SABER ESTAR, SABER SER...

domingo, 5 de julho de 2020




 Há normas e procedimentos no relacionamento institucional que não sendo escritos nem legislados são de execução obrigatória porque o bom-senso recomenda, a boa educação reclama e a ética exige.
É neste contexto que se desenrolam certas ligações entre os dirigentes de topo do Estado – membros do Governo e da Mesa da Assembleia Nacional, Deputados da Nação, entre outros de funções equiparadas – e figuras destacadas da nossa comunidade.
A propósito de figuras da comunidade, um pequeno parêntese para se referir à figura de “Ministro” em França em que ministro uma vez, ministro toda a vida, pelo menos em termos protocolares. Sem concordar com esta posição uma vez que, considero – com todo o respeito pela posição francesa – que em democracia o exercício de funções políticas no Estado é sempre transitório; compreendo, contudo, que ela sirva para “distinguir” ou “apontar” aqueles que serviram o Estado com responsabilidades acrescidas. Fecha-se o parêntesis e volta-se ao assunto.
Tem-se verificado no nosso País, amiúde, de forma reiterada, alguma confusão no estabelecimento dos níveis de intervenção dos colaboradores do Gabinete do Ministro – Director de Gabinete, Secretária do Ministro e outros quadros desse Gabinete – com o do titular do Ministério.
Aqui há alguns meses, circulou um convite que começava, note-se: “O Gabinete do...  tem o prazer de convidar…”  cujo conteúdo dizia respeito a uma homenagem a um dos nomes maiores da poesia cabo-verdiana.
Se a intenção era engrandecer a figura do poeta, não parece correcto que deva ser o Gabinete do membro do Governo a formular o convite de homenagem, mas sim o titular do Ministério em questão, directamente.
Só assim ele estaria a prestar de facto uma homenagem, simbólica, e por extensão, até em nome do Governo de Cabo Verde a essa grande referência da poética nacional.
Mas ao proceder da forma como o fez, foi redutor e rebaixou a abrangência e amplitude da homenagem, quando interpõe no convite uma unidade orgânica, obviamente, de menor hierarquia, no caso, o seu Gabinete, que para o assunto de tamanha elevação não devia ser chamado porque não substitui o Ministro.
Saindo da esfera da designação generalista – dirigentes de topo – e particularizando apenas para exemplificar (por comodidade, no singular) para membros de Governo, não é invulgar – variadíssimos casos – que um membro de Governo, desejando obter a contribuição pro bono – palestra, conferência, apreciação de documento, ou outra importante intervenção ou mesmo informação – recorra à sua Secretária não apenas para fazer o contacto, mas também para fazer o convite e transmitir o “recado” como se o convidado fosse funcionário desse membro do Governo ou lhe devesse alguma subordinação hierárquica ou funcional.
Trata-se de um convite ou de um pedido e a Secretária – sem qualquer desprimor – não pode ser, para esse efeito, nem mensageira, nem recadeira. Quando muito, para estabelecer o contacto. E isto não é só por revelar incorrecção e pouca delicadeza da parte do membro do Governo, mas também porque na maior parte das vezes a Secretária não conhece – e nem tem de conhecer – as motivações, os meandros e a natureza do convite/mensagem para explicar ao convidado.
E quando o Ministro desconsiderando o seu potencial convidado de quem carece, – é ele quem precisa – enviando-lhe recados ou mensagens como se fosse seu subordinado ou lhe devesse obediência, está a ser desrespeitoso, desatencioso, indelicado e, consciente ou inconscientemente, arrogante e egotista.
E o que se vem verificando configura, infelizmente, uma conduta delineada e concertada, que se tornou regra, uma vez que a reincidência e a reiteração já são mais que muitas... Seguramente que não há-de ser por deslumbramento pelo exercício de funções elevadas nem por qualquer outro tipo de complexo (!?).
Parece desconhecer-se que as regras de cortesia, de delicadeza na relação e na comunicação entre pessoas bem educadas, também se estendem às instituições de Estado na sua relação com determinadas personalidades da sociedade civil... “noblesse oblige”
E é assim que se torna absolutamente normal, por uma questão de dignidade e de respeito por si próprio, que a resposta seja um “não” redondo do convidado  envolvido em justificações várias dependendo do grau de indignação da recepção do convite/recado transmitido por via desatenciosa e pouco elevada porque descortês e redutora.
E o que é mais grave é que, por vezes, entre o membro do Governo e o convidado para além de existir uma relação pessoal, o convidado é também um ex-membro do Governo ou da Assembleia Nacional ou uma figura destacada da sociedade civil.
Quando um Dirigente de Topo do Estado – membro do Governo ou da Mesa da Assembleia Nacional ou outras entidades de funções equiparadas – convida, e se o convidado lhe merecer a mais pequena consideração e respeito ou se for um ex-alto Dirigente do Estado ou uma figura destacada da nossa sociedade, deve fazê-lo directamente, sem quaisquer complexos e não através do seu Gabinete – uma unidade orgânica de apoio administrativo e logístico – que apenas lhe deverá servir de suporte, para estabelecer o contacto e outras diligências afins que se vierem a mostrar necessárias para a consecução do propósito.
Os procedimentos poderão não constar especificamente em nenhum manual, e nem é preciso, porque estão associados a entidades e funções onde devem imperar o bom-senso, a educação, a ética e um profundo respeito pelas funções que, transitoriamente, exerce em nome do Estado.
Um Governante contactar directamente, um ilustre membro da sociedade civil, um ex-governante, um ex-deputado, entre outras personalidades de reconhecido mérito, para lhe pedir um trabalho ou endereçar-lhe um convite,  não se rebaixa, não se apouca e não se banaliza. Antes pelo contrário, mostra respeito e consideração pelas funções que desempenha, pelo objecto e interesse do seu assunto e, na mesma linha, pela pessoa a quem convida.






  













1 comentários:

Adriano Miranda Lima disse...

Exprimo aqui a minha total concordância com o que a Ondina aqui denuncia. Julgo que certos comportamentos não acontecem por acaso. Não basta a cadeira de um alto cargo para que se resolvam carências de base. Há "chás" que ou se tomam em pequeno e no seio da família ou nunca mais se saboreiam. No fundo, o que está em causa é a ética do relacionamento social, que se entrecruza com a atenção e o respeito para com o outro e, ao fim e ao cabo, com o mais elementar bom senso. A não ser que a posse de um alto cargo suba demasiado à cabeça e baralhe a noção do óbvio.

Enviar um comentário