Mendigos e nada Altivos!

domingo, 13 de março de 2022

 


Eis um título que parafraseei do romance «Mendigos e Altivos» de Albert Cossery[i], o escritor franco-egípcio que usou com imensa mestria a ironia, esta figura de estilo e do pensamento que por vezes se torna indispensável para a escrita de assuntos sérios e que só ironizados, atingem o objectivo pretendido.

E a que propósito vem isto tudo? Passo a explicar.

Aqui há dias, ouvindo a rádio, (RDP-África) escutei um comentador, comentador aliás, ̶ devo dizê-lo em abono da verdade  ̶  que me merece créditos pela forma assertiva com que costuma abordar os assuntos relativos ao país de origem e à política internacional. Mas desta vez, para o meu espanto e para a minha estupefacção, ̶  quando o painel comentava a recente visita do Primeiro-Ministro português à Guiné e a Cabo Verde, com finalidades de cooperação, acertos da dívida e de outros projectos – saiu-se com esta: (que procurarei transmitir em discurso directo, pois se o faço em discurso indirecto, o leitor é capaz de pensar que se trata de uma interpretação minha das suas palavras. Ouvi-o com atenção, em directo, na sexta-feira e sem filtro, como se costuma dizer. Aqui vai: “(…) expresso a minha indignação, o governo do meu país não teve coragem de o fazer, mas eu faço-o agora, a minha indignação por Costa não ter visitado o meu país” e continuava nesta toada, “um país que está a precisar de ajuda,” “(…) que está ajoelhado (...)”

Que precisava com premência dessa visita do Primeiro Ministro português, se calhar, “como do pão para a boca,” não? …

Mas que é isto? Meus senhores! Um filho a chorar, a rogar pela visita do Pai? Será?..

Então meu caro analista, a Independência serviu para quê? Para que os rogos continuassem? A sua indignação foi muito infeliz.

Haja dignidade!

O normal neste caso e seria mais sensato, pedir contas à (in)competência na gestão do seu país conduzido por nacionais que levantam essa bandeira há perto de meio século, e não, a um governo alheio.

Mas não, culpa a não visita do Governante de país amigo, Portugal, pelos males actuais (2022) do seu país, independente desde 1975?? E indigna-se pelo facto do PM português não ter visitado o seu País, num rebate que configura alguma obrigação da parte dele, ou então, algum ciúme?

 Nunca mais deixamos de pedir?

Não há aqui qualquer coisa que roça à ironia?

Ora com franqueza!... Mais valia, já agora, ter pedido à antiga Metrópole que o recebesse de volta!? Não? Se tivesse sido com essa finalidade eu havia de perceber a lógica e a coerência nessa indignação confessada.

Mas assim! Convenhamos!...

Só me resta acrescentar: “Mendigos e nada Altivos”. Bem ao contrário dos mendigos do livro de Cossery.



[i] Albert Cossery,” escritor franco-egípcio, nasceu no Cairo em 1913 e faleceu em Paris em 2008. Foi um escritor de Língua francesa. Considerado um mestre em escárnio, A. Cossery foi também um profeta do prazer e da preguiça.” Transcrito da biografia que o acompanha.

Uma curiosidade: Cossery escreveu 8 romances. Com a periodicidade de um romance por cada 8 anos.

Outra curiosidade: viveu a maior parte da sua vida num quarto do mesmo hotel em Paris, onde publicou todos os seus livros.

 

1 comentários:

Adriano Miranda Lima disse...

Não sei quem é o comentador em causa, mas o recado dado nesta crónica não podia ser mais apropriado e certeiro. E virá agora a propósito um mail que eu recebi de alguém e se relacionava com a criação (presumo que por guineenses) de um movimento ou partido intitulado "Nova Guiné - Portuguesa". Mas como o assunto não voltou a ser badalado, não sei se é "fake" ou não.

Enviar um comentário