Confusões textuais...

sábado, 27 de junho de 2020


De vez em quando é tão bom revisitar a escola! Reviver, agora sob forma de boas recordações, as aulas de Língua portuguesa e de Literatura que ao longo de quase quatro décadas leccionei  em Lisboa, em Bissau, no Sal e na Praia.
Um dos assuntos que abordava com os alunos das classes mais adiantadas, era a distinção de textos. Falava-lhes de textos de opinião, de crónicas, de textos noticiosos/informativos, de textos criativos, de ensaios, de teses, como formas diferenciadas de abordar um tema. Lembro-me de levar para as aulas como exemplo, o tema das Viagens tratado sob vários ângulos e contextos, a saber: crónica, texto criativo, texto publicitário, ensaio, tese…
 Era o exemplo prático apresentado, exactamente para os alunos perceberem as diferenças na descrição de viagens em que entravam nuns textos a objectividade, versus a subjectividade  em outros. Na mesma linha, a extensão textual, a análise científica versus a análise emotiva/sentimental, entre outros parâmetros distintivos de cada uma das formas de escrita, já devidamente e amplamente classificadas.
Este intróito  e todo este arrazoado foi apenas um aparte e um desabafo.
 E vêm a propósito de quê? Passo a explicar:
Aconteceu aqui há algum tempo uma pessoa amiga ter-me contado que havia escutado de um comentador num programa televisivo nacional, a propósito do Crioulo e da Língua portuguesa, comparar Artigos de Opinião, com uma Tese académica, no caso, para a obtenção de um grau académico.
O interessante é que nessa comparação ilógica – insensata e algo descabida - o Comentador queria mostrar a superioridade da posição sustentada na aludida tese, face aos Artigos de Opinião, sobre o Crioulo cabo-verdiano e a Língua Portuguesa
Custou-me sinceramente, saber que um comentador da TCV nacional, com alguma responsabilidade elocutória e opinativa, não conseguisse distinguir, diferenciar níveis de abordagens tão diferentes, que não são e nem podem ser equiparados.
Por outro lado, ao fazer-se a apologia de uma tese deve-se ter sempre em conta que é apenas a assumpção de uma visão de um problema e não a verdade absoluta e irrefutável sobre ele. …
Infelizmente, por ignorância ou má-fé, não foi o resultado da conversa televisiva, uma vez que o dito Comentador, acabou por confundir no mesmo imbróglio por ele criado, “Artigo de Opinião” com “Tese Académica”.
São duas formas de escrita e de descrição bem diferentes, em que uma, pouco ou nada tem a ver com a outra. embora versando o mesmo tema.
 Ora bem, vamos por partes, o primeiro, só obriga o seu autor. O Artigo de Opinião, como o próprio título o define só carreia a opinião do seu autor e as suas principais características enquanto produto textual, é o lugar que tem nele, a subjectividade, o seu principal atributo – o pensamento, o sentir, a forma de percepção do seu autor, na abordagem de um assunto e a circunstancialidade espacio-temporal que o envolve. Trata-se normalmente de um texto relativamente sintéctico e curto em termos de sentido e de extensão.
 A segunda, a Tese direccionada para a obtenção de um grau académico. estrutura-se e fundamenta-se em citações e em comparações de vários e de diferentes autores sobre a matéria nela descrita e que se destina primeiro como trabalho universitário com vista à sua apresentação, discussão e finalmente, eventual aprovação de um Júri abalizado e versado no assunto, uma vez avaliada a Tese em discussão final do candidato ao título académico.
 Ora bem, a Tese assim feita é, em linhas muito gerais, formatada da seguinte forma: coloca-se uma hipótese sobre um determinado assunto. Reúne-se uma panóplia assisada e bem fundamentada de teses, de teorias e de ensaios já existentes sobre a matéria em que aqui já haverá escolhas, selecções e opções do próprio autor de Tese. Torna-se quase obrigatório um manancial de citações diversas para provar o trabalho de pesquisa.
Na mesma linha, numa Tese, deve ocupar lugar distinto o aspecto científico da matéria em defesa. O autor da tese também pode lançar, por vezes, inovações e abordagens originais como mais valias para a defesa do seu trabalho final de obtenção do grau académico almejado.
Quando muito, em termos de definição de textos, uma Tese estará mais próxima, comparativamente, de um Ensaio. Mas nunca de um Artigo de Opinião.
Mas é bom que fique claro que uma Tese é para justificar uma hipótese posta ab initio. É uma visão sustentada de um determinado assunto. Não são dogmas como pretendeu o comentador E é quase sempre discutível, refutável e, por vezes, ultrapassada à luz de novas evidências, de novas teorias que conduzem a novas abordagens que, muitas vezes são do desconhecimento do próprio júri...
Desculpem-me esta explicação tão primária do assunto – e se calhar inadequada para o nível do leitor deste “Blog”. – Mas é que fiquei completamente perplexa com a comparação feita por esse comentador atrás citado que devia ter algum cuidado crítico e não argumentar-se em precipitadas e descontextualizadas comparações que o acabaram por levar a conclusões nada intelectivas.
E terá sido assim que a análise televisiva foi feita sem qualquer sentido lógico textual, acrescentou a minha fonte.
Posto isto,  não resisto a recomendar , que não se confunda e muito menos se compare um “Artigo de Opinião” – que visa fins e público bem  gerais - com uma “Tese académica” orientada para público e objectivos bem específicos.
E com esta me fico, pois de confusões textuais estão os nossos meios de comunicação  cheios...

1 comentários:

Adriano Miranda Lima disse...

Penso que esta intervenção da Ondina é muito pertinente e de grande utilidade para o esclarecimento do leitor. Ninguém poderá refutar o seu ponto de vista e argumentação, tão nítido é o absurdo de querer comparar um artigo de Opinião com uma Tese académica. Para mais, é necessário este tipo de esclarecimento porque o leitor ou espectador não pode ser confundido por quem aceda aos meios de comunicação julgando-se de uma infabilidade divina na sua qualidade de comentador.

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