-verdiano, não é só na questão linguística ou, sobre assuntos políticos
que ele se apresenta mais visibilidade. Não, isto configura-se nos debates
sobre matérias díspares, que ao nosso país respeitam.
Resumindo a questão, falta entre nós um argumentativo ou, um
argumentário mais acabado, mais elaborado, menos maniqueísta (preto ou branco)
mais “paleta de várias cores,” ao equacionarem-se os dados de determinado
problema. Ou seja, problematizar a questão. Abordá-la de vários e diferentes
ângulos. Uma sugestão: interroguemo-nos sempre. Coloquemos várias perspectivas.
Conscientizemos as nossas dúvidas. Analisemos sem pressas. Problematizemos com
mais interrogações e menos certezas, a matéria sobre a qual, no momento,
discorremos. Assim, abeirámo-nos da cultura. Ou, no mínimo da ilustração.
Termino este escrito com uma interpretação – referindo-se à
cultura – da portentosa escritora portuguesa, Agustina Bessa-Luís: (...)“A cultura é o trajecto a percorrer
entre o viver e o conhecer, entre a certeza e a interrogação que a segue de
perto(...)” In: «Contemplação Carinhosa da Angústia».
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