Eis a seguir, um texto de Nuno
Pacheco, publicado no Jornal Público de 27/01/2022.
Mais uma das “trapalhadas
das grafias” do Acordo de 90, agora em tempo de eleições em Portugal. O autor explica a confusão da grafia de "secção."
Na esteira do Acordo,
o texto também traz a opinião dos Partidos portugueses sobre a revisão ou não,
do Dito Acordo Ortográfico que tantos dissabores tem causado à escrita da nossa
Língua.
Secção de voto? Já procurou por
seção? Ou sessão?
Por Nuno Pacheco[i]
E
quando já ninguém o esperava, zás!: o malfadado Acordo Ortográfico aterrou nos
debates eleitorais. Durou pouquíssimo tempo, cerca de 1 minuto e 15 segundos,
mas ainda assim o suficiente para se perceber o que vai nas almas dos
candidatos a deputados neste ano de 2022. Foi no fim do chamado “debate das
rádios”, promovido em conjunto pela TSF, Rádio Renascença e Antena 1 na manhã
de 20 de Janeiro, com a última pergunta de uma das jornalistas: “Acordo Ortográfico,
sim ou não, rever?” Inês Sousa Real (PAN) disse que sim, porque “tem havido um
grande desacordo em relação ao Acordo” e “esse debate deve ser reaberto”. Sim,
disse também Francisco Rodrigues dos Santos (CDS): “Está no nosso compromisso
eleitoral rever o Acordo”. O mesmo repetiu João Cotrim de Figueiredo (IL):
“Sim, rever o Acordo”. Isto enquanto João Oliveira sublinhou que, pelo PCP, o
assunto estaria arrumado (e adivinhamos isso desde que o então deputado Jorge
Lemos rasgou o texto do AO90 no parlamento): “Por nós, há 16 anos que estava
revisto, não só o tratado, mas o conteúdo do Acordo, que é sobretudo isso que
interessa.”
Livre
e Bloco foram menos económicos nas palavras. Rui Tavares veio carregar na tecla
de que é “um tratado internacional, pode sempre ser revisto, pode ser
melhorado” [e porque é que não foi, alguém explica?], enquanto Catarina Martins
afirmou que o “Acordo prevê, ele próprio, que haja estudos e revisões ao longo
do tempo. Portanto, se algum de nós estiver a dizer que não quer essa revisão
está a dizer que não quer o próprio Acordo. Ou seja, se calhar estamos a
enganar-nos uns aos outros. O Acordo prevê que se perceba como é que ele foi
implementado, que seja estudado e que seja melhorado.” Já agora, convém dizer
que o acordo não prevê nada disto, nem nas bases nem na nota explicativa; nem
há uma só palavra ou frase que o prove. Por fim, António Costa (PS), astuto,
“lavou as mãos” do assunto: “Acho que o Acordo deve fazer o seu caminho”.
“Portanto, quando for altura de o rever, deve ser revisto?”, retorquiu a
jornalista. Ao que Costa respondeu, com desarmante descaramento: “… como todos
os acordos.” Fim.
A par
disto, que sendo pouco é bastante significativo, temos os programas dos dez
partidos que nas eleições anteriores garantiram representação parlamentar. Dois
falam do Acordo Ortográfico (AO90), CDS e PSD; e dois estão escritos sem ele,
mantendo a grafia de 1945: os do CDS e o da aliança PCP-PEV, embora neste
último não haja nenhuma referência ao AO90. Também sem qualquer referência ao
AO90, mas escritos seguindo aparentemente as regras deste, estão os do BE, IL,
Livre, PAN e Chega. O PS, seguindo o AO90, faz-lhe uma referência indirecta ao
propor-se “reforçar o papel da CPLP na projeção [sic] da língua e das culturas
de língua portuguesa, apoiando designadamente a atividade [sic] do Instituto
Internacional da Língua Portuguesa”. Augusto Santos Silva não se esqueceu do
seu IILPezinho.
Bom,
mas o que propõem CDS e PSD? O primeiro fala em “reverter o Acordo Ortográfico
de 1990” e o segundo diz que “a tentativa da uniformização ortográfica não
constituiu qualquer vantagem face ao mundo globalizado, pelo que o PSD defende
a avaliação do real impacto do novo Acordo Ortográfico.” O CDS propõe ainda
(parecendo aceitar a óbvia diversidade do português) a “criação do Dicionário
Universal da Língua Portuguesa e da Biblioteca Universal da Língua Portuguesa
contendo entradas respeitantes às palavras usadas em todos os países de língua
portuguesa, com o respectivo sentido e enquadramento gramatical”. E é tudo.
Não,
não é tudo. Graças ao AO90 e às suas trapalhadas de duplas grafias e
facultatividades, temos nestas legislativas secções de voto, mas também
“sessões” (como já se viu na RTP ou em câmaras como a do Barreiro) ou “seções”,
grafia usada no Brasil, mas que em Portugal é considerada inexistente pela
Academia das Ciências de Lisboa e pelo próprio IILP. Ainda assim, a Câmara de
Torre de Moncorvo, por exemplo, não só usa “seções” referindo-se ao presente
acto eleitoral como, talvez influenciada pela “caça às consoantes” que o Acordo
promoveu, inventou este lindo termo: “sustituição”; e repetido três vezes
seguidas!
É por
estas e outras que Catarina Martins não errou ao dizer, no “debate das rádios”,
que “se calhar estamos a enganar-nos uns aos outros” (embora ela o tenha dito
com outro sentido); tal como António Costa foi lapidar ao afirmar que “o Acordo
deve fazer o seu caminho”. Só que, para ele, esse caminho é o de eternizar-se
no atoleiro de erros que criou, enquanto para largos milhares (não só em
Portugal) esse caminho chegou ao fim. E já não há paciência para ele.
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