O Maniqueísmo do cabo-verdiano, dito, intelectual

sábado, 31 de agosto de 2019


É deveras notável o maniqueísmo do acto elocutório e perlocutório, isto é, da organização mental e da consequente articulação vocal de qualquer projecto argumentativo do nosso nacional, sobretudo daquele que se julga ilustrado, e  que  até faz opinião.
Por norma, a tese a demonstrar do assunto em discussão raramente foge do esquema,  ou é preto ou é branco e ponto final!. É óbvio que me refiro à regra geral e não às excepções que sempre existem.
Não pretendo ser azeda. Longe de mim tal intento!... apenas noto e anoto factos que venho observando.
Então, vamos a dois deles que me parecem significativos para o contexto actual da nossa sociedade.
Por exemplo, os Linguistas da nossa praça ou similares, quando falam da importância do Crioulo nas ilhas e ao quererem demonstrar o seu indesmentível apego ao mesmo, só o conseguem demonstrar, deitando abaixo de seguida o português. Interessante é que a língua que lhes serve entretanto de veículo para transmitir esse mesmo mal-querer, ser exactamente, a língua portuguesa. Fantástico! Mas não deixa de ser bizarro.
As investidas bélicas sobre a Língua segunda, vão desde de tentativas de retirá-la dos seus ambientes naturais, como sejam a Escola e o meio académico no geral, passando pela agressão gratuita da mesma, enquanto veículo linguístico de ensino, indo até ao ponto de afectar negativamente os aprendentes da língua portuguesa.
Tudo isto, tem vindo a acontecer em Cabo Verde, numa suprema incongruência.
E, para agravar a situação, tal cenário, tem gerado entre nós, um séquito de acólitos mal preparados. Ávidos de protagonismo. Ansiosos por palco ou por holofotes, configurando-se ainda mais fundamentalistas do que os ditos “mestres” e que se prestam logo a difundir, a confundir e  a espalhar o mal nas mentes dos mais jovens falantes em fase de escolarização.
Pois bem, o mau resultado está á vista de todos. Basta pensarmos na má preparação escolar que levam os nossos alunos do 12º ano de escolaridade, do insucesso visível quando, na prossecução de estudos superiores, demandam universidades de Língua portuguesa, com destaque para Portugal.
O insucesso académico tem sido, para mal dos nossos pecados, visível para muitos estudantes, com consequentes e por vezes, irreversíveis danos ao projecto de vida.
Voltando ao tema proposto neste escrito, os nossos argumentadores não se limitam a louvar o Crioulo. Não, para o fazer têm de “abater” a língua portuguesa, esquecendo-se até de “quem é filho de quem...” fazem logo fogo cruzado à matriz da língua cabo-verdiana.
Enfim, de incoerência em incoerência, assim falam os nossos “opinion makers” ou, dito em português: os fazedores de opinião sobre uma determinada  matéria.
Outro exemplo, vem de alguns políticos, ou candidatos a tal, os quais, para elogiarem o africanismo – o negro – que nos completa mas que querem transformar num absoluto para o cabo-verdiano, desatam a destratar o outro lado – o branco – ignorando a nossa mestiçagem.
E é assim que se ouve de gente com responsabilidade, e convencida de que não está a ser escutada (nos dias de hoje, num mundo de redes sociais, tudo se sabe num instante e, em todo o lado) a não ser pelos que o rodeiam na ocasião, a desancar na parte europeia contribuidora igualmente para  a construção do nosso ser ontológico e, finalmente, para a nossa identidade também.
Que triste sina, a nossa! Ter de levar com isto !… É caso para se perguntar: “Quo vadis” Cabo Verde com gente com esta (não) preparação e esta forma de (não) pensar a nossa História e a nossa cultura mestiças?
De facto, chega a ser mais do que maniqueísta esta postura. Trata-se se calhar, de uma incapacidade analítica que afecta entre nós, os comentadores e os políticos no geral. Uma incapacidade de discorrer mais demorada e profundamente (falta de dados? Falta de algum estudo e de boa preparação sobre a matéria em análise?) sobre o assunto, sem “saltar” e fazer derivas precipitadas e as mais das vezes, mal fundamentadas que nada acrescentam ao tema em discussão. Muito pelo contrário, criam perturbações e equívocos desnecessários.
Ora bem, percebe-se que não estão aptos a fazer uma análise intrínseca do problema em si (o caso já aqui citado, o da Língua portuguesa). Ao invés, o que fazem é uma comparação imediata com outro (no caso, com o Crioulo) seja porque lhes convém retirar daí proveito imediato, seja porque não reflectiram com seriedade, não só sobre a importância do português na escolarização da criança cabo-verdiana, mas também  sobre o efeito devastador que o abandono da compreensão e da oralidade em língua portuguesa nas escolas, tem tido na escrita, na interpretação de conceitos, na leitura, entre outros efeitos perversos que esta situação vem provocando nos alunos e nos Quadros cabo-verdianos.
Em síntese, e para mal dos nossos pecados, o país já há muito que vem dando mostras evidentes de uma derrapagem calamitosa em termos de poder erigir uma capacidade, uma intelligensia local que contribua para o desenvolvimento das ilhas, quer  do ponto de vista económico, quer social, quer ainda cultural ou, mais ainda, da criação de uma sociedade cidadã e com opinião, demonstradora de conhecimentos e de saber.
Infelizmente, nada disso tem acontecido.
Para nós, torna-se altamente perturbador pensar que a realidade das ilhas vem sendo assim. Mas ainda mais confrangedora, é enunciá-la. (o que me está a acontecer com este escrito).
Mas atenção, esta forma de pensamento dual, do dito intelectual cabo-verdiano, não é só na questão linguística ou, sobre assuntos políticos que ele se apresenta mais visibilidade. Não, isto configura-se nos debates sobre matérias díspares, que ao nosso país respeitam.
Resumindo a questão, falta entre nós um argumentativo ou, um argumentário mais acabado, mais elaborado, menos maniqueísta (preto ou branco) mais “paleta de várias cores,” ao equacionarem-se os dados de determinado problema. Ou seja, problematizar a questão. Abordá-la de vários e diferentes ângulos. Uma sugestão: interroguemo-nos sempre. Coloquemos várias perspectivas. Conscientizemos as nossas dúvidas. Analisemos sem pressas. Problematizemos com mais interrogações e menos certezas, a matéria sobre a qual, no momento, discorremos. Assim, abeirámo-nos da cultura. Ou, no mínimo da ilustração.
Termino este escrito com uma interpretação – referindo-se à cultura – da portentosa escritora portuguesa, Agustina Bessa-Luís: (...)“A cultura é o trajecto a percorrer entre o viver e o conhecer, entre a certeza e a interrogação que a segue de perto(...)” In: «Contemplação Carinhosa da Angústia».





0 comentários:

Enviar um comentário