quarta-feira, 28 de abril de 2021

 

Investigação e pesquisa são hoje necessárias nestas Ilhas

Creio que para Cabo Verde e sobre Cabo Verde estão registados historicamente, dois grandes momentos em que um grupo de personalidades e de especialistas, cultos e com preocupações históricas e sociais, se debruçaram sobre o Homem cabo-verdiano.

1-Mesa redonda sobre o Homem cabo-verdiano. Mindelo 1956

2- Colóquios cabo-verdianos. Lisboa 1959

O primeiro momento aconteceu em Mindelo, em 1956 - Mesa Redonda sobre o Homem Cabo-verdiano - com debates no antigo Grémio recreativo do Mindelo, coordenados pelo Prof. Almerindo Lessa, que era à data, investigador da Junta de Investigação do Ultramar, sedeada em Lisboa.

Na esteira da Mesa Redonda de Mindelo, resultou um ensaio com o título «Seroantroplogia das ilhas de Cabo Verde» de autoria de Almerindo Lessa e de  Jacques Ruffié, publicado pela já citada, Junta de Investigação do Ultramar.

A Mesa redonda sobre o Homem cabo-verdiano foi dividida em 6 sessões. Coube a cada sessão um tema para discussão.

 Assim tivemos: tema 1. “Existe uma civilização cabo-verdiana?” o clima, as fomes o desemprego (...) foi o mote que deu lugar a diversas intervenções. Tema 2 – A sensualidade do Homem cabo-verdiano. Sendo a sensualidade uma das razões da criação artística (...).

Tema 3 –“A indolência cabo-verdiana, é fruto do clima e do tipo de alimentação, ou consequência de uma doença de vontade?”

 Tema 4 – “A língua crioula é um idioma de poupança e de adaptação regional, com a riqueza fonética e a plasticidade de um verdadeiro idioma ou é apenas um «falar útil», bom como instrumento de comunicação, mas incapaz para outras realizações intelectuais?” Nota interessante: neste painel, brilhou Baltazar Lopes da Silva. Ele foi o protagonista. Tendo o moderador do debate, Almerindo Lessa, afirmado, com alguma graça no final do debate, de que uma das razões que o havia  levado a escolher o tema do Crioulo, foi justamente por já ter conhecido os excelentes trabalhos a propósito e da autoria  do eminente filólogo e  Linguista cabo-verdiano, Baltazar Lopes da Silva.

Tema 5 – “As formas elementares da cultura da terra são consequència de um fatalismo, de falta de meios materiais ou da impreparação técnica dos agricultores?”

Tema 6 – “Se existe um complexo de inferioridade respeitante ás doenças de negro? Que se sabe a respeito de tristeosa?”

Com efeito, os temas debatidos, à volta do Homem cabo-verdiano, nesta Mesa redonda foram discutidos de forma substantiva, capazes de resultarem em autênticas teses. .

De realçar que os intervenientes no debate foram individualidades  prestigiadas no meio, à época, e quase todas cabo-verdianas. A saber:

Baltazar Lopes da Silva, Daniel Tavares, António Aurélio Gonçalves, Augusto Miranda, Júlio Monteiro, Henrique Teixeira de Sousa, Henrique Santa Rita Vieira, João Morais, Jorge Barbosa, Aníbal Lopes da Silva. Foram, entre outras, as proeminentes personalidades que intervieram directamente na discussão dos temas aqui referidos. Estamos perante uma plêiade de escritores, poetas, médicos, juristas, professores que pensavam o Arquipélago e que sobre ele pesquisavam e estudavam-no com seriedade e com profundidade.

Creio que não seria demais, sugerir aos nosso investigadores, Linguistas, Historiadores, Críticos literários e estudiosos da problemática social cabo-verdiana, que lessem estes documentos, que, na minha opinião, conservam muita actualidade e fornecem  bases sérias sobre o passado deste Arquipélago.

Nota com interesse: as sessões da Mesa redonda sobre o Homem cabo-verdiano, encontram-se publicadas na íntegra, no antigo «Boletim Cabo Verde» nos números deste periódico que se situam entre Dezembro de 1957 e Maio de 1958.

O segundo momento em que autores e estudiosos cabo-verdianos e portugueses estiveram voltados para as ilhas, aconteceu em 1959, com os «Colóquios cabo-verdianos», organizados em Lisboa. Vale dizer que os mentores daquele fórum foram os escritores: Manuel Ferreira e Nuno de Miranda, como na altura foram definidos: “o primeiro cabo-verdiano de coração, o segundo, cabo-verdiano de origem” (Prof. Jorge Dias in «Cabo Verde» Boletim de Propaganda e de Informação, nº 112, Fev. de 1959).

Neste Encontro, ouviram-se intervenções de Gabriel Mariano,”Do Funco ao sobrado, ou o mundo que o mulato criou” tese  cara ao autor, em que procurou demonstrar que o verdadeiro artífice e o real estruturador da sociedade cabo-verdiana foi o mulato e a  sua cultura mestiça. Terá sido o mulato o “verdadeiro mestre da sociedade crioula”. De Manuel Lopes, “Reflexões sobre a moderna Literatura cabo-verdiana, ou universalismo literário nos meios pequenos”; de Manuel Ferreira, “ Em torno dos instrumentos de expressão literária do cabo-verdiano”; de Nuno Miranda,”Problemas de educação e de ensino. Alguns aspectos em Cabo Verde;”  de Luís Terry “o problema da emigração cabo-verdiana” ;de Silva Teixeira “A agricultura em Cabo Verde”; entre outros oradores.

Presentes e intervenientes estiveram também o Prof. Almerindo Lessa, o Prof. Jorge Dias, o Eng. Humberto Duarte Fonseca. 

Interessante a nota registada em como estiveram a assistir, estudantes universitários cabo-verdianos que à época, (1959) prosseguiam os estudos superiores em Portugal.

Foram estes os momentos altos e mais abrangentes alguma vez  feitos, sobre a terra e a gente das ilhas.

Note-se ironicamente, que actualmente, o país, Cabo Verde conta com mais de uma centena de mestres e de doutorados e não vislumbramos nisso, infelizmente, qualquer alargamento e/ou  inovação científica e social, e nem mesmo, o aparecimento de uma comunidade que se possa chamar minimamente, de comunidade científica cabo-verdiana a debruçar-se sobre temas candentes desta comunidade.

Continuarei o tema (expresso no título) num próximo escrito. Por agora, deixo aqui registados estes momentos históricos em que houve de facto, um perscrutar atento e com cariz científico, social e literário, sobre Cabo Verde.

Afinal, tudo isto foi escrito a pensar e a desejar também que deixem de existir entre nós, as confrangedoras e as redutoras intervenções a que temos assistimos, numa espécie de aventureirismo intelectual - dotado também, à mistura, de algum oportunismo inócuo -  sobre a História  de Cabo Verde, que não começou em 1975, como alguns teimam em fazer crer.

É bom revisitar de vez em quando a nossa História. Sim, a História da nação que hoje continuamos nestas ilhas, tem já muitos séculos, e todos merecem a nossa atenção, numa leitura policromada, versátil, objectiva e situada no seu tempo..

 

 

 

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