Investigação
e pesquisa são hoje necessárias nestas Ilhas
Creio
que para Cabo Verde e sobre Cabo Verde estão registados historicamente, dois
grandes momentos em que um grupo de personalidades e de especialistas, cultos e
com preocupações históricas e sociais, se debruçaram sobre o Homem
cabo-verdiano.
1-Mesa
redonda sobre o Homem cabo-verdiano. Mindelo 1956
2-
Colóquios cabo-verdianos. Lisboa 1959
O
primeiro momento aconteceu em Mindelo, em 1956 - Mesa Redonda sobre o Homem
Cabo-verdiano - com debates no antigo Grémio recreativo do Mindelo, coordenados
pelo Prof. Almerindo Lessa, que era à data, investigador da Junta de
Investigação do Ultramar, sedeada em Lisboa.
Na
esteira da Mesa Redonda de Mindelo, resultou um ensaio com o título
«Seroantroplogia das ilhas de Cabo Verde» de autoria de Almerindo Lessa e
de Jacques Ruffié, publicado pela já
citada, Junta de Investigação do Ultramar.
A
Mesa redonda sobre o Homem cabo-verdiano foi dividida em 6 sessões. Coube a
cada sessão um tema para discussão.
Assim tivemos: tema 1. “Existe uma civilização
cabo-verdiana?” o clima, as fomes o desemprego (...) foi o mote que deu
lugar a diversas intervenções. Tema 2 – A
sensualidade do Homem cabo-verdiano. Sendo a sensualidade uma das razões da
criação artística (...).
Tema
3 –“A indolência cabo-verdiana, é fruto
do clima e do tipo de alimentação, ou consequência de uma doença de vontade?”
Tema 4 – “A
língua crioula é um idioma de poupança e de adaptação regional, com a riqueza
fonética e a plasticidade de um verdadeiro idioma ou é apenas um «falar útil»,
bom como instrumento de comunicação, mas incapaz para outras realizações
intelectuais?” Nota interessante: neste painel, brilhou Baltazar Lopes da
Silva. Ele foi o protagonista. Tendo o moderador do debate, Almerindo Lessa,
afirmado, com alguma graça no final do debate, de que uma das razões que o
havia levado a escolher o tema do
Crioulo, foi justamente por já ter conhecido os excelentes trabalhos a
propósito e da autoria do eminente
filólogo e Linguista cabo-verdiano,
Baltazar Lopes da Silva.
Tema
5 – “As formas elementares da cultura da
terra são consequència de um fatalismo, de falta de meios materiais ou da
impreparação técnica dos agricultores?”
Tema
6 – “Se existe um complexo de inferioridade respeitante
ás doenças de negro? Que se sabe a respeito de tristeosa?”
Com
efeito, os temas debatidos, à volta do Homem cabo-verdiano, nesta Mesa redonda
foram discutidos de forma substantiva, capazes de resultarem em autênticas
teses. .
De
realçar que os intervenientes no debate foram individualidades prestigiadas no meio, à época, e quase todas
cabo-verdianas. A saber:
Baltazar
Lopes da Silva, Daniel Tavares, António Aurélio Gonçalves, Augusto Miranda,
Júlio Monteiro, Henrique Teixeira de Sousa, Henrique Santa Rita Vieira, João
Morais, Jorge Barbosa, Aníbal Lopes da Silva. Foram, entre outras, as
proeminentes personalidades que intervieram directamente na discussão dos temas
aqui referidos. Estamos perante uma plêiade de escritores, poetas, médicos, juristas,
professores que pensavam o Arquipélago e que sobre ele pesquisavam e
estudavam-no com seriedade e com profundidade.
Creio
que não seria demais, sugerir aos nosso investigadores, Linguistas,
Historiadores, Críticos literários e estudiosos da problemática social
cabo-verdiana, que lessem estes documentos, que, na minha opinião, conservam
muita actualidade e fornecem bases
sérias sobre o passado deste Arquipélago.
Nota
com interesse: as sessões da Mesa redonda sobre o Homem cabo-verdiano, encontram-se
publicadas na íntegra, no antigo «Boletim Cabo Verde» nos números deste
periódico que se situam entre Dezembro de 1957 e Maio de 1958.
O
segundo momento em que autores e estudiosos cabo-verdianos e portugueses
estiveram voltados para as ilhas, aconteceu em 1959, com os «Colóquios
cabo-verdianos», organizados em Lisboa. Vale dizer que os mentores daquele
fórum foram os escritores: Manuel Ferreira e Nuno de Miranda, como na altura
foram definidos: “o primeiro
cabo-verdiano de coração, o segundo, cabo-verdiano de origem” (Prof. Jorge
Dias in «Cabo Verde» Boletim de Propaganda e de Informação, nº 112, Fev. de 1959).
Neste
Encontro, ouviram-se intervenções de Gabriel Mariano,”Do Funco ao sobrado, ou o mundo que o mulato criou” tese cara ao autor, em que procurou demonstrar que o
verdadeiro artífice e o real estruturador da sociedade cabo-verdiana foi o
mulato e a sua cultura mestiça. Terá
sido o mulato o “verdadeiro mestre da sociedade crioula”. De Manuel
Lopes, “Reflexões sobre a moderna
Literatura cabo-verdiana, ou universalismo literário nos meios pequenos”;
de Manuel Ferreira, “ Em torno dos
instrumentos de expressão literária do cabo-verdiano”; de Nuno Miranda,”Problemas de educação e de ensino. Alguns
aspectos em Cabo Verde;” de Luís
Terry “o problema da emigração
cabo-verdiana” ;de Silva Teixeira “A
agricultura em Cabo Verde”; entre outros oradores.
Presentes
e intervenientes estiveram também o Prof. Almerindo Lessa, o Prof. Jorge Dias,
o Eng. Humberto Duarte Fonseca.
Interessante
a nota registada em como estiveram a assistir, estudantes universitários
cabo-verdianos que à época, (1959) prosseguiam os estudos superiores em
Portugal.
Foram
estes os momentos altos e mais abrangentes alguma vez feitos, sobre a terra e a gente das ilhas.
Note-se
ironicamente, que actualmente, o país, Cabo Verde conta com mais de uma centena de mestres e
de doutorados e não vislumbramos nisso, infelizmente, qualquer alargamento e/ou
inovação científica e social, e nem
mesmo, o aparecimento de uma comunidade que se possa chamar minimamente, de comunidade
científica cabo-verdiana a debruçar-se sobre temas candentes desta comunidade.
Continuarei
o tema (expresso no título) num próximo escrito. Por agora, deixo aqui
registados estes momentos históricos em que houve de facto, um perscrutar
atento e com cariz científico, social e literário, sobre Cabo Verde.
Afinal,
tudo isto foi escrito a pensar e a desejar também que deixem de existir entre
nós, as confrangedoras e as redutoras intervenções a que temos assistimos, numa
espécie de aventureirismo intelectual - dotado também, à mistura, de algum
oportunismo inócuo - sobre a História de Cabo Verde, que não começou em 1975, como
alguns teimam em fazer crer.
É
bom revisitar de vez em quando a nossa História. Sim, a História da nação que
hoje continuamos nestas ilhas, tem já muitos séculos, e todos merecem a nossa
atenção, numa leitura policromada, versátil, objectiva e situada no seu tempo..
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